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O Anarquismo Pesquisavel - LUIZ PILLA VARES

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yf}) síntese universitária
ô Editora da Universidade
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
O anarquismo 
(promessas de liberdade).
A história das idéias anarquistas 
ou libertárias está presente 
nesta obra, remontando perspectivas 
de quase dois séculos, e que ainda 
se colocam como assunto presente.
Luiz Pilla Vares traça os vínculos 
existentes entre as origens 
do anarquismo moderno, a Revolução 
Francesa, o marxismo e as demais 
teorias socialistas que emergem 
na turbulência da queda das monarquias 
e o nascimento das repúblicas.
A obra passa por Proudhon 
e por Bakunin, vindo até os movimentos 
sociais libertários que surgiram 
na Europa e nos Estados Unidos.
universitária
Editora
da Universidade
Universidade Federal do Rio Grande do Sul ISBN 85-7025-173-4
O anarquismo
promessas de liberdade
Luiz Pilla Vares
0Editorada Universidade
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Síntese universitária/15
© de Luiz Pilla Vares 
l ! edição: 1988
D ireitos reservados desta edição:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Capa: Carla Luzzatto
Ilustração : desenho de Falke p a ra uma capa do Crapouillot, em 1938.
Administração: M aria B eatriz A.B. Galarraga 
E ditoração: Geraldo F. Huff
Revisão: M aria Isabel Tinun, Haydée D iebold,
Mônica Ballejo Canto e Sandra Gabert Masi 
Montagem: Rubens Renato Abreu
A publicação desta obra conta com o patrocínio da Secretaria de Ensino 
Superior, através do Programa de Estímulo à Editoração do Trabalho do Intelectual das IES-Federais.
Composição: K&M — Com posição, A rte e Revisão Ltda.
Im pressão: Pallotti
Luiz Pilla Vares
Jornalista. Formado em Gências Jurídicas e Sociais. Autor dos livros 
Socialismo e liberdade, Porto Alegre, 1985; Glasnost, a primavera 
vermelha, Porto Alegre, 1987\Rosa, a vermelha, São Paulo, 1988;
O pescador de pérolas: por um marxismo vivo, Porto Alegre, 1988.
V296a Vares, Luiz Pilla
O anarquismo: promessas de liberdade. — Porto 
Alegre : Ed. da Universidade/UFRGS ; MEC/SESu/ 
PROEDI, 1988.
95p. — .(Série síntese universitária)
1. Anarquismo. 2. Anarquismo — socialismo. 3 . 
Anarquismo — Revoluções. I. T ítulo. II. Série.
CDU 329.285
329.285 : 329.14
329.285 : 323.272
C ata lo g ação na fo n te da B ib lio te c a C e n tra l d a U FRGS.
ISBN 85-7025-173-4
Para Elizabeth Souza Lobo 
e Marco Aurélio Garcia
A obra de Proudhon Que é a propriedade? tem, 
para a economia nacional moderna, 
a mesma importância que a obra de Siéyès, 
O Que é o Terceiro Estado, 
para a política moderna.
KARL MARX
Não temos nem desejamos ter habilidades políticas.
A melhor habilidade é sermos sinceros.
HÉLIO NEGRO E EDGARD LEUENROTH
A lição: um socialismo revolucionário 
que se liberta do jacobinismo marxista-leninista 
corre o sério risco de retomar 
às ideologias pequeno-burguesas 
e contra-revolucionárias. 
Só existe uma forma sã e segura 
de desjacobinizar-se, de situar-se devidamente 
diante do socialismo autoritário: 
unir-se ao socialismo libertário, o único valor 
não desvalorizado de nosso tempo, 
o único socialism o que permanece jovem ,
o único socialismo autêntico.
DANIEL GUÉRIN
SU M Á RIO
Pequena introdução à história das idéias libertárias.............. 7
A idéia e os precursores.............................................................. 18
Proudhon: a propriedade é um roubo........................................ 26
Bakunin: a revolta permanente.................................................. 37
Kropotkin, o príncipe anarquista....................................... 50
O anarquismo na p rática............................................................. 58
Começa a revolução............................................................... 58
O comunismo dos conselhos: o proletariado russo 64
Espanha: o comunismo libertário.......................................... 73
Libertários no Brasil: a organização independente 
do proletariado........................................................................ 82
Conclusão: e ho je?....................................................................... 90
PEQUENA INTRODUÇÃO 
À HISTÓ RIA DAS ID ÉIA S LIBERTÁRIAS
Terá sentido estudarmos hoje, quando estamos quase no 
século XXI, as idéias anarquistas ou libertárias? Não será 
um mero exercício acadêmico ou algo semelhante ao médico 
legista que disseca cadáveres? Pois atinai de contas o anarquis­
mo e/ou as idéias libertárias tiveram sua origem ainda no 
século X V ni e seu apogeu, sua idade dourada, no século XIX 
e nas primeiras décadas do atual. Não penso assim. Ao contrá­
rio, ao longo dos anos, tenho solidificado a opinião de que, 
mesmo fora dos compêndios filosóficos, as idéias anarquistas 
se projetaram para o futuro e, mesmo com a deliberada intenção 
de todas as correntes de pensamento em considerá-las como 
a mera “infância” do pensamento socialista, sem nenhuma 
atualidade prática nos tempos atuais, exerceram e continuarão 
a exercer uma considerável influência nos projetos de transfor­
mação social, particularmente a partir de Maio de 1968, quando 
todas as velhas fórmulas clássicas do fenômeno revolucionário 
se revelaram insuficientes, ineficazes, para dizer o mínimo. 
E, ao contrário, as intuições anarquistas e/ou libertárias acaba­
ram rompendo o bloqueio e revelando-se com uma surpreen­
dente modernidade para o questionamento teórico e prático 
da sociedade autoritária.
Assim, perspectivas de quase dois séculos, colocadas con­
tra a parede e “ enterradas” pela idolatria estatal da esquerda, 
ressurgiram com impressionante atualidade e hoje podemos 
falar em Proudhon, Kropotkin, Bakunin, Malatesta, Fabri, na 
FAI espanhola, sem nos colocarmos na posição de dissecadoies 
de cadáveres e, sim, como estudiosos de um projeto que ficou
7
entre parênteses durante várias décadas e pode hoje ser perfei­
tamente reassumido como contemporâneo de nosso presente. 
Certamente, o resgate do anarquismo não pode ser feito em 
bloco, como se pretendêssemos dar “vida” ao antigo debate 
entre os libertários e os marxistas. Em primeiro lugar, porque 
o anarquismo, se tem uma história e uma “ árvore genealógica” , 
não é uma “ doutrina” sem contradições, fechada. Ao contrário: 
tem muitas faces e caminhos, teóricos e práticos. E, da mesma 
forma como o marxismo, muitas de suas propostas realmente 
envelheceram e ficaram sepultadas em seu século. Outras, po­
rém, renasceram, assumiram um novo vigor e apresentam-se 
diante de nosso tempo, teórica e praticamente, como um desa­
fio. Desafio, aliás, que a humanidade vem se propondo desde 
os seus primórdios. Ou, para sermos mais precisos, quando
0 Estado e a propriedade privada entraram na cena da história. 
Assim, poderíamos fazer como George Woodcock, uma árvore 
genealógica do anarquismo que remontasse à infância da histó­
ria,1 mas uma empreitada desse tipo ultrapassaria em muito 
os limites deste trabalho, que não é mais do que uma pequena 
introdução às idéias libertárias. E, é claro, quando falamos 
em introdução às idéias, não pensamos na construção mera­
mente abstrata, mas na vinculação do pensamento anarquista 
com a sua prática, o que significa, em última análise, ao seu 
desafio proposto aos homens e mulheres: a luta concreta pela 
liberdade e a igualdade. E isso começa, verdadeiramente, com 
a Grande Revolução Francesa de 1789. Iniciemos, pois, nosso 
trabalho pelo significado da Revolução Francesa que derrubou 
em poucos anos uma ordem estabelecida várias vezes milenar, 
destruindo um tipo específico de propriedade e uma forma 
particular de Estado, proclamando e prometendo à humanidade 
a liberdade e a igualdade.
Costuma caracterizar-se a Revolução de 1789 como bur­guesa. Burguesa foi a sociedade que dela emergiu. Havia uma 
série de forças sociais empenhadas na derrubada do absolutismo
1 WOODCOCK, G eorge.A id éia . In: Anarquismo: uma história das idéias 
e movimentos libertários. Porto A legre, L&PM, 1983. v . l . p.31-50.
8
e da monarquia, na destruição do modo de produção feudal. 
Assim, Pedro Kropotkin, o grande pensador anarquista, vê 
a revolução burguesa como um freio às suas características 
essencialmente plebéias2 e o marxista libertário Daniel Guérin 
concebe o processo da Revolução Francesa como permanente, 
tomando-se burguês apenas na medida em que o conteúdo 
plebeu que pretende levar a revolução além de seus limites 
burgueses é reprimido.3
Detenhamo-nos um pouco sobre esta questão, pois tudo 
começa aí. A 14 de julho de 1789 caía a Bastilha, símbolo 
da autocracia e do absolutismo. Símbolo do poder feudal e 
do obscurantismo na França. Daí à derrubada da monarquia 
de Luiz XVI e à proclamação da República ainda demorou 
algum tempo. No entanto, o 14 de julho é efetivamente o 
marco referencial da Revolução Francesa. Não o seu início, 
pois este é difícil de precisar cronologicamente, na medida 
em que as massas da cidade e do campo já estavam em movi­
mento há muito tempo, antes da queda da Bastilha, e a própria 
convocação, pelo monarca, dos Estados Gerais foi um elemento 
fundamental no processo revolucionário. A Bastilha caiu justa­mente porque a Grande Revolução estava em marcha e nenhuma 
força tinha condições para detê-la naquelas circunstâncias his­
tóricas. Os conservadores, incapazes de compreender a lógica 
da história, lamentam-se: se Luiz XVI fosse mais duro... Esque­
cem-se que ele era o próprio tipo que simbolizava a decadência 
da aristocracia e do feudalismo. Ou seja, se não fosse Luiz 
XVI, seria outro rei, igualmente impotente diante do momento 
que impugnava historicamente o velho regime. É certo que 
os indivíduos imprimem a sua marca nos processos históricos, 
mas só o fazem, positiva ou negativamente, se agem de acordo 
com o seu tempo. E 1789 não era mais a época dos senhores
^KROPOTKIN, Pierre, A grande revolução (1789-1793). Salvador, Pro- 
g resso , 1955. 2v.
^GUÊRIN, Daniel. A luta de classes em França na primeira república
(1 7 Q 3 -1 7 Q 5 ). L is b o a , A R eg ra do Jo g o , 1977.
9
feudais e muito menos da monarquia absoluta. A burguesia 
e a plebe entravam no cenário histórico. E agora seriam os 
Robespieire, os Marat, os Danton, os Saint-Just, os Babeuf 
e tantos outros que personificavam a nova era. Tomavam-se, 
eles e a plebe, os atores, mas também os autores da história, 
a tal ponto que ainda hoje a Grande Revolução Francesa e 
os movimentos sociais que a realizaram significam muito nos 
dias atuais. As lições que eles proporcionam, participando e 
mudando uma época histórica inteira, vão continuar atraves­
sando os tempos, isto é, a Revolução Francesa permanece 
viva quase dois séculos depois da tomada da Bastilha pelo 
povo revolucionário.
Naquele 14 de julho, o dia despontou agitado. A plebe 
se preparava para o assalto à Bastilha, aquele centro de horrores 
e desprezo ao ser humano (e quantas Bastilhas ainda existem 
espalhadas pelo mundo contemporâneo) e certamente sabia 
que o velho regime estava chegando ao fim. Aquele dia, em 
1789, era o dobre de finados. A plebe parisiense e os deserda­
dos de todos os tipos que começaram a se concentrar na saída 
dos subúrbios e nos cafés estavam certos de que os privilégios 
dos aristocratas agonizavam e que um novo mundo estava 
por nascer. Mas o que viria depois?
Isso os plebeus franceses não sabiam. Ou melhor, sabiam 
o que queriam: a democracia igualitária, o fim da opressão, 
o domínio do povo — a Nação — e, mais adiante, a República: 
queriam Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O que os ple­
beus, os pobres de Paris, não sabiam é que as revoluções 
triunfantes acabam percorrendo caminhos diferentes dos que 
estavam traçados nas consciências mais avançadas e revolucio­
nárias. Na verdade, a Revolução Francesa, antes de ser burgue­
sa, foi radicalmente plebéia.4 O que o povo revolucionário 
não poderia imaginar naquele 14 de julho, quando a Bastilha 
já havia caído e sonhava-se com a imediata instauração de
^GUÊRIN, DanieL La Revohción Francesa y nosotros. M adri, Villalar, 
1977.
10
um regime de liberdade, igualdade e fraternidade, é que, em 
seguida, viriam o Terror, o Termidor, Napoleão Bonaparte, 
a Restauração, para que o processo revolucionário completasse 
o seu curso. E, como prometeu, só fosse retomá-lo meio século 
depois, em 1848. Ou seja, a sonhada liberdade radical e comple­
ta, o império da razão, o entendimento entre os homens e 
uma nova era de fraternidade, enfim todos os grandes ideais 
que formavam a consciência da Revolução, acabaram se redu­
zindo às liberdades burguesas, à liberdade político formal, à 
igualdade meramente jurídica entre os homens. A igualdade 
real, concreta, havia sido apenas um sonho?
Na verdade, por um breve período de tempo, a plebe esteve 
efetivamente com o poder em suas mãos. Robespierre e os 
seus — os Jacobinos — apenas em parte representaram este 
poder que estava nas ruas e nas comunas, o poder dos “braços 
nus” , o poder dos sans-cullottes. Este aspecto da Grande Revo­
lução raramente é salientado pelos historiadores, cuja maior 
parte insiste em identificar, sem fissuras, o jacobinismo com 
a plebe revolucionária. Penso que apenas Pedro Kropotkin e 
Daniel Guérin, entre os grandes historiadores da Revolução 
Francesa, fazem esta separação necessária. Os jacobinos eram, 
realmente, a facção mais decidida e mais radical da burguesia 
revolucionária. Eram, sob certos aspectos, sensíveis às reivindi­
cações da plebe. Mas constituíam, ao mesmo tempo, um freio 
ao domínio plebeu. E quando chegou Napoleão, após o Termi­
dor que encerrou a dominação jacobina, o rumo tomado pela 
Grande Revolução já era bem diferente daquele clima que 
tomou conta das ruas de Paris e se espalhou pelas províncias 
em 14 de julho de 1789.
E a Revolução Francesa, como a Russa, mais de um século 
depois, deixa a interrogação: será que todas as revoluções 
acabam encontrando o seu Termidor?
Esta pergunta tem sido colocada várias vezes, sem que 
se chegue a um acordo, desde o advento de Napoleão Bona­
parte. E recuando ainda mais no tempo: desde que Spartacus 
e seus escravos foram esmagados com seus sonhos de uma 
república comunista dos oprimidos, pelo imperialismo romano.
11
Mas uma pergunta os historiadores não fazem: e se o curso 
tomado tivesse sido outro? Se a plebe permanecesse em seu 
posto e, ao invés do Termidor contra-revolucionário preparar 
o caminho para Napoleão Bonaparte, tivessem os pobres de 
Paris aplainado a estrada para a Conspiração dos Iguais de 
Babeuf e Buonarrotti?5
Não se trata, apenas, de buscar a “ versão dos vencidos” , 
mas de tentarmos pensar as possibilidades contidas na história, 
de um outro curso que não o acontecido: a possibilidade que 
nos fala Walter Benjamin.6 O certo é que a Revolução Francesa 
foi um divisor de águas. Assim, Woodcock salienta que “na 
Revolução Francesa, o choque entre as duas tendências — 
libertária e autoritária — era evidente e em certas ocasiões 
chegava a assumir formas violentas...” Tal como Kropotkin, 
também percebemos que durante esse período surgiram algumas 
das idéias que se transformariam no anarquismo do século 
XIX. Condorcet, um dos cérebros mais fecundos da época, 
que acreditava no progresso infinito do homem rumo a uma 
sociedade sem classes, enquanto se escondia dos jacobinos, 
já havia anunciado a idéia da mutualité, que viria a ser um dos pilares do anarquismo de Proudhon. Condorcet concebeu 
um grande plano de ajuda mútua, que reuniria todos os operá­
rios para salvá-los dos perigos das crises econômicas, durante 
as quais eram normalmente obrigados a vender seu trabalho 
em troca de salários de fome. O outro pilar do anarquismo 
proudhoniano era o federalismo, objeto de muitas discussões 
e experiênciasdurante a Revolução. E enquanto a Comuna 
de Paris veria na criação da República Federal, em 1871, um 
meio de salvar Paris de uma França reacionária, os girondinos 
imaginavam que ela poderia salvar a França de uma Paris 
jacobina. Um tipo mais autêntico de federalismo social surgiu
'’VARES, Luiz Pilla. O 14 de julho . Zero Hora, Porto Alegre, 14 jul. 
1986. p.4.
^BENJAMIN, W alter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política, 
São Paulo, B rasilien se, 1985. p.222-32.
12
então entre as várias instituições revolucionárias semi-espon- 
tâneas da época, primeiro nos “ distritos” ou “ seções” em 
que fora dividida a capital para fins eleitorais, dando origem 
à Comuna de Paris, e depois na rede de Sociedades Populares 
e Irmandades, assim como nos comitês revolucionários que 
aos poucos iam tomando o lugar das seções, à medida que 
estas se tomavam órgãos políticos subordinados, dominados 
pelos jacobinos... Kropotkin vê nesse tipo de organização uma 
expressão primitiva dos princípios do anarquismo e conclui 
que esses princípios não são fiuto de especulações teóricas 
mas de atos da Grande Revolução Francesa.7 Woodcock, po­
rém, vê um certo exagero do pensador anarquista, uma ânsia 
de provar as origens populares de seu pensamento e acrescenta 
que o que Kropotkin “não chega a perceber é o fato de que 
o direito de legislar continua existindo, mesmo que apenas 
ao nível de assembléias gerais; o povo govema. Assim, deve­
mos considerar esse período revolucionário como uma tentativa 
de estabelecer não a anarquia, mas a democracia direta. Entre­
tanto, ainda que não fosse anarquista na verdadeira acepção 
do termo — tal como sua sucessora em 1871 — a Comuna
era federalista e n isto ela antecipou Proudhon, ao criar um
esboço, um modelo tosco do tipo de estrutura prática na qual, 
segundo ele julgava, seria possível desenvolver uma sociedade 
anarquista”.8
Entretanto, se as críticas de Woodcock são pertinentes, 
não é menos verdade que havia um embrião de anarquismo 
na Grande Revolução e este se encontrava entre Jacques Roux, 
Jean Variet e os Enragés, os quais se uniam na recusa às 
idéias jacobinas sobre a autoridade do Estado, defendendo 
a tese de que o povo deve exercer a ação direta e propondo 
medidas econômicas comunistas como o único caminho para 
acabar com os sofrimentos dos pobres.
Assim, é certo que já na Revolução Francesa estavam 
em conflito as concepções libertárias e autoritárias do processo
7 WOODCOCK, George. Op. c it. p.45-6.
^Idem, ibidem.
13
revolucionário. O pensador polonês Leszek Kolakowsky tem 
dado inequívocas contribuições no plano teórico, ao desnudar 
os regimes totalitários. Seus escritos trazem, apesar do saudá­
vel ceticismo de que estão impregnados, uma lúcida tomada 
de posição em favor da liberdade. No entanto, Kolakowsky, 
em sua paixão pela liberdade, acaba fazendo uma indevida 
crítica ao pensamento revolucionário, ao identificar de maneira 
um tanto simplista o espírito revolucionário com o autorita­
rismo, o que nem sempre é correto. Em primeiro lugar, o 
chamado espírito revolucionário não pode ser analisado em 
si mesmo, abstratamente, desligado de sua época e das condi­
ções que o engendram. Ou seja, o espírito revolucionário é 
fundamentalmente prático, não especulativo, e só tem sentido 
se vinculado à ação, que & sua essência, seu próprio conteúdo 
e sua razão de ser.
Toda época revolucionária possui, assim, o seu próprio 
espírito, que se nutre da realidade na qual está imerso. “ A 
coruja de Minerva só levanta vôo ao anoitecer” , dizia Hegel. 
E isto vale também para as épocas revolucionárias. Desta for­
ma, as épocas de revolução geram o seu próprio pensamento 
revolucionário que não pode ser considerado como um bloco 
monolítico, sem tendências, sem fissuras. Como vimos, já na 
Revolução Francesa coexistiam correntes libertárias, descentra- 
lizadoras e comunalistas, com correntes autoritárias e centrali­
zadoras, as quais, por sua vez, igualmente possuíam tendências 
diversas e, até mesmo, conflitantes.
Portanto, é possível conceber a Revolução Francesa como 
de essência nitidamente libertária em contraposição ao absolu­
tismo monárquico. Não obstante, essa essência libertária da 
Revolução Francesa acaba gerando o autoritarismo jacobino 
que, teoricamente, propõe-se a levar o processo revolucionário 
às últimas conseqüências. Mas, ao geral, o jacobinismo como 
uma de suas vanguardas — a principal — a própria Revolução 
nega a sua essência libertária e alguns de seus postulados 
teóricos, preparando, durante o terror, o caminho para o domí­
nio ditatorial de Napoleão Bonaparte.
14
No século XIX, com o advento do movimento operário, 
refletem-se os conflitos entre as tendências autoritárias e liber­
tárias no interior das teorias socialistas que procuravam expres­
sar o conteúdo deste mesmo movimento. A começar, por exem­
plo, pelo próprio Proudhon. Com efeito, o autor de Que é 
a propriedade? e Filosofia da miséria elaborou um pensamento 
em seu conjunto nitidamente libertário, podendo, com justa 
razão, ser considerado por Daniel Guérin, entre outros, como 
um legítimo precursor da teoria da autogestão, tão discutida 
hoje em dia. Entretanto, se ê verdade que Proudhon é, em 
essência, um libertário, contestador implacável de qualquer 
foima de Governo e de Estado, não é menos verdade que, 
quando se propõe a analisar a família e o papel da mulher, 
revela-se um empedernido reacionário.
Também na polêmica que, pela primeira vez, causou uma 
grande divisão entre os socialistas, Bakunin, o mais famoso 
representante do pensamento anarquista, acusou Karl Marx 
de autoritarismo. Por outro lado, Marx e Engels não cansaram 
de condenar os métodos de Bakunin, que, através de uma 
aliança secreta — a “ Aliança da Democracia Socialista” —, 
procurava dominar a A ssociação Internacional dos Trabalha­
dores (AIT), a Primeira Internacional. Na realidade, ainda está 
para ser feita uma verdadeira análise desta polêmica, cujo 
eco ainda é perfeitamente perceptível hoje em dia. Bakunin 
tem razão em apontar aqui e ali tendências autoritárias no 
pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels, mas esconde, 
às vezes deliberadamente, as tendências libertárias que perpas­
sam o pensamento marxista. É inegável, porém, que também 
Marx e Engels, em uma série de apreciações que fazem sobre 
Mikhail Bakunin, distorcem o seu pensamento, na medida em 
que suas idéias demonstram, com o passar dos anos, um imenso
^GUÉRIN, Daniel. L ’anarchisme. Paris, Gallimard, 1965. p.68. E também: 
GURVITCH, George. Proudhon e Marx. L isboa, Presença, 1980. p.127.; 
MOTTA, Fernando C. Prestes. Burocracia e autogestão; a proposta de
Proudhon. São Paulo, B rasiliense, 1981.; BANCAL, Jean, PTOUdhOTtt p[ura~ 
lismo e autogestão. B rasília, Novos Tempos, 1984.
15
vigor, especialmente no que diz respeito ao perigo de um 
Estado altamente centralizado, com o rótulo de socialista, sufo­
car a liberdade e a iniciativa de milhões de trabalhadores.
O antagonismo entre os libertários e os autoritários se 
projetou para o tempo e acabou por cindir de forma até agora 
irremediável os socialistas, com o advento da Rússia sob o 
domínio bolchevique, ao qual os anarquistas chegaram a simpa­
tizar durante algum tempo. E, ainda mais funda ficou a fissura 
com o surgimento do stalinismo, o qual, se é verdade que 
complementa certas tendências inerentes à teoria de Lênin, 
por outro lado, aniquila certas virtudes inegáveis contidas no 
“ leninismo”. Hoje, com as revoluções no mundo subdesen­
volvido, periférico e colonial, assim como o impasse verificado 
nos países industrializados, o debate está readquirindo atuali­
dade prática, especialmente após o Maio de 1968, pois estamos 
diante de acontecimentos vivos, que se passam diante de nossos 
olhos e que, de uma ou de outra forma, envolvem-nos. Assim, 
se a revoluçãodos países coloniais e dependentes parece de­
sembocar sempre em regimes de feições altamente autoritárias, 
nos países desenvolvidos criam-se tendências de cunho nitida­mente oposto, libertárias em essência.
O certo é que a questão não é simples, nem pode ser 
resolvida de forma mecânica e dogmática, o que, no entanto, 
parece ser a tendência de tantos revolucionários, obstinados 
por sua própria natureza. Em todo o caso, o problema teórico 
não é para ser solucionado no terreno especulativo, pois a 
revolução, em si mesma, é um ato autoritário que se dá na 
prática, na vida real e concreta das sociedades. No entanto, 
ao realizar-se ela gera dois movimentos contraditórios: um 
que tende a perpetuá-la como ato autoritário, instituciona- 
lizando-a justamente nesse aspecto. O outro movimento vai 
em sentido inverso: busca soltar as virtualidades contidas no
processo e que têm, como seu conteúdo básico, a ampliação do espaço para a liberdade humana. E, ao que parece, apesar 
de tudo, é este segundo aspecto, o libertário, que está se 
afirmando, pois quando a humanidade se coloca uma questão
16
desse tipo é porque as condições para a sua solução já estão 
dadas, embora as revoluções do século XX tenham devorado 
vorazmente as suas chamas libertárias, estas teimam em renas­
cer, cada vez com mais ímpeto.
17
A ID É IA E OS PRECURSORES
Para os anarquistas, de todos os preconceitos que cegam o homem 
desde a origem dos tempos, o mais fimesto é o do Estado,
DANIEL GUÉRIN
Vimos os vínculos existentes entre as origens do anarquis­
mo moderno e a Grande Revolução Francesa. Estes vínculos 
também existem entre o marxismo e as demais teorias socia­
listas que emergem na turbulência da queda da monarquia 
e o nascimento da República. Mas, tal como o marxismo, 
as idéias anarquistas vão se desenvolver em íntima ligação 
com o desenvolvimento do movimento operário que nasce para­
lelamente à burguesia e ao modo de produção capitalista. E 
tal como as primeiras idéias socialistas do século XIX, também 
as anarquistas se revestem de um invólucro idealista , não raras
vezes ingênuo. Entretanto, desde o seu início os traços do 
anarquismo são difíceis de definir. “ Seus mestres quase nunca 
condensaram seu pensamento em tratados sistemáticos... Além 
disso, existem várias espécies de anarquismo. E muitas varia­
ções no pensamento de cada um dos maiores libertários” .10 
Assim, é preciso fazer a ressalva de que o pensamento libertário é muito mais complexo em sua diversidade e que é praticamente 
impossível traçar com segurança uma evolução linear, com 
suas divisões e subdivisões, tal como se faz em relação ao 
socialismo de inspiração marxista. É preciso não esquecer o 
fato de que o próprio Bakunin, por mais de uma vez, se reivindi­
cou de Marx e do materialismo histórico, e que um de seus
m ais p róx im os segu idores, o ita lian o C ario C a fie ro , fo i o autor
^ G U É R IN , Daniel. Uanarch is me. Op. c it . p.5.
18
de um dos primeiros resumos para a vulgarização do primeiro 
tomo de O capital. “ Não nos tomemos chefes de uma nova 
religião” , escreveu Proudhon a Karl Marx. E esse antidogma- 
tismo que perpassa todo o pensamento socialista libertário 
não ajuda a simplificar, o que é o objetivo desta pequena 
introdução. Mas há, evidentemente, uma trajetória comum, 
que se poderia resumir na concepção socialista ou comunista 
da sociedade e, fundamentalmente, no combate sem tréguas 
a qualquer forma de Estado. E é nesse sentido que procura­
remos trazer ao debate esse instigante pensamento que sempre 
é dado como coisa do passado e sempre retoma atualidade 
quando o questionamento da sociedade passa da teoria à práti­
ca. Na verdade, os problemas colocados pelos grandes pensado­
res socialistas libertários, longe de terem sido sepultados pelo 
tempo, renovam-se e persistem como fascinantes interrogações 
por todos aqueles que se preocupam com o homem e seu 
destino planetário. Além disso, os libertários estiveram presen­
tes em todas as grandes comoções sociais desde o século 
XIX, na Comuna de 1871, na Revolução Russa e em seus 
soviets de 1917, na Alemanha e na Itália em 1918, na Espanha 
de 1936 e em Maio de 1968. No Brasil, é preciso não esquecer, 
o movimento operário foi em primeiro lugar libertário, anarcos- 
sindicalista, e a velha COB — a Confederação Operária Brasi­
leira — tem ainda muito a ensinar a um sindicalismo que apenas 
agora começa a se libertar das tutelas do Estado e de uma 
legislação corporativista e de inspiração fascista.11
Vejamos então o que é o anarquismo, palavra antiga, mile­
nar, que vem da Grécia, composta de “an” e ''arkhê”, signifi­
cando ausência de autoridade ou de governo. No excelente 
Dicionário do pensamento marxista, editado por Tom Bottomo- 
re, o verbete anarquismo aparece definido como “ a doutrina 
e o movimento que rejeita o princípio da autoridade política
11A Voz do Trabalhador, jornal que circulou de 1908 a 1915, era o 
órgão central da COB. A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
ed ito u , em 1985, uma co leçã o fac-sim ilar do jornal da COB, com um 
prefácio do h isto riador Paulo Sérgio Pinheiro.
19
e sustenta que a ordem social é possível e desejável sem esta 
mesma autoridade” .12 Mas os anarquistas estão muito longe 
de pretenderem um caos permanente. Ao contrário. Proudhon, 
por exemplo, que apesar das aparências é mais um construtor 
do que um destruidor, entendia a anarquia como o avesso 
da desordem e do caos. Para ele, o governo é o fator da 
desordem. Entretanto, tanto ele como o seu principal discípulo, 
o russo Mikhail Bakunin, entendiam a palavra em seu duplo 
sentido, ao mesmo tempo a mais formidável das desordens, 
a desorganização mais absoluta da sociedade, isto é, a revolu­
ção e, paralelamente, a reconstrução, a formação de uma nova 
ordem, estável e racional, baseada na liberdade e na solidarie­
dade, como acentua Daniel Guérin.13
Mas muito antes de Proudhon e Bakunin (em um livro 
a meu ver com muitos equívocos, entre os quais o de tratar 
o anarquismo como sucessor do liberalismo, quando penso 
que se trata, apesar da preservação do indivíduo e do individua­
lismo, da negação prática e teórica do liberalismo) Henri Arvon 
tem o mérito indiscutível de esboçar uma breve história do 
anarquismo, inidando-a com o inglês William Godwin.14
Também no Dicionário do pensamento marxista, de Botto- 
more, William Godwin ê apresentado como o autor da “primei­
ra exposição sistemática do anarquismo” . 1S Em sua monumen­
tal História do pensamento socialista, o britânico G.D.H. Cole 
destaca a obra de Godwin, Enquiry into political justice (1793), 
como anarquista: “O ideal que Godwin apresenta é o de que 
a humanidade deve começar a prescindir de todas as formas 
de governo e a confiar por completo na boa vontade espontânea 
e no sentido de justiça de cada homem, guiado pela norma
i^BOTTOMORE, Tom (org.). A dictionary o f marxist thought, Cambridge, 
H arvard, 1983. p .18.
^G U ÉR IN , Daniel. V anarchisme. Op. c it. p.14.
14ARVON, H enri. História breve do anarquismo, L isboa, Verbo, 1966.
^BOTTOM ORE, Tom (org.). A dictionary o f marxist thought. Op. cit. 
p .18.
20
final da razão. Acreditava na razão como guia infalível para 
a verdade e o bem, presente em todos os homens, embora 
obscurecida nas sociedades atuais por convenções irracionais 
e práticas coercitivas. Verdadeiro discípulo do século XVIII, 
o Século das luzes, acreditava totalmente na perfectibilidade 
da raça humana, não no sentido de que os homens chegassem 
alguma vez a ser perfeitos, porém no de um contínuo e infinito 
avanço para uma racionalidade superior e um aumento de bem- 
estar... Sua doutrina era a de um puro comunismo no gozo 
dos frutos da natureza e do trabalho do homem sobre o propor­
cionado pela natureza” . 16 Godwin, porém, como salienta Cole, 
não era apenas umfilho do Século das luzes, do Iluminismo, 
mas, também, dos puritanos ingleses. Ele nasceu em Wisbeach, 
em 1756, filho de um pastor e destinado também ele a se 
tom ar um pregador religioso, profundamente influenciado pelo 
calvinismo, sendo nomeado pastor em 1778 em Ware. Seu 
biógrafo, Henri Roussin, acentua-lhe a retidão de caráter. E, 
talvez, seja justamente esta retidão de caráter que lhe faz 
descobrir na leitura de Rousseau, Mably e Helvetius as verda­
des de seu século, abalando-lhe definitivamente a fé calvinista 
e abandonando as funções religiosas em 1782, quando parte 
para Londres, onde se coloca na ala esquerda do partido Whig 
(liberal). O ano, porém, que marca decisivamente sua vida 
é o da Revolução Francesa, 1789. O próprio Godwin conta: 
“ Era o ano da Revolução Francesa! O meu coração batia forte­
mente ao compasso do sentimento e da liberdade. Li, com 
grande satisfação, as obras de Rousseau, de Helvetius e de 
outros escritores franceses. Observei neles um sistema mais 
geral, e mais simplesmente filosófico, do que na maioria dos 
autores ingleses que abordavam os mesmos assuntos. E fiquei 
com grandes esperanças numa revolução, de que aqueles escri­
tores tinham sido os precursores” .17 E é esse entusiasmo pela
l6 COLE, G.D.H. Los precursores (1789-1850). In: Historia dei pensamiento 
socialista. M éxico, Fondo de C ultura Econômica, 1974. v .l . p.32.
17ARVON, H enri. Op. c it. p.31.
21
Revolução que leva Godwin a escrever sua obra que leva 
o pomposo título de An inquiry concerning political justice 
and its influence on general virtue and happiness (Um inquérito 
acerca da justiça política e da sua influência na virtude e 
na felicidade humanas) ou, simplesmente Enquiry into political 
justice, como ficou conhecida. As teses de William Godwin, 
hoje quase esquecidas, tiveram grande repercussão em sua épo­
ca. Malthus, por exemplo, escreveu o seu Ensaio sobre o 
princípio da população como uma resposta a Godwin e, em 
1794, os poetas Southey, Coleridge e Wordsworth pretendiam 
ir para os Estados Unidos a fim de fundarem ali uma sociedade 
aos moldes da preconizada por Godwin. Algumas de suas idéias 
influenciaram Robert Owen e suas cooperativas socialistas, 
que tiveram posteriormente um papel fundamental na formação 
do socialismo inglês e no próprio marxismo. Owen é conside­
rado, juntamente com os franceses Saint-Simon e Fourier, por 
Marx e Engels como um dos três mais importantes “ socialistas 
utópicos” que teriam uma influência decisiva para o surgimento 
do “socialismo científico” . Mas a influência e a “ glória” de 
Godwin eram restritas a um público leitor liberal e avançado 
para uma Inglaterra conservadora, cuja classe dominante abo­
minava a sua obra. Aliás, e ele certamente não é o único 
nesse aspecto, alguns fatos de sua vida pessoal entram em 
contradição com sua obra. Veemente inimigo do casamento, 
que considerava “ a pior das leis” e a “pior das propriedades” , 
casou-se secretamente com Mary Woolstonekraft, em 1797. 
Teve ainda um segundo matrimônio em 1801. Acérrimo inimigo 
dos preconceitos, não aceitou, porém, o romance do poeta 
Shelley com sua filha Mary, proibindo aos amantes que fre­
qüentassem a sua casa. Morreu pobre em 1836, como um peque­
no funcionário de um ministro, triste fim para quem um dia 
abalara mentes jovens, depositando as maiores esperanças num 
mundo novo.
Outro precursor do anarquismo é. sem dúvida alguma, o 
alemão Max Stimer, cujo nome verdadeiro era Johann Caspar
18Idern, ibidem. p.43.
22
Schmidt, nascido na Baviera em 1806. Foi, como todos os 
jovens alemães universitários de sua época, fortemente influen­
ciado por Hegel, a cujos cursos assistiu. Mas, ao contrário 
de seu mestre, voltou-se desde logo contra o Estado, afirmando 
que “ somos ambos, o Estado e eu, inimigos” e que “ todo 
Estado é uma tirania, seja a tirania de um só ou de vários” . 
Stimer pertencia ao círculo dos chamados jovens hegelianos 
ou a esquerda hegeliana, da qual aproximou-se Karl Marx, 
mas logo tomou-a objeto de suas críticas ferinas e demolidoras, 
das quais Stimer não escapou. Sua principal obra, O único 
e sua propriedade (1844) surge em um momento no qual 0 
movimento operário já afirmava a sua autonomia e o marxismo 
estava em processo de elaboração. Proudhon já pontificava 
como teórico do socialismo francês, que tanto impressionara 
— e influenciara — Marx e Engels. Ocorre, porém, que Stimer 
em O único e sua propriedade leva ao extremo aquele anarquis­
mo individualista, desvinculado da luta de classes real e a 
sua revolta não é uma revolta social. Antes é a revolta do 
“ eu” , a consciência do “único” . Stimer afirma: “ Nós vencere­
mos a opressão, mas só na medida em que verificarmos que 
esses poderes refiram a sua força, única e simplesmente, da 
ignorância em que nos mantemos do nosso papel de criadores 
absolutos e soberanos” . Daniel Guérin, que curiosamente não 
menciona William Godwin, começa a sua cativante Antologia 
do anarquismo, intitulada Ni Dieu, ni maître (Nem Deus, nem 
senhor), justamente por Max Stimer, definindo-o como um 
“ revoltado solitário” .19 A originalidade de Stimer é a de reabi­
litar o indivíduo numa época e num cenário — a intelectualidade 
alemã da primeira metade do século XIX — extremamente 
antiindividualista, pendendo para as tendências socializantes 
que surgiam da esquerda hegeliana, onde pontificava principal­
mente Bruno Bauer. Cole, porém, vê um certo parentesco 
entre as idéias de Stimer e as de Fichte na ênfase colocada
19GUÉRIN, Daniel. N i Dieu, N i Maître: anthologie de Vanarchisme, Paris, 
M aspero, 1980. p.9.
23.
na racionalidade do espírito humano individual.20 Não seria 
exagero afirmar que o anarquismo individualista de Max Stimer 
antecipa algumas das teses que viriam a ser defendidas, com 
muito mais beleza e profundidade, anos mais tarde por outro 
alemão: Nietzsche. Das posições filosóficas de Max Stimer, 
porém, não poderia ganhar consciência qualquer movimento 
social e não foi apenas de Marx e Engels que ele recebeu 
uma crítica demolidora. Também Proudhon criticou a “ adora­
ção stiraeana do indivíduo” . Mas, se isso é verdade, não 
é menos certo que ao desmistificar o Estado e a moral burguesa, 
Stimer lançou as bases da teoria anarquista.
A verdade é que Stimer, hoje, é um nome pouco mencio­
nado, tanto na história do pensamento socialista, o que seria 
natural dado o seu exacerbado individualismo, quanto na histó­
ria da filosofia, o que, de certa forma, é injusto, pois sua 
obra teve um papel antecipador em vários aspectos, inclusive 
da psicanálise. Era um homem de paradoxos. Individualista 
extremado, seu único luxo era o fumo e aceitou de bom grado 
o pseudônimo de Stimer, em razão de sua enorme fronte {stirn 
em alemão significa testa). Arvon conta o seu triste final 
de vida: “ O esquecimento e, em breve, a miséria atormenta­
ram-no e acabaram por entenrá-lo vivo. Com suas últimas eco­
nomias, o filósofo tentou entrar em negócios e abriu uma 
leiteria. Mas se o recolhimento do leite era fácil, custava muito 
mais vendê-lo. A falência reduziu-o à extrema miséria. Tentou 
ainda captar o favor do público com algumas traduções e 
compilações. Mas em vão. Em 1853, a sociedade lembrou-se 
dele, mas para o mandar duas vezes para a cadeia. Nem mesmo 
na morte escapou ao ridículo. Uma mosca envenenada picou-o 
na nuca e venceu a resistência do único. O Registro Civil 
anota secamente acerca de seu falecimento, ocorrido em 1856: 
Nem mãe, nem mulher, nem filhos” .21
Assim, com o desaparecimento de William Godwin e Max 
Stimer, desaparecem também aquelas idéias precursoras do
20COLE, G.D.H. Op. cit. pJ225.
21 ARVON, H enri. Op. c it. p.42.
24
anarquismo desvinculadas do novo movimento social que já 
começava a se afirmar, sepultadas as ilusões nas promessas 
liberais da Grande Revolução Francesa. Aliberdade, a igual­
dade e fraternidade se fragmentavam diante do muro erguido 
pela burguesia, a nova classe dominante, com o seu modo 
de produção capitalista e o seu estado. O novo movimento 
social não era mais simplesmente plebeu como nas grandes 
jornadas de 1789. Entrava em cena o movimento operário 
vivo, com reivindicações próprias, afirmando-se a cada passo. 
E as idéias dos precursores teriam de ceder lugar àqueles pensa­
dores que procuravam tirar as conclusões necessárias das novas 
lutas de classe. E entre estes ocuparam os primeiros lugares, 
antes do marxismo se afirmar, os socialistas anarquistas, os 
libertários. Começa uma nova era na longa história das lutas
socia is da humanidade.
25
PROUDHON: A PRO PRIED A D E É UM ROUBO
Alguns ensinam que a propriedade é um direito civil originado 
da ocupação e sancionado pela lei; outros sustentam que é um 
direito natural, tendo sua fonte no trabalho: e essas doutrinas, 
por opostas que pareçam são fomentadas, aplaudidas. Sustento 
que nem o trabalho, nem a ocupação, nem a lei podem criar 
a propriedade; ela é um efeito sem causa; deverei ser repreendido 
por isso?
PIERRE-JOSEPH PROUDHON
Agora as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade pas­
savam para o lado da classe operária, dos trabalhadores, e 
deixavam de ser uma questão meramente teórica para se tomar 
uma reivindicação eminentemente prática. E, a rigor, é aqui 
que começa verdadeiramente o anarquismo, como tendência 
atuante e viva no movimento operário, disputando com os 
“ autoritários” reformistas ou não, a defesa do verdadeiro socia­
lismo. E o primeiro — e um dos mais importantes — represen­
tantes da tendênda anarquista é, sem dúvida alguma, Pierre-Jo- 
seph Proudhon, que iria marcar, com sua imensa e discutida 
obra, o pensamento e a ação dos libertários. É uma obra contra­
ditória também, onde coexistem e sucedem-se momentos extre­
mamente revolucionários e outros de um conservadorismo irri­
tante. Entretanto, tanto mais passa o tempo, mais se observa 
a atualidade de sua teoria revolucionária, particularmente no 
que diz respeito à autogestão. Já mergulhado na luta dos traba­
lhadores franceses, Proudhon é “ o primeiro a propor uma con­
cepção anti-estatal da gestão econômica” .22
Mas é preciso salientar que Proudhon forma as suas concep­
ções políticas, sociais e econômicas quando se aproxima o
22GUÉRIN, Daniel. L’anarchisme. Op. cit. p.52.
26
ano da Revolução de 1848, quando, pela primeira vez, o prole­
tariado parisiense entra na cena da história com reivindicações 
próprias, como classe. Não se trata, portanto, de um vago 
socialismo utópico, apesar de suas leituras de Charles Fourier.23 
Proudhon já faz propostas concretas para a transição do capita­lismo e participa ativamente das lutas, conhecendo por diversas 
vezes a prisão e o desterro.
Pierre-J oseph Proudhon nasceu em Besançon, na França, 
a 15 de janeiro de 1809, trabalhando, ainda menino, juntamente 
com o pai na fabricação de cerveja. Sua primeira infância 
transcorre no campo, da qual ele próprio dá um retrato, mesmo 
confessando-se avesso às autobiografias, ressaltando a existên­
cia “ mais contemplativa e realista, mas oposta a este absurdo 
espiritualismo que fundamenta a educação e a vida cristã” , 
em uma autêntica apologia da vida camponesa.24 Viu-se, porém, 
obrigado, durante toda a vida a lutar contra as duras necessi­
dades materiais para a existência. Ao contrário de Karl Marx, 
que pôde ter uma proveitosa vida universitária, Proudhon foi 
sempre um autodidata, o que explica a maior profundidade 
teórica do primeiro em relação ao segundo. Mas é inegável que esta deficiência de Proudhon em relação a Marx, por outro 
lado, proporcionou-lhe uma vantagem: a de estar sempre ligado 
à vida e propor uma doutrina da ação, jamais se esquecendo 
ou colocando em segundo plano o lado prático da construção 
teórica. É dele a idéia de que o anarquismo não se pretende 
o sinônimo da desorganização.25 Foi o primeiro a proclamar 
que a anarquia não 6 a desordem, mas a ordem natural, em 
oposição à ordem artificial imposta de cima, é a unidade real 
em contraposição à falsa unidade que engendra a coação. Para 
Proudhon, a anarquia “é a sociedade organizada, viva, o mais
22RESENDE, Paulo Edgar A. & PASSETT1, Edson (org.). Proudhon.
São Paulo, Á tica, 1986. p.9.
24GUÉRIN, Daniel. N i Dieu, N i Maître: anthologie de Fanarchisme. Op. 
c it. p.39.
25ARVON, Henri. Op. cit. p.48.
27
alto grau de liberdade e ordem que a humanidade poderá atin­
gir” . Vê-se, portanto, que a “revolta visceral” do anarquismo, 
como a classifica Guérin,26 não conduz Proudhon a um niilismo 
à la Stimer, mas a uma perspectiva revolucionária, embora 
muito ligada às tradições francesas, o que faz depreenderem-se 
de seu pensamento, tal como em Hegel, duas tendências, uma 
conservadora e outra nitidamente esquerdizante e revolucio­
nária. O gênio de Karl Marx percebeu as duas, considerando-o 
na Sagrada família,27 como o mais importante socialista francês, 
para, alguns anos depois, na Miséria da filosofia — obra, aliás, 
decisiva na formulação do materialismo histórico — criticá-lo 
sem piedade. Entretanto, a leitura de Proudhon por Marx seria 
extremamente mais benéfica para a própria teoria do materia­
lismo histórico se este procedesse da mesma forma como proce­
deu em relação a Hegel e a Feurbach, buscando o que havia 
de racional e verdadeiro em Proudhon e rejeitando o seu aspec­
to conservador. Ocorre, porém que Pierre-Joseph Proudhon 
elaborou a sua teoria em íntima ligação com a vida, a prática 
e as lutas do povo francês. Mas Marx viu apenas o lado teórico- 
especulativo do pensamento proudhoniano e não foi compla­
cente com as limitações do tipógrafo que se elevou à altura 
da abstração teórica, embora, mais tarde, diante da Comuna 
de Paris de 1871 os próprios fatos viessem a impregnar seus 
conceitos de alguns elementos contidos no pensamento de 
Proudhon, como a questão do Estado e a própria questão, 
tão discutida hoje em dia, do autogoverno e da autogestão.
Mas, como dizia, Proudhon viveu uma juventude pobre 
e até mesmo, por vezes, miserável. Aos 18 toma-se tipógrafo 
em Besançon. Estuda hebreu, latim e grego por sua própria 
conta e até 1829 prossegue trabalhando como tipógrafo em 
Neuchâtel. Em 1830 vai para Paris onde, concluindo a leitura 
da Bíblia e de outras obras teológicas, reforça definitivamente
26GUÊRIN, Daniel. Uanarchisme. Op. cit. p.50-1.
^ M A R X , Karl. La question ju ive . P aris, UGE, 1968. Miséria da fllosofla. 
R io de Janeiro, Leitura, 1965.
28
o seu anticlericalismo e a sua aversão pelas religiões. Jean 
Bancai o define como “ semicamponês, semi-operário, semi- 
classe média” , uma espécie de “microcosmo do povo fran­
cês” .28 E isso talvez venha a explicar as contradições contidas 
em sua obra. Em 1833, volta à terra natal para dirigir a tipogra­
fia Gauthier, e três anos depois monta, com um sócio, a sua 
própria. O empreendimento fracassa, o sócio comete suicídio 
e Proudhon vai se refugiar no campo, onde escreve seu Ensaio 
de gram ática gera l, pelo qual recebe menção honrosa da Acade­
mia de Besançon. Retoma a Paris e freqüenta cursos na célebre 
Sorbonne, no Collége de France e na École des Arts e de 
Métiers. Com 29 anos faz o bacharelado e recebe uma bolsa. 
Mas não esquece os seus tempos difíceis: “ Eu sei o que é 
a miséria, escreveu, eu vivi nela” . E, assim, foi até o fim, 
publicando obras sobre obras, fundamentalmente destinadas 
a mudar o mundo e o destino dos homens, todas escritas 
com um estilo e numa linguagem que provocaram a admiração
de Saint-Beuve, para o qual Proudhon era “um filósofo comba­
tente, que quer ser, antes de tudo, um homem de pensamento 
de luta e de audácia” . O grande poeta Baudelaire também 
era um admirador de seus escritos.
Como Marx, mas sem a profundidade deste, Proudhoninte- 
ressou-se basicamente pela economia política. Em 1840, publi­
ca a obra que vai lhe marcar para sempre como um dos princi­
pais representantes do socialismo francês do século XIX, obra, 
aliás, que não perdeu até hoje a sua atualidade e que se lê 
às vésperas do século XXI com avidez e paixão, pois os proble­
mas e as questões ali colocadas ainda não foram resolvidos: 
O que é a propriedade?, na qual ele dá a célebre resposta: 
“ A propriedade é um roubo” .29 A obra O que é a p ro p ried a d e?
recebeu de Karl Marx os mais rasgados elogios. Com efeito, 
Marx chama Proudhon de o “pensador mais audacioso do socia­
2^BANCAL, Jean. Proudhon: pluralismo e autogestão. Op. c it. p.30. 
2^PROUDHON, Pierre-Joseph. Qu’est-ce que la propriété? Paris, Garnier-
Flammarion, 1965.
29
lismo francês” e referindo-se a O que ê a propriedade? afirma 
que seu autor havia submetido a propriedade privada a uma 
crítica científica. Muitos anos mais tarde o grande socialista 
francês Jean Jaurés vai elogiá-lo como um “ grande liberal 
ao mesmo tempo que um grande socialista”.
Mas a vida de P.J. Proudhon, como, aliás, a de todo o 
revolucionário, nunca foi fácil, embora tenha, ainda em vida, 
gozado da notoriedade e de muito prestígio entre os operários 
e intelectuais de esquerda da época, muitos dos quais já o 
consideravam um gênio. Em 1843, foi obrigado a assumir as 
funções de amanuense no escritório de um amigo de infância 
em Lyon, justamente quando vinha a ser publicada sua obra 
Da criação da ordem na humanidade. Por causa de seu empre­
go, era obrigado a ir constantemente a Paris, o que não lhe 
desagradava, evidentemente, pois mantinha seus contatos polí­
ticos e revolucionários. Foi numa dessas ocasiões, em 1844, 
que manteve relações com um grupo de refugiados políticos, 
entre os quais Kari Marx, com quem estabeleceu correspon­
dência. A ruptura definitiva com Marx dar-se-á, porém, dois 
anos depois, em 1846, quando surge a sua obra em dois volumes Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da miséria, 
que recebeu a impiedosa, e por vezes injusta, crítica arrasadora 
de Marx intitulada A miséria da filosofia.
Nesse ano, fixa-se em Paris e vive a Revolução de 1848, 
cuja orientação era completamente diferente das idéias que 
vinha expondo em suas obras, particularmente no que diz res­
peito ao Estado. Mesmo assim, para se ter uma noção do 
prestígio que desfrutava entre a classe trabalhadora e um setor 
da intelectualidade gauchiste foi eleito deputado a 4 de junho 
de 1848, com cerca de 80 mil votos. Seu discurso na Assem­
bléia provocou escândalo, pois ele apresentava o povo como 
a “ vítima da burguesia”. No Parlamento, era o terror dos 
conservadores e bem-pensantes e por suas críticas ao regime 
capitalista e ao Estado burguês foi condenado, no ano seguinte, 
a três anos de prisão e a cinco mil francos de multa, mas 
conseguiu fugir para a Bélgica. Voltou, porém, à França e
30
foi preso, onde escreveu as Confissões de um revolucionário, 
uma obra-prima literária na opinião de Saint-Beuve.
Foi libertado em 1852, mas sua atitude em relação a Luís 
Bonaparte, o piíncipe-presidente, lhe valeu muitas críticas da 
esquerda, especialmente de Marx, que não lhe perdoou. Ele 
dirigiu-se a Luís Bonaparte na obra A revolução social demons­
trada pelo golpe de estado, pedindo-lhe uma chance para a 
realização de suas idéias. Mas o seu trabalho como legislador 
e suas tentativas de ganhar o ditador para a realização de 
suas idéias, especialmente a do Banco do Povo, durou pouco. 
Em seguida, no jornalismo, outra de suas paixões, estava de 
novo batalhando contra o Estado e a sociedade dividida em 
classes. Morreu em 1865, pobre como viveu sempre, entre 
os seus, os da classe la plus nombreuse et la plus pauvre, 
para usar a frase de Saint-Simon.
É importante que nos detenhamos um pouco nas diferenças 
entre Marx e Proudhon, especialmente pelo fato de se constituí­
rem, ambos, nos mais importantes escritores das duas principais 
correntes socialistas do século XIX. Já nos referimos à admira­
ção inicial de Marx por Proudhon, especialmente após o apare­
cimento de O que é a propriedade? e o desentendimento final, 
em 1847, quando sai a obra de Marx A miséria da filosofia 
em resposta ao Sistema das contradições econômicas. Mas 
a ruptura já se delineava claramente em 1846, quando Marx 
escreve a Proudhon, pedindo a sua ajuda para a correspondência 
impressa que deveria servir de ligação entre as diversas corren­
tes revolucionárias. Proudhon, em carta datada de 17 de maio 
de 1846, de Lyon, prometeu o auxílio, embora ressaltando 
que não poderia se comprometer a escrever muito, nem com 
freqüência definida.30 Nesta carta, Proudhon aproveita a opor­
tunidade para fazer uma declaração de antidogmatismo, espe­
cialmente nas questões econômicas. Dizia Proudhon: “ Não 
vamos dar novo trabalho à humanidade com novos desvarios, 
brindemos ao mundo o exemplo de uma sábia e sagaz tolerân­
MEHRING, Franz. Carlos Marx: historia de su vida. Máxico, Grijalbo, 
1965. p.137.
31
cia, não queiramos passar por apóstolos de uma nova religião, 
ainda que esta venha a ser a religião da razão e da lógica” . 
E acrescentava: “ E já que falamos disso, vos direi acreditar 
que as idéias da classe operária francesa coincidem com a 
minha posição; nossos proletários sentem uma sede tão grande 
de ciência que não sair-se-á bem quem não lhes oferecer outra 
coisa para beber que não seja sangue” .
No ano seguinte, com o lançamento de Miséria da filosofia, 
os fundamentos do materialismo histórico marxista estavam 
lançados. Assim, involuntariamente, com a polêmica aberta, 
Proudhon proporcionou a Marx a oportunidade de lançar a 
“ pedra angular” do materialismo histórico. Aqui também ficam 
claras as diferenças entre os dois pensadores socialistas, espe­
cialmente na questão da dialética, cujo manejo e compreensão 
Marx demonstra incontestável superioridade. Na verdade, ape­
sar de seu talento indiscutível, com rasgos de genialidade, 
Proudhon nunca chegou a compreender verdadeiramente a dia­
lética hegeliana, desfigurando-a. Mais do que isto: “ fixava-se 
em seu lado reacionário, segundo o qual o mundo da realidade 
se deriva do mundo da idéia, negando o lado revolucionário 
da doutrina: a autonomia e liberdade de movimentos da idéia, 
que passa da tese à antítese, até chegar ao longo desta luta 
àquela unidade superior em que se harmoniza o conteúdo subs­
tancial de ambas as posições, eliminando-se tudo o que havia 
de contraditório em sua forma. Proudhon, por seu lado, distin­
guia em toda categoria econômica um lado bom e um lado 
mau, desejando chegar a uma síntese, a uma fórmula científica 
que acolhesse o bom e 'eliminasse o mau” .31
A resposta de Marx às fórmulas proudhonianas é dura 
e enérgica: “ O senhor Proudhon jacta-se de nos oferecer ao 
m esm o tem po uma crítica da econom ia política e do comunismo 
e não percebe que fica muito abaixo de uma e de outro. Dos 
econom istas porque, considerando-se com o filóso fo , na posse 
de uma fórmula m ágica, acredita-se desobrigado de entrar em
31Idem, ibidem. p .142.
32
detalhes econômicos; dos socialistas porque carece da penetra­
ção e do valor necessário para elevar-se, ainda que somente 
no terreno da especulação, sobre os horizontes da burguesia. 
Pretende ser a síntese e não é mais do que um erro sintético; 
pretende flutuar sobre burgueses e proletários como homem 
de ciência e não é mais do que um pequeno-burguês, que 
oscila constantemente entre o capital e o trabalho, entre a 
Economia Política e o socialismo” . Mas Franz Mehring, um 
dos mais brilhantes marxistas alemães, camarada de Rosa Lu- 
xemburg, e avesso ao dogmatismo, coloca uma justa advertên­
cia que passa despercebida a muitos que se dizem “marxistas” 
ao abordar a obra e o significado das teses de Proudhon: 
“ Não sedeve ler ignorante onde Marx diz pequeno-burguês, 
pois não é o talento de Proudhon que está colocado em questão, 
porém, sim, a sua incapacidade de passar por cima das frontei­
ras da sociedade pequeno-burguesa” .32
Na verdade, no que diz respeito à dialética hegeliana ou 
à sua formulação materialista, Marx tinha razão contra Prou­
dhon. O método deste era precário, pois, dividido o processo 
dialético em um lado bom e outro mau e concebida uma das 
categorias com o antídoto da outra, a idéia ficava exangue, 
morta, sem forças para se transpor a si mesma e descompor-se 
em categorias. E Mehring acrescenta: “ Como autêntico discí­
pulo de Hegel que era, Marx sabia perfeitamente que o lado 
mau que Proudhon queria extirpar era precisamente o que 
fazia a história. As categorias econômicas não são, para Marx, 
mais do que outras tantas expressões teóricas, abstrações da 
situação social e a divisão do trabalho não é uma categoria 
econômica, como Proudhon pretende, mas uma categoria histó­
rica que assume as formas mais variadas através dos diversos 
períodos históricos” .
Ainda sobre a polêmica Marx-Proudhon, é indispensável 
que nos detenhamos um pouco nas opiniões de Mikhail Baku- 
nin, um dos maiores revolucionários do século XIX e um pensa­
dor brilhante, embora pouco profundo, com intuições geniais
<5 0 Idem, ibidem.
33
a respeito do futuro da humanidade e do socialismo, que viu, 
apesar de suas nítidas simpatias proudhonianas (ele definia 
o anarquismo como “ o proudhonismo amplamente desenvol­
vido e levado às suas conseqüências extremas” ) com muita 
lucidez o conflito teórico entre os dois pensadores.
“ Marx — diz Bakunin — é um pensador sério e profundo 
dos problemas econômicos. Tem sobre Proudhon a imensa van­
tagem de ser um verdadeiro materialista. Proudhon, apesar 
de todos os esforços que realizou para se livrar das tradições 
do idealismo clássico, foi durante toda a sua vida um idealista 
incorrigível, influenciado às vezes pela Bíblia, e às vezes pelo 
Direito Romano, como eu próprio tive de dizê-lo dois meses 
antes de sua morte, e metafísico sempre e em tudo até a 
medula. Sua maior desgraça foi não ter estudado nunca as 
ciências naturais e nem jamais ter assimilado os seus métodos. 
Era um homem de instinto e este lhe traçava uma que outra 
vez o caminho correto, mas, levado pelos maus hábitos, isto 
é, pelos hábitos idealistas de seu espírito, voltava a reincidir 
nos velhos erros. Assim se explica que Proudhon fosse, durante 
toda a sua vida, uma contradição constante, um gênio poderoso, um pensador revolucionário que nunca cessava de se revoltar 
contra os fantasmas do idealismo, sem conseguir vencê-los 
jamais.”
E, em seguida, referindo-se a Karl Marx, afirma Bakunin: 
“ Como pensador, Marx vai pelo caminho certo. Proclama como princípio fundamental que os movimentos religiosos, políticos 
e jurídicos da história nunca foram as causas, mas os efeitos 
dos movimentos econômicos. É esta uma idéia grande e fecun­
da, que Marx não foi o primeiro a descobrir; já antes haviam 
atinado com ela e muitos outros a proclamaram, mas o que 
não se pode negá-lo (a Marx) é a honra de tê-la desenvolvido 
cientificamente, colocando-a como base de todo um sistema
econômico. Por outro lado, a liberdade foi muito melhor com­
preendida e sentida por Proudhon do que por Marx; apesar 
de que sua doutrina e imaginação não fossem tão grandes, 
Proudhon possuía o verdadeiro instinto do revolucionário. É 
muito provável que Marx se eleye a um sistema ainda mais
34
racional da liberdade do que Proudhon, mas falta-lhe o instinto 
deste. Como alemão e judeu que é (Marx), é um autoritário 
dos pés à cabeça” .
Longe dos espíritos sectários e dogmáticos, é evidente, 
a polêmica vem ganhando nos tempos atuais novos contornos, 
especialmente após Maio de 1968, quando os velhos conteúdos 
foram questionados e aquele instinto anarquista recobrou atua­
lidade, e alguns pensadores chegam a afirmar que uma transição 
real do capitalismo ao socialismo nas sociedades contempo­
râneas não poderá ser feita sem Marx e Proudhon juntos. Obvia­
mente, sem reincidir no erro proudhoniano do lado bom e 
do lado mau da dialética, ou seja, extirpando de um e de 
outro pensador aquilo que não presta e conservando o que
é válido e perene. Nada d isso . O que se requer é uma leitura
crítica tanto de Proudhon como de Marx, situando-os em seu 
tempo para que se formule uma teoria da transformação social 
mais completa e abrangente. O sociólogo Georges Gurvitch, 
por exemplo, afirma: “ Cem anos volvidos após a morte de 
Proudhon, a atualidade do pensamento deste impõe-se a Leste 
como a Oeste... Enquanto sociólogo e doutrinador social, Prou­
dhon não é apenas um traço de união importante entre Saint- 
Simon e Marx, sem o qual Marx não seria possível. É muito 
mais do que isso. Os pensamentos de Proudhon e Marx comple­
tam-se e corrigem-se mutuamente. Nunca se excluem, mesmo 
quando se contradizem. As diversas tentativas de síntese têm 
falhado até aqui, por não se terem elevado ao nível destes 
dois irmãos inimigos. Mas ainda não houve quem pronunciasse 
a última palavra. Esta síntese está muito mais adiantada na 
realidade dos fetos do que na teoria. Tenho a certeza de que 
uma nova concepção, superando, ao mesmo tempo, Proudhon 
e Marx, a fim de os unir, não tardará a ser formulada” .33
Pessoalmente, creio que Gurvitch está certo. O autorita­
rismo das sociedades contemporâneas estava germinando no momento mesmo em que as revoluções do século passado forta­
leciam cada vez mais o Estado, tão negligenciado por Marx.
33GURVITCH, George. Op. c i t p.166.
35
Na verdade, as explosões sociais contemporâneas, quando 
acontecem, têm um conteúdo nitidamente autoritário e sobre 
esta questão Proudhon tem muito a dizer em sua obra longa 
e tão rica. Aliás, é o próprio Proudhon quem afirma: a Revolu­
ção Francesa proclamou o advento da liberdade e da igualdade, 
mas, sob o manto dos formalismos de participação, deixou 
como legado efetivo a autoridade: não consolidou a sociedade, 
antes esmerou-se em seu govemo. A potencialidade dos movi­
mentos revolucionários esterilizou-se nas constituições políti­
cas. Foi tão-só uma revolução política, que repôs a autoridade 
em outros termos.34
Em uma de suas obras póstumas — talvez tão importante 
como a célebre O que é a propriedade? — Proudhon traça 
um perfil da burguesia que revela todo aquele instinto percebido 
nele por Bakunin, um perfil que provavelmente seja até mais 
adequado aos dias atuais do que em seu próprio tempo: “ En­
quanto a plebe operária, pobre, ignorante, sem influência, sem 
crédito, fala de sua emancipação, de seu futuro, de uma trans­
formação social que deve mudar sua condição e emancipar 
todos os trabalhadores do globo, a burguesia, que é rica, que 
possui, que sabe e que pode, não tem nada a dizer de si 
mesma», parece sem destino, sem papel histórico: carece de 
pensamento e de vontade... é uma minoria que trafica, que 
especula, que agiota, uma confusão” .35
34RESENDE, Paulo Edgar A. & PASSETTI, Edson. Op. c it. p .17.O ^J J PROUDHON, Pierre-Joseph. Da capacidade política das classes operá­
rias . In: RESENDE, Paulo Edgar A. & PASSETTI, Edson. Op cit. p .107.
36
BAKUNIN: A REVOLTA PERM ANENTE
Quem diz Estado, diz automaticamente dominação e, conseqüente­
mente, escravidão; um Estado sem escravidão, confessada ou masca­
rada, ê inconcebível. Por isso, somos inimigos do Estado.
Liberdade sem socialismo ê privilégio, injustiça; socialismo sem 
liberdade ê escravidão e brutalidade. M KHAIL BAKUNIN
Certamente, Mikhail Bakunin é o mais importante anarquis­
ta da história. Não teve, como Proudhon, uma obra enorme 
e sistematizada, mas possuía um cérebro privilegiado, como 
demonstram as suas centenas de folhetos revolucionários. Era, 
acima de tudo, um homem de ação que renunciara voluntaria­mente tomar-se um filósofo, embora levasse em alta conta 
as teorias sociais e políticas de sua época. Mesmo assim, suas concepções sobre o socialismo e a sociedade futura elevaram-se 
acima de seu tempo e, após Maio de 1968, seu retrato e 
suas frases passaram a ser vistas nas grandes manifestações 
dos jovens que buscavam novos caminhos.
Bakunin, filho de um aristocrata, nasceu em Premukhino, 
na Rússia, a 30 de maio de 1814, e morreu em Berna, na 
Suíça, em 1876. Tomou-se, desde logo, um “jovem hegeliano” 
de esquerda e percebeu de imediato a importância da negação 
no processo dialético, afirmando que “ a paixão pela destruição 
é também uma paixão criativa” . De início, como tantos outros 
russos, era um democrata-revolucionário, mas acabou influen­
ciado pelas idéias do comunista alemão Wilhelm Weitling e 
por Pierre-Joseph Proudhon. Guérin traça um interessante para­
lelo entre o mestre Proudhon e o discípulo Bakunin: “ Assim, 
Proudhon, na segunda parte de sua carreira, dá a seu pensa-
37
mento um tom mais conservador. Sua prolixa e monumental 
Justiça na revolução e na igreja (1858) é sobretudo consagrada 
ao problema religioso e a conclusão é muito pouco libertária... 
Com Bakunin, o fenômeno é inverso. É a primeira parte de 
sua carreira agitada de conspirador revolucionário que não 
tem relação com o anarquismo. Ele somente vai aderir às idéias 
libertárias a partir de 1864, após o fracasso da insurreição 
polonesa, da qual foi um dos participantes” .36 A tese de Prou- 
dhon de que “ a democracia não é nada mais do que o arbítrio 
constitucional” exerceu uma forte impressão sobre ojovemhege- 
liano exilado que logo em seguida rompeu seus laços com a 
democracia revolucionária para se tomar um anarquista muito 
mais radical do que o próprio Proudhon.
No início de sua vida revolucionária, porém, suas idéias 
se expressam fundamentalmente no apoio aos povos eslavos 
em suas lutas contra a dominação autocrática da Rússia, da 
Alemanha e da Áustria. Sua reputação como revolucionário 
cresceu imensamente pela participação pessoal que tomou em 
várias insurreições nos turbulentos anos de 1848-49.37 Foi pre­
so após o fracassado levante de Dresden, permanecendo encar­
cerado durante sete anos e depois enviado para a Sibéria, 
de onde escapou em 1861. No entanto, foi na derrota da 
revolução nacional-democrática polonesa de 1863 que Bakunin 
deixou de ver qualquer possibilidade realmente revolucionária 
nos movimentos de libertação nacional. Então, já definitiva­
mente anarquista, passa a se preocupar em promover a revolu­
ção social em escala internacional.
Em 1864, voltou à Itália, passando por Londres, onde 
encontrou Marx, e Paris, onde reviu Proudhon já perto do 
fim. Na Itália, ele se fixou até 1867, principalmente em Flo­
rença e em Nápoles e seus arredores. James Guillaume, o 
historiador (e militante) anarquista conta que por essa época
36GUÉRIN, Daniel. U anarchisme. Op. cit. p.8.
37BOTTOMORE, Tom (org.). A dictionary o f marxist thought. Op. c it. 
p.40.
38
as suas idéias já estavam amadurecidas plenamente e Bakunin 
estava decidido a lutar pela formação de uma organização 
secreta de revolucionários, que se concretizou com a ajuda 
de militantes italianos, espanhóis, franceses, escandinavos e 
eslavos, tomando-se conhecida como Fraternidade Interna­
cional- ou Aliança dos Revolucionários Socialistas,38 Na luta 
contra os republicanos autoritários de Mazzini, Bakunin e seus 
companheiros fundam, em Nápoles, o jornal Liberdade e Justi­
ça, onde desenvolve e aprimora o seu programa. Mas não 
se define como comunista: “ Detesto o comunismo porque trata- 
se da negação da liberdade e eu não posso conceber nada 
humano sem a liberdade. Não sou comunista ainda porque 
o comunismo concentra e absorve todas as forças da sociedade 
nas mãos do Estado, enquanto eu quero a abolição do Estado 
— a extirpação radical da autoridade e da tutela do Estado, 
que, sob o pretexto de moralizar e civilizar os homens, até 
hoje só os aviltou, oprimiu, explorou e depravou. Quero a 
organização da sociedade e da propriedade coletiva ou social 
de baixo para cima, pelo caminho da livre associação, e não 
de cima para baixo, por meio de qualquer autoridade seja 
ela qual for. á nesse sentido que eu sou coleüvista e de 
nenhuma maneira comunista” .39
No entanto, verifica-se nos textos de Bakunin para a Fra­
ternidade Revolucionária Internacional, uma certa ambigüi­
dade no tratamento dado por ele ao Estado. É certo que ele 
se pronuncia categoricamente pela destruição dos estados: “ O 
Estado, afirma, deve ser radicalmente demolido” . Porém, a 
palavra “ Estado” é reintroduzida em sua argumentação, defi- 
nindo-a como “ a unidade central do país” , como um órgão 
federativo. Verifica-se, portanto, em Bakunin, a mesma ambi­
güidade encontrada em Proudhon, especialmente o último Prou- 
dhon, o do Princípio federativo, livro escrito em 1863, dois
3®BAKUNIN, Mikhail. Textos escolhidos. Porto Alegre, L&PM, 1983. 
p . 12.
39GUÉRIN, DanieL Op. c it. p.26.
39
anos antes do Programa de Bakunin, onde a palavra “ Estado” 
assume o mesmo sentido federativo e anticentralista.
Quando Bakunin entra em cena, como anarquista-coleti- 
vista ou socialista, o movimento operário europeu já tinha 
dado passos gigantescos para o seu pleno amadurecimento. 
Tanto é assim que, a 28 de setembro de 1864, é criada em 
Saint Martin’s Hall, em Londres, a célebre AssociaçãoInterna­
cional dos Trabalhadores (AIT), a Primeira Internacional, cu­
jos Manifesto, Mensagem Inaugural e Estatutos foram redigidos 
por Kari Marx, com várias tendências, abarcando desde os 
lassaleanos e marxistas alemães até os mazzinistãs italianos, 
passando, evidentemente, pelos sindicalistas ingleses e pelos 
anarquistas proudhonianos e bakuninistas. Aliás, é o discípulo 
de Bakunin, James Guillaume, que se tomou o autor da melhor 
história da Primeira Internacional. Foi também na AIT que 
se criou o cenário para a luta teórica e programática entre 
Maix e Bakunin, uma luta não concluída e cujos problemas 
colocados ainda perduram, em nossos dias, sem resposta. Luta 
reavivada nas últimas décadas num sentido extremamente posi­
tivo, pois, aos poucos, foi-se descobrindo que entre Bakunin 
e Marx as distâncias não eram intransponíveis. François Munoz, 
por exemplo, não hesita em afirmar com todas as letras: “ Baku­
nin é marxista” . E argumenta: “ Quando ele evoca a querela 
ideológica e livresca entre Marx e Proudhon é para dizer que, 
como pensador, é Marx que estava no caminho certo. A respeito 
de O capital, ele (Bakunin) apenas falará bem. Mas certamente 
ele faz as suas objeções. Estas, que se seguem, entre outras: 
OS comunistas alemães vêem na história humana apenas reflexos 
dos fatos económicos. Este é um princípio profundamente ver­
dadeiro quando se examina concretamente, isto é, de um ponto 
de vista relativo, más que encarado e colocado de uma maneira 
absoluta, como o único fundamento e a fonte original de todos 
os outros princípios, como faz esta escola, toma-se completa­
mente falso... O estado político de cada país... é sempre o 
produto e a expressão fiel de sua situação econômica; para 
mudar o primeiro é preciso simplesmente transformar esta últi­
ma. Todo o segredo das evoluções históricas, segundo o senhor
40
Marx, está lá. Ele não leva em conta outros elementos da 
história, tais como a reação, que é evidente, das instituições 
políticas, jurídicas e religiosas sobre a situação econômica. 
Ele (Marx) afirma: a miséria produz a escravidão política, 
o Estado; mas ele não permite a reversão desta frase e afirma: 
a escravidão política, o Estado, por seu turno, reproduz e 
mantém a miséria, como uma condição de sua existência... 
Com efeito, o senhor Marx desconhece igualmente um elemento 
muito importante no desenvolvimento histórico da humanidade: 
é o temperamentoe o caráter particular de cada raça e de 
cada povo, temperamento e caráter que são naturalmente os 
produtos de uma multidão de causas etnológicas, climatoló- 
gicas e econômicas, assim como históricas, mas que uma vez 
dadas, exercem, mesmo fora e independentemente das condi­
ções econômicas de cada país, uma influência considerável 
sobre seus destinos, e mesmo sobre o desenvolvimento de 
suas forças econômicas” . E François Munoz, após este longo 
exame das restrições de Bakunin a certos aspectos do pensa­
mento marxista, prossegue: “ As debilidades em Marx que Ba­
kunin indica serão descobertas por Jean-Paul Sartre por sua 
própria conta 80 anos após Bakunin e ele escreverá, por exem­
plo, que Marx desconhecia a existência de um processo circular 
e que o Estado, produzido e sustentado pela classe dominante 
e ascendente, constitui-se como o órgão de coesão e integração. 
E certamente esta integração se dá através das circunstâncias 
e como totalização histórica; não impede que ela se faça por 
ele, ao menos em parte” .
Assim, as objeções de Bakunin não são feitas por fora 
do marxismo, tal como as de Sartre. O próprio Marx, aliás, 
ultrapassa o marxismo e Sartre demonstrou ter encontrado 
em Marx algumas destas objeções.40
Mas Munoz não está isolado nesta aproximação póstuma 
entre os dois revolucionários. Muitos anos antes, Franz Meh-
^^MUNÕZ, François. La Liberté. Paris, J J . Pauvert, 1965. p.10-2. Prefá­
cio a BAKUNIN, Mikhail.
41
ring, da ala esquerda da social-democracia alemã, também faz 
uma apreciação semelhante. Diz Mehring: “ Bakunin era um 
caráter fundamentalmente revolucionário e possuía, como Marx 
e Lassalle, o talento de ouvir os homens... Marx e Bakunin 
viam a revolução aproximar-se com passos enormes, mas en­
quanto Marx havia estudado o proletariado da grande indústria, 
que tinha os seus principais centros e efetivos na Inglaterra, 
França e Alemanha, Bakunin fazia os seus cálculos com os 
batalhões da juventude sem classe, das massas camponesas 
e do lumpemproletariado. E, embora reconhecendo diretamente 
que, como pensador cientista, Marx lhe era muito superior, 
não cessava de incorrer, uma e outra vez, nos seus erros do 
passado... É uma torpeza e uma injustiça, que atinge igualmente 
a Marx e a Bakunin, pretender julgar as suas relações apenas 
pela discórdia irremediável em que acabaram... Muito mais 
importante, desde o ponto de vista político, e sobretudo sob 
o aspecto psicológico, é observar como, durante 30 anos, estes 
dois homens nunca cessaram de se atrair e repelir mutuamen­
te” .41 E mais adiante, Franz Mehring conclui que apesar de 
tudo, Marx conservou sempre o afeto pelo velho revolucionário 
e se opôs aos ataques que pessoas chegadas a ele (Marx) 
dirigiram ou pretendiam dirigir contra Bakunin.42
A Primeira Internacional, porém, era uma realidade e, nela, 
tanto os marxistas como os bakuninistas exerciam um papel 
importante, tão importante quanto constituíam os pólos diver­
gentes da nova organização dos trabalhadores. O atrito decisi­
vo, que acabou minando completamente o relacionamento dete­
riorado entre Marx e Engels de um lado e Bakunin de outro 
foi a formação no interior da AIT da organização secreta baku- 
ninista, Aliança para a Democracia Socialista. Na Interna­
cional, como vimos, coexistiam as mais diversas tendências 
e não seria o fato dos bakuninistas se organizarem como ten­
dência que provocaria a ira de Marx. O que este não tolerava
^ 1 MEHRING. Franz. Op. cit. p.428-9.
42Idem, ibidem. p.432.
42
era o fato de que a Aliança agia secretamente, com base nos 
trabalhadores relojoeiros do Jura, na Suíça, para dominar a 
Internacional e colocar esta sob sua orientação, diante da revo­
lução que se aproximava segundo calculavam os partidários. 
Mesmo assim, os historiadores anarquistas da AIT, honrada­
mente colocam em realce o trabalho de Marx na Internacional. 
Victor Garcia, por exemplo, diz que “ negar a contribuição 
de Marx, após seu ingresso na Internacional já criada, 6 faltar 
com a verdade. A presença de Maxx no Conselho Geral de 
Londres foi valiosa, embora quando chegou o momento tenha 
sido ele quem a matasse e a sepultasse” .43 O erudito e minu­
cioso historiador do anarquismo, Max Nettlau, também afirma 
que Marx produziu um “ trabalho ótil na Associação” .
Mas, além das divergências Marx-Bakunin, é inegável que 
este tíltimo também exerceu um papel fundamental na conscien­
tização revolucionária no sentido libertário. Para George 
Woodcock, “ Bakunin foi, entre todos os anarquistas, o que 
desempenhou seu papel de forma mais coerente” .44 Até o seu 
aspecto ffsico contribuía para isso. Era um verdadeiro gigante, 
sempre em desalinho, apesar das maneiras refinadas que traíam 
a sua origem aristocrática. Praticamente esteve envolvido em 
todas as conspirações de esquerda da segunda metade do século 
XIX. Mas a sua intuição superava a todos os grandes pensado­
res de seu tempo, inclusive Proudhon e Marx. No início dos 
anos 60 do século passado, por exemplo, compreendeu com 
muito mais acuidade do que Proudhon que estava mais do 
que na hora de levar as teorias do anarquismo e do socialismo 
libertário para formar a consciência revolucionária dos descon­
tentes operários e camponeses dos países latinos. E foi na 
Itália onde ele encontrou o seu segundo lar e foi lá onde amadu­
receram plenamente as suas idéias, inclusive no que diz respeito 
à associação, germe da teoria anarcossindicalista, que se toma­
ria na Espanha a principal força da classe operária. Nesse
^G A R C IA , V itor. La internacional obrera. M adri, Jucar, 1977. p.27.
^W OODCOCK, George. Op. cit. p.127.
43
aspecto, aliás, Bakunin diferia de Proudhon, que aceitou apenas 
com muita relutância a idéia das associações. Com Bakunin, a principal corrente do anarquismo afasta-se do individualismo 
à la Stimer definitivamente, sendo que, inclusive, no seio 
da Primeira Internacional, os discípulos coletivistas de Bakunin 
acabariam se opondo aos herdeiros “ mutualistas” de Proudhon.
Mas, como vimos, apesar de seus inúmeros folhetos, Baku­
nin não nos legou sequer um livro completo. Era visceralmente 
um homem de ação e, em toda a sua carreira, Woodcock 
o acentua bem, está presente a idéia da ação revolucionária 
como força purificadora e reformadora, tanto para a sociedade, 
como para o indivíduo. A seus amigos, ele costumava repetir 
uma das frases preferidas de Proudhon: “ Vamos revolucionar! 
É a única coisa boa, a única realidade da vida” .
O seu instinto revolucionário ficaria mais uma vez compro­
vado logo que sobreveio a Guerra Franco-Prussiana de 1870. 
Ele exultava com as seguidas derrotas de Napoleão m , mas, 
ao mesmo tempo, manifestava o seu temor de uma Alemanha 
imperial vitoriosa. E no meio dessas contradições vislumbrava 
uma outra possibilidade que não passou pela cabeça de nenhum 
dos grandes revolucionários e teóricos da esquerda daqueles 
tempos: a de que a guerra entre a França e a Alemanha acabasse 
se transformando em nova edição da Revolução Francesa, agora 
com os proletários na cabeça. Ele afirmava: “ Como Estado, 
a França está acabada. Ela já não pode salvasse através de 
medidas administrativas regulares. Agora, a França natural, 
a França do povo, deve entrar no palco da história, deve 
salvar sua própria liberdade e a liberdade de toda a Europa, 
através de um levante imenso, espontâneo e totalmente popu­
lar, fora de qualquer organização oficial, de todo o centralismo 
governamental” . Bakunin conclamava, em plena guerra, o povo 
francês paia um “ levante elementar, poderoso, apaixonada­
mente enérgico, anarquista, destrutivo e ilimitado” . E não
ficou nos apelos: arregaçou as mangas e com seus amigos
tratou de preparar a ação revolucionária nas cidades do vale 
do Rhone, escrevendo para os seus partidários de Lyon, quando 
estes o chamaram, convidando a

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