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Advertência aos leitores do Volume II d’O Capital.

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Advertência aos leitores do Volume II d’O Capital.
Andreza Sant’ana – UNILA
Para que o leitor consiga assimilar a leitura densa que o segundo Volume do capital II apresenta, énecessário que consiga compreender os principais fatores que o levaram a ser a principal obra de Marx e entender, em primeiro lugar, o que o primeiro volume da edição representa. Ao contrário da segunda edição, a primeira conta com a produção inteira de Karl Marx em sua síntese.Noprimeiro livro, como Rosa Luxemburgo escreve, Marx descobre a então verdadeira raiz do enriquecimento capitalista. A famosa críticaàeconomia política feita por ele e Friedrich Engels vem com a ascensão de uma forma de produçãobaseada no assalariamento do proletariado, advindo da venda de força de trabalho (FT¹) de trabalhadores, como mercadoria, ao capitalista, que transforma parte dessaFTem lucro. Partindo desse pressuposto, ao compreender o primeiro volume d’O Capital, entendemos as relações capitalistas as quais estamos subordinados, compreendemos que Marx trabalha o tempo todo com as contradições liberais da época, como a teoria do valor de Ricardo e Smith (início do século XIX) para sintetizar a exploração e, partindo delas, compreender a realidade concreta da mais-valia, do salário e do lucro. Enfim, entender como a forma de assalariamento, vendido como mercadoria, é um tanto miserável para o proletário e ao mesmo tempo, valioso ao capitalista. Aqui, entende-se quem são os indivíduos, o que eles praticam e qual sua relação com o capital.
O segundo livro, tema dessa apresentação, mais denso, têm detalhes específicos que precisam ser analisados cuidadosamente. Como dito anteriormente, Marx conduziu e editou o primeiro volume completamente, mas para o segundo volume, não conseguiu organizar por completo suas notas e escritos à economia política, que dariam, mais tarde, um trabalho de 17 anos a Engels, responsável por todo esse trabalho intelectual poderoso responsável por compilar os últimos escritos de Marx. Por isso, as diferenças na “metodologia” utilizada, na utilização da escrita e no teor são apresentados no decorrer dos capítulos. Engels, mais que nunca, deixa sua marca registrada nesses livros.
Aqui, é importante ressaltar, assim como Rosa Luxemburgo, que não devemos levar O Capital como verdades absolutas e sim como meio de lutaafavor da verdade e como mais uma ferramenta anticapitalista. Ler e interpretar o que esses livros têm a nos oferecer vai além de qualquer leitura: é levar para a prática cotidiana o que a teoria nos oferece, como enfrentar o sistema capitalista e crer na liberdade proletária frente a exploração. Para finalizar, destaco 3 pontos importantesque o leitordeve ter em mente: destaco mais uma vez que o capital, para Karl Marx, não é dinheiro (D). O capital é uma relaçãoemovimento social determinada em nossa organização material, verdade que aparece já noManifesto do Partido Comunista:
“[…] seráque o trabalho assalariado, o trabalho proletário, cria propriedade para ele? De modo algum. Cria capital, quer dizer, propriedade que explora trabalho assalariado e que só pode se multiplicar se criar mais trabalho assalariado que possa ser novamente explorado […] sercapitalista não significa apenas ocupar uma posição pessoal, mas antes de mais nada, uma posição social na produção. O capital é um produto social e só pode ser posto em movimento pela ação comum de muitos membros, e mesmo, em última instância, todos os membrosda sociedade. O capital não é, portanto, uma força pessoal; é uma força social.[...]”
Em segundo lugar, destaco também que o leitor deve observar o quanto Marx articula em relação à finalidade da produção capitalista, tanto no livro primeiro e principalmente quanto ao segundo. É colocar a produção capitalista em xeque e expô-la a fundo. No livro segundo, Marx escreve: “O processo imediato de produção do capital é seu processo de trabalho e seu processo de valorização, cujo resultado é a mercadoria. E a produção da mercadoria, determinada só e somente pela produção da mais-valia.” Não existe capitalismo sem lucro e exploração, sem a esfera da produção totalmente atrelada à esfera da circulação e de como as duas funcionam em prol disso.
Em último lugar e não menos importante, é perceber que o volume II nos traz algo que o anterior não: a percepção de como se faz dinheiro, como ele acontece. Marx, nos Grundrisse (escritos anteriores ao Capital), já apresenta essa visão: “a circulação do capital é realizadora devalor, assim como o trabalho vivo é criador de valor.” O leitor deve ter em mente que a circulação é um processo complexo, cheio de transações que fazem o valor se realizar – ou seja, transforma-se o tempo todo – tornando-se possível consumi-lo, vendê-lo,acumular, utilizar… são inúmeras variações. O livro II traz uma nova visão da economia burguesa: compreender que a circulação permite a realização do valor, mas não geradora da mais-valia. Essa se dá somente, na exploração do trabalho não pago, que colocao sistema para funcionar. Edaí acircular.
Como compreender o volume II?
Principais termos e objetivo.
O principal objetivo de Marx, nesse momento, era desvendar as leis de produção e reprodução material dentro do modo de produção capitalista, entendendo o capital como parte de um todo e compreender sua lógica: a expansão, o movimento, a valorização… Marx investigou o capitalismo a fim de suas premissas, de modo à criticá-lo que mesmo em suas formas mais “normais”, ainda há exploração do proletariado. Marx não vê o capitalismo como uma ocorrência, como uma eventualidade dos tempos históricos e sim como um sistema fadado ao desastre, que se baseia naproduçãoeextraçãodo mais-valor por uma classe privilegiada e que esse mais-valor (lucro) é fruto de trabalho não pago. O lucro, basicamente, encontra-se na diferença do valor no final do processo de produção. Se isso acontece na esfera da produção, sua continuação acontece também na esfera da circulação, mesmo que essa última não o produza.
Como dito anteriormente, a compreensão do volume II necessita, previamente, o conhecimento de alguns termos do primeiro volume. O livro segundo, em geral, é escrito em base do processo de circulação do capital, desde a teoria de seu nascimento e suas realizações. Os dois primeiros volumes d’O Capital têm associações comuns, importantes para a compreensão do estudo marxiano. Vejamos, basicamente a ideia de Marx é nomear figuras materiais dentro dos processos, ora de produção e de circulação e isso é essencial para compreender o que a leitura do segundo volume espera do leitor.
Marx, em um primeiro momento (volume I) escreve sobre o processo de produção de mercadorias, em que as figuras materiais como meios de trabalho (fábricas e máquinas) e materiais de trabalho (matérias primas e insumos) consideram capital constante e a força de trabalho, capital variável. Ora, se nessa esfera de produção a força de trabalho é considerada variável (muda a cada momento, ora pouco, ora em grande escala), dentro da esfera da circulação (abordagem do livro 2) considera-se capital circulante, e meios de trabalho e materiais de trabalho como capital fixo, já que aqui, mais uma vez, o capital necessita se transformar.
Um adendo importante é que os termos técnicos escritos n’O Capital e traduzidos,em primeiro lugar, não são fáceis de assimilar. Portanto, assumo o compromisso de assim como na advertência aos leitores do livro I d’O Capital de Althusser, criticar o cientificismo burguês que coloca O Capital como máxima dificuldade de compreensão e dificulta para aqueles que não fazem parte da academia tradicional a compreensão de seu próprio dia a dia, na fábrica ou no campo. Me atento a dizer que, nessa advertência, evidenciarei alguns termos, mas sempre aliados à prática e de forma fácil de compreensão . Lênin escrevia que sem teoria revolucionária não há prática revolucionária, e vice-versa.
Pois bem, nesse momento é preciso atentar-se ao que chamei atenção no início desse desenvolvimento. Em que momento, no segundo livro, é possívelperceber quea esfera da circulação é aliada da exploração da produção? Marx explica que, naturalmente, em sociedades não-capitalistas, a produção de mercadorias se dá pela necessidade de troca por outras mercadorias. Já o sistema capitalista necessita de algo a mais,que é o dinheiro, que passa a se realizar (transformar) também em mercadoria, para transformar-se novamente em dinheiro. A esfera da produção entra aqui, no momento em que um capitalista (ou um dono de empresa, um industrial) paga um trabalhador para que omesmo produza um certo tipo de mercadoria que, no final, será revendida (D-M-D’). É interessante ver que apenas no sistema capitalista que Marx analisa, a troca não é válida se não houver lucro. Ou seja, em D-M-D’, D’>D. A diferença entre D’ e D é a mais-valia, o lucro do industrial, advindo da exploração ao trabalhador. O lucro, então, vêm de qual esfera? Da circulação seria impossível, já que o capital por si só, não traz lucro algum. O lucro está na esfera da produção. Porém, para que haja demanda de produção, necessariamente é preciso circulação.
A esfera da circulação, a qual Marx cita estar à vista de todos, é a alma do capitalismo. Sem ela, a produção não teria sentido. Vejamos, a sessão I do livro II chama-se as metamorfoses do capital. O capital passa por tantas realizações durante seu ciclo (monetário, produtivo, mercadoria…) que o leitor pode confundir-se em algum momento. Mas, pense: não é difícil se considerarmos essas questões na prática. O que é a circulação? O que acontece durante essa circulação? A circulação do capital nada mais é que sua rotação dentro de seu ciclo.
A máxima do ciclo de rotação.	
Ainda que o leitor esteja desanimado com os primeiros capítulos do volume II, por ser um livro, inicialmente, cansativo pela quantidade de informações, seu desenrolar é prazeroso. Dedico uma parte grande ao ciclo de rotação do capital porque é ali que a circulação e como ele se realiza começa a fazer sentido. Quando nos deparamos com a questão do lucro, dos gastos, de todas as fórmulas possíveis para calcular quanto o capitalista “gasta” em sua produção de X mercadoria, esses cálculos, por vezes meramente numéricos, não nos deixam observar a fundo as relações sociais que ocorrem junto a ela. O melhor exemplo para que o leitor consiga compreender como funciona a rotação de um capital e, de início, o que isso significa, é o próprio exemplo de Marx. A Sessão II do livro, dedicada para o tema, é densa e esclarecedora. Mas começando pelo capítulo 9, que fala sobre a rotação total do capital desembolsado (ciclos de rotação) percebemos o quão bem pensada é uma economia burguesa para que os gastos com salários, produção, maquinário sejam os menores possíveis. Assim como dito anteriormente, nessa esfera de circulação, os meios de trabalho e modos de produção são considerados capitais fixos, que praticamente, equivalem a um gasto de grandes intervalos, sendo gastos ali apenas sua reparação. Uma máquina, uma vez comprada, não precisa ser “comprada” toda vez que for utilizada, apenas precisa de reparos por seu desgaste. Assim mesmo como Marx usa de exemplo, uma máquina que vale $10.000 e tem tempo de vida de 10 anos. Se isso ocorre, o capitalista gastaria $1.000/anualmente. Esse gasto anual, reconverte-se em capital monetário, para produtivo, depois mercadoria e nofinal, monetário novamente, completando o ciclo de rotação do capital. Daí, retiramos que o capital fixo rotaciona mais lentamente que o líquido, por exemplo, pois atualmente o capitalista paga o salário mensalmente ao trabalhador, mesmo que desse salárioele ainda retire a mais-valia. Se um capital líquido é de $20.000 ao ano e ele rotaciona 5x, seu capital total será de $100.000. Desse modo, o processo de produção precisa continuar acontecendo para que o capital se realize. E deve continuar circulando para que ele se realize também!
Compreender esse processo a fundo parece complicado, mas os capítulos conseguintes a esse continuam dando base ao leitor. É possível que, ao ler isso, muitas pessoas assim como eu, consigam ver a realidade com mais clareza, já que percebemos que o investimento do capitalista, mais à frente no livro, pode acontecer por meio do crédito. Que a acumulação de capital é inevitável para o burguês interessado em manter, acima de tudo, seus lucros e privilégios. Que a distinção entre capitais é mais que necessária, pois abre um horizonte de possibilidades criticas a quem lê. Que a reprodução de capital assemelha-se à acumulação dele quando o capitalista pratica o entesouramento simples, fazendo, em poucas palavras, um processo de vendasem estocagem. A venda só pela venda e produção, sem estoque do produto, retirando o dinheiro de circulação vendendo sua mercadoria sem que haja compra subsequente da mesma.
Resumir o livro II de Marx é tão complexo que é impossível de fazê-lo. Fazer comque o leitor se interesse pelo mesmo sem conhecê-lo, é difícil mas a garantia é certa: após a leitura d’Os Capitais, é impossível que a crítica a economia política seja em vão. Entender como a economia burguesa funciona e consegue se manter em pé até hojeé, de fato, intrigante, mas é isso que essas obras têm a nos oferecer. Que a nossa teoria não fique somente no papel e também vá para os espaços que devem ser tomados.
Para finalizar: análise de conjuntura: a reforma trabalhista e reforma da educação e aesfera da circulação no séc. XXI.
Com nossos estudos aprofundados na teoria de Marx, nada mais importante que perceber que a teoria se confirma com nossa realidade. Após um golpe mascarado de impeachment no ano de 2016 da primeira presidenta mulher, o Brasil sofreu uma série de retrocessos econômicos e políticos em função de interesses privados da burguesia. Mais uma vez, assistimos a obra de Marx (tanto o volume I quanto o II) se concretizarem frente a nossos olhos e as reformas trabalhistas e da educaçãovêm confirmar isso.
A começar pela reforma da educação. A medida provisória sobre a reforma do ensino médio que tem mudanças como “privilegiar” cinco áreas de atuação, deixando sociologia e filosofia à escolha e história, geografia com menos carga horáriaque o necessário e dando mais ênfase na formação técnica e profissional. Em análise, aqui percebe-se que à burguesia que vê o jovem proletário sem possibilidade de uma mente crítica, sem perspectiva ou futuro, sem formação e acostumados à mecanização do trabalho (o termo uberização¹ é usado aqui), o que também nos leva a pensar na reforma trabalhista, que vêm legalizar jornadas intermitentes, por exemplo, que podem pagar quanto quiserem, sem registro e sem dias certos, deixando o trabalhador à mercê do capitalista. Aqui, as reformas feitas pelo governo aliado à classe alta da sociedade são de caráter, claramente, explorador. Com essas medidas, o livre comércio de força de trabalho torna-se realidade. A forma-salário já não é mais interessante também, uma vez que o pagamento por hora e não por dia é menor que o mínimo por legislação. Não há mais interesse, friso, em manter um estoque (acumulação) de força de trabalho e sim uma rotação gigantesca de seu capital líquido ou circulante, o que permite maior acumulação de capital e consequentemente, sua maior circulação. Porém, como diz Newton, para toda ação há uma reação e parto do pressuposto de que a reação sobre essa circulação acelerada não foi feita, uma vez que os impactos disso se dão no acirramento da lutade classes (já que a miséria extrema passa a ser real) em relação à força de trabalho: como será a alimentação desse trabalhador? Sua vida pessoal? Sua moradia, seu consumo, sua reprodução? Enquanto o capitalista procura apenas “estocar” seu lucro (D-M-D’), a força de trabalho passa a ser descartável. Hoje, podemos ver mais uma vez que Marx estava certo ao fazer sua crítica à economia burguesa, de modo a perceber que esse sistema tão falho têm suas bases na exploração do trabalhador.
¹ Uberização foi um termo criado em alusão aoUBER, aplicativo de corridas semelhante ao táxi, porém faz uso de terceirização eque passam por processo de simplificação das leis trabalhistas. Ou seja, o trabalhador, nesse caso, não possui nenhum vínculo com seu empregador, a não ser o aplicativo que o “emprega”. Com esse propósito de enxugar os direitos trabalhistas é passada a ideia de que quanto menor o custo de contratação do trabalho pelo empregador, maior a possibilidade de aumentar a competitividade, permitindo, na sequência, elevar o nível de emprego.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEO, MAZZEO & ROIO. Anderson, Antônio e Marcos. Lênin: Teoria e Prática Revolucionária. Disponível em <https://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/lenin_ebook.pdf>. Acesso em: 03 de dezembro de 2017.
LUXEMBURGO, Rosa .O segundo e o terceiro volumes d’O capital. Crítica Marxista,
São Paulo, Ed. Unesp, n.29, 2009.
MARX & ENGELS. Karl, Friedrich.O Capitalvolume I. Boitempo. 2013.
MARX & ENGELS. Karl, Friedrich.O Capital volume II.Boitempo. 2014.
MARX & ENGELS. Karl, Friedrich.O Manifesto do Partido Comunista. Expressão Popular, São Paulo, 2008.
Moura, José.Na apresentação do livro II do Capital.Disponível em: <www.uff.br/trabalhonecessario/images/TN%2012%20Artigo%201%20Jose%20barata%20Moura.pdf>. Acesso em: 29 de novembro de 2017.

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