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Tema da aula - Sócrates

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Tema da aula: SÓCRATES[1: Texto-aula elaborado pelo prof. Elton Luiz.]
Sócrates, como se sabe, nada escreveu. Boa parte do que sabemos dele nos chegou por via indireta, sobretudo através de seu mais famoso discípulo: Platão. Sócrates se torna conhecido já com certa idade, pouco se sabe do Sócrates criança ou jovem. 
Sócrates dá um novo sentido à palavra “dialética”. “Dia = dois”+“lekta” = “dizeres”. Assim, até então a dialética era compreendida como um confronto ou luta entre dois dizeres, e dessa luta apenas um poderia sair-se vencedor. Com Sócrates, a dialética ganhará uma nova face: não mais confronto ou luta (como nos sofistas), mas diálogo. Não por acaso, foi com esse nome , “Diálogos”, que Platão nomeou suas obras.
Mas os diálogos que Sócrates praticava com os homens de então não eram exatamente “troca de opiniões”. Na verdade, Sócrates tentava mostrar o infundado das opiniões, quando examinadas com critério filosófico. Portanto, ele não se colocava como um “Mestre”, tampouco dizia que seu interlocutor, fosse quem fosse, era uma tábua rasa. Com seu método “maiêutico”, Sócrates queria servir de auxílio para que o outro descobrisse dentro de si um conhecimento que não vem dos costumes ou da cultura, um conhecimento divino, pensava ele, que ligava o homem a um plano superior. 
Para Sócrates, o autêntico conhecimento nunca é fruto de um só homem, mas de no mínimo duas pessoas que, além de falarem, saibam também ouvir. É conhecido o fato de que Sócrates , antes de tomar a palavra , ficava parado como que a escutar algo. Antes mesmo de ouvir o que o outro tinha a falar, Sócrates ouvia o Daimon que habitava dentro dele. Foi essa audição de uma voz divina que morava dentro dele que levou muitos a acusarem-no de praticar uma religião não aceita pela polis. Em Sócrates, o Daimon era uma realidade divina cuja função era ligar o plano humano ao mundo superior. Assim, o que fazia de Sócrates um sábio não era sua capacidade de ensinar, mas sua postura de aprender, antes de tudo, com a voz do Daimon, a voz divina que falava dentro dele. Influenciado por seu mestre, Platão irá dizer que o homem não é a medida de todas as coisas, pois a medida de todas as coisas é a “Ideia Divina”. Somente a Ideia Divina pode de fato medir as coisas sem diminuí-las. 
Uma das principais lições de Sócrates está resumida nessa simples, mas profunda, reflexão: “Conhece-te a ti mesmo”. Nunca antes os homens pensaram em fazer de si mesmos tema ou objeto de conhecimento, pois somente as realidades divinas eram dignas de conhecimento. Nos pré-socráticos, por exemplo, apenas a physis era digna do conhecimento, ou então o Ser ( como em Parmênides). Já os sofistas diziam que o único conhecimento que valia a pena era o conhecimento acerca da palavra. Quem domina a palavra, pensavam os sofistas, domina os homens. 
Com Sócrates, portanto, o homem se torna digno de ser conhecido e estudado. Mas o que é o homem? E para que conhecê-lo? Sócrates não diz: “Eu estudei com afinco a natureza humana e lhe direi o que ela é”. Tampouco ele afirma: “Eu estudei o que é o homem e lhes ensinarei o que o homem é”. Não é assim que Sócrates procede, como se ele já detivesse um conhecimento a ser ensinado. O que ele propõe é que cada um seja sujeito desse conhecimento . É cada um que deve conhecer a si mesmo, antes de querer conhecer aos outros ou à natureza externa. É desse autoconhecimento, inclusive, que dependem todos os outros. Nesse autoconhecimento somos, ao mesmo tempo, o “objeto” e aquele que conhece, enfim, somos concomitantemente o professor e o aluno. É um conhecimento, porém, que não se esgota nele mesmo, pois o que se alcança mediante ele não é uma realidade afastada de nós. Ao contrário , esse conhecimento nos liga a nós mesmos. 
Sócrates inicia a filosofia como prática meditativa. Meditar não é contemplar, pois contemplar significava, entre os pré-socráticos, “entrar no Templo”. O Templo é a casa divina. Para eles, era a physis a casa divina. Com Sócrates, a filosofia não é mais contemplação, mas meditação. Meditar significa encontrar dentro de si não exatamente a divindade, mas um reflexo dela. A palavra “meditar” tem a mesma raiz que “medicar”. Ambas se originam de um termo mais antigo que significa “curar”. Toda cura pressupõe uma doença e um remédio. A doença não está apenas fora de nós , ela também nos está dentro. É mais fácil ver as úlceras que surgem no corpo do que encontrar aquelas que se escondem dentro da alma . A doença, para Sócrates, é uma só: a ignorância do Bem. E o remédio também é um só: o conhecimento do Bem. 
Para Sócrates, todo conhecimento tem um fim prático de aperfeiçoamento. Por exemplo, o bom sapateiro é aquele que conhece bem como fazer sapatos. Quem conhece bem algo se torna capaz de aperfeiçoar esse algo de acordo com a ideia desse algo. Quanto mais perfeito é um sapato, mais ele encarna a ideia do sapato. Mas entre o sapato concreto fabricado e a ideia que lhe serviu de modelo, entre o sapato concreto e o sapato-ideia existe uma distância que somente a alma é capar de preencher, já que é a distância que separa o sensível do Inteligível. É a alma que conhece a ideia-sapato e é ela também que, com a ajuda de seu corpo, fabrica o sapato concreto que podemos calçar em nossos pés.
Se a simples ideia de sapato é capaz de orientar o sapateiro na fabricação de belos e úteis sapatos, imaginemos o que pode fazer a ideia mais elevada e superior, que é a Ideia do Bem? Aquele que se orienta por ela se torna capaz não apenas de belos discursos, mas sobretudo de belas ações, que também são úteis, pois visam sempre a utilidade própria e a do outro em razão do Bem Comum. A beleza não é apenas traço dos corpos físicos bem formados, ela também é, para Sócrates, a qualidade da alma que age de acordo com o Bem.
Assim como o conhecimento do sapato material leva-nos à ideia a partir da qual ele foi fabricado, o conhecimento da alma nos conduz ao conhecimento da Ideia do Bem. A alma não é perfeita, mas ela busca se aperfeiçoar no conhecimento do Bem. Mas o conhecimento do Bem não é apenas teorético, pois conhecer o Bem é praticá-lo. Quem conhece o Bem o pratica. Quem conhece o Bem não o guarda para ocasiões determinadas, pois o que distingue o homem bom do homem mau é que este faz o bem apenas em certas ocasiões e em favor de si próprio. Um conhecimento teorético pode ser guardado, mas guardar o Bem dentro de si e não o praticar é como sermos duas pessoas separadas, sendo que a melhor delas fica escondida, de nós e dos outros.
Com Sócrates, portanto, a antropologia não pode existir sem a Moral, enquanto conhecimento do Bem. Com Platão, a antropologia se relacionará com outras ciências, sobretudo a psicologia e a teoria do conhecimento, conforme veremos.

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