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Wilson Cano. Desconcentração Produtiva Regional do Brasil

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Desconcentração Produtiva Regional do Brasil 1970-2005, Wilson Cano. 
Esse texto contribui criticamente para o conhecimento e compreensão dos fatores fundamentais que interferem no processo de desconcentração da regionalização da produção capitalista no Brasil. 
O autor inicia o texto com um breve histórico sobre o tema e sua relação com ele. Desse momento, é pertinente mencionar que ele revela que a concentração produtiva em São Paulo é anterior ao Plano de Metas de 1956, até mesmo à Crise de 1929. A razão para isso, apontada por ele, é a constituição e o poderio do complexo cafeeiro paulista. 
Outra revelação que Cano traz ao leitor, surgida dos seus estudos, é que a Crise de 1929 representa a ruptura com o modelo primário-exportador seguido como padrão até então. Ele diz que o Estado tomara consciência da necessidade de industrialização, o que levou à recuperação da economia. Ainda aponta que os desequilíbrios regionais do país são decorrentes do processo histórico de desenvolvimento de cada região, como também mostra o equívoco no pensamento de que o crescimento e a industrialização de São Paulo aconteceram através de uma extração do excedente de outras regiões. Outro mito que ele desconstrói é relativo à acentuação dos desequilíbrios acontecida após a Crise de 1929, o que não procede. 
A seguir, Cano cita os efeitos advindos do processo de integração, a saber: os de bloqueio, no qual a periferia é impossibilitada de repetir o processo histórico do desenvolvimento de São Paulo; os de destruição, manifestados pela concorrência feita pelos empreendimentos mais eficientes diante de similares periféricos cujas técnicas são obsoletas; e os de estímulo, que dizem respeito ao grau de complementaridade inter-regional. A conclusão à qual chegou, após a análise desse processo, foi que os efeitos de estímulo superaram os de destruição. 
Advinda desse processo de integração, a dinâmica da industrialização periférica resultou, segundo o autor, em importante expansão de todas as regiões do país, o que desmentiu as visões que defendiam a ideia da estagnação. Para ilustrar isso, Cano traz dados de porcentagem de crescimento anual da Indústria de Transformação dos estados e das regiões no período entre 1919 e 1970, enfatizando que as maiores taxas pertenciam a São Paulo e que isso ampliou a concentração industrial do estado. Porém, o contraste entre esse crescimento paulista e a miséria da região Nordeste levou à implantação de políticas de desenvolvimento direcionadas a essa última região, estendendo-se, posteriormente, a outras do país e abarcando tanto a industrialização quanto a reforma agrária, a qual foi retirada pelo golpe de 1964, permanecendo apenas a primeira. 
Portanto, como Cano enfatiza, a política de desenvolvimento regional não atingiu seu objetivo, que era resolver o problema da miséria e do desemprego, o qual permanece, apesar do avanço na industrialização. De modo indireto, Cano aponta o atraso tecnológico, o grau de avanço e de modernidade nas relações de produção, a estrutura fundiária e a distribuição de renda como fatores que levaram a essa permanência. Por isso, como o autor constata, a simples ação de alocar mais indústrias nas regiões periféricas e de destinar-lhes mais recursos não é suficiente para resolver o problema da distribuição regional. 
Diante disso, após a Grande Crise (período posterior a 1980), as políticas de desenvolvimento foram abandonadas, por causa do impacto financeiro e consequente encolhimento do investimento público e do crescimento da economia. O autor afirma que esse quadro se agravou com as políticas neoliberais a partir de 1990. No entanto, ele também afirma que a urbanização e outros processos compensaram de modo parcial essa falta de crescimento, o que diminuiu um pouco a disparidade entre as regiões mais e menos desenvolvidas. 
Contundentemente, Cano se posiciona, ao colocar o quadro como inaceitável, baseando-se no exame e confronto histórico dos indicadores do Produto Interno Bruto (PIB). Dessa forma, o debate sobre a questão regional volta à tona, dividindo opiniões: aqueles que defendem o retorno às estratégias do passado, com a presença do Estado, e os que afirmam que não cabe mais privilégios regionais, argumentando que o neoliberalismo troca a equidade pela suposta eficiência competitiva. Cano ainda cita os que, apesar de concordarem com a visão crítica, acreditam que a nação está se fragmentando, por causa da melhor inserção internacional de poucas porções de cada região, enquanto a maior parte sofre com a falta de investimentos. No entanto, o autor discorda dessa posição, apontando que uma boa parte do núcleo de acumulação - São Paulo – continua unida ao restante do país. 
Após mencionar as posições mais comuns, Cano fala sobre as suas próprias. Primeiro diz que, caso se mantenha o neoliberalismo e se insira modernização, pode haver, em partes, uma reconcentração espacial produtiva, em detrimento da periferia nacional, tendo em vista a exigência de espaços para essa inserção. Seguidamente, disserta sobre o debilitamento proposital do Estado nacional, ensejando um culto ao poder local que parece não perceber o duplo erro cometido: tanto enfraquece o Estado nacional, única instituição capaz de enfrentar o problema internacional, quanto fortalece um poder que não administra câmbio nem moedas, apenas tributos locais. 
Finalizando a apresentação do livro, Cano faz uma ressalva sobre a alteração dos cortes periódicos apresentados na versão anterior, falando diretamente com o leitor. Também cita a divisão do livro, explicando sucintamente sobre o que é tratado em cada parte. Por fim, faz uma importante nota de advertência com relação aos dados mostrados no livro, que já havia sido publicado quando o IBGE disponibilizou os dados das Contas Regionais de 2002 a 2005. 
Capítulo 2 - “A desconcentração virtuosa do período 1970-1980” 
A desconcentração mencionada no título do capítulo foi a do PIB paulista, que, durante esse período, cresceu na faixa anual de 8,2%, enquanto a média do país foi de 9%. Esse fenômeno ocorreu especificamente nos três macrossetores produtivos (agricultura, indústria e serviços). Para trazer-nos uma visão detalhada, Cano elabora uma tabela, na qual o aumento ou a diminuição da convergência regional da renda média por habitante é descrita. Através dela, percebemos que as diferenças entre os estados mais ricos e os mais pobres diminuem de maneira expressiva, o que revela a melhor distribuição do alto crescimento por todo o país. 
Após essa introdução do capítulo, Cano dedica-se a falar de modo específico sobre cada um dos macrossetores produtivos durante esse período. Na agricultura, ele aponta a diferença entre as taxas médias de crescimento do Brasil (3,8%) e de São Paulo (3,6%), as quais fizeram com que a participação nacional desse estado caísse de 18 para 14,2%, além de outros estados que também sofreram perdas, frutos das transformações de estruturas produtivas regionais. 
Cano também afirma que, nessa época, a área plantada do Brasil aumentou consideravelmente, sendo o Centro-Oeste apontado como a região que mais absorveu essa área colhida do país. A razão que ele aponta para esse aumento de demanda é o aumento das exportações, cujo crescimento foi de 118% e as quais diversificaram a pauta de produtos primários e de semimanufaturados. O mercado interno também cresceu, graças ao crescimento da população e do emprego urbanos, entre outros fatores, além do forte estímulo dado pela reestruturação do crédito rural, apesar de ter-se concentrado nos produtos exportáveis. Cano também menciona que a pecuária passou por grandes mudanças técnicas. 
A fim de ilustrar as características da agropecuária nesse período, o autor traz uma tabela ilustrando a variação da produção de cada região e da média brasileira. Da explicação dada por ele, destacamos dois pontos: aquele que deixa claro que a diminuição do rebanho em determinada região não significa, necessariamente, uma desconcentração regional, mas sim uma mudança na demandaexterna ocorrida, principalmente, pelo surgimento de pestes e de novas tecnologias; e o maior crescimento dos exportáveis e de energéticos e menor crescimento nos alimentos mais simples, como arroz e feijão não irrigados. 
Por fim, Cano trata da reprodução da agricultura itinerante, que continuou ocupando e concentrando mais terras e expulsando aqueles que ocupavam as pequenas e médias propriedades, e da forte introjeção de progresso técnico nas regiões de agricultura mais capitalizada. Ele frisa que os efeitos dessa mudança técnica nas regiões menos capitalizadas foram de pouca expressividade geral e que, em termos de emprego, foram negativos, com o emprego agrícola caindo 3%.
A indústria extrativa mineral é colocada como vetor importante para o processo de desconcentração, pois o avanço da industrialização e da exportação exigiram rápida expansão do setor mineral e energético. Essa expansão exigia enormes investimentos em infraestrutura nas regiões mineradoras, o que gerou empregos e contribuiu para a alocação regional de outros investimentos industriais e em serviços, apesar de que muitos dos projetos foram interrompidos. 
Após essa explanação inicial sobre o setor, Cano dedica-se a esmiuçar os números correspondentes às extrações de minérios em alguns estados que se destacaram na área, como Minas Gerais. Também menciona o retardamento nos investimentos em energéticos e a consequente dificuldade de expansão de produção desses produtos. Ao Nordeste, é atribuído o total da produção de gás e petróleo em 1970, caindo para 89% em 1980, em face do início da extração da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Por causa da já mencionada queda no desempenho do petróleo, o Nordeste sofre forte queda de posição no setor. 
O terceiro macrossetor abordado por Cano é o de Serviços. O autor inicia argumentando sobre a dificuldade de realizar uma análise precisa desse setor, por causa da grande heterogeneidade de suas atividades e da diversidade de preços e formas de estimativa. Ele lembra que, em um país subdesenvolvido, tanto as áreas menos quanto as mais urbanizadas e industrializadas têm alta participação dos seus setores terciários nos respectivos PIB’s totais. 
Os Índices de Produto Real das Contas Nacionais e Regionais foram o método utilizado para medir o elevado crescimento da renda do setor, entre 1970 e 1980. Através dele, Cano concluiu que alguns estados perderam pontos, como foi o caso do Rio Grande do Sul; porém, enfatiza que essas perdas não têm sentido absoluto, representando apenas diferenças entre taxas positivas de crescimento.
Cano aponta que a ampliação da demanda e a expansão da oferta de serviços públicos e privados foram provocadas pela alta expansão da economia urbana característica do período, a qual, por sua vez, aumentou fortemente o emprego urbano em todas as regiões. Os recursos utilizados pelo autor nesse trabalho analítico do setor de serviços foram: restringir-se às relações e proporções da estrutura produtiva do setor e agrupar os quatro estados mais urbanizados e industrializados em “área A” e o restante do país em “área B”. Desse último recurso, Cano extrai a informação de que os setores mais tradicionais perderam importantes pontos em A, especificamente em São Paulo, e mais ainda em B nos demais segmentos, afetados pela desconcentração produtiva e pela inversão regionalizada em infraestrutura. A análise proporcionada pela tabela e pela descrição feita por Cano permite concluir que o Setor Serviços apresentou desconcentração espacial expressiva, confirmada também pelos dados do Censo Demográfico. 
O quarto e último macrossetor abordado é a Indústria de Transformação, a qual possuiu excepcional crescimento médio anual, o que causou forte expansão física e notável mudança na estrutura produtiva, com uma acentuada desconcentração regional produtiva (São Paulo cresceu a 8,1%, enquanto o restante do país o fez a 10,2%). Cano afirma ser importante o uso de alguns tipos de desagregação, a fim de tornar a análise da estrutura produtiva mais clara e objetiva. Um tipo que ele menciona é o que agrupa diferentes gêneros de acordo com o uso ou destino da produção e possibilita, entre outras informações, conhecimento sobre a intensificação e diversificação industrial, o qual mostra que, à medida que ocorre o avanço para etapas maiores de industrialização, diminui o peso dos bens de consumo não duráveis e aumenta o dos bens de produção.
Cano retoma o problema da limitação metodológica e a necessidade de utilizar fontes não-oficiais, como a agregação de ramos que ele mesmo fez, constituída de empresas predominantemente produtoras de bens de consumo não-duráveis, bens intermediários e bens de consumo duráveis e de capital. A primeira indústria teve uma redução de 43,7% para 33,9%, ao passo que as outras duas aumentaram sua participação expressivamente, tendo o grupo dos intermediários a média anual de 10,6%, em decorrência dos projetos estimulados, como os que envolveram os produtos energéticos. Já o grupo dos bens de consumo duráveis e de capital foi o que mais cresceu, com uma média de 11% anuais, e ampliou sua participação em todas as regiões, exceto o Distrito Federal. 
Uma observação importante que o autor faz é sobre a agroindústria: embora tenha tido forte crescimento no período, ela foi superada pelos ramos mais complexos, como os da química e da metal-mecânica. 
Vamos aos destaques de cada grupo: no dos bens não-duráveis, os maiores aumentos foram do Norte (de 1 para 1,8%), do Espírito Santo (0,5 para 0,9%) e de Santa Catarina (2,5% para 5,8%); no grupo dos bens intermediários, destacam-se os avanços do Norte (de 1 para 1,8%), do Nordeste (de 5 para 9,1%) e do Espírito Santo (de 0,7 para 1,2%); por fim, o grupo dos bens duráveis e de capital, que apresentou crescimentos muito altos em todas as regiões, tem como destaque a região Norte (de 0,1 passa a 4,4%) e Minas Gerais (de 2,8 para 6%).
Após essa primeira desagregação, Cano faz outra ainda maior, por gênero da indústria. Como chega a 25 gêneros no total, ele explicita, de maneira resumida, aqueles que obtiveram crescimento em cada grupo – no grupo dos bens duráveis, vestuário e diversas, principalmente em São Paulo; no grupo dos bens intermediários, todos os gêneros; no grupo dos bens duráveis e de capital, veículos, apesar da queda em São Paulo. No grupo de bens intermediários, São Paulo ganhou em quatro dos nove gêneros: metalurgia básica e produtos de metal, madeira e derivados de petróleo e álcool. 
Alguns fatores, apontados pelo autor, que levaram a perdas (ou ganhos) regionais foram esgotamentos de recursos naturais, novas políticas de reflorestamento e expansão da fronteira agrícola e mineral, os quais modificaram o panorama regional de alguns produtos, como couro, madeira e celulose. Dando prosseguimento, Cano detalha ainda mais essa desagregação, esmiuçando os segmentos nos quais ela aconteceu mais fortemente em cada gênero.
Finalizando a análise que tomou todo o capítulo, o autor levanta mais dois pontos, sendo eles: 1. Os dois vetores regionais que moveram a desconcentração sofrida por São Paulo - o restante do Brasil e um vetor interno ao estado, qual seja, a acentuada diminuição da participação da Região Metropolitana de São Paulo e cujas razões perpassam pelas políticas de descentralização e de atração municipal, dentre outras; 2. As determinações opostas das perdas de São Paulo e Rio de Janeiro, tendo, este último, crescimento moderado e perdas generalizadas, enquanto o primeiro, algumas perdas e elevado crescimento.

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