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ARGUMENTAÇÃO & SISTEMA RETÓRICO Magna Campos Argumentação e Sistema Retórico 2 Argumentação e Sistema Retórico1 Ms. Magna Campos O sistema retórico pode ser definido, em uma versão preliminar, como sendo o sistema discursivo empregado com o intuito de convencer ou de persuadir uma pessoa ou um conjunto de pessoas a respeito de alguma coisa. Aristóteles ([384-322 a.C.], 2005), autor clássico fundamental para o estudo da retórica e do sistema retórico, propõe-no, no livro “Retórica”, como se referindo ao: estudo dos meios de provas persuasivas, não pertencentes somente à lógica formal, que permitem obter ou aumentar a adesão do auditório às teses/ideias que se lhe propõem ao assentimento, pelo orador. Entretanto, cabe ressaltar que o autor, em seus três livros de a “Retórica”, não se preocupa com o mérito daquilo que está sendo dito, mas como o fato de que aquilo que está sendo dito ser ou não eficiente em termos de persuasão. Assim, a retórica além de uma arte é também uma técnica, ou seja, um meio de produzir discursos eficientes em termos de persuasão, e que sejam eficazes quanto a seu intento de conseguir a adesão da audiência em questões dialéticas – que comportam posicionamentos distintos, como no caso dos discursos político e judiciário, por exemplo (CITELLI, 2002). Ainda, pode-se entender que tais questões se assentam sobre raciocínios baseados em verossimilhanças e opiniões, portanto, passíveis de verdade, razoáveis, ao contrário das ciências [exatas] que está baseada na demonstração, na ideia de verdade. Relembrando-se que o “verossímil é, pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica. Daí a necessidade, para se construir o “efeito de verdade”, da existência de argumentos, provas, perorações, exórdios [...]” (CITELLI, 2002, p.14). Decorre daí que a demonstração e as inferências formais são, portanto, corretas ou incorretas, já os argumentos, as razões fornecidas a favor ou contra uma tese têm maior ou menos força e fazem variar a intensidade de adesão do auditório (PERELMAN, 1998). Assim, a argumentação não visa à adesão a uma tese porque ela é exclusivamente verdadeira, “pode- se preferir uma tese à outra por parecer mais equitativa, mais oportuna, mais útil, mais razoável, mais bem adaptada à situação” (PERELMAN, 1998, p.156). A argumentação, como bem propõe Perelman (1998), preocupa-se com o discurso dos valores e não com o discurso do real, e explica que, 1 Boa parte deste fascículo é construído com base no capítulo: O sistema retórico (ethos, pathos e logos): contribuições para a argumentação jurídica, de autoria de Magna Campos e Alan de Matos Jorge, publicados no livro: Letramento acadêmico e argumentação: incursões teóricas e práticas. Disponível em: https://www.academia.edu/18454850/LIVRO_LETRAMENTO_ACAD%C3%8AMICO_E_ARGUMENTA%C3% 87%C3%83O_INCURS%C3%95ES_TE%C3%93RICAS_E_PR%C3%81TICAS Magna Campos de fato, aquilo que se opõe ao verdadeiro só pode ser falso, e o que é verdadeiro ou falso para alguns deve sê-lo para todos: não se tem de escolher entre o verdadeiro e o falso. Mas aquilo que se opõe a um valor não deixa de ser um valor, mesmo que a importância que lhe concedamos, o apego que lhe testemunhemos não impeçam de sacrificá-lo eventualmente para salvaguardar o primeiro. Não garante, aliás, que a hierarquia de valores de um será reconhecida por outro. (PERELMAN, 1998, p. 147) Tal pauta valorativa é o que permite justificar o argumento e o posicionamento assumido pelo auditório, sendo este aquele ou o conjunto daqueles os quais o orador quer influenciar por meio da argumentação. Nesta perspectiva, Aristóteles entendia que a finalidade maior do discurso retórico era o de persuadir. Não se trata de discutir a verdade dos fatos, mas de uma verdade construída para os fatos, a única possível (crer-ser), tratando-se da verossimilhança no discurso que produz efeitos baseados na razão, na emoção e na adesão. Para alcançar tal fim, o orador deveria apresentar provas (písteis) capazes de fazer com que a audiência adira à tese defendida. Principais recursos argumentativos de que se vale o orador para conseguir a adesão do auditório2 No Direito, a valorização dos estudos da retórica renasce contra o pressuposto cartesiano e positivista de que não haveria espaço para outra coisa que não a demonstração, a evidência dos fatos: “Contra fatos não há argumentos”, e com o reconhecimento da dimensão subjetiva da argumentação e do trabalho de linguagem realizado ou necessário para o sucesso da argumentação. A verdade para os fatos versus a verdade dos fatos. No Direito, o objetivo não é convencer ou persuadir a parte contrária, adversária, mas o juiz ou os jurados. Provas/ recursos não técnicos (embora existam independente do orador, precisa-se aprender a usar a seu favor) leis, normas, tratados, documentos, evidências, testemunhas, contratos Provas técnicas (aquelas que o próprio orador inventa ou trabalha para incorporar à sua própria argumentação) ethos, pathos e logos Fonte: http://duvida-metodica.blogspot.com.br/2013/01/ethos-logos-pathos-pizza.html 2 Ao final do fascículo, no ANEXO 04, há um lista de filmes cuja a temática da argumentação pode ser analisada. Argumentação e Sistema Retórico 4 Provas técnicas: ethos, pathos e logos As provas de persuasão (provas técnicas) fornecidas pelo discurso são de três espécies: umas residem no caráter moral/ imagem do orador (ethos); outras, no modo como se dispõe o ouvinte (pathos); e outras, no próprio discurso, pelo que se demonstra ou parece demonstrar (logos) (ARISTÓTELES, Livro I, apud ALEXANDRE JUNIOR, 2005, p. 37; 96). 3 Essas três provas técnicas dividem a argumentação em dois campos: ETHOS PATHOS (Caráter/imagem) (Emoção/ paixão) Subjetividade -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Objetividade LOGOS (Razão, raciocínio lógico) As provas lógicas (logos) podem ser, por exemplo, por meio de induções, deduções e exemplos. As provas éticas (ethos) podem derivar, por exemplo, da credibilidade de que o orador constrói frente ao auditório, com sua argumentação, e as provas patéticas ou patêmicas da possibilidade de o orador trabalhar com a emoção do público, suas reações (pathos). Afinal, preocupar-se com o desenvolvimento e melhoria da competência argumentativa implica entender que “toda argumentação supõe uma escolha que consiste não só da seleção dos elementos que são utilizados, mas também na técnica da apresentação destes” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 136). O ethos e o pathos, assim, comporiam a dimensão subjetiva da persuasão, ao passo, que o logos comporia a dimensão objetiva. ETHOS É a prova retórica associada ao caráter do orador (portanto, ligada à imagem, à performance, à figura daquele que locutor. Relacionada à apresentação de si no e pelo discurso de modo a inspirar confiança, respeito, competência e credibilidade junto ao auditório, para que este possa confiar em seu juízo e aceitar o que se diz (digno de fé). 3 ALEXANDRE JÚNIOR, Manuel. Aristóteles: retórica. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005. 2005. Disponível em: http://www.obrasdearistoteles.net/files/volumes/0000000030.PDF Acesso em: 15 set. 2015. Magna CamposOlivier Reboul, afirma que “sejam quais forem os argumentos lógicos, eles nada obtêm sem a confiança inspirada pelo ethos”. - É preciso, por exemplo, mostrar que se acredita no próprio cliente, na causa – construir uma imagem crível pelo discurso. - O discurso valoriza o caráter ético do orador, o que torna mais provável que o auditório venha a ser “seduzido” pelas ideias/ argumentos do orador como sendo “verdadeiras”. - O orador deixa transparecer uma boa imagem de si mesmo, uma imagem digna de fé, mesmo que isso não seja condizente com a verdade. - “Ao falar, eu me falo”. “Ao dizer, o sujeito se diz”. Bipartições do ethos Ethos Projetivo: aquela imagem que se imagina estar constituindo. Efetivo: a imagem que de fato o auditório está criando. Ethos Prévio: pré-construído, pré-existente ao discurso. Discursivo: construído à medida que se fala. Ethos de Si: imagem voltada par o orador. do Outro: imagem voltada para o outro. ANÁLISE DE CASO JURÍDICO 01:4 Atividade: a) Leia a petição inicial e a sentença dispostos adiante. Após, analise na petição inicial os tipos de ethos que podemos atribuir ao autor-demandante (Antonio Marreiros) e aos acusados (porteiro e edifício). b) Na sentença, verifique o ethos que o juiz da decisão constrói para o autor da ação (Antonio Marreiros) e o acusado-porteiro do edifício. CASO DO JUIZ QUE ENTROU NA JUSTIÇA CONTRA O CONDOMÍNIO EM QUE MORA, POR CAUSA DO TRATAMENTO DE "'VOCÊ" DADO PELO PORTEIRO PETIÇÃO INICIAL: EXMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO GONÇALO -RJ Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, brasileiro, solteiro, Juiz de Direito, titular da 6ª Vara Cível desta Comarca vem, diante de V. Ex.ª, propor Ação para cumprimento de obrigação de fazer (com requerimento de tutela antecipada) e de indenização por danos morais contra condomínio do Edifício Luiza Village e Jeanette Granato, com domicílio na rua XXXX Ingá, Niterói, pelos seguintes motivos: 4 Para quem quiser saber mais a respeito: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/o-dia-em-que-o-stf- negou-pedido-de-um-juiz-que-exigia-ser-chamado-de-doutor.html Argumentação e Sistema Retórico 6 Dos fatos. Omissão dos réus I – o autor reside no edifício do réu cuja síndica é a ré; II – em 26-08-03, a cerca de 20h, numa noite chuvosa, o autor notou infiltrações no teto do segundo andar de seu apartamento. O autor solicitou, pelo interfone, a presença do zelador. Pelo empregado que trabalhava na portaria foi dito ao autor que o zelador não estava porque não mora no Condomínio. O autor solicitou qualquer outra providência e pelo empregado foi dito que nada podia fazer até a chegada da síndica ou do porteiro. Sem outra opção, o autor foi obrigado a pedir auxílio de um profissional de seu conhecimento que, por sorte e mediante remuneração, prestou auxílio ao autor. Após pegarem a chave (com o empregado que estava trabalhando na portaria) e abrirem o cadeado da porta que dá para a laje sobre o segundo andar do apartamento do autor, o profissional e o autor verificaram que o local (pertencente ao réu) estava alagado pela chuva e que o ralo estava entupido por uma cueca velha. Retirada esta, a água escoou. [...] III - meses antes, aquele mesmo empregado, que trabalhava na portaria do réu, interfonou para o apartamento do autor para cobrar-lhe o pagamento de sua cota condominial que sequer estava vencida; IV – após os episódios acima narrados, o autor notou que o referido empregado tratava-o (o autor) com intimidade, chamando-o de “você” e “Antônio”. O autor, então, pediu-lhe para ser tratado como “senhor” ou “doutor”. Por duas vezes, essa solicitação foi feita pelo interfone e esse empregado, após perguntar agressivamente “é só isso?”, desligou o aparelho repentinamente e sem dar atenção ao autor. No dia 14-08-04, num sábado à tarde, o autor foi na portaria do prédio e pediu o livro de reclamações ao referido empregado, bem como a presença do síndico ou do subsíndico. Por ele foi dito que o livro não estava na portaria, pois a “Dona Jeanette” (ré) havia saído e levado o livro consigo. Pelo empregado também foi dito que o subsíndico também não estava, mas que o zelador estava presente. O autor, diante do zelador, perguntou ao empregado porque a síndica era chamada de “Dona Jeanette” e o autor era por ele tratado como “você” e “Antônio”, embora, por mais de uma vez, tenha lhe solicitado o tratamento formal (“senhor” ou “doutor”). O empregado então disse, de maneira agressiva, que não iria chamar o autor de senhor e nem de doutor, muito embora o autor insistisse e deixasse claro que não consentia com aquela intimidade. Após uma discussão sobre se o empregado devia, ou não, tratar o autor como senhor, o empregado virou as costas para o autor e foi embora para o interior do prédio. Durante a discussão, o empregado, apesar dos protestos do autor, continuou a tratar o autor como “você” e “cara”. Ao dar as costas ao autor e se retirar para o interior do prédio, o empregado ficou dizendo de modo debochado: “Fala sério, fala sério...” V – no dia seguinte, o autor escreveu, no livro de reclamações, uma solicitação para que a síndica (ré) orientasse os empregados, que trabalhavam no Condomínio, para darem ao autor (e demais moradores que assim queiram) o tratamento formal que lhe é cabido por direito, pois essa deferência não é devida somente a ela. Sobre essa solicitação, a síndica (a ré) desconversou e escreveu, no livro, ordem para que os empregados do Condomínio tomassem ciência da solicitação e se manifestassem sobre o assunto. Diante da evasiva da ré, o autor reiterou sua solicitação e até o presente não foi atendido por ela (ver cópia do livro de reclamações, anexa). Os réus estão omitindo, dolosamente, o cumprimento de seu dever de orientar os empregados do Condomínio a respeitar os condôminos, cuja manifestação mínima é o tratamento formal. Como consequência, os réus (o réu por intermédio da ré) estão incentivando os empregados do Condomínio a desrespeitar o autor, o que, como visto, vem ocorrendo; VI – não é a primeira vez que a ré usa sua condição de síndica do Condomínio réu como pretexto para agredir o autor. E o óbvio vem ocorrendo e continuará acontecendo enquanto não houver uma decisão judicial que declare o desacerto do comportamento dos réus (especialmente da ré) com uma punição didática; [...] VII – em 07-09-04, no período da tarde, no estacionamento do réu, o pneu dianteiro esquerdo do carro do autor foi furado na lateral (doc. Anexo). O autor registrou o fato no livro do condomínio, ressaltando que menos de dois meses antes, no estacionamento do condomínio, outro pneu de seu veículo foi furado na lateral. Magna Campos Dos danos sofridos pelo autor O autor é condômino do réu e reside naquele local onde espera encontrar refúgio para todos os problemas enfrentados em seu cotidiano. Por outro lado, diante das constantes agressões que os réus insistem em dirigir à pessoa e ao patrimônio do autor, impõe-se o registro de que o autor sempre esteve quite com todas as suas obrigações condominiais, tanto as de ordem econômica quanto as de cunho pessoal, pois jamais tratou a ré, outro condômino ou qualquer empregado do Condomínio com desrespeito, pois vive de maneira discreta, transitando bem pouco pelas partes comuns do edifício, sequer participando de reuniões de condôminos com os quais não mantém nenhum contato, não havendo nenhuma reclamação de quem quer que seja contra o autor ou sua conduta. Não há nenhuma explicação lógica para que as agressões dirigidas contra o autor [...]. E o que causa espécie e é até aterrorizante é que os réus usam, como pretexto para agredir o autor, o fato de este exercer o seu direito,como a propositura de uma ação judicial, a reclamação e solicitação de providências, quanto a danos causados pelo Condomínio ao seu patrimônio (do autor) ou (o que é extremamente espantoso) o direito de ser chamado de senhor ou doutor (e pelos empregados que trabalham no prédio onde o autor reside e cujos salários são pagos com a sua colaboração. Ou seja, o autor está pagando para ser insultado!). Assim, o autor está sendo ofendido em sua dignidade e tranquilidade espiritual. Ressalte-se que o autor é um Juiz de Direito e, como tal é “um homem público cuja respeitoridade é notória” (cópia anexa). E assim como foi dito sobre o Dr. Edgard Machado Massa, na sentença que julgou procedente o seu pedido de indenização contra o Credicard S.A., deve-se levar em consideração, para liquidar o dano, “as condições pessoais do autor, que como homem público, tem sua honra valorada especialmente em relação aos particulares” (cópia anexa). Vê-se que, para o Dr. Edgard Machado Massa, “cidadão comum” é expressão que a ele não se aplica (talvez porque era um magistrado). Do Direito Dispõe o Direito que aquele que, por ação ou omissão culposa (culpa em sentido amplo), causa dano a terceiro, tem o dever de indenizá-lo. E as dolosas omissões dos réus, deixando de impedir os danos causados pelo alagamento da laje do condomínio, sobre o teto do apartamento do autor (bastando manter o local limpo e tomar imediatas providências para verificar e pôr fim ao entupimento do ralo no local), bem como deixando de orientar seus empregados para não fazerem cobranças (indevidas) ao autor e para dar a este o tratamento formal, aliado ao fato de que um deles recusa-se expressamente a fazê-lo, com a alegação de que o autor não o merece, ofendem gravemente a dignidade do autor, tanto subjetiva quanto objetiva, bem como a sua tranquilidade espiritual, sobretudo porque o autor, assim como Dr. Edgard Machado Massa (segundo disse sobre si mesmo), “é um homem público cuja respeitoridade é notória” e “como homem público, tem sua honra valorada especialmente em relação aos particulares”. Do requerimento de tutela antecipada Quanto à obrigação dos réus de orientar os empregados do Condomínio a ter deferência com os condôminos e demais moradores do prédio, dando-lhes, no mínimo, o tratamento formal que solicitem, o “fumus boni iuris” é decorrente do dever do Condomínio e do síndico de fazerem respeitar a hierarquia inerente à relação jurídica trabalhista que, no caso, impõe a subordinação dos empregados do Condomínio aos seus empregadores (os condôminos), sendo o seu descumprimento, inclusive, caso de dispensa do empregado por justa causa (art. 482, h, da CLT). Também deve ser considerado que o autor é um Magistrado e, em razão de sua posição social, “é um homem público cuja respeitoridade é notória” e “como homem público, tem sua honra valorada especial mente em relação aos particulares”, devendo receber o tratamento de acordo com o seu status (“Doutor”, “senhor”). O “periculum in mora” se configura porque, sem a ordem explícita dos réus, para que os empregados do Condomínio respeitem o autor, o empregado que vem insultando-o continuará a fazê- lo. Desse modo, impõe-se o deferimento da tutela antecipada, que ora requer-se, a fim de que V.Exª, liminarmente, digne-se de ordenar aos réus que orientem os empregados que trabalham no Condomínio a dar ao autor, e demais pessoas que vão visitá-lo, o tratamento formal (“Doutor”, “senhor”, “Doutora”, “senhora” etc), sob pena de multa diária de R$ 100,00 pelo descumprimento a partir da intimação. Argumentação e Sistema Retórico 8 Dos pedidos Do exposto, requer a citação dos réus para tomarem ciência desta ação e oferecerem a resposta que tiverem, especialmente contestação, sob pena de se reputarem verdadeiros os fatos narrados na inicial, prosseguindo-se até o final para julgar procedentes os pedidos, confirmar a tutela antecipada requerida e obrigar os réus a orientar os empregados do Condomínio a dar ao autor e suas visitas o tratamento formal (“Doutor”, “senhor”, “Doutora”, “senhora”), sob pena de multa diária, bem como condená-los ao pagamento de indenização por danos morais em valor não inferior a 100 salários mínimos, considerando todos os transtornos causados ao autor pelos réus e seu preposto, bem como que o autor não é um “cidadão comum”, mas “é um homem público cuja respeitoridade é notória” e “como homem público, tem sua honra valorada especialmente em relação aos particulares”, e com o fim de prevenir e reprimir o comportamento dos réus, para que cessem as reiteradas agressões contra a pessoa e o patrimônio do autor. Protesta pela produção prova documental, depoimento pessoal da ré e inquirição de testemunhas. Dá-se à causa o valor de R$ 26. 000,00. Nestes Termos, Pede deferimento. Niterói, 8 de setembro de 2004. Arly Porto Barbosa OAB 28.210 – RJ. S E N T E N Ç A DO CASO DO JUIZ (DOUTOR) PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL. Processo n° 2005.002.003424- 4 S E N T E N Ç A Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "Senhor Doutor". Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele, autor, e suas visitas o tratamento de “Doutor, senhor" e a sua esposa "Doutora, senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos. (...) DECIDO: "O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15). Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente. Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida. Magna Campos "Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa e homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre" são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir. O empregado que se refere ao autorpor "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semiculta", que sequer se importa com isso. Na verdade "você" é variante - contração do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos que apresentam altas frequências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal. Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano Seiscentista", nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro, São Paulo, Record, 1999). Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolinguística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais. Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade. ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO /Juiz de Direito/ Fonte: http://www.conjur.com.br/2005-ago-30/tj_rio_decide_juiz_chamado_doutor 1. O caso não parou aí, pois Antonio Marreiros, inconformado com a decisão de Alexandre Scisinio entrou com Recurso Extraordinário no STF dizendo que o caso diz respeito à Constituição “por envolver os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade”. No dia 22 de abril de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, pôs fim à novela, negando o pedido de Marreiros. Leia a decisão do STF no Anexo 03 deste fascículo. 2. Para saber mais sobre a nomeação de doutor dada ao advogado, leia o Anexo 02 deste fascículo. Argumentação e Sistema Retórico 10 PATHOS Conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o orador deve suscitar no auditório para conseguir a adesão à tese defendida. Fazer com que o auditório se sinta emocionalmente inclinado a aceitar a ideia. Enquanto o ethos constitui um conjunto de parâmetros relacionados com o orador, o pathos é um conjunto de parâmetros relacionados ao auditório com o intuito de despertar os diversos tipos de sentimentos: empatia, solidariedade, angústia, indignação, carinho, medo, calma, misericórdia, asco e compaixão, por exemplo. Cuidado: Ao darmos ao pathos toda ênfase, podemos cair na retórica da manipulação. Pathos e ethos têm papel ainda maior quando a questão em jogo é duvidosa, sem critério de resolução: aí a credibilidade do orador, a confiança no que diz e no cliente, os sentimentos que ele suscita no auditório são cruciais para as decisões. Neste sentido, saber as crenças e valores socialmente compartilhados, para que os ouvintes se engajem e solidarizem emocionalmente como vítimas ou beneficiários no caso em julgo. Tipos de pathos Pathos Projetivo: aquelas emoções, sentimentos que se supõe estarem sendo criadas. Efetivo: as que de fato são criadas no auditório. ANÁLISE DE CASO JURÍDICO 02 Assista ao episódio do seriado Bull indicado, analise e discuta com seu grupo, a questão da importância do Pathos e do Ethos nele abordados. Magna Campos LOGOS É o lugar privilegiado da argumentação lógica, é o meio de prova pelo qual se dá a colocação do problema, suas premissas, as razões ou explicações lógicas ou factuais, para uma determinada situação. Centrado na autoridade dos argumentos selecionados, na disposição dedutiva e indutiva do raciocínio, na apresentação de analogias, exemplos, ilustrações, causas e consequências, dados factuais, dados numéricos que tentam trazer objetividade à tese, na boa estruturação do ponto de vista lógico-argumentativo. (O papel da doutrina e da jurisprudência no Direito, por exemplo) Associado ao convencimento, ao que o discurso busca evidenciar e comprovar. Lembrete: Na argumentação, entende-se por verdade a concordância entre o sentido e a realidade, entre os argumentos e a verificação da existência concreta dos elementos que fornecem sustentação à argumentação. Já a validade, ao contrário, não mede a relação entre o discurso e a realidade, mas apenas o grau de correção, a coerência interna do raciocínio. VERDADE e VALIDADE • VERDADE é uma propriedade das PROPOSIÇÕES. • As PROPOSIÇÕES só podem ser verdadeiras ou falsas. • VALIDADE é uma propriedade dos ARGUMENTOS. • Não é correto dizer que os ARGUMENTOS são verdadeiros ou falsos. • ARGUMENTOS dizem-se válidos ou inválidos. Se a lógica (logos) for mal empregada, gera distorções argumentativas preocupantes, como é o caso dos sofismas: Fonte: http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/10/introducao-logica-aristotelica.html A prova retórica do logos integra a dimensão da objetividade da argumentação e é, sem dúvida, muito valorizada pelo Direito para tentar objetivá-lo, bem como os elementos que parametrizam algumas questões argumentativas típicas da área: Conjunto de critérios para que uma decisão seja considerada Existe uma fonte de respostas (o que diz a lei, a doutrina, a jurisprudência). Um critério de resolução de conflitos (devido Argumentação e Sistema Retórico 12 razoável processo legal). O próprio debate institucionalizado (a ordem em que se fala ou se apresentam os argumentos de defesa e de acusação). Alguns argumentos por logos 1. Argumento de autoridade – esse tipo de argumento ora pode servir como ethos (quem diz é que importa para a construção de credibilidade) ora pode servir de logos (o conteúdo é que importa) ou ser ambos ao mesmo tempo. Exemplo: Redução da maioridade penal O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como à qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O Conselho Regional de Psicologia (CRP) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal, CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país. 2. Argumento de provas concretas (por comprovação): ao empregarmos os argumentos baseados em provas concretas, buscamos evidenciar nossa tese por meio de informações concretas, extraídas da realidade: dados estatísticos, provas, evidências e laudos, testemunhas, evidências... Exemplo: Redução da maioridade penal A redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, é apoiada por 87% dos entrevistados em uma pesquisa feita pelo Datafolha e divulgada nesta segunda-feira (22). Foram ouvidas 2.840 pessoas em 174 municípios do país. A margem de erroé de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Entre os que defendem a redução, 73% acham que ela deveria ser aplicada para qualquer tipo de crime, e 27% para determinados crimes. 11% dos entrevistados se disseram contrários à mudança na legislação; 1% se declarou indiferente e 1% não soube responder. No entanto, se pudessem sugerir outra idade para uma pessoa ir para a cadeia por um crime que cometeu, 11% dos entrevistados disseram que a idade mínima deveria ser de 12 anos; 26% acham que deveria ser de 13 a 15 anos; 48%, de 16 a 17 anos; 12% de 18 a 21 anos e 4% não souberam responder. (Fonte: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/06/reducao-da-maioridade-penal-e-aprovada-por-87-diz-datafolha.html) 3. Argumento de causa / consequência5: para comprovar uma tese, você pode buscar as relações de causa (os motivos, os porquês) e de consequência (os efeitos) entre seus elementos. 5 Quando mal usados, podem se tornar falaciosos também: Tautologia ou Petição de Princípio: (demonstrar uma tese, repetindo-a com palavras diferentes) – acontece quando se utiliza a própria afirmação como causa dela Magna Campos Exemplo: Redução da maioridade penal O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante. A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado. Se reduzida a idade penal, os jovens serão recrutados cada vez mais cedo. 4) Argumento pelo raciocínio lógico: consiste em apresentar conclusões oriundas de proposições/premissas válidas. A criação de relações de dedução ou indução é um recurso utilizado para demonstrar que uma conclusão (afirmada no texto) é necessária, e não fruto de uma interpretação pessoal que pode ser contestada. A conclusão nasce da lógica entre as relações dos elementos que compõem a sentença. Raciocínio Lógico Dedutivo: PM. A lei brasileira pressupõe que toda pessoa que matar alguém, salvo em legítima defesa, deve ser punida. Pm. Ora, José Carlos matou alguém e não foi em legítima defesa. C. Logo, José deve ser punido, conforme previsão legal. Raciocínio Lógico Indutivo: Pm. Há uma Lei Municipal que impede a criação de centros de Umbanda em Itabira. PM. A Constituição Federal afirma que toda lei que limite a liberdade religiosa deve ser considerada inconstitucional. C. Sendo assim, a Lei Municipal de Itabira que impede a criação de centros de Umbanda deve ser considerada inconstitucional. 5) Argumento do exemplo/ilustração: O argumento pelo exemplo busca solidificar uma regra geral com base em vários casos particulares assemelhados. Procede-se, assim, a um raciocínio indutivo, ou seja, partindo-se de casos particulares se extrai uma conclusão aplicável a outros casos. A exemplificação consiste no relato de um pequeno fato (real), de outros elementos que sirvam para exemplificar o pretendido ou ilustra um fato, (hipoteticamente), para servir de apoio à tese. No campo jurídico, o argumento pelo exemplo faz-se presente quando a tese do caso concreto é reforçada pela citação de outras teses iguais ou semelhantes já acolhidas por outros órgãos jurisdicionais. Exemplo: Ex.1: Exemplificação baseada em Fato Real – redução da maioridade penal No Brasil, toda vez que o Estado se depara com uma grave crise política, motivada pela violência, lança-se uma lei para, de forma demagógica, “acalmar” a sociedade. Exemplo mesma. Exemplo: o fumo faz mal á saúde porque prejudica o organismo (prejudicar o organismo é o mesmo que fazer mal à saúde ou em “a ação é injusta porque é condenável e que é condenável porque é injusta”). Tomar como causa, explicação, razão de ser um fato, que, na verdade, não é causa dele – O que veio depois de um fato não é necessariamente efeito do que aconteceu antes dele. Argumentação e Sistema Retórico 14 disso ocorreu com a Lei de Crimes Hediondos, com a Lei da Prisão Temporária, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a Lei de Tortura, com o Estatuto do Idoso, com Estatuto do Desarmamento, e agora vem aí a mais absurda delas: a redução da maioridade penal. 6) Argumento de oposição: o contraditório é uma realidade a ser enfrentada pelo argumentador. Nesse sentido, tentar prever alguns valores ou argumentos a serem utilizados pela outra parte ao longo da busca da solução do conflito pode ser uma estratégia discursiva bastante útil. É justamente por isso que a oposição se mostra um tipo de argumento eficiente. Uso dos conectores: mas, porém, entretanto, contudo, todavia. E também de ainda que, apesar de, embora. Exemplo.6 O motorista atropelou várias pessoas, quando subiu a calçada mas percebeu que além dos feridos, as pessoas do lugar também queriam linchá-lo. Embora seja obrigação do condutor de um veículo socorrer as vítimas de um acidente de trânsito, O motorista que deixou de para socorrer os feridos não praticou omissão de socorro, porque a lei não pode exigir de alguém que ponha sua própria vida ou sua integridade física em risco para socorrer outrem. 7) Argumento de analogia7: Raciocínio fundado na correspondência de uma situação a outra parecida. Analogia, portanto, é o procedimento por mio do qual se pode estabelecer uma relação de semelhança entre coisas diversas. Recorrer à analogia significa fazer uma espécie de comparação entre os termos em questão. A metáfora é um tipo de analogia, por exemplo. Exemplo: O Estado protege de maneira peculiar as mulheres nas relações de trabalho porque há situações específicas em que ela está em desvantagem em relação aos homens. O Estado protege, com maiores garantias, as crianças e os adolescentes porque são mais fracos que os adultos. O Estado protege os consumidores nas relações de consumo porque há situações específicas em que eles estão em desvantagem relativamente às empresas. Dessa forma, por analogia, é papel do Estado proteger também os indígenas, por sua situação de vulnerabilidade social. 6 Retirado de: FETZNER. Néli Luiza Cavalieri (coord.). Lições de argumentação jurídica: da teoria à prática. Rio de Janeiro: Gen/ Forense, 2013, p. 115. 7 Idem. Magna Campos ANÁLISE DE CASO JURÍDICO 03 Atividade: Leia a ação civil pública adiante, localize e nomeie os principais argumentos lógicos (logos) nela apresentados. EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE UBERLÂNDIA – ESTADO DE MINAS GERAIS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, propõe esta ação civil pública contra Daniel .A.S., brasileiro, casado, engenheiro, residente e domiciliado na Rua __, nº __, no Bairro __, nesta cidade de Uberlândia; e, Márcia .C.B, brasileira, casada, empresária, residente no mesmo endereço acima informado, em favor de Nayara .G.S., nascida em 19 de março de 1999, natural desta cidade de Uberlândia. Dos fatos No dia 31 de janeiro de 2008, os requeridos protocolizaram o pedido de adoção de Nayara G.S, tendo alegado, em síntese, o seguinte: (...) já conhecerem a criança no abrigo ‘Missão Esperança’, onde a mesma se encontra, avistando-se com ela há cerca de 6 meses, encontro que se dá semanalmente, surgindo daí a necessidadeda aproximação com o casal, Daniel e Márcia, principalmente pelos laços afetivos já construídos entre eles e a criança. Por sua vez, a menina também tem expressado muita alegria para conviver com o casal Requerente. A guarda provisória foi deferida aos requeridos no dia 1º de fevereiro de 2008. Realizado o Estudo Psicossocial do caso, têm-se as conclusões descritas abaixo: O acompanhamento realizado durante o estágio de convivência da família em tela revelou que, durante a convivência com a criança, o casal se mostrou satisfeito e empenhado no exercício da maternidade e paternidade. Revelaram capacidade de assimilar as orientações ministradas, refletir sobre seus comportamentos e adaptarem-nos na perspectiva do bem-estar à criança e da boa convivência em família. O casal aparenta ser muito responsável, disciplinado, carinhoso e de boa índole. Nayara demonstra sentimentos de pertencimento a esta nova família, percebendo-se como filha dos requerentes. Seus comportamentos revelam bom desenvolvimento, inclusive no que tange ao processo de adoção. Surpreendentemente, porém, na audiência realizada no dia 29 de setembro de 2008, os requeridos simplesmente “devolveram” a criança ao Juízo, não demonstrando qualquer sentimento de pesar em relação a essa ação, tampouco, preocupação com o destino da criança, algo desprezível em uma situação que envolve tamanha expectativa emocional por parte do adotado. Simplesmente, alegaram que pensaram melhor e não queriam mais adotar ninguém! No Relatório Psicológico de Nayara, efetuado após “devolução” da criança, lê-se: Durante os atendimentos, pôde-se perceber que além do sofrimento emocional evidente em relação à decisão de retorno ao abrigo, Nayara demonstra-se perdida e confusa, principalmente no que tange a sua identidade. Refere a si mesma ora como Nayara , ora como Nayarinha (apelido dado pelo casal desde o processo de apadrinhamento). Faz referência ao casal referido ainda como seus pais e aos familiares destes como avós, tios e primos... No Relatório Psicossocial (Circunstanciado), os requeridos nada apresentaram que pudesse justificar, legitimamente, o inesperado desprezo, bem como o abandono material, moral, emocional e psicológico da criança em causa. Afirmaram ainda que pensaram melhor e decidiram comprar apenas um cachorro... Note-se que, segundo outro estudo realizado à parte no Serviço Psicossocial do Juízo (documento anexo), vários distúrbios, ditos carenciais, podem decorrer do abandono afetivo. O estudo acima mencionado destacou que, como resultado da devolução em uma adoção, algumas características comumente observadas se traduzem no seguinte: Argumentação e Sistema Retórico 16 - Sentimento de reafirmação do trauma da separação ou rejeição da mãe biológica. - Bloqueios no desenvolvimento psíquico, físico e cognitivo, tais como dislexia, delinquência juvenil etc. - Características do estresse pós-traumático ou outras síndromes. - Dificuldades nas relações sociais, já que a criança aprende que as relações não são dignas de confiança; que não é merecedora de amor e que dificilmente encontrará outras pessoas que satisfaçam suas necessidades. - Prejuízos na autoestima e no autoconceito. O casal, em nenhum momento, se demonstrou preocupado com as consequências que sua atitude totalmente irresponsável teria para a vida dessa criança, tristemente, envolvida em um cenário tão mesquinho, no qual o casal se equivocou: em lugar de um filho queriam um cachorro! Do Direito A rigor, não se pode perder de vista que o chamado estágio de convivência, previsto no art. 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente, foi instituído em benefício do adotando (criança e adolescente), e não dos adotantes, os quais, então, não podem se utilizar desse pretexto, para “revitimizar” crianças e adolescentes debilitados pelo abandono da família originária. Noutras palavras, vigora aqui o princípio “do melhor interesse da criança” (doutrina da proteção integral), originária da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21/11/1990. De fato, o estágio de convivência serve para a verificação factual ou empírica da adaptação ou não do adotando ao novo lar, não se prestando assim a funcionar como justificativa para a causação de dano irreparável a crianças e adolescentes. Em verdade, o estágio de convivência visa a propiciar que o juiz observe em cada caso, concretamente, as determinações dos arts. 29 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a saber: Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado. Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar- se em motivos legítimos. Portanto, o estágio de convivência tem por escopo justamente essa aferição a ser feita pelo juiz, tendo em vista, sobretudo, o princípio legal “do melhor interesse da criança”. O Código Civil brasileiro – Lei nº 10.406, de 10/01/2002 -, ao tratar dos fatos jurídicos, mais precisamente dos atos ilícitos, prescreve, em seu art. 186, o seguinte: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (grifos nossos). Nesse diapasão, a mesma Lei, no capítulo que cuida da Obrigação de Indenizar, determina que: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Ora, os requeridos agiram, no mínimo, de forma negligente, ao criar a expectativa para a criança de que a mesma seria adotada por eles. Magna Campos A Drª Maria Isabel de Matos Rocha, então Juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude de Campo Grande-MS, Mestra em Direito Civil na Universidade de Coimbra/Portugal, possui um dos mais importantes e profundos estudos realizados sobre o presente tema, sob o título: “CRIANÇAS ‘DEVOLVIDAS’; OS ‘FILHOS DE FATO’ TAMBÉM TÊM DIREITO? Reflexões sobre a ‘adoção à brasileira’, guardas de fato ou de direito mal sucedidas”. Eis, pois, alguns dos mais relevantes ensinamentos apresentados pela referida magistrada e doutrinadora, começando pela pergunta: “O que são crianças ‘devolvidas’?” Temos dado este nome esdrúxulo a crianças que são rejeitadas por uma família, quer seja a sua própria, quer seja a adotiva (por adoção legal ou adoção à brasileira), quer seja o chamado ‘filho de criação’, quer seja a criança que foi acolhida sob guarda (de fato ou de direito). Devolvida? Porque usar esta palavra? Usamos esta palavra porque é a palavra usada pela família insatisfeita que ‘devolve’. E a quem se ‘devolve’ uma criança? Pretendem ‘devolver’ para a Justiça da Infância (mesmo que não tenha sido o Juiz da Infância que tenha lhes ‘entregado’ a criança). (...) se o Juízo da Infância não a acolher, pode ser suportar maus tratos, abusos, humilhações, indiferença, descaso, no seio dessa família. Manter a criança nessa família, à espera do fatal abandono, expulsão de casa, ou tratamento discriminatório, descuidado, negligente, indiferente, humilhante ou até agressivo, violento e hostil, constitui, a meu ver, a mais cruel violação dos direitos humanos... (sic). O Estado é responsável por colocações familiares desastrosas, sem atender o interesse da criança. Também deve assegurar em favor da criança a responsabilização das famílias, pois alimentos ou reparações poderão ajudar a resgatar a autoestima do abandonado ouaté as possibilidade de encaminhamento a uma outra família, subsidiada pelo ex-guardião. Por outro lado, a médio prazo, essa atuação do sistema judicial terá função pedagógica perante a comunidade” (cf. texto anexo. Em www.amc.org.br/novo_site/arquivos/reflexoessobreadocao. Acesso em 12/05/2009). Defendo que existem os pressupostos para o direito a reparação e o primeiro deles é a existência do dano considerável, patrimonial e moral. A criança, revoltada e muito sensibilizada, tem de enfrentar pela segunda (ou terceira, quarta) vez a situação de abandono e rejeição. Segundo o psiquiatra Guido Boaventura, autor de renome sobre a temática, a devolução funciona como uma bomba para a autoestima da criança e é melhor que ela nunca seja adotada a ser adotada e devolvida. ‘As pessoas devem ser mais responsáveis ao adotar. Devolver é quase como fazer um aborto’. Vê-se, assim, que estão presentes todas as condições necessárias para a condenação dos requeridos, a fim de que eles indenizem a vítima (criança) pelo dano material e moral sofrido. Dos pedidos 1) A citação dos requeridos para os termos desta ação, aplicando-se, para tanto, as normas do Código de Processo Civil, por força do disposto no art. 19 da Lei nº 7.347, de 24/07/1985 – Lei da Ação Civil Pública. 2) A condenação dos requeridos na obrigação de indenizar os danos (moral e material) causados à criança Nayara G.S., pleiteando o autor que essa reparação civil (global) seja fixada em 100 (cem) salários mínimos legais, conforme valor vigente à época do efetivo pagamento. 3) A fixação, em sede de liminar, dos alimentos provisórios em favor de tal criança, no importe de 15% (quinze por cento) dos vencimentos líquidos de ambos os requeridos (apenas descontos legais!). Argumentação e Sistema Retórico 18 4) Pede que essa obrigação alimentar perdure, em princípio, até que a alimentária complete a idade de 24 (vinte e quatro) anos, independentemente de a mesma vir a ser colocada em nova família substituta. 5) A condenação dos requeridos no pagamento das custas processuais, porquanto existe entendimento recente no sentido de que a gratuidade prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente beneficia apenas à criança e ao adolescente; por exceção, o referido benefício poderá ser concedido às pessoas consideradas pobres, no sentido legal. Valor da causa (apenas para efeitos fiscais): R$400,00 (quatrocentos reais). Provas: todos os meios admitidos em direitos, especialmente depoimento pessoal dos requeridos, perícia (se necessária) e inquirição de testemunhas cujo rol será apresentado oportunamente. Termos em que pede deferimento. Uberlândia, 15 de maio de 2009. EPAMINONDAS DA COSTA 20º Promotor de Justiça JADIR CIRQUEIRA 14º Promotor de Justiça Magna Campos ANÁLISE DO SISTEMA RETÓRICO Leia os argumentos de defensores e críticos da redução da idade penal publicado pelo G1 8 . Depois analise cada um deles e verifique se a argumentação se dá via a qual ou a quais das três provas argumentativas: ethos, pathos ou logos. Justifique a sua resposta e evidencie quais elementos do texto lhe permitem confirmar a sua resposta em todos os casos. a) FÁBIO JOSÉ BUENO Promotor de Justiça do Departamento da Infância e Juventude de São Paulo "Eu sou favorável à redução da maioridade penal em relação a todos os crimes. Em 1940, o Brasil estipulou a maioridade em 18 anos. Antes disso, já foi de 9 anos, já foi de 14. Naquela época, os menores eram adolescentes abandonados que praticavam pequenos delitos. Não convinha punir esses menores como um adulto. Passaram-se 70 anos e hoje os menores não são mais os abandonados, são verdadeiros bandidos, que alguém precisa disciplinar. O menor infrator, na sua maioria, é o adolescente que vem de família pobre, porém, não miserável. Tem casa, comida, educação, mas vai em busca de bens que deem reconhecimento e status a ele. As medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente não intimidam, favorecendo ainda mais à delinquência juvenil . Eles praticam os atos infracionais, porque não são punidos na medida correta. A pena tem a função de intimidação, que a medida socioeducativa não tem. É importante saber que o crime não compensa, que haverá uma pena, uma punição." (adaptado do Portal G1, em 20/08/2015) PAULO EDUARDO BALSAMÃO Defensor público e coordenador do Núcleo de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal Sou contra. Contraditoriamente, nos dias atuais, em que a humanidade desfruta do maior desenvolvimento científico, pretende-se adotar o retrocesso, argumentando-se principalmente para gerar sensação de impunidade e o medo da violência. Ao invés de atacar a causa, atua-se sobre o efeito. De nada adiantará atacar o efeito da desigualdade social, a decantada delinquência juvenil, por meio da pretendida redução da maioridade penal. O medo de ser pego, o tipo e o tempo de punição não afastam o delinquente do crime, mas sim a prévia frequência à escola, o acesso à cultura, a estrutura familiar, a oportunidade de um trabalho. A tendência é que jovens negros, pobres e moradores das periferias das grandes cidades brasileiras sejam afetados pela redução. No campo jurídico, a redução, ainda que segmentada, não é possível, pois o art. 228 da Constituição (que estabelece a imputabilidade penal aos 18 anos) insere-se no rol de direitos fundamentais, considerados cláusulas pétreas não passíveis de abolição." (adaptado do Portal G1, em 20/08/2015) 8 http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/confira-argumentos-de-defensores-e-criticos-da-reducao-da-idade- penal.html Argumentação e Sistema Retórico 20 Depoimento anônimo publicado na Revista Sociedade Ativa (agosto de 2015) Favorável. A maioria das pessoas já estão cansadas de saber que os delinquentes juvenis são os maiores causadores de roubos e pequenos furtos no nosso país, sendo eles presos e logo soltos para voltar para o crime. Como resultado desse sistema, pessoas passam a ter medo de andar na rua. Muitas são as pessoas que sofrem doenças psicológicas em função do pânico que já passaram na mão desses facínoras, sendo obrigadas a gastar fortunas em tratamentos médicos e psiquiátricos. Muitas são as lojas assaltadas por esses menores que se veem obrigadas a terem que contratarem seguranças e repassar esse investimento para seus consumidores. Logo, toda a nossa sociedade paga caro com a tolerância a esses delinquentes. Os ativistas de direitos humanos sempre fazem de tudo para que os direitos dos bandidos sejam preservados, mas se esquecem de que os próprios alvos de seus esforços são os primeiros a desrespeitar os direitos humanos das pessoas inocentes. Esses bandidos não respeitam o direito de propriedade, tampouco o direito a vida – se bem que os ativistas de direitos humanos também não. Quando um criminoso comete um crime bárbaro, os ativistas de direitos humanos lutam pelos direitos dos criminosos, ao invés de lutar pelo direito de suas vítimas, essas sim, mereciam ter seus direitos humanos defendidos.” RENATO RODOVALHO SCUSSEL - Juiz da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal "Sou contra. O que, a princípio, parece justo pode acarretar injustiça por não se tratar de um critério objetivo. A primeira avaliação da ocorrência ou não do dolo [intenção de cometer o crime] é da autoridade policial. Se a conduta for considerada crime, o jovem poderá ir para a prisão. Com a apuração dos fatos, é possível que o juiz criminal entenda se tratar de ato infracional e não de crime e decline da sua competência ao juiz infantojuvenil. Situações como essa geram insegurança jurídica e trazem consequências graves,até irreversíveis, para a ressocialização do jovem. O ECA acaba de completar 25 anos e talvez seja este o momento de repensar dispositivos a fim de aperfeiçoar e adequar o sistema de atendimento socioeducativo. Aumentar o prazo de internação para atos mais gravosos torna mais claro o processo socioeducativo para o adolescente. Ele compreende que sua liberdade será restringida por mais tempo, porque praticou um ato mais grave." Magna Campos ANEXO 01: Quadro de argumentos estudados e classificação geral ARGUMENTAÇÃO Persuasão Convencimento Ethos Pathos Logos Ad hominem Ad baculum Raciocínio Lógico Ad verecundiam Ad terrorem Causa e consequência Ad novitatem Ad populum Provas concretas Naturalista Ad misericordiam Exemplo Senso comum Analogia Secundum quid Contraste Autoridade (se mais pautado na imagem da autoridade que no conteúdo do texto) Autoridade (se mais pautado no conteúdo do texto que na imagem da autoridade) Argumentação e Sistema Retórico 22 ANEXO 02: Doutor é quem faz Doutorado9 Marco Antonio Ribeiro Tura Revista JusBrasil No momento em que nós do Ministério Público da União nos preparamos para atuar contra diversas instituições de ensino superior por conta do número mínimo de mestres e doutores, eis que surge (das cinzas) a velha arenga de que o formado em Direito é Doutor. A história, que, como boa mentira, muda a todo instante seus elementos, volta à moda. Agora não como resultado de ato de Dona Maria, a Pia, mas como consequência do decreto de D. Pedro I. Fui advogado durante muitos anos antes de ingressar no Ministério Público. Há quase vinte anos sou Professor de Direito. E desde sempre vejo "docentes" e "profissionais" venderem essa balela para os pobres coitados dos alunos. Como coordenador de curso, tive o desprazer de chamar a atenção de (in) docentes que mentiam aos alunos dessa maneira. Eu lhes disse, inclusive, que, em vez de espalharem mentiras ouvidas de outros, melhor seria ensinarem seus alunos a escreverem, mas que essa minha esperança não se concretizaria porque nem mesmo eles sabiam escrever. Pois bem! Naquela época, a história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia "baixado um alvará" pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes Brasileiras. Então, por uma "lógica" das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente, passaram a ser Doutores. Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio. Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia meu jovem aluno: "o senhor é Advogado; pra que fazer Doutorado de novo, professor?"). 1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. Era Louca mesmo! E assim era chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca! 2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. Em 2000, o Senado Federal presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia (mais de quinhentos anos de história normativa). Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis, dona Maria, etc. Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet. 3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o povo fosse simplesmente maledicente. Prestem atenção no que era divulgado: os advogados portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. Advogados e não quaisquer bacharéis. Portugueses e não quaisquer nacionais. Nas Cortes Brasileiras e só! Se você, portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. Se fosse um bacharel (advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você não poderia ser tratado assim. E não seria mesmo. Pois os membros da Magistratura e do Ministério Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito nenhum). Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. E bacharel, por seu turno, é bacharel; e ponto final! 4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há "alvará" como ato normativo. E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. Para piorar: ainda que existisse, com os limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. Na República vale o mérito. E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais). 9 https://por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/1682209/doutor-e-quem-faz-doutorado Magna Campos A coisa foi tão longe à época que fiz questão de provocar meus adversários insistentemente até que a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciou diversas vezes sobre o tema e encerrou o assunto. Agora retorna a historieta com ares de renovação, mas com as velhas mentiras de sempre. Agora o ato é um "decreto". E o "culpado" é Dom Pedro I (IV em Portugal). Mas o enredo é idêntico. E as palavras se aplicam a ele com perfeição. Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?! A Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz com todas as letras: "Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes". Traduzindo o óbvio. A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos trinta. Senhores: _Doutor é apenas quem faz Doutorado. E isso vale também para médicos, dentistas etc. A tradição faz com que nos chamemos de Doutores. Mas isso não torna Doutor nenhum médico, dentista, veterinário e, mui especialmente, advogados. Falo com sossego. Afinal, após o meu mestrado, fui aprovado mais de quatro vezes em concursos no Brasil e na Europa e defendi minha tese de Doutorado em Direito Internacional e Integração Econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Aliás, disse eu: tese de Doutorado! Esse nome não se aplica aos trabalhos de graduação, de especialização e de mestrado. Escrevi mais de trezentos artigos, pareceres (não simples cotas), ensaios e livros. Uma verificação no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pode comprovar o que digo. Tudo devidamente publicado no Brasil, na Dinamarca, na Alemanha, na Itália, na França, Suécia, México. Após anos como Advogado, eleito para o Instituto dos Advogados Brasileiros (poucos são), tendo ocupado comissões como a de Reforma do Poder Judiciário e de Direito Comunitário e após presidir a Associação Americana de Juristas, resolvi ingressar no Ministério Público da União para atuar especialmente junto à proteção dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores públicos e privados e na defesa dos interesses de toda a Sociedade. E assimo fiz: passei em quarto lugar nacional, terceiro lugar para a região Sul/Sudeste e em primeiro lugar no Estado de São Paulo. Após rápida passagem por Campinas, insisti com o Procurador-Geral em Brasília e fiz questão de vir para Mogi das Cruzes. Em nossa Procuradoria, Doutor é só quem tem título acadêmico. Lá está estampado na parede para todos verem. E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, como disse linhas acima, foi a própria Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as decisões seguintes do Tribunal de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008; E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98. Em resumo, dizem as decisões acima: não pode e não deve exigir o tratamento de Doutor ou apresentar-se como tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto. Como eu costumo matar a cobra e matar bem matada, segue endereço oficial na Internet para consulta sobre a Lei Imperial: www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm Argumentação e Sistema Retórico 24 Os profissionais, sejam quais forem, têm de ser respeitados pelo que fazem de bom e não arrogar para si tratamento ao qual não façam jus. Isso vale para todos. Mas para os profissionais do Direito é mais séria a recomendação. Afinal, cumprir a lei e concretizar o Direito é nossa função. Respeitemos a lei e o Direito, portanto; estudemos e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. Mas só então. PROF. DR. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA, 41 anos, jurista. Membro vitalício do Ministério Público da União. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Público e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Visitante da Universidade de São Paulo. Ex-presidente da Associação Americana de Juristas, ex-titular do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de Reforma do Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil. Magna Campos SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGRAVO DE INSTRUMENTO 860.598 RIO DE JANEIRO RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI AGTE.(S) :ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO ADV.(A/S) :ORLINDO ELIAS FILHO E OUTRO(A/S) AGDO.(A/S) :CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE AGDO.(A/S) :JEANETTE QUEIROZ GRANATO ADV.(A/S) :GERALDO LEMOS E OUTRO(A/S) Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto de acórdão cuja ementa segue transcrita: “OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONDÔMINO QUE OBJETIVA TRATAMENTO FORMAL PELOS EMPREGADOS DO PRÉDIO EM QUE RESIDE, DESTACANDO O FATO DE SER HOMEM PÚBLICO, EIS QUE MAGISTRADO. PLEITO INDENIZATÓRIO POR DANOS SUBJETIVOS. SENTENÇA QUE IMPROCEDEU A PRETENSÃO AUTORAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES AO MODIFICATIVO DO JULGADO, MORMENTE POR SE CONSTATAR, DE ANTEMÃO, A INEXISTÊNCIA DO DIREITO. DESPROVIMENTO DO RECURSO” (fl. 22). No RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se violação aos arts. 1º, III, e 5º, V e X da mesma Carta. A pretensão recursal não merece acolhida. Isso porque para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo Tribunal de origem quanto à verificação do nexo de causalidade gerador de danos morais, de modo a ensejar o dever do recorrido de implementar a respectiva indenização, necessário seria o reexame do conjunto fático probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. Nesse sentido: “DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NEGATIVA DE ANEXO 03: Decisão definitiva do caso do juiz que exigia ser chamado de doutor AI 860598 / RJ PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. ANÁLISE DA OCORRÊNCIA DE EVENTUAL AFRONTA AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS INVOCADOS NO APELO EXTREMO DEPENDENTE DA REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA CONSTANTE NO ACÓRDÃO REGIONAL. SÚMULA 279/STF. (...)”(RE 668601-AgR/AC, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1. Análise de matéria infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta. 2. Impossibilidade de reexame de fatos e provas. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (ARE 790.566-AgR/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma). Isso posto, nego seguimento ao recurso (CPC, art. 557, caput). Publique-se. Brasília, 22 de abril de 2014. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI - Relator – Fonte: http://s.conjur.com.br/dl/decisao-recurso-juiz-doutor.pdf Magna Campos ANEXO 04: FILMES INTERESSANTES PARA ARGUMENTAÇÃO Essa lista é livre e elaborada com base em filmes aos quais assisti e analisei em aulas Magna Campos
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