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Antropologia filosófica e contemporaneidade Laércio Antônio Pilz EDITORA UNISINOS 2013 APRESENTAÇÃO Esta obra tem como objetivo auxiliar alunos que desenvolverão estudos a distância em disciplina do seu curso de formação vinculada ao eixo de formação antropológica. A UNISINOS assume como uma das prioridades acadêmicas a formação integral, em relação à qual está aliada a proposta de formação humanística que propõe o estudo e a reflexão sistemática acerca de um projeto antropológico comprometido com a dignidade das pessoas e da vida em geral. Acreditamos que profissionais com uma formação humana integral, além de se tornarem sensíveis e eficientes em relação ao progresso social da sociedade em geral e de cada indivíduo, em particular, estarão preparados para responder às demandas atuais e serão fundamentais para o sucesso das organizações, para o avanço de práticas comunicativas democráticas e para o uso adequado das tecnologias digitais. A proposta de abordagem aqui desenvolvida está dividida em sete capítulos, que correspondem aos sete módulos propostos e desenvolvidos nas atividades a distância. A respectiva abordagem contempla, de forma sistemática e contínua: a. o reconhecimento da complexidade humana, em particular, e da vida em geral, aliados à crítica a visões redutoras da vida e do humano; b. o paradigma ecológico e a visão sistêmica com suas implicações nas práticas pessoais, sociais e organizacionais; c. a evolução humana e o desenvolvimento da inteligência coletiva por parte da espécie humana; d. o sentido da cultura e a reflexão sobre a questão étnico-racial de forma crítica e propositiva; e. temas especificamente antropológicos, como a linguagem, a arte, o trabalho e o lazer e suas especificidades; f. a análise crítica do desenvolvimentismo e da visão redutora de progresso e, em contrapartida, a reflexão sobre um projeto antropológico de partilha e solidariedade terrestre a partir da temática terra-pátria; g. e, por fim, a emergência da sociedade do conhecimento e da informação dentro de um contexto pós-industrial e suas implicações e desafios em relação à formação total, à adoção de práticas administrativas horizontalizadas, à experimentação de relações comunicativas construtivas e interativas e ao uso das tecnologias digitais como ferramenta que promova, ao mesmo tempo, a autonomia e a habilidade colaborativa dos profissionais deste tempo. SUMÁRIO INTRODUÇÃO: A CONDIÇÃO HUMANA CAPÍTULO 1 – A COMPLEXIDADE HUMANA E A FORMAÇÃO INTEGRAL 1.1 Visões redutoras da vida e do ser humano 1.2 O reconhecimento da complexidade 1.3 Implicações práticas CAPÍTULO 2 – O PARADIGMA ECOLÓGICO E A VISÃO SISTÊMICA 2.1 A crítica ao antropocentrismo e à razão dominadora 2.2 A ecovisão e a visão sistêmica 2.3 Desenvolvendo redes CAPÍTULO 3 – A EVOLUÇÃO HUMANA E O DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA COLETIVA 3.1 Desconstruindo referências rígidas e inteligências isoladas 3.2 Das perguntas, da linguagem e do diálogo 3.3 O desenvolvimento da inteligência coletiva CAPÍTULO 4 – CULTURA, ETNOCENTRISMO E QUESTÕES ÉTNICO- RACIAIS 4.1 Determinismo, fatalismo e etnocentrismo 4.2 A humanização do mundo e a produção de sentido 4.3 Cultura mestiça e educação para as relações étnico-raciais CAPÍTULO 5 – TEMÁTICAS ANTROPOLÓGICAS 5.1 A linguagem 5.2 A arte 5.3 O lazer e o trabalho CAPÍTULO 6 – TERRA-PÁTRIA E DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO 6.1 Visões redutoras de pessoa e de desenvolvimento 6.2 O conceito de pessoa integral e de progresso solidário 6.3 Alternativas antropológicas para a globalização CAPÍTULO 7 – DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS (SOCIEDADE PÓS- INDUSTRIAL E FORMAÇÃO TRANSDISCIPLINAR) 7.1 A terceira onda e a sociedade da informação 7.2 Formação total e paradigma digital 7.3 Educação para a transdisciplinaridade CONCLUSÃO REFERÊNCIAS INTRODUÇÃO A CONDIÇÃO HUMANA O estudo sobre o ser humano, enquanto ser que se volta sobre si mesmo de forma reflexiva e racional, é antiga. Questões como “o que é o homem?” (diante do cosmos), “qual é o sentido último da existência humana?”, “qual é a responsabilidade humana diante da evolução?”, “como o desenvolvimento da linguagem dá significado ao fazer humano?”, “quais as possibilidades de transcendência?” etc. são exemplos de perguntas (filosóficas) que se fazem sobre a condição humana. Não desenvolveremos aqui um estudo sistemático sobre as culturas e as estruturas sociais construídas pelo homem (antropologia cultural e antropologia social). Chamamos de Antropologia Filosófica este campo de estudo e reflexão que trata das questões acerca do sentido da existência humana (pessoal, social e planetária) e de sua história (da evolução cultural), que, em parte, são os motivadores dos conteúdos e reflexões aqui desenvolvidos, com destaque para o reconhecendo da complexidade humana e sua inserção em uma rede de interações que estão presentes na evolução natural e histórica e lhe desafiam para a experimentação de trocas qualitativas, em especial pensando o contexto contemporâneo. Estamos vivenciando a transição para a sociedade da informação e do conhecimento, na qual cada indivíduo é chamado a dar uma resposta pessoal ao seu desenvolvimento; a economia é desafiada a introduzir e multiplicar modos de produção mais cooperativos; o desenvolvimento das tecnologias digitais promove interfaces dinâmicas e redes sociais as mais diversas, que dinamizam as relações comunicativas. Diante desse quadro, somos desafiados a compor habilidades e competências para que sejamos coautores de um progresso baseado na sustentabilidade, na cooperação e em diálogos cada vez mais abertos e propositivos. Como ampliar essas habilidades, como estar preparado para ser cidadão do mundo, comprometido com o desenvolvimento de uma sociedade local e planetária? Buscaremos responder a tais questões nesta obra, em especial pensando em acadêmicos e profissionais que podem fazer a diferença positiva e afirmativa em seus espaços de convivência e atuação profissional. CAPÍTULO 1 A COMPLEXIDADE HUMANA E A FORMAÇÃO INTEGRAL A partir de uma abstração imediata, nos parece simples reconhecer a complexidade da vida e do ser humano. Porém, a história da espécie humana evidencia que, muitas vezes, respostas simplificadas e redutoras contrariavam essa compreensão. O objetivo deste capítulo é abrir o pensamento humano, desconstruir modelos e referências mentais que não se colocam em relação de aprendizagem com o de fora e, de forma parcializada, se fixam cegamente em verdades, crenças e ideologias. Reconhecer a complexidade e apostar na formação integral das pessoas diz respeito ao desenvolvimento de competências flexíveis, dinâmicas e criativas, capazes de fazer os indivíduos se colocarem em postura de aprendizagem na relação com o outro e se posicionarem crítica e propositivamente diante de si e da história. Há caminhos por fazer ao caminhar, como diz o ditado, mas somente alimentados pela força da abertura ao outro e pelo desenvolvimento qualificado e criativo de linguagens, de saberes e de tecnologias que respondam propositivamente ao tempo presente, podemos desenvolver forças e intervir singularmente no processo histórico e evolutivo. 1.1 Visões redutoras da vida e do ser humano Muito já se buscou uma definição simplificada da vida e do ser humano. Nesse sentido, há uma certa dívida da humanidade para com a vida em sua complexidade, na medida em que o humano, na maior parte do trajeto antropológico, reduziu a vida a representações limitadas, geralmente não acolhendo a mesma em seu mistério e, consequentemente, em suas múltiplas possibilidades. Gilbert Durand, em sua obra Estruturas antropológicas do imaginário,1 destaca a predominância de símbolos ascensionais e verticais como metáforas positivas de ascensão humana, enquanto o fogo da terra, a natureza bruta e os animais rastejantes aparecemcomo símbolos negativos e de impureza. A alma limpa ascendia, enquanto a alma impura permanecia presa à terra. Sabemos que em certas tradições a vida na Terra era, para o humano, dívida a ser cumprida. Como revela o dito: um segundo no céu representa mais do que todo o tempo vivido na Terra. A história das religiões revela que, para muitas, a vida na Terra é só uma passagem para algo maior. Não estamos aqui ignorando a riqueza de imaginários, do universo simbólico e suas representações ou das tradições, mas queremos apontar para a reflexão sobre a forma como o humano lida com a complexidade e as dinâmicas abertas da vida. O homem, como ser da razão (ávido por explicações formais), queria poder enquadrar a vida em uma teoria explicativa e resolver o problema da finitude e da incompletude de uma vez por todas. Gostaria, como ser inteligente, que fosse mais simples decidir o que deve ser feito, que a morte não incomodasse tanto, que as relações fossem fáceis de ser determinadas e, não poucas vezes, que todos pensassem de forma idêntica. Tornar-se um ser reflexivo fez do humano um ser angustiado diante da contingência do tempo cósmico e da finitude existencial, angústia à qual ele responde a partir de diferentes experiências existenciais e narrativas. As narrativas redutoras, que enquadram a vida em respostas simplificadas e não contemplam a multiplicidade humana e as infinitas possibilidades da vida, devem ser criticadas. Percorremos etapas na história da humanidade em que marginalizávamos certa dimensão, de forma a não acolhermos mais a realidade humana de forma integral. Como seres que se definiram essencialmente pela racionalidade, negligenciamos muitas vezes a intensidade afetiva a ser experimentada, amestrando os corpos.2 Recentemente, passamos a discutir o quanto nas escolas desenvolvemos saberes lógico-formais e negligenciamos as sensibilidades na forma de desenvolver as relações de afetação entre professor e alunos, na forma como os saberes têm significado em suas vidas e contextos pessoais e, também, pela marginalização de atividades e áreas do conhecimento que estão mais diretamente relacionadas com o corpo, como a arte, a dança e a música. Dificilmente, mesmo que circunstancialmente, práticas mais lúdicas são utilizadas por professores das disciplinas tradicionais no desenvolvimento das atividades de aprendizagem. Esteticamente, acabamos empobrecendo a educação escolar, que carece de alegria em suas experiências de aprendizagem. Evoluímos tecnicamente, porém nos faltou a evolução espiritual que aproxima afetivamente as pessoas e compromete a espécie no que se refere à dignidade absoluta de cada ser humano e a uma relação saudável com a Terra. De alguma forma, permanecemos ignorantes nesse exercício. Sem dúvida, desenvolvemos leis, declarações de Direito etc., mas parece que isso não foi incorporado interiormente o suficiente. Essa sensibilidade, essa boa vontade nos faz falta. Há três visões (modelos mentais, sociais e culturais) que, segundo o vídeo O ponto de mutação, baseado na obra de mesmo nome do autor Fritjof Capra, devem deixar de condicionar nossa percepção de mundo e nossa maneira de lidar com os fatos e os processos em geral. a. Visão patriarcal: em boa parte do trajeto percorrido pelas civilizações ocidentais, as relações de poder evidenciam a lógica de que alguém deve manter a ordem,3 julgando-se necessário que um indivíduo tivesse o poder sobre o(s) outro(s), que, se alguém não mandasse, a desordem e a anarquia tomariam conta.4 Em função disso, justificaram-se, durante boa parte da história, estruturas políticas coercitivas e verticais, com boa parte das populações excluída das decisões políticas. Tal herança ainda está presente quando falamos em dificuldade de experimentar mais radicalmente a democracia. Ainda vemos muito presente o discurso de que alguém deve fazer pela gente. A própria política revela isso quando votamos, e, a partir daí, acreditamos que alguém fará pela gente. A crítica (a desconstrução necessária) diz respeito aos modelos convencionais de relações de poder em que ou alguém arroga para si mesmo a propriedade do saber (a verdade) ou se espera de fora a verdade, a explicação definitiva, a receita final para os problemas. Uma educação baseada em aprendizagens dialógicas permanece à margem (fica aqui um desafio para diferentes reflexões passíveis de serem pensadas para as nossas práticas e o espaço para o diálogo propositivo e aprendiz). A questão de fundo é cultural, ou seja, todas as práticas em que as pessoas não são reconhecidas nem desafiadas em sua autonomia e capacidade de ação disseminam dependências e parasitismos. Michel Serres, físico e filósofo francês, em entrevista ao programa Roda viva, fala que devemos buscar a simbiose, assumindo um contrato natural de troca com a natureza. O parasita empobrece a relação, tanto aquele que se resigna à verdade do outro como aquele que busca impor a sua. Autônomo é quem desenvolve uma troca acompanhada da aprendizagem recíproca, e não uma troca de embalagens prontas. A crítica ao patriarcalismo é uma crítica a toda relação de dependência, tanto de exploração como de submissão. Neste último sentido, importa destacar o que muitos autores repetem: mais importante do que aquilo que fizeram com a gente é aquilo que fazemos com o que fizeram com a gente. Uma fala vitimista é pobre em relação à desconstrução de modelos patriarcais. Aliás, diria que o discurso vitimista indica a dependência em relação a um governo, a um pai ou a um Deus que faz tudo pela gente, enquanto nos resignamos no desenvolvimento de nossas competências. Essa afirmação não tem nada a ver com a negação das funções de governantes, pais e de Deus (deuses), mas parte da proposta de desconstrução de estruturas políticas coercitivas e pouco propositivas, de relações familiares em que pais buscam muito mais ensinar os filhos a partir de seus modelos mentais do que comprometê-los (e comprometer-se) à aprendizagem a partir do diálogo; e de práticas religiosas em que os fiéis filiam-se a crenças sem pensar e discutir os valores existenciais que elas participam com o mundo da vida. b. Visão cartesiana – se herdamos da cultura dos tempos antigos e medievais a visão patriarcal (que permanece em maior ou menor grau nas estruturas, como já discutimos – o que não significa que devamos fazer um discurso de esvaziamento do passado, pois, em cada época, como em cada pessoa, experimentam-se o bem e o mal), da modernidade herdamos o método cartesiano da fragmentação em partes para entender o todo e, mais tarde, o sonho newtoniano de chegar às leis definitivas da física (o que será abordado mais adiante). Descartes, por muitos considerado o pai da razão moderna (entre ele e Francis Bacon está a paternidade da ciência moderna), desloca o eixo vetor do saber da contemplação do cosmos (para os antigos – gregos –, o todo orgânico do cosmos deveria revelar a verdade à contemplação da razão) e da revelação divina (a fé revela Deus como criador de tudo – cristianismo medieval) para o sujeito humano, capaz de desenvolver e chegar à verdade pelo método (pensamento) experimental. O saber e a verdade já não estão mais na realidade objetiva exterior nem em uma força divina externa, mas na capacidade humana de desenvolver um método que dissecaria o mundo e estabeleceria a verdade sobre as coisas. A verdade está naquilo que a subjetividade humana é capaz de definir como verdade. Descartes propõe a dúvida sobre tudo o que os nossos sentidos contemplam, ou seja, tudo é questionável em sua existência. O que resta de verdade? A minha dúvida, o meu pensamento que passa a se perguntar sobre a verdade. Daí a célebre afirmação do autor: penso, logo existo. A dúvida cartesiana em relação a tudo o que nossos sentidos limitados experimentam faz Descartes afirmar que só não podemos duvidar da própria dúvida que se coloca pelo pensar. Eis a única verdade,o pensamento humano, que dá razão às coisas. Por um lado, a humanidade se liberta de todas as verdades externas que até então dominavam o pensamento. A verdade – a resposta – não está mais fora do homem, no cosmos ou no Deus medieval.5 Ela passa a ser aquilo que o humano estabelece, pela sua capacidade de pensar, como verdadeiro. Não é fora do homem que deve ser buscada a verdade: ela tem sua origem no próprio homem. De alguma forma, há o afastamento de uma religiosidade vinculada a um Deus transcendente, mas ela ganha força num Deus imanente, a partir da interpretação radical de que o homem é imagem e semelhança de Deus. No ser humano, Deus se revela, como aconteceu com Cristo. O homem responde pela sua capacidade de revelar o mundo e de criar uma segunda natureza, que foi feita à imagem e semelhança de Deus. A visão humanista, que coloca o humano como ser capaz de transcender a natureza, livre para criar e avançar em suas possibilidades, também traz consigo a visão antropocêntrica que coloca no homem a razão das coisas, ou seja, ele pensará a partir de então também sobre como as coisas da natureza devem lhe servir. Além disso, Descartes propõe que para pensar e definir as leis da natureza devemos dividi-la em partes e, a partir daí, entender o todo. A máquina passa a ser a metáfora que representa a natureza. Essa máquina deve ser dividida em tantas partes quantas forem necessárias para que possa ser explicada. Inicia-se aqui um exercício de fragmentação que até hoje acompanha nosso saber e remete a cientistas e especialistas que cada vez sabem mais na sua área, mas muitas vezes passam a ter sérias dificuldades em saber que relação esta tem com as demais. Perderam a compreensão da relação de sua atividade com o todo e ignoram como podem relacionar o seu fazer com um projeto humanizador. Acabam se colocando a serviço do mercado, ou seja, trabalham para conseguir dinheiro, e não para desenvolver algo que agregue valor pessoal e social na forma e no sentido pelo qual se desenvolvem o produto ou a atividade. As partes foram de tal forma valorizadas (isoladamente) que a visão do todo e os outros contextos passaram a ser negligenciados. Muitos projetos desenvolvidos isoladamente, de forma lógica e eficiente, quando colocados em prática em outros contextos, provocam efeitos negativos, pois ignoram as diferenças. Acabamos não assumindo responsabilidades na medida em que afirmamos que os efeitos não são de nossa competência (como professor, posso afirmar que devo ser eficiente em ensinar e que saber lidar com os afetos não é de minha competência, ignorando que o aprender depende do significado que ele tem para as pessoas). Pacotes de ensino, pacotes de receitas médicas, juízos programados. Condicionados a modelos de eficiência lógica, não questionamos a qualificação integral das relações com as pessoas. Perdemos o senso dessa responsabilidade. Meu compromisso como pai (funcional) acaba sendo mais dar conselhos ao meu filho do que conviver e produzir relações de aprendizagem com ele. Não sou responsável por seu comportamento, pois todos os conselhos (receitas) foram dados; ele que não soube colocar em prática de forma mecânica e eficiente. Avançamos em saberes específicos (que devem ser valorizados em certas descobertas e criações), porém, recentemente (início do século XX), pela própria ciência que se tornou a mãe da razão moderna – a física –, desconstruiu-se o pensamento que fazia das partes, de matérias isoladas e suas funções, a organização mecânica do todo. A partir da física quântica e sua pesquisa em níveis microscópicos, chegou-se à conclusão de que não são mais os objetos e suas estruturas que produzem o todo, o conjunto, mas são as relações; estas revelam que as matérias são fruto do contexto, e é em relação aos contextos que elas se manifestam e produzem possibilidades, ou seja, o seu sentido de ser. Voltemos às duas críticas que queremos fazer ao cartesianismo. Em primeiro lugar, a crítica ao antropocentrismo, ou seja, à ideia de colocar o homem como centro das coisas e como aquele que ditará as verdades e ações sobre a natureza. Isso nos leva a perder o senso de humildade e de aprendizagem e nos torna soberbos, ao ponto de passarmos a elaborar projetos em favor do progresso do homem sem discutir se a natureza não está sendo violentada, se não há um abuso na maneira como o desenvolvimento é levado adiante. Em segundo lugar, lembrar que a separação cada vez maior entre as partes levou à separação de saberes e à separação das especialidades, o que, muitas vezes, fez com que profissionais de áreas específicas ignorarem os contextos e se descomprometer em relação aos efeitos que sua ação, fixada em si mesma, teria sobre certos (outros) ambientes mais complexos. Economistas de visão fechada, médicos que deixam de perceber a complexidade histórica e corporal dos pacientes, professores que desenvolvem planos de ação sem reconhecer realidades dos alunos etc. atestam a miopia de uma razão fragmentada (e reproduzem sinais de morte). c. A visão newtoniana – a partir do pensamento moderno e do desenvolvimento das ciências naturais (cujos métodos inspiraram mais tarde o desenvolvimento das ciências sociais), experimentou-se um grande desenvolvimento tecnocientífico. Esse progresso não pode deixar de ser reconhecido (a proposta não é de uma tecnofobia ou de uma negação da ciência e suas descobertas). O que se busca aqui é desconstruir a ideia de que o conhecimento tecnocientífico, por si só, seria capaz de resolver todos os problemas e teria em suas mãos todos os instrumentos para controlar a natureza e a história. Além disso, é preciso abandonar o pressuposto de que a única forma de conhecimento válido é o conhecimento científico, aquele em que se buscam explicações formais (lógica analítica) para esclarecer processos e definir procedimentos. Mitos, religiosidades, a própria arte, entre outros saberes que abrangem sensibilidades e percepções humanas complexas, não podem ser negligenciados. Newton sonhava com o desenvolvimento de leis universais pela física a tal ponto que pudéssemos passar, com o tempo, a ter nas mãos não só a explicação dos processos naturais, mas, fundamentalmente, que as leis pensadas e elaboradas a partir da pesquisa humana nos levassem a ter a capacidade de controlar os movimentos, prevendo e interferindo nos processos a ponto de acomodá-los numa ordem. Lembro que a humanidade desde sempre sonhou em alcançar o Olimpo, em voltar ao Paraíso, em ser capaz de transcender a limitação e incompletude, em ter controle sobre o tempo e a morte. Parece que a vida seria bem mais fácil se as respostas fossem simples e a vida não fosse tão complexa. Catástrofes naturais poderiam ser previstas e evitadas, e a natureza má poderia ser domesticada. Esse sonho humano em Newton e em sua física animava o progresso da ciência. Essa visão de progresso em direção às verdades perfeitas alcançou vários setores: seria possível criar leis perfeitas, o estado perfeito, a ideologia perfeita, a ordem que levaria irremediavelmente ao progresso – lembramos aqui do lema de nossa bandeira. Não vamos estender a discussão, mas a ideia de saber é poder (Bacon) inebria Newton e a humanidade a tal ponto que se acredita em um progresso linear (visão estreita de evolução), ignorando a complexidade do real. Esse sentido esclarecedor6 de quem pensa sobre os fatos não deve ser criticado só em relação à humanidade e a certos exageros cometidos no desejo de controlar e projetar processos, mas também por parte de poderes e de cada um de nós que antecipa a sua verdade na forma de ajuizar os outros e sua relação com a vida. Chegamos a afirmar, não poucas vezes, que sabemos o que é bom para os outros e agenciamos o que os outros devem fazer. A vida e os outros deixam de ser sagrados e passam a ser profanizados, ou seja, transformam-se em histórias vazias que devem ser preenchidas (ensinadas),em pessoas que servem para as nossas relações enquanto se enquadram em nossas leis necessárias. O desejo de ascensão da humanidade deve ser enaltecido, e não estamos aqui fazendo terra arrasada e desconsiderando tal projeto. Aliás, não concordamos com um pós-modernismo relativista, em que tudo vale. Propomos a desconstrução de modelos redutores, pois apostamos na responsabilidade das pessoas e dos grupos para com o desenvolvimento de processos que alimentam a dignidade humana e da vida. Porém, as simplificações desenvolvidas por alguns poderes e a imposição de suas morais é sinal de morte da dignidade da vida e das pessoas. A dignidade depende do reconhecimento da dinâmica complexa das relações e da construção de redes que sistematicamente reavaliam as aprendizagens cooperativas, não reduzindo pessoas e grupos a certos projetos limitados. A proposta é de uma antropologia aberta e pluriversal,7 Bem como complexa, na medida em que reconhece que o tempo da autonomia e da liberdade humana não pode ser confundido com um tempo em que a razão humana ou de qualquer indivíduo ou grupo se sobreponha à vida e às relações. Somos eternos aprendizes. Seres capazes de animar a si mesmos e aos outros a desenvolverem suas competências nas relações e aprendizagens, na elaboração de linguagens e no reconhecimento da vida, dos seres vivos em geral e da própria natureza física como uma estrutura dinâmica com a qual evoluímos. Não evoluímos no planeta, mas evoluímos com o planeta. Há uma dinâmica auto- eco-organizadora nesse processo, como afirma Edgar Morin. Alimentamo-nos do desenvolvimento e atuamos nele, mas há surpresas aleatórias que nos revelam a vida e a dinâmica complexa dos processos, que transcendem nossa racionalidade. O pensamento e a razão humana devem colaborar para que desenvolvam-se intervenções interessantes no progresso das linguagens, das tecnologias e das relações, transcendendo programas estritamente lineares e transgredindo modelos rígidos e fechados. A natureza é mais do que uma máquina, um sistema, um cosmos ordenado. O mistério, o que é impossível de ser explicado, não é o que nos desampara, mas o que anima a vida em suas possibilidades. 1.2 O reconhecimento da complexidade Cada pessoa deve ser vista como um universo de possibilidades. Aqui se instaura o compromisso com a dignidade absoluta de cada ser humano. Com raríssimas exceções, todo ser humano, inclusive aquele que é acometido por graves sequelas fisiológicas ou anatômicas, é capaz de desenvolver habilidades físicas e, em especial, culturais, que dignificam sua existência para além de uma visão restrita. Essa condição de desenvolvermos outras habilidades, ainda que limitados em certas condições, não só faz com que reconheçamos a dignidade do ser humano, mas também passemos a pensar sobre a complexidade de possibilidades que emergem da condição humana, aliada à complexidade do mundo externo (bios) e das possibilidades fantásticas de relações que podemos desenvolver e experimentar. Atualmente, avançam as pesquisas sobre as múltiplas inteligências humanas. Não temos aqui a intenção de apresentar e discutir as mesmas. Porém, as pesquisas e discussões sobre diferentes habilidades e competências humanas se fazem cada vezmais presentes. Por um bom tempo a sociedade foi regida pelo paradigma da formação técnica, industrial e lógico-formal. Nas escolas se ensinava em série e se faziam provas iguais, para testar o conhecimento a partir de respostas idênticas (modelo taylorista de produção de saberes – modelo industrial transferido para a escola). Aliás, alguns desvios nas respostas por parte de alunos, que conseguiam responder a partir de outros roteiros, chegavam a incomodar e desconcertar alguns professores. Nós nos acostumamos – e aqui insisto no modelo cultural para além da busca de culpados – a ter o controle sobre as perguntas e as respostas, sobre as causas e as consequências. Porém, recentemente, esse método começou a não dar mais conta das demandas. Processos dinâmicos e inteligências abertas e flexíveis, que, ao mesmo tempo em que desenvolvem saberes técnicos, sejam capazes de pensar relações inteligentes entre os humanos (consistentes, marcadas pela confiança e pelo comprometimento mútuo da cobrança pela ação criativa e cooperativa), com os contextos e com a natureza, passaram a ser fundamentais. Cada ser humano experimenta diversas sensibilidades e é capaz de desenvolver diferentes inteligências (habilidades). A proposta de formação integral reconhece essa complexidade humana no que diz respeito a desenvolver competências profissionais (técnicas), ao mesmo tempo em que desenvolve sensibilidades e responsabilidades para consigo, com os outros (intersubjetividade) e com a natureza. Gostaria de estender o reconhecimento da complexidade da pessoa para o reconhecimento da complexidade do real, da natureza em geral. A complexidade de relações entre as pessoas, destas com a cultura e com a história, e, ao mesmo tempo, da natureza entre si e do ser humano com a natureza, formam uma teia complexa, nunca passível de ser reduzida a um círculo fechado e pronto, mas a ser pensada como uma grande possibilidade para a existência do humano na relação com os processos e no desafio do desenvolvimento de linguagens (e tecnologias). Ou seja, ao mesmo tempo em que tentamos acomodar a natureza em algumas leis necessárias (ordem – ciência), a experiência estética do humano em sua relação criativa com o mundo da vida e com a natureza anima a experiência poética do belo e bom viver. 1.3 Implicações práticas De alguma forma, as argumentações e conceitos que foram desenvolvidos nos itens anteriores já devem ter despertado um número interessante de reflexões por parte dos leitores em relação a práticas, vivências, fatos observados e vivenciados. Há um dualismo corrente em nosso modelo escolar e acadêmico em que costumeiramente se fala em teoria e prática como categorias separadas. Toda prática e teoria sem reflexão é letra morta. A reflexão sobre as teorias faz com que tensionemos de que forma elas nos levam a pensar alternativamente as práticas. A reflexão sobre as práticas faz a gente desenvolver teorizações sobre outras possibilidades em relação às práticas. Nesse sentido, teoria e prática são complementares. É claro que quando leio, reproduzo algo ou tenho acesso a informações e não desenvolvo a interpretação e contextualização (não atualizo), fico só na teoria. O mesmo acontece com a prática, quando afirmo que faço há tempos da mesma forma porque não desenvolvi uma compreensão sobre como poderia tentar fazer diferente. As discussões levantadas até aqui poderiam remeter diretamente a críticas em relação a diversas práticas humanas em que as relações de poder são verticais, nas quais se buscam explicações simplificadas para os processos, reduzidas a receitas e isolando fatos e informações, sem a devida contextualização etc. Podemos falar em diversas profissões e seu exercício limitado. Professores que continuam arrogando para si as verdades a serem ensinadas sem questionar a atualidade histórica dos saberes e a relação destes com os alunos e sua realidade. Conteúdos prontos, provas repetitivas, estéticas pobres e desatualizadas podem ser exemplos de ação professoral redutora da complexidade e possibilidade humana. Políticos e governantes que se arrogam o poder sobre benefícios concedidos aos cidadãos, como se o Estado fosse uma organização que devesse decidir sobre a vida das pessoas. Leis elaboradas sem discussão com as partes interessadas, decisões ideológicas desvinculadas das dinâmicas históricas e das demandas do tempo e das culturas. Médicos e advogados que decidem, sem diálogo com os interessados, fundamentados exclusivamente em diagnósticos técnicos e registros formais, sobre a saúde física e jurídica de seus pacientes e clientes. Psicanalistas que receitam comportamentos ajustados e têm dificuldadesem desenvolver a aprendizagem com os analisados. Gestores que determinam como os funcionários devem reproduzir processos sem abrir espaço para o diálogo e para reflexões e intervenções cooperativas. A principal questão prática que, me parece, deve ser aqui levantada em relação ao reconhecimento da complexidade é estar comprometido com a aprendizagem como processo coletivo, tanto em termos de reconhecer as multiplicidades que atravessam cada ser humano, como as culturas humanas e a natureza como um todo. Esse reconhecimento nos remete a desenvolver profissões abertas e dinâmicas, em que as especialidades devem questionar o que agregam de valor para além da sobrevivência no sistema. O exercício de desenhar e compor pontes entre diferentes saberes e profissões dá origem a profissionais mais flexíveis e preparados diante do tempo atual e da exigência de atualização dos saberes e sua aplicabilidade. Saber escutar e ao mesmo tempo aprender a ser propositivo; ser sensível ao outro ao mesmo tempo em que se desenvolve a autonomia; e saber usar da razão ao mesmo tempo em que se usa e se desenvolve a inteligência emocional e sensitiva. Essas dinâmicas de complementaridade devem ser a resposta pessoal afirmativa à complexidade humana, dando sentido às práticas através da visão sistêmica. Domenico De Mási fala em formação total, no sentido de que os profissionais devem, além de seu conhecimento técnico, desenvolver a sensibilidade para a estética e para um fazer poético (criativo), além de uma inteligência para lidar com o tempo livre. A leitura de livros de literatura, a sensibilidade para a música e para obras de arte e um gosto pelo desenvolvimento tecnocientífico podem e devem estar mais presentes em todos os profissionais, não como um desafio pesado a ser alcançado, mas como produto de um tempo em que trabalho, lazer e arte se confundem, na medida em que cada vez mais o que fazemos em todos os lugares remete a pensarmos criativamente as relações, a estética dos produtos e o aproveitamento da vida. 1 DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 2 “ Nietzsche empreende, com efeito, uma crítica radical de toda a tradição dualista que, para ele, culmina no dualismo cartesiano, que faz da consciência o núcleo ontológico do homem. A consciência é, para Nietzsche, apenas o instrumento de uma unidade superior que ele denomina ‘corpo’ e que constitui a totalidade do indivíduo […]. Nietzsche está na origem de uma importante corrente filosófica dos começos do século XX, a chamada ‘filosofia da vida’” (VAZ, 2006, p. 127). 3 Aqui poderíamos mencionar os impérios antigos, os regimes feudais, as monarquias modernas, governos centralizados e centralizadores, famílias em que o homem era constitucionalmente denominado chefe, administrações verticalizadas, o machismo convencionalizado pela lógica de poder nas relações entre os sexos etc. 4 Acreditava-se que havia uma ordem perfeita que conduzia o cosmos – antigos gregos – ou um Deus que mantinha tudo em seu devido lugar – religiosidade cristã-medieval; os conceitos TEOria e TEOlogia, em sua origem etimológica semelhante, aproximam essas concepções – a IDEIA ou DEUS como razão de tudo. 5 “ […]não podendo sustentar-se numa ordem cósmica, não podendo mais acreditar em Deus, os Modernos inventaram religiões de substituição, espiritualidades sem Deus ou, para ser direto, ideologias que, professando com frequência um ateísmo radical, agarraram-se, apesar de tudo, a ideais capazes de dar um sentido à existência humana, ou de justificar que se morra por eles.” (FERRY, 2006, p. 167 e 168) 6 O Iluminismo, por exemplo, exagerou no que se referia a alcançar a luz que não se possuía até então, inclusive rotulando o período medieval como idade das trevas. Quando falamos em pessoas sem cultura, em ensinar os outros, em levar a verdade, em fazer com que os outros tenham consciência, muitas vezes podemos estar sendo iluministas demais. O verdadeiro se produz na aprendizagem mútua, e não na imposição e na explicação rígida das verdades por parte de quem se arroga o poder sobre o saber. 7 “ As antropologias filosóficas contemporâneas preferem reconhecer a pluridimensionalidade dos sentidos que a experiência de seu próprio ser revela ao homem e procuram situar-se numa perspectiva que lhes pareça privilegiada para, a partir dela, construir um discurso englobante e coerente sobre a totalidade da experiência humana.” (VAZ, 2006; p. 136) CAPÍTULO 2 O PARADIGMA ECOLÓGICO E A VISÃO SISTÊMICA A crise ambiental e os limites do pensamento parcelar e fragmentado estão acompanhados da emergência do paradigma ecológico e da visão sistêmica. A vida não pode ser reduzida pela razão humana. Reduzir a vida e a natureza a certas representações significa ignorar seu mistério e as possibilidades que transcendem o previsível. Assim como o ser humano, a natureza é complexa em sua teia de relações. Não uma teia ordenada em que cada parte exerce uma função definida, como parecia previsível pela ciência que busca explicar todos os fenômenos naturais. A teia da vida transcende esses nós rígidos entre as partes. Estamos falando de uma rede de alianças flexíveis, que nos coloca diante do tempo e da evolução como seres desafiados a compor parcerias criativas. A temática deste capítulo quer mostrar que a visão ecológica não é uma maneira simplificada de pensar a natureza e sua conservação, mas uma visão abrangente sobre relações de poder que tensionam maneiras de relacionamento. O questionamento em relação à ideia humana de pensar a natureza como objeto a ser manipulado leva não só à crítica ao antropocentrismo, mas a todas as formas de relação de poder em que o outro é reduzido a objeto de nosso saber. 2.1 A crítica ao antropocentrismo e à razão dominadora A razão moderna enaltece a capacidade humana de pensar a ordem natural. Junto a isso, a ascensão das ciências experimentais coloca em movimento um processo de domínio da natureza que se estende para a exploração dos recursos naturais que chega ao nosso tempo com a aceleração da transformação das matérias-primas naturais em produtos para o ser humano. O consumo chega a tal ponto que a natureza passa a ser tratada como um atacado de recursos a ser explorado pelo homem. Ao mesmo tempo, o ser humano desenvolve projetos de conquista dos espaços através dos movimentos das grandes navegações, da colonização e, mais recentemente, da corrida imperialista. Os espaços passaram a ser conquistados como potenciais áreas de exploração de recursos para o desenvolvimento econômico. Podemos afirmar que o planeta, em boa parte, foi loteado pela espécie humana, em especial, por algumas sociedades mais civilizadas. A corrida do desenvolvimento e a disputa por mercados ignoraram a natureza como parte a ser reconhecida. A exploração desenfreada de recursos naturais desconsiderou a dignidade dos sistemas vivos em seus nichos e em relação a populações humanas lá existentes. A distância entre o ser humano racional e a natureza bruta fez com que os civilizados se colocassem no direito de explorar os recursos em benefício exclusivo do humano, sem reconhecer a dignidade e a riqueza dos ecossistemas vivos. Acompanha esse sintoma antropocêntrico e racionalizante a tendência à centralização das referências (a ideia do juízo e da representação), ou seja, ao mesmo tempo em que o humano centraliza em si e em sua razão a definição e a finalidade dos recursos naturais, há a tendência de cada indivíduo fixar em seu modelo mental o juízo sobre os outros. Limita-se o diálogo em favor do juízo de cada um. O mundo vai sendo ajuizado, racionalizado. Formalizam-se relações, papéis e funções, a tal ponto que as pessoas cobram de si mesmas representações de enquadramento social (morrem por dentro ao condicionarem-se a modelos exteriores). Modelos comportamentais e objetivos que devem ser alcançadosfazem com que sejam esquecidas coisas menores, os desvios necessários, os afetos que transcendem esses grandes e pesados modelos morais. Perdemos o tempo pessoal, da intensidade vivida. Estereótipos morais que reduzem pessoas bemsucedidas ao status quo social agenciam a vida das pessoas e sua ação social. A autonomia e a originalidade dão lugar a um rebanho moral, a um exército de bonecos líquidos que se desfazem no tempo como seres de plástico. Não se ignora aqui a importância, diante de certos contextos, que o indivíduo precisa responder adequadamente àquilo que a cultura lhe cobra. Porém, viver não é resignar-se a um sistema para garantir a sobrevivência. Esse enquadramento social, aqui mais criticado na fraqueza da submissão do que num maniqueísmo de controle, liquida o indivíduo em sua potência para viver o alargamento da experiência existencial em suas práticas pessoais, interpessoais e profissionais. Chegamos a afirmar, condicionados a um ritual de passagem, que alguém se revela homem na medida em que sabe o que quer, em que tem convicção da resposta pronta e que não tem dúvidas sobre o valor do que faz. Há um enquadramento histórico e cultural, fragilizando a experiência da transcendência, fruto da reflexão sobre o sentido da história e da cultura e das possibilidades de potencialização da vida e de um homem livre diante da cultura e seus registros. A padronização e as respostas prontas negam a vida, que é fundamentalmente diversa e alternativa. Experimenta-se o viver na medida em que se transcende o fato dado, o pronto, o fixo, o imutável. O mistério e a beleza de nossa incompletude emergem da possibilidade de sermos livres na relação com o tempo e de desenvolvermos a estética de nossa existência. Diante da sobrevivência, não podemos prescindir de certa ordem fisiológica, como nos alimentarmos e bebermos; no entanto, diante do viver, a linguagem humana, aliada a uma sensibilidade alargada, pode produzir beleza. Assim como a natureza multiplicou suas formas e cores, o humano torna-se capaz de multiplicar suas linguagens, e a bela criação, pelo que a natureza nos ensina, é o encontro dinâmico e criativo entre as forças. Espinosa insiste em bons encontros, nos quais os corpos (matérias) multiplicam sua força perceptiva e expressiva. Podemos concluir dizendo que boas pessoas e bons profissionais experimentam bons encontros, ou seja, desenvolvem em si e nos outros a força para ampliar e qualificar as expressões (criatividade técnica, arte, poética etc.) e, ao mesmo tempo, a força para melhor perceber, escutar e aprender com o que acontece à sua volta. 2.2 A ecovisão e a visão sistêmica A modernidade fragmentou a vida e colocou o ser humano como aquele que deveria ditar as regras do progresso. Na medida em que a natureza era coisa a ser classificada e domesticada diante de um projeto de desenvolvimento humano, não se buscou aprender com ela, mas desenvolver sistemas de seu aproveitamento em função das necessidades humanas. Aos poucos, essa profanação leva a um pensamento mutilador, pois não se organiza a partir de uma rede que se retroalimenta, mas de forma linear se pensa e projeta um modelo de progresso sem limites. Sabemos, atualmente, que acabamos míopes em termos de compreensão das conexões e das inteligências cooperativas que estão além do ser humano. A ecovisão desconstrói esse modelo autoritário de pensar a relação com o meio ambiente e, consequentemente, com o que não pertence ao nosso projeto. Ela alerta que um sistema fechado e fixo em si mesmo não sobrevive dentro de um planeta em que as inteligências são predominantemente cooperativas. Em algum momento, a doença do progresso linear mostra sua fragilidade. Já nos damos conta de que precisamos de água. Dde nada adiantam nossas fabulosas máquinas, nossas obras de arte belíssimas, se por um período restrito de tempo não tivermos o que beber. Essa bebida da natureza pode ser comparada à bebida espiritual. Mas o que é o espírito ecológico? Não falamos aqui de uma mística conservadora e que se estabelece em um plano fora da vida e do planeta. Aqui estamos falando da ligação natural entre as diversas forças que compõem a natureza, dinâmica que cada vez mais é reconhecida como elemento básico da vida e das experiências mais avançadas em termos de existência. Não são seres isolados nem culturas fixadas em padrões repetitivos que manifestam a vida em profusão, mas seres que estão adaptados à troca e culturas colaborativas. São seres e culturas que desenvolvem melhor a ecologização das suas forças com as dos outros. A definição convencional de sustentabilidade ainda emerge, de forma limitada, da ideia de que nós, humanos, somos capazes de defender a natureza e de preservá-la (muitos idealistas continuam apostando que desenvolveremos tecnologias capazes de resolver todos os problemas ambientais). Gostaria de propor o cuidado com a natureza não só como um princípio de preservação da beleza natural e da sobrevivência de nossa espécie, mesmo que para muitos indivíduos, este seja o único discurso compreensível. Quero pensar o cuidado com a natureza como uma proposta de salvação em relação à própria maneira de existirmos. Não está somente em questão a preservação da vida, mas a própria ideia de vida e de sua potência, que no humano se revela por linguagens mais dinâmicas, abertas e partilhadas com os outros e com a própria natureza enquanto fonte de inspiração e transpiração.A ecovisão alarga e dá corpo ao conceito de sustentabilidade. Não somos nós que vamos salvar a natureza. Esse é um discurso prepotente e antropocêntrico. A lição de sustentabilidade vem da própria natureza – da vida – e de sua dinâmica de alianças e fluxos contínuos de alimentação recíproca. Por exemplo: a sustentabilidade de nossos filhos não se identifica com o dinheiro depositado para ele no banco (ou um seguro de vida), nem a estabilidade em uma profissão mais adequada diante da valorização de certa sociedade.1 Sustentabilidade, para um filho, é a força interior que ele desenvolveu para saber compor alianças propositivas com os outros através de novas linguagens e energias que lhe alimentam. Aliás, tem tudo a ver com os seres vivos e sua capacidade de adaptação (com significado bem diferente do de submissão). Tenho a convicção de que essa força interior para compor alianças está na base do sucesso de boa parte de profissionais e na singularidade com que levam a efeito suas práticas. Um conceito que atravessa várias áreas de conhecimento e que se alinha de forma radical com a era da informação é o conceito de rede. Aliás, é ele que dá sentido às informações. Há uma crítica generalizada ao excesso de informações e à falta de sentido que elas têm para os indivíduos. O sentido de uma informação não é seu registro formal e sua apresentação a partir de uma mídia tradicional ou através da web. Seu sentido está na nossa capacidade de interpretar, de atualizá-la diante do contexto de origem e de uma recontextualização. Assim como a palavra tem sentido ao designar algo que conheço e alarga seu sentido na medida em que passo a fazer mais conexões com a mesma e a designar algo mais abrangente, a informação ganha força e sentido ao ser possível dar corpo às suas relações e possibilidades. Nessa perspectiva, a rede torna-se mais complexa e interessante na medida em que as informações, no caso da cultura humana, agregam consistência à capacidade de interpretação, de intervenção no mundo e de criação de outros mundos. A dinâmica dos fluxos na natureza, em geral, faz parte de um movimento inteligente de aproveitamento das relações. A flexibilidade é fundamental porque remete à transcendência em relação a uma ordem rígida que não dá espaço à evolução. São fluxos que otimizam alianças criativas, que potencializam a vida, que agregam força aos seres da relação. Estamos destacando, além do conceito de rede, outros conceitos como flexibilidade, criatividade, fluxos,alianças. São conceitos que dão sentido à evolução, à visão sistêmica, ao mesmo tempo em que entendemos seu significado para as ações humanas. Estamos aprendendo com a natureza (ou deveríamos aprender). A vida tensiona o modelo predador do homem em sua relação com o de fora. Isso vale para o modo humano de usar e abusar dos recursos naturais, mas vale também pela extensão de tal modo de relação para com outros e para as relações de sociedades humanas entre si. Félix Guattari dá a uma de suas obras o nome de Caosmose. Gostaria de socializar o conceito. A diversidade da vida, a complexidade dos movimentos e a multiplicidade de relações dão origem ao caos. Porém, não estamos aqui diante de um caos improdutivo. As conexões se efetuam e se desenvolvem entre os seres vivos a partir de um estado de autonomia no encontro com o de fora, a osmose. A vida deseja viver e aproveita, instintivamente, o que faz viver. Podemos acentuar a possibilidade de tal processo em relação ao humano e à cultura: a cultura, enquanto produção (criação) de sentido para a vida pelos humanos, torna-se diversificada em linguagens e informações, às quais temos cada vez mais acesso, produzindo um estado de caos cultural, que, alimentado pela osmose (aliança e aprendizagem intercultural), pode produzir uma nova humanidade planetária. É interessante aqui destacar que ocorre o inverso do que muitas vezes é dito sobre o caos. Dizemos que falta ordem, falta voz de comando quando muitas coisas acontecem e não há um direcionamento. Porém, a relação viva com esse caos, com a multiplicação de possibilidades de conexões, nos compromete enquanto autores de nossas relações criativas com o fluxo das alianças que fazemos. A responsabilidade maior não se dá pela submissão à ordem, mas pelo compromisso com a vida e com a criação de ações e linguagens que potencializam as geografias em que vivemos. Em geral, o que retira o sentido do que fazemos é a obrigação e o hábito da submissão. Entregamos nossa vida, morremos, ao seguir modelos referenciais e não questionarmos outras possibilidades de sentido além daquelas que nos ensinaram. Todo ser livre, vivo e criativo se relaciona com o de fora experimentando, de forma autônoma, as possibilidades desse encontro. É mais do que dizer sim ou não, mesmo que essas atitudes, circunstancialmente, possam ser necessárias (dizemos sim ou não, por exemplo, para as crianças em certas situações que colocam em risco sua integridade física e psíquica). A autonomia não é algo que se ensina, mas que se aprende na relação criativa com o outro. Não se aprende fazendo como alguém, mas com alguém. Viver é fazer-se sujeito da ação (e de seus significados) na relação com os outros. Essa é a lição da vida, essa é proposta prática e teórica que o pensamento ecológico faz advir: não é a partir de uma ordem dada, e muito menos a partir do controle do outro (ou submissão), que passamos a ser e viver no mundo. É importante destacar, assim como destaca Fritjof Capra, que junto com o movimento ecológico tivemos a emergência do movimento feminista, o qual, recentemente, coloca em questão o modelo machista que se tornou predominante em nossa civilização. Povos ditos primitivos desafiavam seus homens ou caciques (morubixabas) a servirem o coletivo ao ponto de ser inviável alguém ser cacique sem ser capaz de representar a coletividade; geralmente, quem conseguia melhor estar a serviço do grupo era mais homem e poderia ser escolhido como cacique. Os ditos civilizados passam a ver como mais homem aquele que se impõe aos outros, que detém o poder hierárquico, que acumula mais bens. As relações no machismo são pobres, pois se caracterizam pela exploração do outro e impondo obediência, retirando das partes a autonomia. A sensibilidade para aprender na troca e saber lidar bem com as pessoas, emerge com o feminismo, mesmo que possamos fazer críticas ao movimento. Essas críticas de nenhuma maneira podem ser maiores do que a sensibilização com a proposta feminista em pensar que as relações afetivas e propositivas entre as pessoas (e para com a natureza) são muito mais importantes do que acúmulos materiais. A lógica de poder se desloca de relações verticais para relações horizontais (característica cada vez mais presente nas empresas de ponta). Tal deslocamento pode nos desestabilizar, como dizíamos antes, pois estamos acostumados com ordens, com relações de poder em que alguém determina o que deve ser feito e como deve ser feito. A transição para estruturas de corresponsabilidade necessariamente passará por essa crise, essa perda de uma pseudo-segurança. Perdemos nossa terra fixa, precisamos aprender a aprender. Não é mais aprender o que nos ensinam, mas aprender a fazer com que tenha sentido o que nos ensinam. Aprendemos com os outros, pelo diálogo, pelos questionamentos que fazemos continuamente a nós mesmos, aos outros e ao sentido dos saberes e das linguagens. A isso chamamos de atualização dos saberes. 2.3 Desenvolvendo redes A visão sistêmica nos convida e desafia a criar redes. Aprender com a natureza e desenvolver, como afirma Fritjof Capra, uma alfabetização ecológica. Isso é mais do que aderir a um projeto de conservação dos recursos naturais e do meio ambiente. É aprender com a natureza a perceber que devemos elaborar redes de cooperação para que a evolução potencialize a vida. Alguns autores falam em ecologia mental, ou seja, uma maneira de pensar qualquer fato dentro de uma rede maior. Se penso sobre a minha existência, percebo que sou produto de uma complexa rede de interações que vão potencializando a minha manifestação e experimentação viva. Existe uma rede complexa e dinâmica de relação entre a maneira com o lidamos com nossa história, como dialogamos com as particularidades dos outros e como nos colocamos diante da vida em geral. Félix Guattari denomina de as três ecologias a interdependência entre o cuidado de si (relação intrapessoal), o cuidado com o outro (relação intersubjetiva) e o cuidado com a natureza (experiência terrestre). Não devemos separar a maneira como nos vemos (pensamos) da maneira como lidamos conosco mesmos e como vemos os outros e a natureza em geral. Há diferenças de força e de experiências nesses três polos de relação, porém, proponho que haja uma complementariedade entre os processos (evoluindo num sentido retroalimentar). Por exemplo, pessoas que cuidam de seu corpo como propriedade a ser manipulada e não reconhecem que seu corpo fala (aqui refiro ao sentido fisiológico e psíquico de reação do corpo) tendem, da mesma forma, a buscar a manipulação dos outros corpos (das outras pessoas) ou só conseguem conviver com quem se encaixa em sua representação. Reconhecendo que cada um de nós carrega consigo o mistério das possibilidades de uma existência singular (e por isso sagrada) e que temos poder para desenvolver o cuidado pessoal, passamos a reconhecer universalmente, nos outros e na vida em geral, esse princípio de dignidade. Podemos afirmar que aquele que não ama a si mesmo é incapaz de amar os outros; quem não cuida de si mesmo dificilmente vai se comprometer com o cuidado para com a natureza (o inverso também é verdadeiro, ou seja, ao tratarmos a natureza de forma fria e calculista, em benefício exclusivo do humano, rapidamente passamos a tratar os outros e a nós mesmos da mesma forma). Nem a discussão religiosa que em tempos passados reivindicava tratamento digno para seres com alma2 evitou que as pessoas fossem transformadas em mercadoria ou matéria-prima em muitos casos. Cai por terra o dito faça ao outro o que gostarias que te fizessem. Quando falamos de pessoas que não cuidam de si e desenvolvem princípios equivocados em relação aos valores que buscam, como podemos usar essa regra? Só podemos pensá-la se estivermos conscientes de que a vida deve afirmar a si mesma através de relações potencializadoras e de um exercício de criatividade estética, a partir dodesenvolvimento de linguagens mais poéticas. A dignidade da vida em minha pessoa, a dignidade da natureza em geral e a dignidade das outras pessoas, devem ser o motivador fundamental de nosso pensamento, do desenvolvimento de nossos saberes e de nossas práticas. É evidente a complexidade desse propósito, porém, se pensamos que é possível um progresso na educação dos humanos para que alarguem suas linguagens e possibilidades de manifestação, estaremos ampliando possibilidades nesse sentido. 1 Aqui optei por exemplos econômicos na medida em que vivemos uma cultura em que o fato econômico é dominante e chama para si certo sentido em relação ao conceito sustentabilidade. 2 Chegou-se ao ponto de discutir-se se os índios, por exemplo, eram animais brutos ou seres com alma para tratar da permissão ou proibição de tratamento desumano (escravidão), por serem criados ou não à imagem e semelhança de Deus. CAPÍTULO 3 A EVOLUÇÃO HUMANA E O DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA COLETIVA Por um bom tempo, a cultura ocidental assentou-se sobre a teoria fixista em relação à natureza, ou seja, de que os seres eram imutáveis e toda a natureza mantinha-se obedecendo regras deterministas de funcionamento. E Deus viu que tudo estava bem. A interpretação e transposição racional do dito bíblico, junto com o desenvolvimento de uma racionalidade fixada em respostas lógicas e finalistas, sustentavam a crença em leis perfeitas. Além disso, tal pressuposto deslocou-se para morais deterministas em que as pessoas eram reduzidas a papéis e funções de enquadramentos sociais rígidos. O desenvolvimento da dúvida e a desconstrução de grandes verdades que dariam conta da definição do sentido da vida a partir da queda do geocentrismo e do antropocentrismo levaram o ser humano ao entendimento sobre a evolução e transformação contínua das estruturas vivas, transcendendo também processos lineares. Aprender e evoluir deixa de ser um processo de acesso aos saberes prontos e sua reprodução, além de representar mais do que a acumulação simples se saberes. Saber lidar com as dinâmicas e os desafios aleatórios, além de compor alianças dinâmicas, é o que dá consistência à evolução humana e, atualmente, em especial, em relação à evolução para uma inteligência coletiva, como veremos neste capítulo. 3.1 Desconstruindo referências rígidas e inteligências isoladas Três grandes desconstruções mentais marcaram a civilização ocidental: a revolução copernicana que provoca o fim do geocentrismo (a Terra não é fixa nem centro de nada); a teoria darwinista da evolução das espécies, que retira o ser humano de seu pedestal antropocêntrico; e a teoria freudiana, que retira da razão, o superego racionalista, o agenciamento do comportamento humano. Cada uma dessas três desconstruções revela, em parte, que o mundo, a vida e a ação humana não podem ser reduzidos a determinismos. Não somos o que somos desde sempre e para sempre: o cosmos funciona para além de uma ordem perfeita; a genética não se restringe a leis deterministas; a razão não dá conta de agenciar as necessidades e dinâmicas da manifestação corporal; o homem e sua razão não são senhores do planeta. Mais do que isso, a espécie humana está aqui para aprender a aprender a partir de suas especificidades e possibilidades, o que torna a cultura humana e o desenvolvimento tecnológico estruturas que devem ser sistematicamente questionadas em relação ao quanto atuam em favor ou contra a vida e o viver bem. A partir da antropologia cultural, que teve acentuado desenvolvimento no século XX, podemos propor uma quarta desconstrução: a diversidade cultural indica que não há modelo ou exemplo cultural a ser seguido, que cada cultura se faz em seu tempo, a partir de seu contexto e experimentando mais ou menos relações com outras culturas. Não há modelo a ser seguido; o que há é a prova incontestável de que seres vivos, pessoas, culturas que foram e forem capazes de melhor fazer alianças aprendizes (dinâmicas e flexíveis), de aprender na relação evolutiva com a natureza, consigo mesmos e com outras culturas, serão os que prevalecerão e construirão a permanência e potencialização da vida. O ser humano deve atentar para isso não só como ser que deve aprender com os outros seres vivos, mas que deve fazer a lição de casa, ou seja, aprender a desenvolver o diálogo transcultural em relação à própria espécie, na medida em que a autofagia é um atestado de ignorância existencial. Modelos rígidos detêm o tempo e a vida. É a tendência para mudar, evoluir, transformar-se na relação com suas forças e com as forças externas que faz o progresso da vida. Mesmo a ordem que existe na natureza dos seres vivos vai se organizando dentro dos processos. A vida e o cosmos têm como princípio primeiro a dinamicidade, cuja estabilidade não está na rigidez, mas na maleabilidade de aproveitar as relações e efetuar o crescimento mútuo. Não é a destruição que faz a evolução do planeta, mas a disjunção necessária que fará com que novas conjunções potencializem a vida. Sistemas, grupos, pessoas fechadas em seus modelos e ranços são sinal de morte, não participam propositivamente da evolução. Vida experimentada é vida vivida e ampliada pela qualidade das relações. Ao nos encontrarmos com os outros já não somos nós mesmos, mas as possibilidades que as forças desse encontro promovem diante da renúncia necessária em relação às nossas representações. A evolução prova que a diversidade é a poesia da vida. Mas não uma diversidade estanque, fragmentada. As conexões dinâmicas, que transcendem modelos de causa e efeito que determinamos e explicações que fixamos, promovem a vida. Não temos a segurança total sobre os resultados das conexões, porém, assim como os seres vivos, pela sua capacidade instintiva, conseguem desenvolver adaptações inteligentes, o ser humano é capaz, a partir de reflexões mais sutis, que envolvem a integração entre a sensibilidade física (não se ignora o corpo), a percepção (valoriza-se a psiqué), a razão e o pensamento (consciência), de desenvolver conexões mais interessantes e promover a vida. Nesse processo, devemos avaliar a consistência e a coerência do desenvolvimento tecnocientífico e sua relação com a afirmação positiva da vida; questionar a ética das pesquisas em seus objetivos, métodos e forma de uso, aplicação e socialização; e, por fim, ampliar a dignidade com que o humano experimenta a vida através do desenvolvimento da linguagem e de sua solidariedade com a vida planetária. Toda visão rígida é sinal de morte, pois a vida é vida que tem sua gênese na revelação de si mesmo no encontro com o mundo. Se não alimentamos nosso corpo com um mínimo da diversidade de alimentos, sabemos que perdemos em saúde. A analogia é perfeita para com nossa relação com o outro. Quanto mais formos capazes de dialogar com outros seres e suas dinâmicas, com outras culturas e suas linguagens, mais vida poderemos expressar. Na medida em que desenvolvemos certo conhecimento do mundo, que somos introduzidos no mundo da linguagem de nosso grupo, devemos pensar as possibilidades que se abrem; evoluir culturalmente é falar outra língua a partir da sua língua, transcendendo sua cultura e alimentando-se de outras culturas. Podemos constatar historicamente que as sociedades abertas representam aquelas que evoluíram e estenderam suas inteligências. Isso não retira a necessidade da crítica ao ecletismo sem consistência e à imposição cultural. Podemos criticar certa velocidade que retira a possibilidade do tempo da reflexão. Porém, o isolamento e a paralisia diante do tempo não nos fazem mais reflexivos. A reflexão está diretamente vinculada ao alargamento de nossas percepções e compreensões, o que se estende a partir de um mundo aberto ao diálogo com outros mundos culturais. Se nos restringimos a nossas linguagem, ideologia e especialização, tendemos a reduzir nossa compreensão das coisas e, especificamente em relaçãoà nossa formação, passamos a ignorar as possibilidades de aliar nossa especialização e nossas habilidades com outras áreas de saber. Inteligências isoladas e especializações rígidas enfraquecem a criatividade na relação com um mundo dinâmico, diverso e em evolução. 3.2 Das perguntas, da linguagem e do diálogo O ser humano é um ser que questiona, duvida, pergunta, transcende o imediato. Quando paramos de perguntar, de duvidar e de questionar, estamos negligenciando a força que anima o conhecimento em qualquer área. As crianças curiosas e inteligentes perguntam insistentemente sobre aquilo que transcende seus sentidos. Os estudantes inteligentes perguntam a si mesmos sobre o valor do que sabem e do que lhes é ensinado. Não se submetem a respostas prontas, a saberes rotulados como se fossem potes de conserva. O saber só se transforma em conhecimento pela sua contextualização, pela capacidade que temos de interpretar e trazer para a realidade seu valor. Ao perguntar sobre o mundo, o ser humano vai desenvolver signos e palavras (linguagem) que passam a produzir sentido paras coisas. A linguagem é esse momento humano de criação de sentido. Se, por um lado, a linguagem é um exercício de explicação sobre o mundo, por outro ela alimenta o mundo de expressão estética do ser humano, da arte à literatura, da poesia ao canto. Criam-se outros mundos a partir da linguagem; inunda-se o imaginário com beleza e possibilidades, assim como as novas tecnologias ampliam outras estradas da linguagem. Podemos muito! Dialogar é sair de si para falar com o outro. Não é uma relação de duas partes, cada uma falando de si mesma.1 Não dialogamos porque queremos convencer o outro ou porque queremos que o outro nos ensine. Dialogamos na medida em que desejamos alcançar a terceira pessoa. Mais do que chegar a um nós que conjugaria semelhanças entre o eu e o tu, o diálogo aberto estende ambos para além de si mesmos. Dialogar é acolher a diferença como substantivo a ser alcançado. Não é colar na diferença do outro, mas diferenciar-se após o encontro com ele. Se o eu quiser se impor ou se o tu se submeter, não há diálogo. Conceitualmente, o ditado de que um dos dois deve ceder é falso para uma relação consistente. Ele só é necessário em termos de sobrevivência e porque a relação de poder ali é pobre e miserável. Na relação entre dois, a transcendência de ambos é o objetivo verdadeiro. Bachelard2 fala que a relação entre duas pessoas deve sempre conter duas categorias em cada um dos parceiros: o feminino e o masculino. Ambos devem ser receptivos e propositivos. Quem dialoga, sai de si para encontrar-se com outras manifestações vivas e culturais, dá consistência ao seu “código” sensitivo e cognitivo, o que podemos chamar de vínculo espiritual com a existência (inteligência espiritual aqui como a aliança sagrada que se organiza entre os seres e sua transcendência). Não queremos reduzir o viver ao que está dado, como cantam Os Titãs. Desejamos também diversão e arte, o que traduziria neste caso como experiência estética da existência. Não entraria aqui na discussão sobre as experiências dos outros animais em relação aos prazeres existenciais, muito menos tenderia a definir que nossa existência só tem sentido pela ciência ou pela religião. Ciência e religião podem ser expressões e experiências humanas dignificantes (ou não), mas, fixadas em suas verdades e em seus dogmas, afastam-se de seu propósito fundamental que é tornar a vida mais interessante e sagrada pelo diálogo e pela aprendizagem livre e criativa. Destaco que a abertura para o outro nos torna mais sensíveis e inteligentes, ou seja, nos tornamos mais capazes de lidar com as outras pessoas e com as diferenças, desenvolvendo linguagens alter-nativas em nossos encontros e relações. Por isso dizemos que todo saber deve dialogar com outros saberes para que não fique restrito ao seu código de linguagem. As falas de profissionais se tornam vazias quando não são contextualizadas. Esse é o desafio de profissionais que buscam fazer de sua prática um exercício de justiça, de seu saber algo que agregue alternativas aos outros, ao bem comum. Não um profissional que fixa em si mesmo o juízo sobre o que é bom e o que é justo, mas aquele que consegue dialogar com as pessoas, que reconhece a autonomia e a singularidade dos outros e promove a cidadania na maneira de promover o encontro e de contextualizar, com os outros, as práticas. Não são médicos, advogados, engenheiros que decidem o que é bom para os outros, que produzem inteligência coletiva, mas aqueles que conseguem democratizar as informações fazendo as pessoas apropriarem-se de mais saberes e poderem dialogar sobre suas ações, mesmo que seja necessário continuar tensionando suas escolhas. Essa tensão passa a ser saudável na medida em que há uma cooperação dialogal. Michel Serres fala em cabeça mestiça. A história mostrou como, em certas épocas, culturas e povos levaram seu estilo de vida para outros grupos humanos, civilizando-os sem abrir espaço para o diálogo. A proposta atual, diante da globalização, é promover um diálogo transcultural, é tornar-se cidadão do mundo sem perder sua identidade local. Aliás, o local se fortalece na medida em que é capaz de entender como pode ser alternativo diante da história, não necessariamente para resignar-se a ela, mas inclusive para tensioná-la a mudar certos rumos. A globalização pode ser homogeneizante, mas também pode ser o momento em que o direito à diversidade e a desconstrução de valores hegemônicos seja levada a efeito. O nomadismo atual parte da própria rede. Navegamos por outros mares, podemos discutir por fóruns (e chats), que transcendem fronteiras e saberes, com outras culturas. Podemos sair superficiais desses movimentos se os diálogos forem fracos e improdutivos, mas também podemos construir inteligências ampliadas que conseguem conectar outras demandas globais e agilizar alternativas em seu próprio território, desconstruindo-o naquilo que se fizer necessário, não para adequar-se ao capitalismo, mas para aproveitar esse momento global para planetarizar a espécie. 3.3 O desenvolvimento da inteligência coletiva Trabalhos e morais repetitivas, superficiais e pobres estética e eticamente, estão sendo tensionadas, apesar de o mercado ainda vender modismos e agenciar estereótipos comportamentais. As singularidades vividas emergem como dinâmica de um novo tempo antropológico, que Pierre Lévy chama de espaço do saber. Somos desafiados a transcender a geografia do espaço do território,3 fundado predominantemente sobre registros formais e baseado em relações de poder cujos papéis sociais são hierarquizados e convencionalizados, assim como classificamos e loteamos a natureza de forma muito rígida (o peso do Estado). Também devemos transcender a geografia do espaço das mercadorias em que ocorre a desterritorialização absoluta e tudo passa a valer basicamente pelo seu valor monetário (a falta de escrúpulo do capital). O saber ainda é capturado, muitas vezes, pelo Estado ou pelo capital, mas desejamos cada vez mais dar sentido às relações e àquilo que experimentamos, produzimos e consumimos. Isso não significa que essa lógica está aí e que será simples sua ascensão, nem que irremediavelmente levará a uma experiência mais coerente da vida no planeta por parte da espécie humana. Porém, esse tempo está aí pedindo passagem, e cada vez mais a sociedade de indivíduos questiona sobre o que fazer para que o viver seja menos pesado e cansativo e mais belo, criativo e prazeroso. As resistências estarão sempre por aí. Nós mesmos nos pegamos condicionados a certas práticas e representações redutoras. A proposta antropológica aliada a uma visão sistêmica pensa os saberes como ferramentas desenvolvidas para a qualificação da vida (uso coerente dos recursos naturais, compromisso ético e social do desenvolvimento tecnocientífico, atividades artísticas, religiosas, políticase acadêmicas comprometidas com a potencialização das pessoas e das relações). A evolução da espécie humana, assim como destacava Darwin, mais do que uma evolução natural, na qual estamos num ponto de estagnação na medida em que adaptamos a natureza às nossas necessidades, passa a ser uma evolução de consciência de espécie e de comprometimento com a solidariedade humana e terrestre. Os seres humanos têm, dentro de si, adaptações incomparáveis, adaptações novas a serem cultivadas na escola, no trabalho, na vida. Em última análise, a evolução que se prevê para o homem, no futuro, será a evolução de uma consciência coletiva, altruísta e eminentemente ética, como única possibilidade de sobrevivência da espécie; mas, para essa evolução, não poderemos contar com o mecanismo passivo da seleção natural (BRANCO, 1994, p 70). 1 Os orkuts muitas vezes caem nisso quando se expõem ou quando são postadas várias informações e elogios sem que haja o tensionamento dialogal e a conversa que parte dos dilemas da pessoa. Os orkuteiros parecem muito mais buscar responder a uma demanda exterior e a se voltar a elogios exteriores do que desenvolver um diálogo consigo mesmo através da relação com o outro. Essa exterioridade superficial tem pouco a ver com dialogar, ou seja, desenvolver um logos a partir do encontro de duas partes que desejam ir além de si. 2 BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 3 Pierre Lévy, na obra A inteligência coletiva, fala em quatro espaços antropológicos experimentados pela humanidade: o espaço terra (da relação mítica, mística e sagrada de tempos antigos), o espaço do território (das grandes civilizações e as conquistas e expansão de impérios de poder vertical e de registros e classificação dos papéis sociais e seu valor), o espaço das mercadorias (em que se expande o capitalismo e a valorização das mercadorias do ponto de vista monetário) e, por fim, o espaço do saber (que nunca deixou de existir, mas que emerge atualmente de forma singular através da sociedade do conhecimento e da informação e do acesso democrático aos saberes e da possibilidade da liberação de canais de discussão via web). No futuro, cabe a possibilidade de sua disseminação. CAPÍTULO 4 CULTURA, ETNOCENTRISMO E QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS Como seres conscientes de si e dos outros, capazes de tomar uma distância em relação ao tempo e à história, para avaliar fatos passados e pensar e apostar em possibilidades alternativas em relação ao futuro, fomos nos constituindo como seres de linguagem e de cultura. A cultura é aquele mundo em que a natureza passa a ser alterada e adaptada ao homem pelo trabalho, em que desenvolvemos linguagens para nomear e dar sentido ao mundo e qualificar as relações com o outro, em que estéticas de expressão e rituais místicos foram criados para dar sentido à existência, pesquisas científicas ampliam o entendimento do microcosmos e tecnologias de informação colocam o mundo em sua diversidade cada vez mais próximo de cada pessoa. Reconhecendo a cultura como esse processo dinâmico de ação histórica do ser humano, este capítulo propõe a crítica ao que resiste a essa dinâmica cultural e a culturas etnocêntricas, bem como desafia o humano a experimentar e desenvolver uma cultura mestiça como projeto de humanização para um tempo global. 4.1 Determinismo, fatalismo e etnocentrismo Como ser de cultura, o homem transcende o fato imediato. Diferentemente dos outros animais, cujo instinto programado condiciona seu comportamento, o humano revela a capacidade para reelaborar a si mesmo e ao meio no processo evolutivo. Essa capacidade de pensar de forma alternativa seu comportamento na relação consigo, com os outros, com a história, com a cultura e com o mundo transforma o ser humano em um ser de experiência poética e digno para pensar um projeto que dê um sentido de transcendência à existência.1 No entanto, o reconhecimento do humano como ser capaz de produzir-se culturalmente não é regra universalmente aceita. Há vozes e preconceitos que filiam-se a determinismos defendendo que heranças biológicas podem determinar comportamentos humanos, assim como, durante a história, algumas sociedades chegaram a desenvolver teorias em que a natureza geográfica era determinante na tradição comportamental. Determinismos biológicos e geográficos ignoram a capacidade humana de transcender e lidar alternativamente com essas heranças e influências. Sabemos, através de pesquisas, que os seres humanos e diferentes grupos humanos carregam consigo influências geográficas (inclusive histórias de povos que até hoje estão muito ligados a fatores geográficos), assim como heranças genéticas influenciam comportamentos pessoais e grupais. No entanto, elas não são determinantes. A própria cultura desenvolvida pelos grupos é uma resposta que negocia com as influências geográficas e as heranças genéticas. Não nascemos fora do espaço e do corpo, elementos que nos acompanham e desafiam ao diálogo e negociação; porém, essa negociação é criativa e transcende o fato dado. Dizer não aos determinismos é colocar-se ao lado da criatividade humana e da capacidade de potencializar-se e ao mundo num processo de cumplicidade. A crítica a fatalismos deve ser constante. Indivíduos que se vitimizam são fracos culturalmente. Diante dos fatos, o que nos desafia é a aprendizagem, assim como as dores passam a ter sentido pela aprendizagem, o que as torna suportáveis. Diante da morte, talvez o maior desafio a ser pensado pelo humano, na proporção da sua tragicidade, é a vida que lhe diz que há algo maior do que ela. Podemos falar em uma vida aqui ou até em uma vida depois da morte, mas o que dignifica qualquer uma delas é o quanto é divino viver (permitam-me usar essa expressão). A morte é suportável ou de alguma forma transcendida pela vida bem vivida até o seu limite, que nos conduz para além dela, independentemente do sentido que lhe dermos culturalmente diante de um pretenso fatalismo. Rituais religiosos e manifestações de alegria pela vida (arte como resposta ao vazio pleno da vida) são sintomas de saúde. Além do fatalismo, o racismo2 é outra marca de ignorância cultural, de desconhecimento ou incapacidade de perceber que a vida e a história humana são mais ricas na medida em que se tornam capazes de aceitar e acolher o outro, o diferente na produção de possibilidades de ação e de promoção das competências das partes envolvidas. Insisto aqui no exercício de desconstrução de modelos deterministas e redutores, em que as pessoas e os grupos ajuízam os outros a partir de suas representações, geralmente estreitas, e que não dão conta das possibilidades e da complexidade da vida. A vida aprisionada em alguns modelos culturais é empobrecida. A cultura, enquanto desafio ao alargamento de nossa existência, pode se tornar, assim, um miserável registro formal de existência, uma classificação de registro morais superficiais. Etnocentrismo: denominamos etnocentrismo a tendência de valorizar de forma excessiva os valores e referências morais do próprio grupo. Em parte, é natural que pessoas e grupos desenvolvam uma identificação maior com os seus próprios valores e busquem valorizá-los. Cada um de nós, na medida em que desenvolvemos certas reflexões, acreditamos que nossas descobertas e escolhas são mais interessantes. No entanto, com o tempo, se essa visão fixada em escolhas pessoais e em morais do próprio grupo não experimentar a relação dinâmica com o de fora, indivíduos e grupos tendem a carregar o peso de suas referências e ter dificuldade de entender e reconhecer o diferente, e, mais do que isso, tendem a buscar a crítica ao outro a partir de sua referência que deixa de ser questionada e passa a ser a única verdade. Sabemos, historicamente, como grupos e pessoas que passam a desenvolver essa visão etnocêntrica julgam de forma mesquinha os outros e tendem a não aceitar críticas.
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