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Direitos Reais sobre os Cemitérios 1. INTRODUÇÃO 1.1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DOS CEMITÉRIOS A origem da palavra cemitério vem do latim coemeterium, que, por sua vez, deriva de cinisterium (cinos: doce e renor: mansão), como do grego kouméterion, de kaimâo, que significa eu durmo. Em sentido estrito, cemitério, é o local em que é dada a sepultura, pelo ato de enterrar diretamente no solo. O conceito regular da palavra cemitério (“lugar onde se enterram os mortos” segundo o dicionário Houaiss) não satisfaz o conceito jurídico, pois o fato de existirem túmulos isolados com vários corpos sepultados não consiste necessariamente em cemitério. O autor Plácido e Silva em seu Vocabulário Jurídico (I, 411) diz que cemitério é a denominação dada ao local que, em toda cidade, vila ou povoado, é reservado ao enterramento ou inumação de pessoas falecidas. No mesmo sentido, a jurista Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, define como sendo o lugar em que numa cidade, se enterram os mortos, constituindo bem público municipal de uso especial. Justino Adriano Farias da Silva conceitua cemitério como sendo o local apropriado, com destinação específica, formado por duas ou mais sepulturas ou sepulcros, onde são ou foram inumados mortos. Juridicamente, cemitério é o bem imóvel, público ou privado, de uso especial, fiscalizados pelo Poder Público Municipal, no qual, mediante negócio jurídico de concessão ou locação, são sepultados os mortos. Primitivamente, cemitério era o lugar onde se dormia. Foi somente nos primeiros séculos da nossa era que a palavra assumiu o sentido de necrópole, de campo-santo, campo de descanso eterno, etc. A Bíblia, em várias passagens suas, denomina o cemitério como sendo onde dormem os mortos até serem acordados pelas trombetas do Juízo Final, quando se levantarão incorruptos. Em outros momentos, a morte se encontra como sinônimo de sono, como é o caso em que Jesus, ao falar sobre a morte de Lázaro, diz: “Lázaro, nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo” (Jo 11, 11). Entretanto, nem sempre a morte é vista desta forma na Bíblia. No Antigo Testamento, ela é tida como a desgraça dos homens. Em Roma, quando os romanos proibiram as inumações dentro da cidade, não se preocuparam com a organização dos cemitérios. Surgiram, assim, os sepultamentos desordenados ao longo das estradas, não só porque nessas localidades o acesso era mais fácil, mas principalmente pela constante recordação dos mortos que se manteria, graças aos transeuntes por ali presentes, ao menos de passagem. Com o desenvolvimento das cidades, essas sepulturas de periferia logo se tornaram partes urbanas, isto é, os mortos que haviam sido expulsos da cidade, estavam novamente dentro da cidade. Assim tem sido até nossos dias. O cemitério, enquanto agrupamento de túmulos ou sepulturas, é provável que tenha surgido quando os homens passaram a fixar-se em determinadas regiões, e, também, com o aparecimento da propriedade privada. A Lei das XII Tábuas, do ano 303, proibia, em Roma, a inumação de homem morto na cidade. Como consequência, os romanos passaram a construir seus jazigos nas vilas (casas de campo) ou à beira das estradas públicas. A proibição durou até 820, com o decreto do imperador bizantino Leão VI, o Sábio, em sua Novela 53, em que se passou a autorizar o sepultamento dentro e fora das cidades. A permissão, assim como o aumento das cidades e de seus habitantes, acarretou o acúmulo de túmulos ao redor de igrejas. Um outro tipo de cemitério que surgiu longe das urbes, foram os cemitérios cristãos. Segundo Tertuliano, seu aparecimento ocorreu fim do século II. Pela lei, tinham de ficar fora da cidade; subterrâneos ou em área descoberta, mas então, cercados por muros ou colunas. Devido a perseguição aos cristãos, passaram a constituir-se em local apropriado de reuniões e orações. No desenvolvimento histórico dos cemitérios, merece destaque a fase medieval. O cemitério, nessa época, deixou de ser somente o lugar em que se enterravam mortos, pois, assim como a igreja, era o centro da vida social. Na Idade Média e até durante o século XVII, correspondia tanto à ideia de praça pública como à ideia de hoje, exclusiva para serviço reservados aos mortos. A palavra tinha então dois sentidos de apenas um subsistiu desde o século XVII até os nossos dias. Nessa época, os cemitérios praticamente deixaram de ser lugar dos mortos, para se tornarem refúgios dos vivos. Os refugiados que, a princípio, se localizavam temporariamente nos cemitérios, começaram a permanecer em definitivo, construindo habitações e vivendo com habitualidade. Questões jurídicas surgiram e, no século XIII, um tribunal eclesiástico concedeu permissão aos senhores feudais cobrarem censos dos habitantes dos cemitérios. O cemitério, que antes era local de paz e tranquilidade, tornou-se lugar de barulho, de comércio, devido justamente a preferência de todos por ali em travarem relações sociais e comerciais. Ali, se realizavam as procissões, os cortejos civis e militares e até a justiça, ou seja, a prestação jurisdicional do Estado, de um modo geral, era realizada nos cemitérios. Joana D’Arc, no século XV, foi julgada por um tribunal no cemitério de Saint Ouen, em Rouen. Por volta do século XVII, as cidades já estavam cheias de mortos, isto é, a presença dos cemitérios era marcante no visual urbano. Surge uma preocupação com a salubridade pública e se pedem mais cuidados com as sepulturas e mais decência na manutenção dos cemitérios. O acúmulo local dos mortos nas igrejas, ou nos pátios das mesmas, tornou-se repentinamente intolerável, ao menos para os intelectuais da época, como o abade Porée. No século XVIII verifica-se, mesmo por parte da Igreja, uma preocupação em separar o cemitério da igreja, até mesmo por necessidades demográficas. Foi o toque inicial para o afastamento dos cemitérios das cidades. A graveolência passou a ser afastada. Inicia-se, por volta de 1780, as premissas de uma higiene pública, logo os cemitérios são os primeiros espaços a serem atingidos, a passo de alcançar uma remodelagem do espaço urbano. A fase inicia-se com o Decreto de 12 de junho de 1804, na França, ditando normas que ainda hoje vigoram entre nós. Confirma definitivamente a proibição de enterrar nas igrejas e nas cidades e que as sepulturas se distanciem, pelo menos, de 35-40 m dos limites do perímetro urbano. Determina que os corpos não sejam mais sobrepostos, mas justapostos. Fixava-se distância mínima entre uma sepultura e outra e vedava a reutilização de valas. As concessões de jazigos perpétuos aparecem pela primeira vez, em termos legais decretando que estas somente serão conferidas àqueles que se oferecerem para fazer doações em favor dos pobres e dos hospitais, independentemente do valor verificado. Em pouco tempo, entretanto, os mortos estavam novamente na cidade. O problema decorre, principalmente, do aumento da população de mortos, e pressiona os Estados a tomarem medidas extintivas do mau odor que os cemitérios emanavam. No Brasil, o pioneiro nesse problema foi José Correa Picanço em sua publicação Ensaio sobre o Perigo das Sepulturas nas Cidades e nos seus Entornos (1812), cuja ênfase era o tratamento histórico do problema. Atualmente, a preocupação predominante é em relação às questões ambientais, que os atuais cemitérios não contemplam; assim como a construção de cemitérios verticais, para suprir a necessidade de espaços e a concessão onerosa do direito de uso da sepultura. Os primeiros cemitérios brasileiros foram nas igrejas, mas os sepultamentos nesses locais obedeciam sempre a uma hierarquia, desse modo conferiam aos maiores doadores a possibilidade de serem sepultados mais próximos do altar-mor ou nas vizinhanças desses locais. Estavam restritos a inumação dentro das igrejas os escravos, acatólicos, judeus, protestantes e sentenciados. Com o passar do tempo,começaram a surgir os cemitérios a céu aberto, sob domínio da Igreja, sendo ela também responsável pela administração dos locais. Os novos cemitérios foram motivados pela Carta Régia, do Príncipe Regente ao Governador de Minas Gerais, em que Sua Alteza solicitava, por questões sanitaristas, os corpos passassem a ser enterrados em cemitérios construídos em Sítio Separado de Vila Rica. Foi somente com a secularização que o cemitério passou para o regime dúplice, ou seja, conviver com cemitérios públicos e privados. A necessidade era de manter cemitérios civis de caráter público onde qualquer defunto pudesse ser sepultado, independentemente do credor religioso ou do estado como tivesse falecido. Com a secularização, concretizada com o Decreto n. 119-A, em 1890, baixado pelo Governo Provisório de 1889-91, os cemitérios existentes até então, que eram particulares, não foram simplesmente declarados públicos, mas não puderam mais neles realizar-se inumações. Alguns passaram para o Poder Público através da desapropriação, de compraevenda, etc. Estes deixando, assim, de ser particulares e, assumindo a condição de bem público, admitiam as inumações. Os que continuaram como propriedades privadas, mesmo assim ficaram sob o poder de polícia da autoridade municipal a quem foi deferido tal encargo. De qualquer forma, ficaram impossibilitados de realizar novos sepultamentos. A história dos cemitérios brasileiros pode ser analisadA à luz do direito constitucional vigente na época. A Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, nada tendo disciplinado sobre a matéria, permitiu-se que as autoridades religiosas e mesmo os particulares tomassem as iniciativas de instalarem e administrarem os cemitérios. Mas o texto constitucional de 1891, ao contrário, teve de levar em conta as disposições pouco antes editadas sobre a matéria (Decreto n. 789). Assim é que, no artigo 71, § 5º, determinou-se: “Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral e as leis”. Assim, os cemitérios que não passaram ao domínio do Poder Público, por acordo ou expropriação, continuaram a ser de propriedade de quem já eram, só sendo possível a sua utilização como campo santo, até então considerados. A Constituição de 16 de julho de 1934 manteve a primeira parte do texto anterior, mas concedeu uma maior abertura, admitindo, na segunda parte, a manutenção de cemitérios particulares por parte das associações religiosas, desde que sujeitos à fiscalização das autoridades competentes e ficando proibida a recusa de sepultamentos onde não houvesse cemitério civil. Em 10 de novembro de 1937, a Constituição polaca voltou a admitir à pretensão da primeira constituição republicana (supra citado), ou seja, de que não é admitido o estabelecimento de novos cemitérios particulares, como também se deve considerar extintos os antigos existentes. A Constituição de 1946 voltou a considerar a matéria com maior amplitude que, embora mantendo a secularização e a administração municipal, admitiu também a manutenção pelos particulares (art. 141, § 10). Em 5 de outubro de 1988, promulgou-se a Constituição vigente, na qual nada dispôs sobre a matéria. Desta forma, existem no Brasil, cemitérios públicos e privados, nada impedindo a implementação de novos, de ambas as naturezas jurídicas, sendo, no entanto, sempre submetidos ao poder de polícia mortuária do município. 1.2. NATUREZA JURÍDICA DOS CEMITÉRIOS Os cemitérios são bens imóveis, públicos ou privados, de uso especial. São destinados ao sepultamento dos cadáveres ou restos mortais, sob o poder da polícia mortuária do município. Alguns doutrinadores classificam os cemitérios como bens de domínio privado comunal, pois são fontes de recursos para os municípios. Porém, alguns cemitérios particulares estão submetidos ao poder de polícia do Poder Público, não sendo compatíveis com a propriedade privada. Dessa forma, a teoria do domínio privado municipal não prosperou, tanto devido ao fato de não existir regra que impeça os bens dominicais serem produtivos, quanto à referência ao poder de policia, pois esta exerce-se sobre todos os bens, inclusive particulares. Segundo a doutrina majoritária, os cemitérios são bens de domínio público, ou seja, são objetos de propriedade de uma autarquia local, destinados a inumação dos cadáveres de todos os indivíduos que faleceram na circunscrição. Portanto, possuem o índice evidente de utilidade pública, ou seja, o uso direto e imediato do público. Há ainda, a chamada teoria eclética, na qual alguns doutrinadores afirmam que os cemitérios em si são bens de domínio público, mas os sepulcros (lugar onde se realizam as inumações) são bens privados do município e dos concessionários. Atualmente, a matéria está praticamente pacífica no sentido de que os cemitérios são bens públicos municipais. Os bens públicos são classificados em bens de uso comum, de uso especial e patrimoniais. Os bens públicos de uso comum são todos os bens móveis e imóveis nos quais a população exerce direitos de uso e gozo, com ou sem autorização especial para isso. Como por exemplo, os rios, as estradas, praças, etc. Os bens públicos de uso especial são aqueles apenas usados pela Administração em seus serviços, tendo como finalidade específica o aumento da esfera de ação e poder econômico do indivíduo, sendo facultado a ele o uso e gozo de bens públicos, em condições excepcionais (sendo observadas certas formalidades especiais). Os bens patrimoniais são aqueles que o Poder Público tem como se um particular fosse, ou seja, servem de instrumento para que o ente público realize seus próprios fins. Dessa forma, o cemitério, trata-se de um bem público de uso especial, pois para que o indivíduo venha a obtê-lo é necessário um ato formal, no qual o poder público autorize os sepultamentos. Porém, a entrada, saída e permanência das pessoas nesses recintos, não dependem de autorização. Dentre as características jurídicas dos cemitérios, podem ser destacadas, a inalienabilidade, a impenhorabilidade e a inexpropriabilidade. Nem todos os cemitérios são públicos, assim, mesmo havendo cemitérios de ordem privada, estes devem ser considerados instrumentos de um serviço público, razão pela qual seu funcionamento não fica ao livre arbítrio do particular e sim às normas legais atinentes a espécie. 1.3. CARACTERIZAÇÃO DAS SEPULTURAS Sepulcrologia é a parte do direito que estuda as espécies e tipos de sepulturas, bem como os assuntos pertinentes ao direito do indivíduo à sepultura. Sepultura é inumação, que significa ação ou efeito de sepultar cadáver. Também pode significar o lugar no solo (fossa, cova, vala) ou em construção, onde o cadáver é inumado. Há ainda sentido mais abrangente, conforme decisão do STF, proferida pelo relator Min. Leitão de Abreu, que define que sepultura é jazigo. Conforme elucida Alcides Greca, “sepulcro é o espaço elementar e a estrutura material em que se encontram os despojos da pessoa falecida”. Desta forma, sepulcro traz a ideia de coisa, de edificação, de obra sob ou sobre a terra. Estes são os nichos, os carneiros, columbiários para guardar as cinzas (cinerários), os jazigos, os mausoléus, os panteões e os túmulos. Genericamente dizendo, sepulcro também é uma sepultura, de modo que se conclui que nem toda sepultura é sepulcro, apesar de todo sepulcro ser uma sepultura. Portanto, se realiza no sepulcro o sepultamento, e não a inumação, embora assim se diga, pois é muito comum que ao explanar sobre o tema, tais expressões sejam usadas indistintamente como sinonímias. Ensina Justino Adriano Farias da Silva (2000, p. 5) que cabe ao intérprete, em cada situação concreta, portanto, aferir se, na expressão empregada, há referência à sepultura como direito,ação, efeito ou ao sepulcro, coisa material, construção funerária onde se depositou o cadáver. No direito canônico, a expressão sepultura eclesiástica abrange a ideia de lugar, de direito subjetivo e de formalidades. Sendo assim, jus sepulchri é o direito de alguém a uma sepultura ou sepulcro, e também os direitos que decorrem desta sepultura ou sepulcro. Assim sendo, o direito funerário gira em torno de três realidades distintas, mas relacionadas, que são: cemitério, sepulcro e sepultura (esta ultima que abrange o jus sepulchri). A sepultura é classificada conforme a localização, forma objetiva e modo como se apresenta. A Cova é a escavação do solo onde é colocado o cadáver, e denomina-se desta forma antes do sepultamento. Após, é convenientemente denominado sepultura. Após a inumação, fecha-se a cova utilizando o material retirado na sua preparação, a terra. As covas podem ou não estar situadas em cemitério, e normalmente, apresentam dimensões padronizadas, para adultos e crianças. Há necessidade de se estabelecer a medida padrão para que seja evitado constrangimentos e medidas alternativas por causa dos sepultamentos. No Brasil, tais dimensões são definidas pelo município, de modo que variam conforme o local onde foi determinada. A diversidade de dimensões encontrada no Brasil se da pelo fato de que a extensão do território faz com que a população seja diversificada, tanto por alterações biológicas como sociais. Um exemplo disto é o fato de que no Nordeste do país, a estatura é menor se comparada aos estados da região Sul. As valas, por sua vez, são covas abertas no chão, de grandes proporções, que promovem o sepultamento de uma grande quantidade de cadáveres. Ou seja, é um lugar coletivo de inumações. Devem ser evitadas, senão em situações de epidemias ou guerras. Depois do sepultamento, não é possível distinguir entre um ou outro cadáver, por isso, trata-se de res communis omnium. Tumba é o sepulcro, ou ainda, uma espécie de maca onde os cadáveres são conduzidos à sepultura. É um gênero que define vários tipos de sepulcros. Já as Catacumbas são escavações subterrâneas que servem para a sepultura. Túmulos são construções feitas sobre o solo que guarnecem uma sepultura ou que se constituem no próprio sepulcro. Cândido Figueiredo explica túmulo como um monumento em memória de alguém, onde o individuo homenageado é sepultado. No simbolismo, o túmulo é um monte de proporção pequena, da forma de uma montanha, que se eleva em direção ao céu. Estes três são tipos de construções mais requintadas pelas formas de acabamento. Mausoléu é uma construção funerária onde se coloca o corpo inumado que tem caráter pomposo, sofisticado. Panteão, também é uma construção honrosa que homenageia um falecido. Normalmente, é construído tempos após a morte do homenageado, e serve para guardar apenas os restos mortais. O mais antigo Panteão foi construído em Roma e dedicado à todos os deuses. Cenotáfio é um monumento arquitetônico em homenagem à um falecido, mas que não contém seu corpo, ou seja, não há sepultura. Era comum ser construído antigamente para honrar um falecido desaparecido, cujo cadáver não foi encontrado. Carneiro é sepulcro construído acima do solo, em grandes blocos, destinado ao sepultamento dos mortos. Permite o armazenamento de vários corpos, pois é possível construir muitos compartimentos em um só carneiro, de modo que cada falecido é sepultado individualmente, mas dentro do mesmo sepulcro. É uma das melhores modalidades para os problemas de espaço nas grandes cidades. Ossário, ou ossuário, é construção ou cavidade onde se colocam os ossos retirados da sepultura. Não se usa para armazenar corpos dos falecidos, apenas seus restos mortais, pois a sepultura (concedida por prazo determinado) expirou. Cinerário é o instrumento utilizado para armazenar as cinzas do falecido que teve o corpo cremado, podendo ser na forma de pequenos nichos em paredes, ou na forma de construções maiores. “Jazigo é o gênero do qual as diversas espécies de sepultura são modalidades” (Justino Adriano Farias da Silva, 2000, p.14). Costumam ser grande, suportando o sepultamento de vários falecidos. Não é apenas uma construção, e sim uma espécie que se refere a direitos perpétuos ou limitados sobre o local da inumação. Jazigos perpétuos são aqueles concedidos sem limitação de tempo, durante e enquanto existir o cemitério. Em caso de não mais existir o cemitério, é direito do titular receber jazigo igual na nova necrópole, sendo que nesta situação, fala-se em nova concessão. Jazigos perpétuos não estão sujeitos ao pagamento de anuidades periódicas. Jazigos temporários são aqueles objeto de concessão ou aluguel, por tempo indeterminado, sendo que findo o prazo, este deve ser renovado, ou então deve ser providenciada a retirada dos restos mortais da pessoa inumada. Entendem alguns autores que sarcófago é um caixão de pedra ou mármore geralmente com esculturas em relevo ou com inscrições. O conceito é de destruição da carne, de modo que, em sentido amplo, é considerado tanto uma sepultura, como um sepulcro. Há muitos cadáveres que são sepulturas móveis, podendo estar em um local ou outro, que são os encontrados principalmente em Catedrais. 1.4. NATUREZA JURÍDICA DO JUS SEPULCHRI A natureza do Jus Sepulchri é uma questão complexa, visto que não só a lei é omissa quanto ao assunto, mas também a jurisprudência é irresoluta. No passado, os sepultamentos costumavam ocorrer em propriedades privadas. Nos tempos modernos, o mais habitual é que intercorram em cemitérios públicos, isto é, aqueles pertencentes às comunas. Deste modo, abrange diversos ramos do direito, podendo ser analisado tanto sob a ótica do direito civil, quanto do administrativo, posto que produza efeitos em múltiplas esferas jurídicas, conforme o local em que o sepultamento ocorre. O Jus Sepulchri é uma relação jurídica na qual, por meio de ato administrativo, vincula-se o particular ao bem público (sepultura). Importante salientar que todos têm direito à sepultura, porquanto é um direito personalíssimo potestativo, o qual se submete à condição do advento da morte. Sobrevindo tal momento, o direito à sepultura passa aos herdeiros do falecido enquanto que o direito de ser sepultado passa a compor uma obrigação ao responsável pelos atos exequiais (direito-dever). Deste modo, o Jus Sepulchri é o conjunto de direitos que o titular da sepultura tem sobre o sepulcro. Sua natureza jurídica ensejou diversas teorias. Primeiramente, foi estudada à luz do direito civil. Posteriormente, sob a ótica do direito administrativo. A dissensão ocorre, pois, segundo afirma Miguel S. Marienhoff, as questões de direito funerário são regularmente decididas por tribunais cíveis, quando, na realidade, deveriam ser debatidas em juízos especiais de direito público. Tal fato explicaria a influência do direito civil nas matérias que envolvem sepulcros, de forma a delongar o estudo e o aprofundamento, bem como a aplicação dos devidos princípios jurídicos, o que implica uma situação de confusão. Além disso, conforme defende Eduardo Jorge Laje, ambas as esferas jurídicas tutelam o direito à sepultura, às suas respectivas maneiras, isto é, adotando os seus respectivos princípios, muitas vezes não coincidentes. Alguns doutrinadores, a exemplo de Manuel de Almeida e Souza e de Lobão, defendem a tese da “quase-posse” do uso quanto às sepulturas eclesiásticas quando concedido a pessoas particulares. A quase-posse é válida para fins comerciais (venda, permuta, hipoteca, etc.) e penhor por dívidas. Pode, ainda, ser utilizada como um remédio possessório em hipóteses de turbação ou espólio. A doutrina majoritária, por sua vez, converge no sentido de aplicação da doutrina do uso e gozo, a exemplo de Giorgi, Dalloz, Graille e Marcello Caetano. Giorgi sustenta que o cemitério consiste em um bem público inalienável e imprescritível,sendo impossível a venda dessas áreas. Já quanto a concessão de terrenos em caráter perpétuo, defende que o concessionário de área sepulcral conversa para si e para seus herdeiros o exclusivo gozo da área. No que tange aos túmulos, atesta que a propriedade existe em favor dos concessionários, sendo que, ocorrendo desafetação do cemitério, devem estes, buscar o direito de obter nova localização em outro cemitério. Dalloz opõe-se ao que defende Giorgi, no sentido de que as concessões de terreno perpétuo não confeririam ao concessionário direitos reais, mas somente o direito de uso e gozo com afetação especial e nominativa. O doutrinador Graille marcha neste mesmo sentido, haja vista não reconhecer o direito à propriedade, mas tão somente, nos casos de concessão perpétua de terrenos em cemitérios, avista um direito real de gozo, com afetação especial de caráter imobiliário, indisponível a título oneroso e insuscetível de hipoteca, bem como resultante de um ato sujeito à interpretação dos tribunais judiciários. Adere, nessa mesma diapasão o doutrinador Marcello Caetano ao afirmar que no cemitério público, o concessionário adquirirá o direito de possuir, em exclusivo e perpetuamente, o terreno de uma sepultura. A natureza jurídica da concessão perpétua de terrenos de cemitérios não é pacífica dentre os doutrinadores. Alguns afirmam tratar-se de fonte de direitos reais da ordem do direito civil, outros afirmam que se cuida de direitos administrativos na ordem do direito civil, enquanto parte minoritária acredita que seja questão apenas de direito administrativo. Outra questão concernente ao Jus Sepulchri são os direitos reais sobre o interior do solo. Os doutrinadores, dentre eles, Teixeira de Freitas, baseiam- se, sobretudo, no Decreto Lei n. 1.946/57. Igualmente importante ressaltar a teoria da propriedade e posse restrita defendida por António A. Pires de Lima, dentre outros, os quais se baseiam na premissa de que tão somente os cemitérios seriam inalienáveis e não os objetos nele existentes. Os doutrinadores defensores dessa teoria usam como fundamento a asserção de que sempre reconheceu a existência de alguns direitos de domínio e posse sobre os túmulos, ainda que restritos, podendo ser objeto de contrato. É, por exemplo, faculdade de o indivíduo usar sepulturas privativas, visto tratar-se de um direito inalienável. Já a inalienabilidade teria fulcro visto que a concessão garante apenas os direitos do uso para fins aos quais foram destinados. Os doutrinadores ressaltam, ainda, em sentido contrário ao que defende Coelho da Silva, que a doação de jazigos é ilícita posto que completamente desprovida de fundamentos legais. Complementa no sentido de que a venda ou a troca de um jazigo não seria, de forma alguma, um desrespeito aos mortos, o qual só seria configurado, se houvesse o surgimento de um mercantilismo com tais bens. Ainda assim, não devem ser considerados inalienáveis. Nos casos em que haja a alienação, é necessário frisar que não se constitui relação jurídica entre o dono do jazigo e os cadáveres nele sepultados, mas apenas moral. A teoria da propriedade sui generis, é decorrente da teoria da propriedade e posse restrita, e devido a isso, se assemelham em alguns aspectos. Amplamente concebida por doutrinadores como Ducrocq, Planiol, Lorenzo Meucci, Salvat, entre outros, a propriedade sui generis tem por requisito uma autorização-contrato. Seria concebido como sui generis, visto que as concessões podem derivar tanto de vendas como de doações, que são institutos do direito civil, como também de concessões administrativas. Tal teoria foi adotada por diversos países e doutrinadores, a exemplo de Raymundo M. Salvat na Argentina e por Cunha Gonçalves em Portugal. Outra teoria importante é o do direito de superfície que aflora com a permissão concedida pelo Estado para edificar sobre terrenos públicos. Têm início em Roma, onde se permitiu que, em diversos casos, como na enfiteuse, as edificações construídas sobre terrenos públicos fossem utilizados em proveito privado. O doutrinador La Cava, apoiado por Coviello e Lacara explica a natureza do jus sepulchri por meio da teoria da propriedade superficiária, observando que as os cemitérios seriam inalienáveis e imprescritíveis, o que não significa que não possa existir nenhuma propriedade particular, uma vez que a comercialidade não afasta toda e qualquer propriedade privada, quando esta não contraria a sua finalidade. Sustenta La Cava, que os municípios que concedem os terrenos têm a faculdade de distribuir lugares destinados a sepulcros individuais ou familiares, seja por tempo determinado ou indeterminado. Sob esse terreno, o concessionário pode praticar atos, como colocar lápides e inscrições, desde que observados o quanto determinado em lei. O concessionário poderá, por sua vez, propor ação contra quem ameace violar ou, de fato, viole o direito do mesmo. Ainda que conte com diversos adeptos, a teoria do direito de superfícies destoa nos diversos ordenamentos que a adotam. No direito romano, por exemplo, o superficiário poderia adquirir o direito de superfície, em conjunto com quase todos os demais atributos do proprietário, por meio do pagamento de um salarium, podendo aplicar-se tanto aos solos públicos quanto os privados, recaindo, portanto, aos cemitérios. Já na França, as construções pertenceriam ao superficiário somente se provado. Em Portugal, o direito de superfície surge com o intuito de estimular as construções urbanas para habitação, sendo facultada a implantação e a manutenção de edifício próprio em solo alheio, sem aplicação de regras de acessão imobiliária. No que tange à natureza jurídica do direito de superfície, não fora atingido um consenso, prevalecendo, então, o entendimento de que existem duas propriedades paralelas: a do superficiário, no supra solo, e a do proprietário do terreno, no solo. Tal natureza jurídica não é aplicada aos cemitérios, visto que a construção de jazigos teria natureza jurídica de constituição de direito de superfície, posto que continua a pertencer ao município que concedeu, enquanto que o jazigo pertence àquele que mandou edificar, transmitindo-se ao herdeiros de seu dono. Se, por algum motivo, o município transfira para outro local o cemitério, pode obrigar a remoção do jazigo, concedendo ao dono um terreno igual no novo local, de forma que o antigo volta a ser propriedade plena do município, ainda que a regra do direito de superfície seja a temporariedade. Nesta diapasão, não se aplica a premissa de propriedades paralelas, visto que existem casos nos quais é possível que o titular do jus sepulchri queira construir compartimentos abaixo do solo ou ainda e pelo fato de que nem sempre há a obrigação de construir nas concessões de direito de sepultura. Da mesma forma, é digna de ressalva a teoria da propriedade absoluta, defendida por Pirozzi e adotado em diversos países como na França, e até mesmo em julgados no Brasil. Consiste na ideia de que a concessão perpétua nos cemitérios públicos gera propriedade absoluta, o que resulta em não ser mais objeto de comércio, garantindo-se um direto, que deve ser determinado, ao titular da concessão. 1.5. CARACTERÍSTICAS DO JUS SEPULCHRI A ideia jurídica de patrimônio vai muito além dos bens materiais, se estende a todos os bens que satisfazem as necessidades dos indivíduos que vivem em uma determinada sociedade. Se refere a uma universalidade de bens materiais e imateriais onde se encontram direitos, ações, pretensões e obrigações. O direito de ter uma sepultura devida numa porção de solo privativa e delimitada em um local público, que se seria o cemitério, é a definição de jus sepulchri e por se tratar de um direito subjetivo integra o patrimônio de seu titular. Não devendo confundir que, o que integra o patrimônio de alguém é o direito real existente sobre a sepultura e não, a mesma em si. Diferentemente do direitoRomano, em que a sepultura em si integra o patrimônio do indivíduo, na Argentina diversos julgados também reconhecem o caráter patrimonial do jus sepulchri. Mesmo que o jus sepulchri e o sepulcro integrem o patrimônio de alguém, é vedada a sua utilização para obtenção de lucros em atividades comerciais. Depois que um cadáver é enterrado não é mais permitido sua alienação, em regra. No cemitério público se torna inviável qualquer tipo de atividade que contenha obtenção de lucro, mas no cemitério particular é possível que seus construtores e administradores façam da sepultura ou do sepulcro ato de comércio, fazendo alienações com intuito lucrativo, desde que não se tenha enterrado nenhum cadáver na sepultura em questão. O argumento utilizado para se defender a tese da impossibilidade de transigir sobre o jus sepulchri é de que esse direito é puramente pessoal, e não é patrimonial. Já Cunha Gonçalves diverge dessa opinião, ao acreditar que por direito de sepultura se entende o direito a determinado jazigo, em certo cemitério, sendo inegável que eles são frequentemente vendidos pelos seus donos, sem contrariar os regulamentos municipais dos cemitérios, claro é que também é ilícito, nos mesmo casos, transigir acerca do domínio e posse deles. Ao se tratar do jus sepulchri intuitu familiae vemos a admissão da transmissibilidade, sendo assim, ao constatar o falecimento do titular do direito, transmite-se a seus herdeiros ou sucessores, mas além da transmissão mortis causa, a transmissão pode ser efetuada por atos inter vivos, se assim permitir o ordenamento jurídico no qual foi concedido. As normas e princípios que regem essa relação são as do direito público, e portanto, toda e qualquer modificação ou extinção do direito rege-se pelas normas do mesmo, salvo quando omissas, onde serão aplicáveis as disposições da ordem civil, sem ofensa aos princípios fundamentais daquele direito. Assim as condições pelas quais as transferências são viáveis, devem estar previstas nas legislações municipais, evitando-se discussões sobre o assunto. O fato do jus sepulchri ser transmissível não significa que seja plenamente alienável, seria contrário ao direito e à moral permitir-se livremente a sua alienabilidade. Realizado o sepultamento no local sobre o qual incide o direito de sepultura, não pode mais ser alienado, antes sim, mas desde que não tenha por objetivo exploração lucrativa. Poderá o ordenamento jurídico administrativo permitir a alienabilidade do direito de sepultura em casos especialíssimos, como, por exemplo, quando a família pretender remover os restos mortais do falecido para sepulcro mais nobre ou para a terra natal do falecido. Héctor Lafaille diz que o critério da inalienabilidade é o que mais se ajusta como princípio básico do jus sepulchri, como regra geral. Já Juan A. E Luis S. Capelli entendem que, se não existir nenhum preceito legal que se oponha à venda, são alienáveis os sepulcros. O jus sepulchri e a própria sepultura são impenhoráveis no direito brasileiro, somente o sepulcro pode ser penhorável por dívida resultante de sua própria aquisição ou construção, sendo indiferente que exista ou não corpo sepultado. Diferentemente de Portugal, em que os sepulcros são impenhoráveis, sem exceção. Parte da doutrina acredita ser possível a penhorabilidade do sepulcro somente caso nele não tenha havido sepultamento, por parte do construtor ou alienante, quando não tiver sido satisfeito o preço da obra ou da aquisição, o que seria uma exceção estrita. Pontes de Miranda afirma que o jus sepulchri, se tratante de direito de tumulação em sepulcro de família ou em pedaço de terra de destinação sepulcral individual, é admissível a penhora. Clóvis Beviláqua acreditava que a natureza jurídica do jus sepulchri se tratava de um direito pessoal de uso. Como já citado anteriormente, o jus sepulchri não pode ser utilizado para meio de obtenção de lucro, ou seja, o princípio básico norteador de seu exercício é a incomerciabilidade, não sendo bem no sentido de patrimônio disponível. Entende-se que o jus sepulchri não é suscetível de desapropriação, não se admite por entender que, para o seu titular, o direito de sepultura não apresenta valor econômico propriamente dito, mas um valor sentimental e moral. O mesmo princípio deve ser observado quando se tratar dos sepulcros, exceto nas hipóteses de tombamento em razão de interesse cultural, histórico ou de homenagem cívica a ser prestada a determinados vultos da pátria. Sendo esta uma das questões mais discutidas sobre o tema, a doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas sobre o tema, uma parte veda a aquisição via usucapião, salvo quando esta tiver em mira a regularização de aquisição feita por outro modo, isto é, quando vise sanar irregularidades no processo aquisitivo da sepultura. No direito brasileiro não encontramos nenhum tipo de discussão sobre o caso em nosso judiciário, sendo apenas encontrada uma citação ao tema no livro de Benedito Silvério Ribeiro, em que versando sobre os cemitérios e sepulcros ali construídos afirma que “nenhum dos dois poderá ser objeto de usucapião, já que são públicos e inalienáveis os cemitérios. O túmulo é acessório do terreno (CC, art. 59), sendo, por conseguinte, inalienável”. No direito Argentino são encontrados diversos acórdãos sobre o tema, em ambos os sentidos, mas a posição dominante se refere a admissão de usucapião ao jus sepulchri. Já no direito português o entendimento predominante é o da impossibilidade de usucapião para o jus sepulchri como para o próprio sepulcro. 2. DIREITO À SEPULTURA – NATUREZA Nos cemitérios públicos e privados existem exercícios de direitos temporário e perpétuos. Dentre os contratos típicos conhecidos em nosso direito, nenhum oferece a possibilidade de apresentar caráter perpetuo, já nos atípicos não há algum que pudesse acolher a figura do jus sepulchri em cemitérios particulares. Dessa forma, muitos textos legais aludem ao contrato de locação, mas este instituto jurídico não serviria para explicar as situações onde a relação é perpetua, uma vez que, não se admite esse contrato em caráter perpetuo. Por essa razão alguns ordenamentos legais municipais, estipulam a possibilidade de renovação do prazo máximo legalmente estabelecido. Deve-se analisar, assim, a questão sob o prisma real. O Código Civil, em seu artigo 674, enumera todos os direitos reais possíveis de formação no ordenamento, face ao principio numerus clausus. Além disso, o decreto-lei n. 271/1967, introduziu a concessão real de uso, como direito resolúvel. Alguns deles, de pleno se podem afastar como hospedeiros do jus sepulchri, como o penhor, anticrese e hipoteca, que por terem finalidade acessória, surgem apenas quando existe um credito a se satisfazer. Assim, resta apenas o direito real na coisa própria (propriedade) e os direitos reais nas coisas alheias de uso ou fruição, sendo que destes exclui-se o instituto das rendas constituídas sobre imóveis, uma vez que, pela sua própria natureza alimentar, não apresenta as características para dar ensejo ao direito de sepultura. O titular do direito de sepultura, num cemitério particular, não é o titular de domínio sobre a porção de solo que lhe foi cometida, por varias razões matérias e formais. O domínio é o mais pleno dos direitos, é a submissão total ou perpetua de uma coisa ao seu titular. No entanto, hoje em dia, o direito de propriedade já não se mostra mais com tais qualidades, devido ao seu caráter social, advindo-lhe restrições e limitações de toda a ordem, estas, todavia, se não convencionadas pela ocasião da formação do direito, devem necessariamente advir da lei. No jus sepulchri não se fala em caráter social, pois esse direito é exclusivo, não podendo permitir a utilização da sepultura por estranhos, sem que haja o consentimento do titular, sob pena de ferir os principio ético e violar o respeitoque se tem pelos entes queridos falecidos. Da mesma forma, não admite-se que o titular do direito o use indiscriminadamente, prevalecendo o principio da inalienabilidade e impenhorabilidade. Já em relação as questões formais, as dificuldades intransponíveis impedem que se o tenha como direito de propriedade, pois a coisa deve ser certa. A Lei dos Registros Publicos, para a inscrição do direito real, exige o lançamento fundiário prévio. Por outro lado, em seu artigo 167 enumera todos os direitos sobre bens imóveis que são suscetíveis de inscrição, isto é, registro e averbação. Entretanto, não ha previsibilidade em relação a construção de cemitério que viabilize individualização de partes do solo para futuras alienações, o que seria necessário para que casa adquirente do jus sepulchri inscrevesse seu direito, impossibilitando a constituição de qualquer direito real. Assim pergunta-se, em quais situações jurídicas estariam aquelas sepulturas "adquiridas" antes da entrada em vigor do código Civil. Orlando Gomes alega que existe duas realidades distintas: o sepulcro e o jus sepulchri, isto é, um direito de ser sepultado e a de opor-se a todo e qualquer ato que viole o dever de respeitar os mortos. A outra situação seria ao direito que se tem sobre o sepulcro e é justamente essa que pretende resolver. Ao filiar-se entre os que entendem que o titular do jus sepulchri tem direito de propriedade sobre o sepulcro, argumenta que a propriedade de outro bem qualquer, enquanto a sua existência pressupõe a sua destinação, desta dependendo, por isso mesmo, a sua duração. Trata-se de uma propriedade limitada pela destinação e resolúvel com a caducidade do pressuposto. Assim, é uma propriedade com vinculo de destinação, ou seja, é aquela que tem as suas faculdades ou poderes condicionados pelo fim a que se destina. Nesse sentido, a propriedade de um sepulcro, adquirida por uma pessoa natural, é uma propriedade vinculada por seu objeto. Resta analisar quais direitos reais na coisa alheia poderia agasalhar o jus sepulchri. A servidão é aquele pelo qual um prédio deixa de oferecer ao seu titular alguns atributos dominiais em função da serventia que presta a outro do prédio de dono diverso, sendo exigido, assim, a figura de dois prédios. No cemitério, no entanto, inexiste a figura de proprietários diversos, requisito indispensável para a formação deste direito. Como o nosso sistema descreve o usufruto, de pronto nota-se a impossibilidade de este se enquadrar no jus sepulcro, uma vez que se alude a temporalidade como elemento integrante da substancia desse negocio jurídico. Já em relação ao direito de uso, não pode ser admitido como apto para justificar a existência do jus sepulchri, pois é instituído e função das necessidades pessoais do usuário e de sua família, como diz em seu artigo 742 do Código Civil, necessidades essas que dizem respeito a sobrevivência terrena, de acordo com sua condição social e do lugar onde vive, e não de respeita a paz ou orações. E como extingue-se pela morte do usuário, não faria sentido, já que seria justamente quando fosse exercitar seu direito. Além disso, de regra, os ordenamentos proíbem a sua cessão, como é o caso do direito argentino. Mesmo diante de tudo isso, este parece ser o instituto jurídico mais preferido pelos doutrinadores para justificar a natureza do jus sepulchri. Quanto ao direito de habitação, também não seria possível, pois esse direito nada mais é do que uma espécie do gênero uso, sendo um uso limitado: somente o direito de habitar casa alheia gratuitamente. O morto não habita, sepulcro não casa e o exercício do direito sobre ele, em regra, é oneroso. A enfiteuse é um direito real na coisa alheia, perpetuo, em que por ato entre vivos ou de ultima vontade, o proprietário de um imóvel atribui a outrem o domínio útil, pagando a pessoa, que o adquire, chamado de enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão ou foro, anual, certo e invariável. Dentre todos os institutos, o que mais se aproxima do jus sepulcro é justamente a enfiteuse, pois é a única que apresenta grandes similitudes com o direito de sepultura. Para enquadrá-lo nesta categoria teria que lidar com o problema da periodicidade anual do pagamento do foro, o que nano ocorre nas concessões perpetuas de sepultura, no entanto, traria a possibilidade legal de inscrição no Registro de Imóveis, evitando que os imóveis fiquem ad infinitum e para a proteção dos direitos do titular. A principal característica que é a perpetuidade estaria garantida com a adoção dessa figura como definidora do direito de sepultura. Por outro lado, quase todos países a conhecem, muito embora, em alguns, ja tenha caído em desuso. Em relação ao direito de superfície há controvérsias. Esse direito, sob todos os aspectos, há a configuração de uma propriedade em separado, a ela inerentes todas as suas consequências, ou seja, o direito de usar e fruir e do bem, como o dono do solo, se vigesse o principio da acessão, o faria. Esse direito em ultimo caso, consiste em neutralizar os efeitos atributivos da acessão, conferindo a quem edificou ou plantou em solo alheio a propriedade superficiária. Para Orlando Gomes, as legislações que não o acolheram, deveriam reconsiderar, uma vez que, algumas estruturas jurídicas e conhecidas figuras de direitos encontram na superfície o seu figurino, como a das cadeiras cativas nos estádios. Devido à existência de cemitérios submetidos aos princípios e normas do Poder Público e outros que têm aplicabilidade as normas de direito civil, sem prejuízo daquelas, divide-se o tratamento da abordagem, uma para cemitérios públicos e outra, para os cemitérios privados. O direito de sepultura não pode se dar pela compra e venda. Os bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial não podem ser objeto de domínio por parte do particular, diferentemente dos dominiais que são suscetíveis de aquisição pelo particular, quando, então perdem a característica anterior. Como a sepultura e o próprio cemitério, é uma bem público de uso especial, não permite a sua descaracterização, salvo nos casos de desafetação desses bens por parte do Poder Público, mediante processo regular. Dessa forma, se houvesse compra e venda, tais bens passariam ao domínio privado, o que é inviável, pois esse tipo de relação jurídica se constitui no negocio jurídico subjacente que origina propriedade, na maioria dos casos. Conforme Oswaldo Aranha Mello, permissão é o ato administrativo unilateral, discricionário, pelo qual se faculta, a titulo precário, ao particular, a execução de obras e serviços de utilidade pública, ou o uso excepcional de bem público, ou a pratica de ato jurídico de oficio público. Não se confunde com a concessão, pois é dada a titulo precário, sem que envolva, em principio, qualquer direito do particular contra a administração pública, salvo disposição legal em contrario. A constituição do direito de sepultura não se da através de permissão, o jus sepulcro se constitui em verdadeiro direito do particular sobre o bem público sepultura, incluindo a proteção possessória contra terceiros e até mesmo contra o Poder Público, titular da dominialidade. Além do mais, não pode-se falar em precariedade que é da essência desta instituto, por ser perpetua. A autorização para utilização do bem público sepultura, e que cria o direito de permanecer sepultado, trata-se de uma concessão administrativa, mesmo porque o negocio jurídico bilateral se aperfeiçoa pela conjugação de vontades, que neste caso, não são dialéticas. Quanto a natureza jurídica da concessão, trata-se de dois atos, um unilateral regulamentando o regime da concessão e outro contratual sobre especificamente cada caso, onde se estabelecem questões de ordem financeiras de obrigações do concessionário perante o Poder Público, pois o titular de uma sepultura ou de um sepulcro se entra num tatus jurídico definido pelo ato da concessãoque deu origem a seu titulo, e pelos regulamentos municipais que estabelecem as condições de uso do cemitério. Para Recaredo Fernández de Valesco, não cabe aplicar a prescrição como procedimento de adquirir o enterro em uma sepultura já concedida, tampouco, no uso dessa como base de prescrição extintiva, no titulo administrativo suficiente para recuperar a zona ou espaço concedido pela Administração Municipal. Qualquer tempo transcorrido é de uso, direito, se se quer a posse, nas sepulturas perpetuas, já nas temporárias, a recuperação ou reversão não seria consequência de princípios obtidos da teoria da prescrição, mas sim, na exaustão ou extinção do prazo outorgado para o uso. Pode o jus sepulchri ser adquirido pela usucapião, tanto, quando, por vicio no ato administrativo de concessão, o direito não tenha se formado e, dessa forma, tem finalidade de suprir a titularização, como quando nano tenha havido ato concessivo por parte do Poder Público. Nem todas as Municipalidades exercem uma policia administrativa efetiva sobre os cemitérios, sendo possível, que algum corpo seja sepultado, sem que haja o devido ato administrativo formador do direito. Nessa hipótese, havendo boa- fé, o direito concretiza-se, decorridos 10 anos da inumação, se de má-fé, apenas após 20 anos. Com isso, não é que o titular do jus sepulchri torna-se proprietário da sepultura, mas sim enfiteuta porque adquiriu o domínio útil. É possível quando for de utilização temporária, assim, quando o Poder Público fornece sepultura em caráter temporário, com prazo estabelecido, estamos frente a hipótese de um contrato administrativo de arrendamento, regido pelas disposições ditadas pelo direito público, com aplicação subsidiaria das normas civis, apenas na omissão daquelas. A natureza jurídica desses cemitérios e dos vários problemas que decorrem dele, estão afetos ao direito comum e aos estatutos das corporações privadas que os administram, sem prejuízo do exercício rigoroso do poder de policia do Estado, por se tratar no fundo, de serviço público de interesse coletivo. Não há compra e venda de sepultura, caso contrario, o titular do jus sepulcro passaria a ser proprietário do terreno onde está a sepultura, e como trata-se de bem imóvel, a transmissão, por ato inter vivos, só se opera com a transcrição do titulo no oficio imobiliário competente, com o prévio lançamento do imóvel no Cadastro Fundiário. Assim, como não se procedem registros na construção de cemitérios, não é viável qualquer inscrição imobiliária. Em regra, o jus sepulchri, nos cemitérios particulares, em se tratando de sepultura de caráter perpétuo, forma-se através de acordo enfitêutico traduzido num contrato, que deve obedecer a forma pública, por se tratar de bens imóveis de valor superior ao teto estabelecido no Código Civil para que o ato possa ser por instrumento particular. Nas sepulturas temporárias, o negócio jurídico celebrado pelas partes é verdadeira locação ou arrendamento, já que a perpetuidade é de essência do direito de enfiteuse. 3. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA DO JUS SEPULCHRI O titular do direito de sepultura possui ações para assegurá-la, podendo ser defendida via interditos possessórios, se tratando de direito real (enfiteuse) e direito pessoal. Assim, no Brasil, o particular pode defender sua posse sobre bem público através dos remédios possessórios. Bem como, o interdito proibitório, previsto no artigo 501 do Código Civil, no qual possui natureza cominatória, sendo uma medida de caráter preventivo para que se evite a turbação ou o esbulho possessório. Ou seja, se o titular do domínio sobre um cemitério ameaçar efetuar demolições de sepulcros, o titular da sepultura tem direito subjetivo material e processual de evitar tal procedimento, mediante tal interdito. Já na ação de manutenção da posse, o possuidor se vê turbado em sua posse, ou seja, quando ocorre determinado ato que não acorde com o direito que embaraça o livre exercício de sua posse, recorrendo, assim, ao juiz que através de mandado, determina a cessação da turbação possessória. É possível que haja a obtenção do adiantamento da prestação jurisdicional (art. 273 do Código de Processo Civil). Outra forma de proteção ao Jus Sepulchri é a ação de reintegração da posse (art. 499 do Código Civil), ou seja, quando houver desapossamento, indivíduo se tornou possuidor do bem contra a vontade de quem anteriormente o possuía (ato clandestino, violento ou precário) e assegurada à reintegração da posse. Caso ocorra a propositura da uma ação ao invés de outra, o juiz não fica impedido de conceder a proteção possessória que a situação comporta. Se houver restos mortais de corpo sobre o qual exercia o direito-dever de custódia exumado indevidamente, poderá por meio de tal ação, obter a recolocação dos despojos no jazido, assim como para se valer do direito sobre o sepulcro que implica direitos sobre o terreno onde assenta. A ação de nunciação de obra nova será proposta quando o titular do Jus Sepulchri for titular de direito real sobre a sepultura, tal ação visa impedir que uma edificação seja prejudicada em sua natureza (por obra nova lindeira ou vizinha), buscando o trancamento da obra, que se for ultimada, trará prejuízos ao prédio ameaçado. Os embargos de terceiro (aqueles que não fazem parte no processo) podem ser de terceiro senhor e possuidor, dessa forma, ambos possuindo legitimidade para propor a ação. Se o titular do Jus Sepulchri tiver seu interesse prejudicado devido a ato judicial não legítimo, poderá prover embargos de terceiro, mesmo não sendo parte do processo do qual se originou a medida turbativa da sua posse. Poderá também, aquele que tiver o domínio e que tenha direito de exercer posse sobre algo e ainda não exerceu, não podendo agir por estar na posse de outrem, poderá valer-se da ação de imissão de posse. 4. TRANSMISSÃO DO DIREITO À SEPULTURA O jus sepulchri pode ser transferido por atos inter vivos ou mortis causa, se tratando de sepulturas concedidas em caráter perpétuo. Sepulturas em cemitério público devem ser analisados o ato de concessão ou legislação municipal desse direito, se esta não proibir o direito é transmissível, aplicando-se as regras do direito civil sobre cessões de direito. Em regra, os municípios brasileiros vedam as transferências, mas um exemplo de exceção seria Ponta Grossa (PR) onde está estabelecido que as concessões de terrenos em cemitérios possam ser transferidas, desde que as taxas previstas sejam pagas. Ao se tratar de cemitério particular, a transmissão será sempre viável, sendo obedecidas as regras do direito civil. As formas mais comuns de transmissão do direito de sepultura é a sucessão hereditária e a testamentária, de fato, com a morte transmitem-se todos os direito e obrigações. Sendo assim, enquanto não efetuada a partilha existe a pluralidade de titulares do direito, o aconselhável é que esta seja feita visando apenas um herdeiro como possuidor do sepulcro, para evitar as complicações na divisão da coisa comum. Pode também, estar indicada por meio de testamento uma só pessoa como beneficiária do jus sepulchri. A maioria das legislações municipais brasileiras admite transmissão de sepultura por meio de sucessão hereditária. A transmissão do direito de sepultura só pode ser efetuada por meio escrito, não se admitindo a forma verbal em hipótese alguma. Para sepulturas em cemitérios públicos devem ser seguidas as legislações municipais, caso seja omissa, exige-se que o instrumento nomeie e qualifique as partes, determine claramente o objeto do negócio jurídico que está sendo realizado, contenha as assinaturas dos participantes e a participação de duas testemunhas instrumentárias, com data e local da celebração do ato. Já em cemitérios particulares o ato de transmissão deve ser lavrado por instrumento público, observando as formalidades peculiares a tais atos. A transferênciado jus sepulchri só pode ser feita por quem estiver na livre administração de seus bens, com capacidade plena no ato da transmissão. Além de estar legitimado para tal feito, não bastando apenas a capacidade de direito inerente a qualquer ato civil. Formalmente a legislação municipal não estabelece a necessidade de participação no ato de transmissão como anuente, mas é aconselhável a obtenção de concordância. Apenas exige-se o assentimento do Poder Público, para que sejam feitas as averbações cabíveis nos registros da Prefeitura sobre a nova titularidade do direito. Para as sepulturas localizadas em cemitérios particulares só será indispensável o assentimento se no título original expedido existir uma determinação expressa. Ao se tratar de sepulturas em cemitérios públicos são cabíveis registros apenas aqueles que a lei municipal determinar, por não estarem sujeitos ao registro imobiliário. Já nos cemitérios particulares a transmissão do direito deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis da localidade onde se situa o terreno e, além disso, deve ser apresentado para averbação perante o administrador da necrópole. 5. EXTINÇÃO DO DIREITO À SEPULTURA Igualmente aos demais direitos, o direito à sepultura pode ser extinto por diversos modos, senão vejamos os principais: Em se tratando de concessões temporárias, a figura jurídica da locação é a norteadora os direitos das partes. Desta feita, advindo o termo de sua vigência, o direito é extinto, isto é, vencido o prazo de sua validade, extingue- se tal direito. Há que se destacar que, em sepulturas situadas em cemitérios públicos, a satisfação do jus sepulchri se dá por meio da concessão, ato jurídico (administrativo) que, como qualquer outro, pode ser inexistente, nulo ou anulável, a depender da inobservância de pressupostos ou da natureza do vício presente no negócio jurídico em questão, pelo que versa o Código Civil vigente sobre a validade dos atos jurídicos, em seu artigo 82, que exige objeto capaz (art. 145, I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 129 e 130). Acaso, então, o ato de concessão seja nulo, é dever do Poder Público providenciar o cancelamento do registro concessivo sobre a sepultura. Importante destacar que da errônea declaração de nulidade de um ato concessivo pelo poder público é cabível a ação de Mandado de Segurança (frente a um direito líquido e certo à concessão no caso), como fora impetrado, na década de 60, diante da nulidade declarada do ato de concessão de terreno no cemitério da Consolação, à época, de nº 37.8820, em São Paulo, pelo Sr. Horácio Pinto Coelho em face do antigo Prefeito Municipal Prestes Maia. Contudo, o impetrante teve seu mandado de segurança denegado, visto que o mesmo terreno já havia sido concedido a outrem, ou seja, já existia sobre o mesmo local jus sepulchri anteriormente concedido pelo poder público. Diante do caso em concreto trazido, conclui-se por via do argumento utilizado pela Prefeitura e reconhecido pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, que só depois de cancelada (ou vencida) a concessão anterior é que o local poderá ser novamente concedido (se o caso foi de concessão e não de venda definitiva do terreno). Em que pese, ainda, terrenos concedidos em cemitérios públicos a sepulturas também se sujeitam à extinção em razão do abandono, independentemente do caráter temporário ou perpétuo da concessão, de forma que o Poder Público declare formalmente a revogação da concessão, observando as formalidades previstas na legislação específica. Em tempo, versa o autor, corretamente, que abandono é diferente do não uso, haja vista o uso da sepultura se dar pelo sepultamento e permanência do corpo. Não é caracterizado o não uso pelo fato de não visitar o local, nem o não pagamento de taxas de manutenção e conservação da sepultura eventualmente impostas, às quais é garantida a cobrança judicial delas. O abandono, juridicamente, é caracterizado pela falta de conservação e inobservância de normas administrativas determinantes dos deveres de respeitar, cuidar e tomar as providências para manter o local em condições dignas a sua finalidade. Caracterizado o abandono, é dever do Poder público, após observar as formalidades que a legislação municipal prescreve para tal situação, revogar a concessão, ato característico da extinção do direito. É que o entendimento do autor nos casos ocorridos em cemitérios particulares diverge do apresentado em cemitérios públicos: o abandono não é causa de extinção do jus sepulchri, exceto quando disposto expressamente nesse sentido pela legislação municipal. Contrariamente, entende o Prof. Orlando Gomes que classificou os direitos constituídos sobre sepulturas como verdadeiros direitos de propriedade, contudo com uma natureza especial decorrente do vínculo de destinação e do caráter ad tempus. Nesse sentido, sustenta o professor que a fim de provar que a sepultura não é mais cuidada por ninguém, nem quem por ela se interesse, o proprietário do cemitério deve publicar edital, mais seguramente no curso da medida cautelar de notificação, levando ao conhecimento de quem venha a se interessar de obter, através de ação declaratória, o reconhecimento da caducidade do direito, de sorte que não se apresente alguém que prove que é dono da sepultura. No mais, igualmente se tratando de sepulturas localizadas em necrópoles particulares, é possível que a enfiteuse também seja objeto de nulidade ou anulabilidade e daí resulte, respectivamente, na não produção de efeitos ou, com sua declaração, na cessão dos efeitos, de feitio que, em ambos os negócios, extinga-se o direito à sepultura. Ademais, sobre o mesmo negócio jurídico, também há a possibilidade deste ser rescindido pelas partes que o celebraram. A extinção do direito de sepultura incorre em certas consequências, as quais serão demonstradas a seguir: primeiramente, retornando às concessões temporárias, findo seu prazo de duração, é encargo da família do falecido a desocupação da sepultura, a qual pode providenciar a incineração dos resíduos que lá permaneceram ou, alternativamente, removê-los ao ossário existente no cemitério, ora obter nova concessão a título perpétuo, transportando os restos mortais ao novo local. Poderá a família, também, renovar a concessão anterior a título de locação. Do mesmo modo procedem- se as enfiteuses sobre sepulturas particulares. Além das formas de extinção supramencionadas, similar orientação deve ser tomada acaso sobrevenha extinção do direito por outra razão, qualquer que seja. Eventualmente, os familiares não tomando as medidas que lhes incumbem, é cabível pela administração da necrópole, após notifica-los pessoalmente ou por via de edital, tomar as medidas previstas perante igual situação pela legislação vigente do município, a qual, via de regra, costuma permitir a remoção dos restos mortais do falecido ao ossário geral, mas nada impede que, como no caso de Assis/SP, após a publicação de editais, por três vezes, na imprensa local, seja autorizada a demolição das sepulturas abandonadas ou cujos prazos concessionados tenham terminado; ou, ainda, nos termos da legislação municipal de Bagé/RS, possam os resíduos mortais ser objeto de incineração. Por fim, extinto o direito de sepultura e removidos os restos mortais do terreno, é legítimo a este, novamente, ser objeto de concessão, ou enfiteuse, por exemplo. 6. CONCLUSÃO Igualmente ao entendimento do doutrinador e autor do livro, jus sepulchri é composto pelo direito a ser sepultado, direito de assim permanecer, direito sobre a sepultura e o direito de sepultar. Consiste, enquanto vivo o sujeito, a um direito potestativo absoluto de receber, com sua morte, um local no cemitério (público ou particular). Interpretado como direito pessoal potestativo, o jus sepulchri consiste no direito subjetivo de todo homem, em decorrência de sua dignidade perantesi mesmo, seus semelhantes e, para alguns, Deus. A dignidade ora citada se funda na ordem moral e é inerente à vida de qualquer um. Enquanto vive, o ser humano tem o direito a ser sepultado após sua morte que, quando sobrevenha, diferentemente de alguns direitos, não é extinto, mas transferido aos herdeiros ou sucessores, convertendo-se no direito de sepultar. O sepultamento do de cujos opera no direito uma nova transformação: de direito de sepultar para o direito de permanecer sepultado. Em paralelo, a sociedade, representada pelo Estado, tem o direito de sepultar que deve ser exercido pelas municipalidades, isto é, o Poder Público, ao conceder um lugar nos cemitérios à inumação, satisfaz o direito de ser sepultado do falecido e, simultaneamente, o direito de ver os corpos sepultados, da sociedade. Sobrevinda a morte, os sucessores do falecido tornam-se responsáveis pelo sepultamento, pretensão a que seja satisfeito o direito de sepultar. O direito de sepultar exige sempre sua satisfação pelo Poder Público com a concessão de um local no cemitério, independente do caráter temporário ou perpétuo, no qual fica o particular autorizado a utilizar parte a parte do domínio público. Todavia, não exercitado tal direito, cabe ao Poder Público realiza-lo, de forma a além de exercitar seu direito, cumpre o seu dever de forma voluntária. Sepultado o falecido, passam os titulares do direito a possuírem relação com a sepultura, de modo que esta represente o próprio jus sepulchri. A sepultura nada mais é do que um bem, previamente demarcado para o exercício do direito. Sua delimitação vai desde uma profundidade e altitude necessárias ao exercício desse direito, aplicado o artigo 1.229 do Código Civil vigente. Diante do quanto já explanado acima, é justificável a tríplice significação da sepultura, oriunda do direito canônico: a sepultura é o local, o direito sobre tal local e os atos de sepultamento, de modo que o jus sepulchri seja exercido sobre esse lugar pertencente ao Poder Público e concedido (por meio de ato administrativo) para uso privativo, sem prejuízo ser, antes disso, um bem de domínio público. Nesses termos, o titular de jus sepulchri é possuidor da sepultura que lhe foi concedida, muito embora a relação do titular com a sepultura não seja real, no sentido jurídico, visto que a sepultura é coisa fora de comércio (como também é os cemitérios, já que são bens públicos de uso especial), portanto, não suscetível de posse plena. Assim sendo impossível de ser possuída plenamente, como a posse de efeitos civis, a referida posse sob a sepultura é restrita, decorrente do direito administrativo (não é tão eficaz como aquela que decorre de exercício de direitos reais civis ou obrigacionais, visto que é essencialmente ad interdicta; inábil a usucapião) e limitada pelos sentimentos morais, religiosos e o próprio interesse público. É o raciocínio de parte da jurisprudência brasileira, que sustenta que o titular do jus sepulchri não tem posse civil sobre a sepultura, como é o caso do acórdão proferido pela 39ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, que versa que o concessionário de jazigo em cemitério não pode invocar interditos possessórios a seu favor (Apelação Cível nº 256.571, Rel. Des. Carlos Antonini, Revista dos Tribunais nº 504,101). Destarte, tem-se que o jus sepulchri implica em posse, passível de oposição erga omnes. Por outro lado, tal posse decorre de ato administrativo do Poder Público, logo o concessionário não possui todos os atributos que os direitos reais civis assegurariam, como também resta claramente demonstrado que a natureza de tal direito só pode ser administrativa, motivo pelo qual sobre a sepultura o titular do jus sepulchri é titular de um direito real administrativo. Determinada sua natureza, resta agora definir sua espécie. Os direitos reais são divididos em: de gozo e fruição (superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, concessão para fim especial de moradia, e a enfiteuse, cuja extinção vem se dando paulatinamente, por força do artigo 2.038 do Código Civil); de aquisição (direito do promitente comprador); e de garantia (hipoteca, penhor e anticrese). Por óbvio, descarta-se a ideia de considera-lo como direito real de aquisição, isto porque é coisa pública e, consequentemente, não suscetível ao comércio. Da mesma forma, não se trata de garantia, porque nada tem a ver crédito e débito. Remanescem os direitos reais de uso e gozo: não se trata de rendas constituídas sobre imóveis; tampouco habitação, pois um túmulo não pode ser objeto desta; também é possível excluir a servidão ou usufruto, porque envolvem relação real entre dois prédios de titulares diversos, enquanto cemitério e sepultura pertencem ao mesmo sujeito; também não se encaixa na figura da superfície, cujo bem envolvido ingressa no comércio jurídico sem qualquer restrição. Restam, então, as figuras do uso e da enfiteuse, esta que vem se extinguindo paulatinamente. O direito de uso é celebrado intuitu personae e, por derradeiro, extingue-se com a morte do usuário, fato dos mais importantes no exercício do jus sepulchri. Por tais razões, não só o renomado autor crê que o direito à sepultura mais se assemelha com a enfiteuse. Conforme sabido e já mencionado, a figura da enfiteuse vem se extinguindo paulatinamente, por força da proibição de constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, determinando que aquelas já constituídas devem ser regidas pelo código anterior. De fato, as enfiteuses existentes entre particulares estão caminhando num ritmo relativamente rápido à extinção. De outro lado, muitas terras pertencentes ao Poder Público, a exemplo de alguns cemitérios, são objetos da enfiteuse e, frente a um contrato perpétuo por força do artigo 679 do código civil anterior, torna-se difícil a extinção dessa figura, nesses casos. A enfiteuse era prevista pelo Código Civil de 1916, em seu artigo 678 e 679, que, além de caracteriza-la como perpétua, a definia como ato entre vivos, ou de última vontade, pelo qual o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui a enfiteuse, ao senhorio direito uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável. A análise do texto dos artigos supramencionados demonstra que a figura da enfiteuse é a que mais se aproxima do jus sepulchri, exceto pelo foro ou pensão, devido, anualmente. Entretanto, como o direito em questão deriva de ato administrativo, é possível que se trate de uma espécie de enfiteuse administrativa, isto é, que será regida pelas normas definidas pelo Município, sem prejuízo que este estabeleça pagamento único a ser feito no ato da concessão. Por oportuno, há que se lembrar de que o primeiro regulamento dos cemitérios da cidade de São Paulo (arts. 28 e 29), de 1856, já possibilitou a enfiteuse nesse contexto: “Artigo 28. As irmandades, confrarias, ou corporações religiosas que quiserem ter nos cemitérios seus jazigos particulares, não poderão obter o terreno senão a título de aforamento perpétuo [...]”. Evidentemente, o ordenamento da enfiteuse possui peculiaridades que impossibilitam a aplicação às sepulturas, tendo em vista suas próprias características, mas o direito à sepultura, uma vez definida sua natureza real (administrativa), a espécie a que mais se aproxima é a da enfiteuse, apesar da intenção do legislador de 2002 em extingui-la. Frisa-se que não está sendo dito que é exatamente uma enfiteuse, mas que ela é a que mais se assemelha ao jus sepulchri.
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