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S e ç ã o 1 Fundamentos Dutton 01a07.indd 11 28/8/2012 15:42:01 Dutton 01a07.indd 12 28/8/2012 15:42:01 Capítulo 1 Anatomia e biomecânica do sistema musculoesquelético Visão geral As estruturas do sistema musculoesquelético envolvidas no movimento huma‑ no incluem nervos, músculos e tendões; as fáscias e os ligamentos que forne‑ cem suporte e estabilidade; e as articulações em torno das quais ocorrem os movimentos. As estruturas neurais são discutidas no Capítulo 2. O sistema musculoesquelético funciona em estreita ligação com o tecido nervoso, produ‑ zindo movimentos coordenados e fornecendo adequada estabilização articular e feedback durante posições e movimentos sustentados. Pérola clínica os componentes básicos do tecido incluem: 1. Colágeno. Fornece força de tensão ao tecido. Foram identificados mais de 20 tipos, sendo mais abundantes os tipos I e II. ossos, ligamentos, tendões, meniscos e pele são todos primariamente de colágeno do tipo I, enquanto a cartilagem articular é composta essencialmente de colágeno do tipo II. 2. elastina. Fornece elasticidade e capacidade de deformação ao tecido. 3. Proteoglicanas. Fornecem propriedades de ligação aos tecidos. 4. Componentes inorgânicos. 5. Matriz extracelular. Formada pela combinação de colágeno, elastina, pro‑ teoglicanas e componentes inorgânicos. Dutton 01a07.indd 13 28/8/2012 15:42:02 14 Mark Dutton Músculos Há cerca de 430 músculos no corpo, e cada um deles pode ser considerado ana‑ tomicamente como um órgão separado. Desses 430 músculos, cerca de 75 pares geram a maior parte dos movimentos e das posturas corporais.1 O músculo (Fig. 1.1) pode ser classificado, funcionalmente, como voluntário ou involuntário e, estruturalmente, como liso, estriado (esquelético) ou cardíaco (Tab. 1.1). 6. Água. 7. Células. No tecido musculoesquelético há três tipos principais de célu‑ las: os blastos (responsáveis pela formação do tecido; p. ex., osteoblastos, fi broblastos), os citos (responsáveis pela manutenção do tecido e pela resposta do tecido ao estresse; p. ex., osteócitos, fibrócitos) e os clastos (responsáveis pela reabsorção do tecido; p. ex., osteoclastos, fibroclas‑ tos). Pérola clínica os músculos lisos e os cardíacos podem contrair ‑se sem estimulação ner‑ vosa, mas a sua contração é influenciada pelo sistema nervoso. os músculos esqueléticos não podem contrair ‑se sem a estimulação dos neurônios. Portanto, em caso de fraqueza, o médico deve incluir uma lesão nos nervos (espinais ou periféricos) no diagnóstico diferencial. Pérola clínica o tecido muscular é responsável pela movimentação de materiais pelo corpo, pelo movimento de uma parte do corpo em relação a outras, pela postura e pela locomoção. Tecido muscular O músculo é o único tecido biológico capaz de gerar tensão de modo ativo. Essa característica permite que o músculo esquelético humano realize as importantes Dutton 01a07.indd 14 28/8/2012 15:42:02 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 15 Figura 1.1 Ilustração da relação entre músculo, tendão, ligamento, fáscia e cartilagem hialina. Fibra muscular Cartilagem hialina Ligamento Tendão Fáscia Músculo Tabela 1.1 Tipos de estrutura muscular Tipo de músculo exemplo Estriado (esquelético) Estendem ‑se entre as articulações e unem ‑se a ossos por meio de tendões Liso Em paredes de órgãos internos ocos Cardíaco Músculo cardíaco funções de manter a postura corporal ereta, movimentar partes do corpo e absorver choques. O músculo esquelético humano possui quatro proprieda‑ des biomecânicas: extensibilidade, elasticidade, irritabilidade e capacidade de desenvolver tensão. • Extensibilidade. É a capacidade de alongar ‑se ou de aumentar o compri‑ mento. Dutton 01a07.indd 15 28/8/2012 15:42:02 16 Mark Dutton • Elasticidade. É a capacidade de voltar ao comprimento de repouso após um alongamento. • Irritabilidade. É a capacidade de responder a estímulos. No caso do músculo esquelético, esse estímulo é fornecido por eletroquímica. • Capacidade de desenvolver tensão. Essa capacidade do músculo esquelético é chamada de contração. A contração pode ou não ser resultado do encur‑ tamento do músculo (veja mais adiante). A classe de tecido chamada músculo esquelético consiste em células ou fibras musculares individuais ligadas por uma membrana de plasma (o sar‑ colema). O sarcolema forma uma barreira física contra o ambiente externo e também faz a mediação de sinais entre o exterior e a célula muscular. A célula muscular isolada é chamada de fibra muscular ou miofibra (Fig. 1.1). As fibras musculares individuais são envolvidas por um envelope de tecido conjuntivo (TC) chamado endomísio. Os feixes de miofibras, que formam um músculo inteiro (fascículo), ficam encerrados no perimísio. O perimísio é uma continuação da fáscia profunda. Os grupos de fascículos são cercados por uma bainha conjuntiva chamada epimísio. Sob microscópio eletrônico, é possível ver que cada uma das miofibras consiste em milhares de miofibrilas, que se estendem ao longo de todo o seu comprimento. Cada uma das miofi‑ brilas contém muitas fibras chamadas miofilamentos, que correm paralelas ao eixo das miofibrilas. Os miofilamentos são compostos de duas proteínas diferentes: a actina (miofilamentos finos) e a miosina (miofilamentos gros‑ sos), que dão às fibras dos músculos esqueléticos a sua aparência estriada (listrada) (Fig. 1.2).2 Pérola clínica o sarcômero é o aparelho contrátil do músculo. ocorrem diferentes graus de contração de um músculo inteiro porque o número de fibras que participam da contração varia. o aumento da força do movimento é alcançado pelo recruta‑ mento de mais células, em uma ação conjunta. As estrias são produzidas pela alternância de faixas escuras (A) e claras (I), que parecem estender ‑se no sentido da largura da fibra muscular. As bandas A são compostas de filamentos de miosina, enquanto as bandas I, de filamentos de actina. Os filamentos de actina da banda I sobrepõem ‑se à banda A, dando às bordas desta última uma aparência mais escura do que a da região central Dutton 01a07.indd 16 28/8/2012 15:42:02 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 17 (banda H), que contém apenas miosina. No centro de cada banda I, há uma linha Z escura e fina. O sarcômero representa a distância entre cada linha Z. Cada fibra muscular é limitada por uma membrana celular chamada sar‑ colema. A proteína distrofina desempenha papel essencial na força mecânica e na estabilidade da sarcolema.3 Há falta de distrofina em pacientes com distro‑ fia muscular de Duchenne. Quando um músculo se contrai de forma isotônica, a distância entre as li‑ nhas Z diminui, a banda I e as bandas H desaparecem, mas a largura da banda A permanece inalterada (Fig. 1.2).4 Esse encurtamento dos sarcômeros não é produzido pelo encurtamento dos filamentos de actina e miosina, mas por um deslizamento dos filamentos de actina sobre os filamentos de miosina, o que empurra as linhas Z, aproximando ‑as. Figura 1.2 (A) Disposição dos filamentos finos (actina) e grossos (miosina) no músculo esquelético. (B) Deslizamento da actina e da miosina durante a contração, de modo que as linhas Z se aproximam. (C) Detalhe da relação da miosina com a actina em um sarcômero, a unidade funcional do músculo. (D) Representação diagramática da disposição da actina, da tropomiosina e da troponina dos filamentos finos em relação ao filamento grosso de miosina. As cabeças globulares da miosina interagem com os filamentos finos para gerar contração. observe que os filamentos grossos revertem a polaridade na linha M, no meio do sarcômero, permitindo a contração. (A e B: em cima, à esquerda e à direita. Reproduzido, com permissão, de Ganong WF.Review of Medical Physiology. 22nd ed. McGraw ‑Hill; 2005.) (C e D: embaixo, à esquerda e à direita. Modificado, com permissão, de Kandel eR, Schwartz JH, Jessell TM (eds). Principles of Neural Science. 4th ed. McGraw ‑Hill; 2000.) Sarcômero Actina C CI I T T Banda A Linha Z Linha Z Linha ZRelaxado Contraído Filamento grosso Filamento fino Linha M Actina Actina ActinaMiosina Miosina Tropomiosina Troponina A C B D Dutton 01a07.indd 17 28/8/2012 15:42:02 18 Mark Dutton Pérola clínica o sarcoplasma é o citoplasma especializado de uma célula muscular que con‑ tém elementos subcelulares usuais, junto com complexo de Golgi; abundantes miofibrilas; retículo endoplasmático modificado, conhecido como retículo sar‑ coplasmático (RS); mioglobina; e mitocôndria. os túbulos transversos (túbulos T) invaginam o sarcolema, permitindo que os impulsos penetrem na célula e ativem o RS. Pérola clínica A tropomiosina e a troponina funcionam como uma chave que dispara a con‑ tração e o relaxamento muscular. No estado relaxado, a tropomiosina bloqueia fisicamente as pontes cruzadas, impedindo que se conectem à actina. Para que ocorra contração, a tropomiosina tem de ser removida. As estruturas chamadas de pontes cruzadas servem para conectar os fila‑ mentos de actina e de miosina. Os filamentos de miosina contêm duas regiões flexíveis, do tipo dobradiça, que permitem a conexão e a desconexão entre as pontes cruzadas e o filamento de actina. Durante a contração, essas pontes se conectam e são submetidas a batidas potentes, que fornecem a força contrátil. Durante o relaxamento, as pontes cruzadas desconectam ‑se. Essas conexão e desconexão são assíncronas, de modo que, quando algumas estão conectadas, outras estão desconectadas. Portanto, a cada momento, algumas pontes cruza‑ das estão esticadas, enquanto outras estão relaxadas. A regulação da conexão e da desconexão das pontes cruzadas acontece em função de duas proteínas encontradas nos filamentos de actina: a tropo‑ miosina e a troponina (Fig. 1.2). A tropomiosina conecta ‑se diretamente ao filamento de actina, enquanto a troponina conecta ‑se à tropomiosina e não diretamente ao filamento de actina. Todas as fibras musculares são inervadas por um neurônio motor somático. O neurônio e as fibras musculares inervadas por ele constituem uma unidade motora ou funcional do músculo. Cada neurônio motor ramifica ‑se quando penetra no músculo a fim de inervar uma série de fibras musculares. Dutton 01a07.indd 18 28/8/2012 15:42:02 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 19 Pérola clínica A área de contato entre o nervo e a fibra muscular é conhecida como placa motora terminal ou junção neuromuscular. A liberação da substância acetilcolina dos terminais dos axônios, nas jun‑ ções neuromusculares, provoca ativação elétrica das fibras do músculo esque‑ lético. Quando um potencial de ação se propaga pelo sistema tubular transver‑ so (túneis membranosos estreitos, que se originam do sarcolema e constituem continuação deste), os sensores de voltagem na membrana tubular transversa sinalizam a liberação de Ca2+ da porção das cisternas terminais do RS (uma série de bolsas e tubos que cercam cada miofibrila).4 Em seguida, o Ca2+ libe‑ rado difunde ‑se pelos sarcômeros e liga ‑se à troponina, deslocando a tropo‑ miosina e permitindo que a actina se ligue às pontes cruzadas da miosina (Fig. 1.3). No final da contração (a atividade neural e os potenciais de ação cessam), o RS acumula ativamente Ca2+ e ocorre o relaxamento muscular. O retorno do Ca2+ ao RS envolve o transporte ativo, exigindo a degradação da adenosina tri‑ Figura 1.3 Início da contração por Ca2+... Quando o Ca2+ liga ‑se à troponina C, a tropo‑ miosina é deslocada lateralmente, expondo o local de ligação da miosina na actina (área escura). então, a cabeça da miosina faz a ligação, o ATP é hidrolisado e a configuração da região da cabeça e do pescoço da miosina muda. Para simplificar, apenas uma das cabeças da miosina ‑II é mostrada aqui. (Reproduzida, com permissão, de Ganong WF. Review of Medical Physiology. 22nd ed. McGraw ‑Hill; 2005.) Miosina Troponina ATP ADP + Pi Ca2+ Ca2+ Ca2+ I IC CT T Actina Cabeça da miosina Tropomiosina Dutton 01a07.indd 19 28/8/2012 15:42:03 20 Mark Dutton A ativação de variadas quantidades de neurônios motores resulta em diferentes graus de força da contração muscular. Quanto mais forte for o im‑ pulso elétrico, mais forte será a contração do músculo. Sempre que um neu‑ rônio motor somático é ativado, todas as fibras musculares inervadas por ele são estimuladas e contraem ‑se com todo ou nenhum encurtamento. Embora as fibras musculares produzam contrações com todo ou nenhum encurtamento, os músculos são capazes de uma ampla variedade de respostas. Terminologia A terminologia usada para descrever os diversos modos de funcionamento dos músculos pareados inclui: • Músculo agonista. Contrai ‑se para produzir o movimento desejado. Os estabilizadores fornecem suporte em uma área de modo que outra área seja movimentada. • Músculo sinergista. Grupos musculares que trabalham em conjunto para produzir o movimento desejado.6 Em essência, os músculos sinergistas podem ser vistos como auxiliares dos agonistas, pois a força gerada pelos sinergistas trabalha na mesma direção daquela dos agonistas. • Músculo antagonista. Opõe ‑se ao movimento desejado. Os antagonistas resis‑ tem ao movimento dos agonistas, relaxando ‑se e alongando ‑se gradual mente para garantir a ocorrência do movimento desejado de modo coordenado e controlado. Pérola clínica o RS forma uma rede em torno das miofibrilas, armazenando e fornecendo o Ca2+ necessário à contração muscular. fosfato (ATP) em adenosina difosfato (ADP).*4 Uma vez que o funcionamento do RS está intimamente associado tanto à contração quanto ao relaxamento, mudanças na sua capacidade de liberar ou sequestrar Ca2+ afetam de forma acentuada tanto o curso temporal quanto a magnitude da liberação de força pela fibra muscular.5 * A energia mais prontamente disponível para as células musculares esqueléticas fica armazenada na forma de ATP e fosfocreatina (veja o Capítulo 4). Por meio da atividade da enzima ATPase, a ATP libera energia prontamente quando a célula o exige, a fim de realizar qualquer tipo de trabalho, seja ele elétrico, químico ou mecânico. Dutton 01a07.indd 20 28/8/2012 15:42:03 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 21 A maioria dos músculos esqueléticos estende ‑se apenas por uma articula‑ ção. Entretanto, alguns deles cruzam duas ou mais articulações (Tab. 1.2). Pérola clínica o músculo biarticulado é mais propenso ao encurtamento adaptativo e, por‑ tanto, a lesões, do que o uniarticulado. Com base nas propriedades contráteis, foram identificados dois tipos principais de fibras musculares esqueléticas: • Tipo I (de contração lenta). As fibras de contração lenta usam oxigênio para gerar combustível (ATP) e prestam ‑se mais a contrações musculares contínuas, que se estendem ao longo do tempo. • Tipo II (de contração rápida). As fibras de contração rápida usam o metabolismo anaeróbico para gerar combustível. São melhores na geração de breves disparos de força ou velocidade do que os músculos lentos. No entanto, entram rapidamente em fadiga. – Tipo IIa (de contração rápida, branca, glicolítica). Essas fibras musculares de contração rápida também são conhecidas como intermediárias. Podem usar tanto o metabolismo aeróbico quanto o anaeróbico quase da mesma forma para a geração de energia. – Tipo IIb (de contração rápida, intermediária). Essas fibras de contração rápida usam o metabolismo anaeróbico para gerar energia e são excelen‑ tes na produçãode disparos rápidos e potentes de velocidade. Esse tipo de fibra apresenta a mais rápida taxa de contração (disparo rápido) de todos os tipos de fibras musculares, mas também tem uma progressão de fadiga mais rápida. Tabela 1.2 exemplos de músculos esqueléticos que cruzam duas ou mais articulações Eretor da espinha Bíceps braquial Cabeça longa do tríceps braquial Os isquiotibiais Os iliopsoas Reto femoral Gastrocnêmio Vários músculos que cruzam as articulações de punhos/dedos e pés/tornozelos Dutton 01a07.indd 21 28/8/2012 15:42:03 22 Mark Dutton Pérola clínica Há grandes variações funcionais na forma e no tamanho dos músculos. o diâ‑ metro, o comprimento e a disposição dos fascículos variam de acordo com cada músculo: feixes finos são usados nos músculos de precisão, enquanto os grossos compõem os músculos de potência. em um músculo penado, os fascí‑ culos formam um ângulo com o tendão. Foram identificadas três disposições comuns: • Unipenado: todas as fibras musculares inserem ‑se no mesmo lado do ten‑ dão. A força resultante é o produto de dois vetores. os exemplos incluem o flexor longo do polegar e o extensor longo dos dedos. • Bipenado: as fibras musculares inserem ‑se dos dois lados do tendão. Um exemplo é o reto femoral. • Multipenado: o tendão ramifica ‑se no interior do músculo penado. Um exemplo é o deltoide. o ângulo de penação é aquele formado entre a direção das fibras musculares e a direção em que o músculo é tracionado. Quando as fibras estão dispostas paralelas ao eixo longo do músculo, não há ângulo de tração. o número de fibras de um volume fixo de músculo aumenta de acordo com o ângulo de penação.7 Os músculos humanos têm uma combinação geneticamente predetermi‑ nada de fibras de tipo lento e rápido; a maioria dos músculos dos membros conta com uma distribuição relativamente equilibrada de cada tipo de fibra muscular, enquanto as costas e o tronco apresentam predominância de fibras de contração lenta. Tabela 1.3 Características dos tipos de fibras musculares Características Tipo I Tipo IIa Tipo IIb Diâmetro Pequeno Médio Grande Capilares Muitos Muitos Poucos Resistência à fadiga Elevada Média Baixa Conteúdo de glicogênio Baixo Médio Elevado Respiração Aeróbia Aeróbia Anaeróbia Velocidade de contração Lenta Rápida Rápida Conteúdo de ATPase miosina Baixo Alto Elevado Dutton 01a07.indd 22 28/8/2012 15:42:03 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 23 Pérola clínica o uso de fibras musculares específicas depende da atividade desejada. embora os dois tipos de fibra produzam, em geral, a mesma quantidade de força por contração, as de contração rápida o fazem com maior velocidade (elas dispa‑ ram mais rapidamente – daí o seu nome). • em atividades que dependem de um tempo limitado para a geração de força, há predominância do recrutamento das fibras de contração rápida. • em atividades que envolvem contrações musculares repetidas e prolonga‑ das, como os eventos de resistência, há maior envolvimento de fibras de contração lenta. O tipo de contração muscular Para que o movimento ocorra, os músculos que o produzem precisam ter uma base estável a partir da qual possam trabalhar. Os músculos desempenham uma série de papéis de acordo com o movimento necessário. A palavra contra‑ ção, usada para descrever a geração de tensão no interior das fibras muscula‑ res, invoca uma imagem de encurtamento das fibras musculares. No entanto, a contração pode produzir tanto encurtamento quanto alongamento do múscu‑ lo – ou, ainda, pode não provocar alteração de seu comprimento. Além disso, a contração muscular produz compressão nas superfícies articulares das arti‑ culações vizinhas. Pérola clínica Por definição, o tecido contrátil é aquele envolvido na contração muscular e passível de ser testado pelo uso de uma contração isolada. os tecidos iner‑ tes são testados sobretudo com movimentos passivos e nos testes de estresse ligamentar. Três tipos de contração são reconhecidas com facilidade: isométrica, con‑ cêntrica e excêntrica. • Contração isométrica. Ocorre quando há tensão produzida no músculo sem nenhuma mudança apreciável no comprimento muscular ou no movimento articular.8 Dutton 01a07.indd 23 28/8/2012 15:42:03 24 Mark Dutton • Contração concêntrica. Produz o encurtamento do músculo. Ocorre quando a tensão gerada pelo músculo agonista é suficiente para vencer uma resistência externa e para movimentar o segmento do corpo de um ponto de fixação na direção do segmento de seu outro ponto de fixação.8 • Contração excêntrica. Ocorre quando o músculo se alonga lentamente, à medida que é submetido a uma força externa maior do que a força contrátil que ele está exercendo.8 Na realidade, o músculo não se alonga de verdade, ele apenas passa da posição de encurtamento para a posição de comprimento normal em repouso. Pérola clínica As contrações musculares excêntricas, capazes de gerar forças maiores do que aquelas provenientes de contrações isométricas ou concêntricas,9, 11 estão envolvidas em atividades que exigem desaceleração. Uma vez que a carga excede a ligação entre os filamentos de actina e miosina durante a contração excêntrica, parte da miosina provavelmente se rompe dos locais de ligação com o filamento de actina, enquanto o restante está completando o ciclo da contra‑ ção.7 A força resultante é substancialmente maior quando há ruptura de uma ponte cruzada do que no ciclo normal da contração muscular. No entanto, as contrações excêntricas consomem menos oxigênio e menos reservas de energia do que as concêntricas com cargas similares. A comparação dos três tipos de ações musculares, em termos de produção de força, segundo a proposta de Elftman, mostra que:12 tensão excêntrica má‑ xima > tensão isométrica máxima > tensão concêntrica máxima. Vale a pena mencionar outras quatro contrações: • Contração isotônica. A tensão no interior do músculo permanece constante à medida que ele se encurta ou se alonga.8 É muito difícil produzir e medir esse estado. Embora o termo isotônico seja usado da mesma maneira para descrever tanto as contrações concêntricas quanto as excêntricas, seu uso nesse contexto é errôneo, pois, na maioria das formas de exercícios, a tensão produzida nos músculos varia segundo o comprimento muscular, de acordo com a formação de pontes cruzadas e com a variação do torque externo.8 • Contração isocinética. Ocorre quando o músculo se contrai de forma máxi‑ ma, na mesma velocidade, em toda a amplitude da sua respectiva alavanca.8 As contrações isocinéticas exigem o uso de equipamentos especiais, que produzem uma resistência de acomodação. Tanto regimes de velocidade alta/ resistência pequena quanto regimes de velocidade baixa/resistência grande resultam em excelentes ganhos de força.13‑16 A desvantagem desse tipo de Dutton 01a07.indd 24 28/8/2012 15:42:03 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 25 exercício é o gasto. Além disso, há potencial para uma carga de impacto e alinhamento incorreto do eixo articular.17 Os exercícios isocinéticos também podem ter transporte funcional questionável por serem realizados em cadeia cinética aberta e por treinarem um único movimento/grupo muscular.18 • Contração econcêntrica. Combina a contração concêntrica controlada e a contração excêntrica simultânea do mesmo músculo, sobre duas articulações separadas.19 Exemplos de contração econcêntrica incluem o exercício de rosca dos isquiotibiais em pé e o agachamento. Nesse exercício de rosca, em pé, os isquiotibiais trabalham concentricamente para flexionar o joelho, enquanto o quadril tende a se flexionar excentricamente, alongando os isquiotibiais. No agachamento, quando o indivíduo se ergue, os isquiotibiais trabalham concentricamente, à medida queo quadril se estende, e excentricamente, à medida que o joelho se estende. Ao contrário, o reto femoral trabalha excen‑ tricamente, à medida que o quadril se estende, e concentricamente, à medida que o joelho se estende. • Contração isolítica. Esse termo é usado em círculos osteopáticos para descre‑ ver um tipo de contração isotônica excêntrica, em que se usa força maior do que aquela que o paciente consegue vencer. Esse tipo de contração é usado com técnicas de energia muscular para alongar tecidos fibróticos. Pérola clínica De acordo com Cyriax, a presença de dor na contração indica, em geral, lesão no músculo ou na estrutura capsular (veja o Capítulo 3).20 Recrutamento das unidades motoras1 A força e a velocidade da contração muscular baseiam ‑se nas exigências da atividade e dependem da capacidade do sistema nervoso central de controlar o recrutamento das unidades motoras. Pérola clínica As unidades motoras com fibras de contração lenta possuem limiares baixos e são ativadas de modo relativamente mais fácil do que aquelas que possuem fibras de contração rápida (Tab. 1.3). Consequentemente, as fibras de contra‑ ção lenta são recrutadas primeiro, inclusive quando o movimento resultante do membro é rápido.21 Dutton 01a07.indd 25 28/8/2012 15:42:03 26 Mark Dutton Pérola clínica À medida que aumentam as exigências de força e de velocidade e/ou a duração da atividade, as unidades motoras com limiares mais altos são recrutadas. o tipo IIa é recrutado antes do tipo IIb.22 Pérola clínica Foi sugerido que a lesão aumenta o AeM e, portanto, a suscetibilidade a lesões.24 Um dos propósitos da reeducação neuromuscular é fazer o nível do AeM voltar ao normal.25 Atraso eletromecânico Logo após a estimulação de um músculo, decorre um breve período antes do início do desenvolvimento de tensão. Esse período é chamado de atraso ele‑ tromecânico (AEM). A duração do AEM varia consideravelmente de acordo com o músculo. As fibras de contração rápida possuem períodos de AEM mais curtos quando comparadas com as de contração lenta.23 Osso A função do osso é fornecer suporte, aumentar a alavanca, proteger estruturas vitais, fornecer inserções tanto para tendões quanto para ligamentos e arma‑ zenar minerais, sobretudo o cálcio. Os ossos também podem ser úteis como ponto de referência na fase de palpação durante a avaliação. Tendões Os tendões (Fig. 1.1) são estruturas semelhantes a cordas, que servem para ligar músculos aos ossos e transmitir a estes forças geradas pelos músculos, a fim de promover os movimentos ou a estabilidade do corpo no espaço.26 A espessura de cada tendão varia e é proporcional ao tamanho do músculo do qual ele se origina. Dutton 01a07.indd 26 28/8/2012 15:42:03 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 27 Ligamentos Os ligamentos (Fig. 1.1) são estruturas de TC densamente compactadas, que consistem, em grande parte, em colágeno de direção orientada e com força de tensão elevada. Os ligamentos contribuem para a estabilidade do funcionamento articular, prevenindo movimentos excessivos, agindo como orientadores da direção do movimento e fornecendo informações propriocep‑ tivas para o funcionamento articular (Tabs. 1.4 e 1.5). Uma vez que funcionam como cabos de sustentação em um ambiente de forças de tensão elevada, os li‑ gamentos têm de ser relativamente não extensíveis, a fim de minimizar a perda de transmissão de energia. Fáscia A fáscia (ver Fig. 1.1) é vista como um TC que fornece suporte e proteção à articulação e atua como uma interconexão entre tendões, aponeuroses, liga‑ mentos, cápsulas, nervos e os componentes intrínsecos do músculo. Tecido cartilaginoso O desenvolvimento do osso é, com frequência, precedido pela formação de tecido cartilaginoso. Há três tipos desse tecido: hialino (Fig. 1.1), elástico e fibrocartilagem. Pérola clínica Alguns tendões são particularmente vulneráveis a lesões por esforço repetitivo. Por exemplo, os que envolvem uma superfície convexa ou o ápice de uma concavidade, os que cruzam duas articulações, os que possuem áreas de supri‑ mento vascular escasso e aqueles submetidos a tensões repetitivas. Pérola clínica o termo tendinite implica inflamação, enquanto a tendinose resulta de um processo degenerativo. Dutton 01a07.indd 27 28/8/2012 15:42:03 28 Mark Dutton Articulações As articulações (Fig. 1.1) são regiões ósseas encapadas e cercadas de TC, que mantêm os ossos juntos e determinam o tipo e o grau do movimento entre eles. As articulações podem ser classificadas em diartroses, que permitem um movi‑ mento ósseo livre, e sinartroses, em que ocorrem movimentos muito limitados ou nenhum movimento (Tab. 1.6). Tabela 1.4 Principais ligamentos do quadrante superior Articulação Ligamento Função Complexo Coracoclavicular Fixa a clavícula no processo coracoide do ombro Costoclavicular Fixa a clavícula na cartilagem costal da primeira costela Glenoumeral Coracoumeral Reforça a porção superior da cápsula articular Glenoumeral (“Z”) Reforça os aspectos anterior e inferior da cápsula articular Coracoacromial Protege o aspecto superior da articulação Cotovelo Anular Mantém a relação entre a cabeça do rádio e o úmero e a ulna Ulnar colateral Fornece estabilidade contra o estresse em (medial) valgo (medial), em particular na amplitude de 20 a 130º de flexão e extensão Radial colateral Fornece estabilidade contra o estresse em varo (lateral) (lateral) e tem a função de manter as articulações umeroulnar e umerorradial na posição reduzida, quando o cotovelo recebe uma carga em supinação Punho Palmar extrínseco Proporciona a maior parte da estabilidade do punho Intrínseco Serve de restrição à rotação, unindo a fileira carpal proximal como uma unidade de estabilidade rotacional Interósseo conecta os ossos carpais Dedos Anterior (palmar) e Previne deslocamento das articulações interfalângico interfalângicas colateral Pérola clínica Para os propósitos do exame ortopédico, Cyriax subdividiu os tecidos musculo‑ esqueléticos naqueles considerados “contráteis” e nos considerados “inertes” (não contráteis) (consulte o Capítulo 3).20 Dutton 01a07.indd 28 28/8/2012 15:42:03 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 29 Tabela 1.5 Principais ligamentos do quadrante inferior Articulação Ligamento Função Espinal Ligamento Funciona como um auxiliar secundário na limitação da longitudinal translação anterior e separação anterior do corpo anterior vertebral Ligamento Opõe ‑se à distração do corpo vertebral longitudinal Opõe ‑se ao cisalhamento posterior do corpo vertebral posterior Atua limitando a flexão em uma série de segmentos Fornece alguma proteção contra protrusões dos discos intervertebrais Ligamento Opõe ‑se à separação da lâmina durante a flexão amarelo Interespinal Opõe ‑se à separação dos processos espinais durante a flexão Iliolombar Opõe ‑se a flexão, extensão, rotação axial e inclinação (lombar inferior) lateral da vértebra LV sobre a SI. Sacroilíaca Sacroespinal Gera um maior forame isquiático Opõe ‑se à inclinação do sacro para a frente, sobre o osso do quadril, durante a sustentação do peso pela coluna vertebral Sacrotuberal Gera um menor forame isquiático Opõe ‑se à inclinação do sacro para a frente, na articulação do quadril, durante a sustentação do peso pela coluna vertebral Interósseo Opõe ‑se ao movimento anterior e inferior do sacro Sacroilíaco Opõe ‑se à inclinação do sacro para trás, sobre o osso do dorsal (longo) quadril, durante a sustentação do peso pela coluna vertebral Quadril Ligamento redondo Transporta vasos de nutrientes à cabeça femoral Iliofemoral Limita a extensão, a rotação externae a adução do quadril Isquiofemoral Limita o deslocamento anterior da cabeça femoral Pubofemoral Limita a extensão e a abdução do quadril Joelho Colateral medial Estabiliza o aspecto medial da articulação tibiofemoral contra o estresse valgo Colateral lateral Estabiliza o aspecto lateral da articulação tibiofemoral contra o estresse varo Cruzado anterior Resiste à translação anterior da tíbia e posterior do fêmur Cruzado posterior Resiste à translação posterior da tíbia e anterior do fêmur Tornozelo Colateral medial Propicia estabilidade entre o maléolo medial, o navicular, (deltoide) o tálus e o calcâneo, contra eversão Lateral colateral Estabilizadores estáticos do tornozelo lateral, especialmente contra inversão Pé Plantar longo Propicia suporte plantar indireto à articulação calcaneocuboide, limitando o grau de achatamento do arco longitudinal lateral do pé Bifurcado Suporta os aspectos medial e lateral do pé no momento de sustentação do peso na posição plantar flexionada Calcaneocuboide Propicia suporte plantar à articulação calcaneocuboide e é possível que ajude na limitação do achatamento do arco longitudinal lateral Dutton 01a07.indd 29 28/8/2012 15:42:03 30 Mark Dutton Diartrose (sinovial) É a articulação sinovial que contém pelo menos um “par combinado” de su‑ perfícies articulares: uma convexa e outra côncava. Quando há apenas um par, a articulação é chamada simples; quando há mais de um par, composta; quando está presente um disco, complexa. As articulações sinoviais possuem cinco aspectos distintos: a cavidade articular, a cartilagem articular, o líquido sinovial, a membrana sinovial e a cápsula fibrosa. São reconhecidos quatro tipos de articulação sinovial: 1. Não axial – Essas articulações não têm planos de movimento nem eixos primários e permitem apenas movimentos de deslizamento ou rolagem. Os exemplos incluem as articulações carpais. 2. Articulação uniaxial – Essas articulações permitem movimentos em torno de um único eixo e em um único plano do corpo. São reconhecidos dois tipos: a) De dobradiça (gínglimo) – a articulação do cotovelo. b) De pivô (trocoide) – articulação atlantoaxial. 3. Articulação biaxial – Essas articulações permitem movimentos nos dois planos e em torno dos dois eixos, com base nas superfícies convexa/côn‑ cava. São reconhecidos dois tipos: a) Condiloide – um osso pode se articular com outro por uma superfície ou por duas, mas nunca por mais de duas. Quando estão presentes duas superfícies distintas, a articulação é chamada condilar ou bicondilar. Exemplo: articulação metacarpofalângica do dedo da mão. b) Selar – se for tomada a seção de uma superfície em forma de sela em um plano, será possível ver que a superfície articular é convexa e que a curvatura da articulação no plano oposto é côncava. Exemplo: arti‑ culação carpometacarpal do polegar. Tabela 1.6 Tipos de articulações Tipo Características exemplos Diartrose Cápsula articular fibroelástica Articulações do quadril, do preenchida por uma substância joelho, do ombro e do lubrificante chamada líquido sinovial cotovelo Sinartrose Sinostose Unida por tecido ósseo Suturas e gonfoses Sincondrose Ligadas por cartilagem hialina ou Placas epifisárias dos ossos em fibrocartilagem crescimento e articulações entre a primeira costela e o esterno Sindesmose Ligadas por membrana interóssea Sínfise púbica Dutton 01a07.indd 30 28/8/2012 15:42:03 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 31 4. Articulação multiaxial – Essas articulações permitem movimentos em três planos e em torno de três eixos. São reconhecidos dois subtipos: a) Plano (deslizamento) – articulações carpais. b) Bola e soquete – articulação do quadril. Sinartrose (Fibrosa) Há três tipos principais de sinartroses, com base no tipo de tecido que une as superfícies ósseas (Tab. 1.6).27 Líquido sinovial A cartilagem articular está sujeita a uma enorme variação de condições de car‑ ga, e faz ‑se necessária a lubrificação articular por meio do líquido sinovial para minimizar a resistência de fricção entre as superfícies de sustentação do peso. Felizmente, as articulações sinoviais são dotadas de um sistema de lubrificação de alta qualidade, que permite a interação com notável ausência de fricção nas superfícies articulares. Bolsas Estreitamente associadas com algumas articulações sinoviais, encontram ‑se estruturas achatadas, parecidas com sacos, chamadas de bolsas, as quais são revestidas por uma membrana sinovial e preenchidas com líquido sinovial. A bolsa produz pequenas quantidades de líquido, permitindo movimentos suaves, quase sem fricção, entre músculos, tendões, ossos, ligamentos e pele contíguos. Mecanorreceptores Todas as articulações sinoviais do corpo são dotadas de uma rede de termina‑ ções receptoras corpusculares (mecanorreceptores) e não corpusculares (no‑ ciceptores), inseridas em estruturas articulares, musculares e cutâneas, com variáveis, comportamentos e distribuições característicos, dependendo do teci‑ do articular. Freeman e Wyke categorizaram os mecanorreceptores em quatro tipos diferentes (Tab. 1.7).28, 29 Os mecanorreceptores articulares (tipos I, II e III) são estimulados por forças mecânicas (alongamento, relaxamento e compressão do tecido mole e tensão do líquido) e mediam a propriocepção.28, 30, 31 A variedade de tipo IV é um nociceptor.31 Outros receptores encontrados na articulação incluem proprioceptores. A propriocepção é considerada uma variação especializada da modalidade Dutton 01a07.indd 31 28/8/2012 15:42:03 32 Mark Dutton sensorial do toque, que desempenha papel importante na atividade de coor‑ denação muscular e envolve a integração do input sensorial relativo à posi‑ ção articular estática (sensibilidade à posição da articulação), ao movimento articular (sensibilidade cinestésica), à velocidade do movimento e à força da contração muscular, a partir da pele, dos músculos e das articulações.32,33 A propriocepção pode ser tanto consciente, como ocorre no posicionamento preciso de um membro, quanto inconsciente, como ocorre na modulação da função muscular.33, 34 Pérola clínica o fuso muscular (Quadro 1.1) funciona como um receptor de alongamento, que detecta mudanças no comprimento muscular. o órgão tendíneo de Golgi (oTG) (Quadro 1.2) funciona como um monitor do grau de tensão no interior do músculo e do tendão. Lesão no tecido Com exceção do tecido ósseo, todos os outros tecidos do corpo podem ser chamados de tecido mole. As lesões no tecido mole podem ser classificadas como primárias ou secundárias: • As lesões primárias podem ser causadas pelo próprio indivíduo, por terceiros ou pelo ambiente. Elas são subclassificadas em agudas, crônicas e agudizações da lesão crônica. a) Agudas. As lesões agudas ocorrem como resultado de súbita sobrecarga sobre os tecidos musculoesqueléticos (macrotrauma); por exemplo, fratu‑ ras, luxações, subluxações, entorses (lesão aguda no ligamento), distensões (lesão no músculo) e contusões (compressão excessiva dos tecidos moles, com resultante rompimento das fibras musculares e sangramento).35 b) Crônicas. As lesões crônicas, ou por esforço repetitivo, ocorrem como resultado de uma sobrecarga repetitiva acumulativa (excesso de uso), mecânica incorreta e/ou resistência de fricção (microtrauma). Essas lesões microtraumáticas incluem tendinite, tenossinovite, bursite e sinovite. c) Agudizações da lesão crônica. Esse tipo de lesão apresenta ‑se como a rup‑ tura súbita de um tecido previamente danificado e pode ocorrer quando a carga aplicada ao tecido é grande demais para o nível de reparo ou remodelagem tecidual. Dutton 01a07.indd 32 28/8/2012 15:42:04 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta33 Tabela 1.7 Tipos de mecanorreceptores Tipo Localização Função I – Pequenas terminações Cápsula articular Importantes na sinalização da posição de Ruffini. Receptores de e ligamentos articular real ou de mudanças nas estiramento de adaptação posições articulares lenta e limiar baixo Contribuem na regulação reflexa do tônus postural, na coordenação da atividade muscular e na consciência de percepção da posição articular Quando há aumento na tensão da cápsula articular por causa de um movimento ativo ou passivo, da postura ou da mobilização ou manipulação, esses receptores disparam com frequência mais alta II – Corpúsculos de Pacinian. Tecido adiposo, Propiciam o senso de movimentação Receptores de adaptação ligamentos articular e regulam a atividade da rápida e limiar baixo cruzados, anel unidade motora dos motores fibroso, ligamentos primários da articulação e cápsula fibrosa Os receptores do tipo II ficam inteiramente inativos nas articulações imóveis e tornam ‑se ativos, por breves períodos, no início do movimento e durante mudanças rápidas de tensão Os receptores do tipo II disparam durante o movimento ativo ou passivo de uma articulação ou no momento da aplicação de tração III – Ruffini grande. Ligamentos e Detecta grandes quantidades de Receptores de adaptação cápsula fibrosa tensão lenta e limiar alto Esses receptores só se tornam ativos em extremos de movimento ou quando técnicas manuais fortes são aplicadas à articulação IV – Nociceptores. Inativos em circunstâncias normais, Terminações nervosas livres tornam ‑se ativos na presença de de adaptação lenta e tensão marcada ou de deformação limiar alto mecânica Ficam ativos também em resposta a irritações mecânicas ou químicas diretas • As lesões secundárias são, em essência, uma resposta inflamatória que acompanha uma lesão primária.36 Dutton 01a07.indd 33 28/8/2012 15:42:04 34 Mark Dutton Quadro 1.1 o fuso muscular o fuso muscular No interior de cada fuso muscular, há de 2 a 12 fibras musculares esqueléticas longas, finas e especializadas, chamadas fibras intrafusais, cujos corpos celu‑ lares repousam nos glânglios da raiz dorsal ou nos gânglios sensoriais do nervo craniano (consulte o Capítulo 2). A porção central da fibra intrafusal é privada de actina ou miosina, sendo, portanto, incapaz de se contrair; apenas as fibras intrafusais são capazes de aplicar a tensão ao fuso. Quando o fuso muscular é estimulado por um alongamento rápido, seus receptores polarizam ‑se, e uma rajada de impulsos faz a sinapse com os neurô‑ nios motores α, que inervam as fibras extrafusais do músculo alongado, e com os músculos sinergistas. o mesmo aferente fornece um impulso inibidor aos músculos antagonistas, por meio de interneurônios, de modo que, enquanto o agonista se contrai, o antagonista relaxa no processo de inibição recíproca. Isso tem o efeito de produzir a contração e o relaxamento suave do músculo e de eliminar qualquer movimento brusco sob circunstâncias normais. o disparo das fibras com neurônios motores α é influenciado pelo grau de alongamento; quanto maior e mais rápido o estímulo, maior o efeito das fibras extrafusais associadas. Lesão muscular Os três tipos mais comuns de lesão muscular incluem a distensão (excesso de alongamento do tecido muscular), a contusão (trauma direto ou força com‑ pressiva no tecido muscular) e laceração (rompimento da continuidade do músculo). Lesões pequenas são reparadas com tecido muscular; as grandes, com tecido cicatricial (veja Processo de cicatrização do tecido). Lesão no tendão A forma mais comum de lesão no tendão é aquela por esforço repetitivo, resul‑ tante do estresse do movimento repetitivo ou de uma sobrecarga repetitiva em um grau que excede a capacidade de reparação do tecido. Vários termos são usados para classificar as lesões nos tendões, incluindo: • Distensão. Definida como uma lesão na unidade musculotendinosa a partir de uma contração ou alongamento abrupto. • Tendinite. Definida como uma lesão no tendão acompanhada de inflamação. • Tendinose. Definida como uma lesão no tendão associada à formação de uma matriz extracelular. • Ruptura. Definida como uma falha completa do tendão. Dutton 01a07.indd 34 28/8/2012 15:42:04 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 35 Quadro 1.2 Órgãos tendíneos de Golgi Órgãos tendíneos de golgi os oTGs atuam para proteger as ligações musculares contra distensões ou avulsões, usando a sinapse inibidora pós ‑sináptica do músculo em que está localizado. os receptores do oTG estão dispostos em série em relação às fibras musculares extrafusais e, portanto, tornam ‑se ativos com o alongamento. os sinais do oTG podem ir tanto para áreas locais, no interior da medula espinal, quanto pelos tratos espinocerebelares do cerebelo. os sinais locais resultam em excitação dos interneurônios, que, por sua vez, inibem os neurônios motores α anteriores do próprio músculo do oTG e do sinergista enquanto facilitam o trabalho dos anta‑ gonistas. Teorizou ‑se que isso previne o excesso de contração ou alongamento do músculo. Lesão no ligamento O mecanismo mais comum da lesão no ligamento é o seu alongamento excessivo, resultante da movimentação da articulação associada com uma am‑ plitude de movimento excessiva. As lesões no ligamento podem ser classifica‑ das em três graus: • Grau I. Envolve a distensão do ligamento, mas sem dano às fibras. • Grau II. Envolve a distensão do ligamento e a ruptura de algumas fibras. • Grau III. Envolve o rompimento quase total do ligamento. Processo de cicatrização do tecido As estruturas musculoesqueléticas lesionadas com mais frequência em pacien‑ tes que buscam reabilitação ortopédica incluem músculos, tendões, ligamen‑ tos, ossos, cartilagens e nervos. Pérola clínica o processo de cicatrização envolve três fases e várias subfases: • Fase 1. Inflamatória. Inclui duas subfases: vascular e celular. • Fase 2. Reparadora (proliferativa, fibroplástica, regenerativa). • Fase 3. Remodelagem. Inclui duas subfases: consolidação e maturação. Dutton 01a07.indd 35 28/8/2012 15:42:04 36 Mark Dutton Uma série de fatores podem ter impacto sobre a cicatrização, incluindo: • Fatores locais: – grau do dano tecidual – tipo e tamanho do ferimento – tipo de tecido envolvido – presença de edema – presença de infecção – suprimento sanguíneo ao local lesionado – quantidade de estresse aplicado ao tecido – grau de estabilização do ferimento • Fatores sistêmicos – idade – comorbidades – estado nutricional – obesidade • Fatores extrínsecos – medicamentos – temperatura – umidade Fases do processo de cicatrização do tecido • Inflamação (fase 1). A fase de inflamação caracteriza ‑se pela remoção de todos os fragmentos estranhos e de tecido morto (subfase celular), pelo aumento da permeabilidade vascular e pela promoção da atividade fibroblástica.37 Esse processo é mediado por substâncias quimiotáticas, incluindo as anafi‑ latoxinas. As anafilatoxinas servem para atrair neutrófilos e monócitos: – Neutrófilos. São glóbulos brancos do subgrupo dos leucócitos polimor‑ fonucleares (PMN) (formado também pelos eosinófilos e basófilos), preenchidos com grânulos de substâncias tóxicas (fagócitos), que dão a eles condições de se ligar a microrganismos, internalizá ‑los e matá ‑los. – Monócitos. São glóbulos brancos do subgrupo dos leucócitos mononu‑ cleares (formado também pelos linfócitos). Os monócitos migram para os tecidos e desenvolvem ‑se em macrófagos, fornecendo defesas imuno‑ lógicas contra muitos organismos infecciosos. Os macrófagos servem para orquestrar uma resposta de “longo prazo” a células lesionadas, subsequentesa uma resposta aguda. Dutton 01a07.indd 36 28/8/2012 15:42:04 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 37 A extensão e a gravidade da resposta inflamatória depende do tamanho e do tipo da lesão, do tecido envolvido e da vascularidade desse tecido.38‑42 A vasodilatação local é promovida por produtos biologicamente ativos dos sistemas complementar, de quinina e de coagulação:43 • O sistema complementar envolve 20 ou mais proteínas que circulam pelo sangue na forma inativa.43 Após uma lesão no tecido, a ativação do sistema complementar em cascata produz a liberação de histamina das células dos matócitos, o que, por sua vez, aumenta a permeabilidade vascular. • O sistema da quinina é responsável pela transformação da enzima calicreína inativa, presente tanto no sangue quanto no tecido, em sua forma ativa, a bradicinina. A bradicinina também contribui para a produção de exsudato do tecido por meio da promoção da vasodilatação e do aumento da perme‑ abilidade da parede dos vasos.44 • O sistema de coagulação destina ‑se a estancar a perda de sangue dos tecidos lesionados. Pérola clínica o estágio inflamatório da cicatrização é caracterizado por edema, rubor, calor e deficiência ou perda da função. o edema é devido a um aumento na permeabil‑ idade das vênulas, das proteínas plasmáticas e dos leucócitos, que vazam para dentro do local da lesão.45,46 Costuma haver dor em repouso, com movimen‑ tação ativa ou quando aplica‑se uma tensão específica à estrutura lesionada. Se intensa o bastante, a dor pode causar medo do movimento e perda da fun‑ ção. Se essa fase for interrompida ou adiada, pode haver inflamação crônica, durando de meses a anos. • Fase reparadora (fase 2). Essa fase é responsável pela reepitelização, pela fibroplasia com neovascularização e pelo desenvolvimento de uma matriz de colágeno que facilita a angiogênese, fornecendo tempo e proteção a vasos novos e friáveis e dando início ao processo de contração do ferimento. O processo de neovascularização, durante essa fase, dá uma aparência granu‑ Pérola clínica Quando o processo de cicatrização evolui para a fase reparadora, com frequência já não estão mais presentes a efusão “ativa” nem o eritema local da fase infla‑ matória. No entanto, nesse momento, ainda pode estar presente uma efusão residual, que resiste à reabsorção.47, 48 Dutton 01a07.indd 37 28/8/2012 15:42:04 38 Mark Dutton lar ao ferimento, devido à formação de laços de capilares e à migração de macrófagos, fibroblastos e células endotélicas para a matriz ferida. • Remodelagem (fase 3). A fase de remodelagem do processo de cicatrização do ferimento envolve a conversão do tecido cicatricial inicial em tecido cicatricial – consolidação e maturação. Essa duradoura fase de contração, remodelagem do tecido e aumento da força de tensão no local do ferimento dura até um ano.40,49‑53 A aplicação de estresses controlados ao novo tecido cicatricial tem de ocorrer durante essa fase para prevenir o encurtamento.42,53 Se os tecidos do processo de cicatrização forem mantidos imóveis, o reparo fibroso será fraco e não haverá forças capazes de afetar o colágeno. A cicatriz que ocorre paralelamente à linha de força da estrutura é menos vulnerável à reincidência da lesão do que a cicatriz perpendicular a essa linha.54 Embora nessas categorias isoladas a simplificação dos complexos eventos do processo de cicatrização possa facilitar a compreensão do fenômeno, na realidade esses eventos ocorrem como um amálgama de reações diferentes, tanto no espaço quanto no tempo.43 Pérola clínica o fator mais importante na regulação da linha de tempo regional do processo de cicatrização é a presença de um fluxo sanguíneo suficiente.53 os períodos de tempo aproximados envolvidos nas várias fases do processo de cicatrização do tecido incluem: Fase 1: 0 a 14 dias (mais intensa nas primeiras 48 horas) Fase 2: 0 a 21 dias Fase 3: 21 a 360 dias Pérola clínica Apesar da presença de um epitélio intacto na terceira ou quarta semana após a lesão, a força de tensão do local do ferimento, de acordo com medições, é de aproximadamente 25% do seu valor normal. Alguns meses mais tarde, apenas 70 a 80% da força podem estar recuperados.55 Isso parece demonstrar que o processo de remodelagem pode durar muitos meses, ou até anos, tornando extremamente importante a continuidade da aplicação de estresses controlados ao tecido muito tempo depois de o processo de cicatrização estar, aparente‑ mente, completado.55 Dutton 01a07.indd 38 28/8/2012 15:42:04 Guia de sobrevivência do fisioterapeuta 39 Processo de cicatrização específico do tecido Processo de cicatrização dos músculos O músculo esquelético tem consideráveis capacidades de regeneração, com base, principalmente, no tipo e na extensão da lesão.35,56 De modo amplo, há três fases no processo de cicatrização de um músculo lesionado: a destruição, a reparação e a remodelagem.57 • Fase de destruição (logo após a lesão). As fibras musculares e as suas bainhas de TC são totalmente rompidas e aparece um espaço entre as extremidades das fibras musculares rompidas quando elas se retraem.58 Essa fase é caracterizada por necrose do tecido muscular, degeneração e infiltração de leucócitos PMN, à medida que se forma um hematoma, e edema no local da lesão. • Fase de reparação (passados alguns poucos dias ou semanas).58 Envolve, com frequência, três etapas: formação de hematoma, formação de matriz (dá a força inicial para que o tecido no local do ferimento suporte as forças que lhe são aplicadas)59 e formação de colágeno. A produção de colágeno do tipo I pelos fibroblastos aumenta a força de tensão do músculo lesionado. A proliferação excessiva de fibroblastos pode levar rapidamente à formação excessiva de tecido cicatricial denso, o que cria uma barreira mecânica capaz de restringir ou atrasar de modo considerável a regeneração completa das fibras musculares no espaço produzido.57, 58 Pérola clínica Durante a primeira semana do processo de cicatrização do tecido muscular, o local da lesão é o ponto mais fraco da unidade músculo ‑tendão. • Fase de remodelagem. Nessa fase, o músculo regenerado amadurece e contrai‑ ‑se, com reorganização do tecido cicatricial. Com frequência, há restauração incompleta da capacidade funcional do músculo lesionado. Pérola clínica Uma das potenciais consequências da lesão muscular é a atrofia. o grau de atrofia muscular vai depender de como era o uso do músculo antes da lesão e da Dutton 01a07.indd 39 28/8/2012 15:42:05 40 Mark Dutton Processo de cicatrização de ligamentos e tendões O processo de cicatrização de ligamentos e tendões é complexo. Em geral, essa cicatrização pode ser desmembrada em quatro fases sobrepostas: • Fase I: Hemorrágica. Após a ruptura do tecido, o espaço é preenchido rapi‑ damente por um coágulo sanguíneo. Leucócitos PMN e linfócitos surgem em algumas horas, disparados pelas citocinas liberadas no interior do coá‑ gulo. Os leucócitos PMN e linfócitos respondem aos sinais dos autócrinos e parácrinos para expandir a resposta inflamatória e recrutar outros tipos de células no local do ferimento.65 • Fase II: Inflamatória. Os macrófagos chegam em 24 a 48 horas e são o tipo de célula predominante durante alguns dias. Eles realizam a fagocitose dos tecidos necróticos e também secretam vários tipos de fatores de crescimento, que induzem a neovascularização e a formação de tecido de granulação. Foi demonstrado que as plaquetas liberam o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF – platelet ‑derived growth factor), transformando em fator de crescimento (TGF) ‑β e em fator de crescimento epidérmico. Os macrófagos produzem o fator de crescimento fibroblástico básico, o TGF ‑α, o TGF ‑β e o PDGF. Essesfatores de crescimento não são apenas substâncias quimiotáticas para fibroblastos e outras células; eles também estimulam a proliferação fibroblástica e a síntese dos tipos de colágeno I, III e V e de proteínas não colágenas.66, 67 • Fase III: Proliferação. Os fibroblastos começam a produzir colágeno e outras proteínas de matriz em até uma semana após a lesão. Por volta da segunda semana após o rompimento, o coágulo de sangue original torna ‑se mais organizado por causa da proliferação celular e matricial. Começam a formar ‑se brotos capilares. O conteúdo total de colágeno é maior do que no ligamento ou tendão normal, mas a concentração do colágeno é menor, e a matriz permanece desorganizada. sua função.60 os músculos antigravidade (como os quadríceps) tendem a sofrer atrofia maior do que a dos antagonistas (como os isquiotibiais). Pesquisas têm mostrado que uma única sessão de exercícios protege contra danos musculares, e os seus efeitos duram entre seis semanas61 e nove meses.62 A resistência muscular ao dano pode resultar da mudança morfológica, induzida por exercícios excêntricos, no número de sarcômeros conectados em série.63 essa descoberta parece fundamentar o início de um programa de recondicionamento, com pro‑ gressão gradual, a partir de atividades de baixa intensidade e com ações excên‑ tricas mínimas, a fim de proteger contra danos musculares.60, 64 Dutton 01a07.indd 40 28/8/2012 15:42:05