Buscar

Ensaios sobre a Crise Urbana do Brasil

Prévia do material em texto

1
Introdução 
 
Este livro, cujo tema central é o da Economia Urbana no Brasil, tem suas origens 
no início da década de 1980, no Instituto de Economia da Unicamp, quando instituímos 
um programa de doutoramento sobre Economia do Setor Público. Nossa equipe inicial 
tinha sólida formação sobre o tema do Desenvolvimento e das especificidades do 
Subdesenvolvimento. 
Contudo, a temática central daquele curso, além de envolver questões basilares 
sobre desenvolvimento econômico, infra estrutura econômica e social, distribuição de 
renda, papel do Estado e políticas sociais, exige também um entendimento maior sobre 
economia regional e urbana. Graças a meu anterior trabalho na Cepal, tinha 
conhecimentos sobre a especificidade dos processos de urbanização em países 
subdesenvolvidos, e, desde a década de 1970, em função de minha carreira acadêmica 
na Unicamp, realizei várias pesquisas e reflexões sobre a questão regional brasileira.1 
Pela leitura de algumas obras clássicas, sabia que em seu processo histórico, a 
urbanização brasileira apresentava grande diversidade e dispersão espacial, e que, pelo 
menos até 1930, havia sido construída em razão das diferentes células regionais 
exportadoras, e pelas raras rotas da precária integração de alguns mercados regionais.2 
Sabia também, por leituras e pesquisas, que o estado de São Paulo tivera processo 
distinto, e criara uma notável rede urbana, bastante avançada em relação aos demais 
estados, em razão das especificidades da economia cafeeira paulista. 
Assim, tomei a meu cargo estudar mais o tema da urbanização, tendo como base 
o espaço econômico paulista, Para tanto, formei uma equipe básica e, desenhei e 
coordenei algumas pesquisas, em convênio com o governo do Estado de São Paulo, que 
constituíram a base para que realizássemos nossos objetivos. 3 
Com essas pesquisas procuramos enfrentar algumas questões metodológicas que, 
em sua maior parte, restringiam em grande medida a análise da economia urbana, a uma 
visão “intra-muros”. Nossas pesquisas tentaram fundamentar melhor a análise da 
dinâmica da urbanização, utilizando um espectro maior e mais detalhado de relações de 
interdependência setorial com os vários compartimentos sociais e econômicos do 
urbano e do rural. 
Dessa forma, procuramos entender melhor as inter-relações do urbano com o 
rural, e os nexos que disto decorrem para alterar o urbano. Dentro do próprio setor 
urbano, procuramos destacar e dar ênfase às múltiplas relações entre os setores 
industriais e os serviços, assim como lançar alguma luz sobre a dinâmica “autônoma” 
que o próprio movimento demográfico e social urbano pode imprimir sobre a dinâmica 
da economia urbana. 
 
1 Tais estudos estavam consubstanciados em minhas teses de doutorado, Raízes... (1975), que discute o 
período 1870-1929, e a de Livre-Docência, e Desequilíbrios... (1982), que abarca o período 1929-1970, 
posteriormente editadas. Ver: Cano 2007 A, 5a. ed. e 2007 B, 3a. ed. Essas reflexões seriam atualizadas 
mais tarde, com novas pesquisas constituindo um terceiro livro (Cano 2008). 
2 São exemplos disso a mineração do século XVIII em Minas Gerais,, Goiás e Mato Grosso, abrindo rotas 
que semearam muitas cidades naquelas zonas e entre elas e regiões do Rio e Janeiro,Nordeste, São Paulo 
e extremo sul do país. 
3 A síntese dessas principais pesquisas foram publicadas em: Cano (Coord., 1988 e 1992), abarcando a 
primeira, o período de 1920 a 1980 e a segunda, o de 1970 a 1989. Em nova pesquisa, atualizamos esse 
estudo, publicado em: Cano e outros, 2007.. Em convênio com a Prefeitura Municipal de Campinas, 
fizemos trabalho semelhante sobre a Região Metropolitana de Campinas (Cano e Brandão, Coords. 2002). 
 2
Dedicamos especial atenção ao estudo dos vários componentes do Setor 
Serviços, dada a grande complexidade metodológica que o envolve. Procuramos ainda 
entender melhor as razões e os sentidos maiores dos fluxos migratórios interestaduais e 
inter-regionais e seus efeitos positivos e negativos sobre a dinâmica urbana. 
Além de nossas preocupações acadêmicas, tínhamos também outras, tão ou mais 
importantes do que aquelas, no sentido de indagar sobre as ações e omissões do Estado 
na questão do planejamento urbano, do uso do solo e de suas políticas sociais, bem 
como dos atores principais na órbita privada – o capital mercantil, imobiliário e 
construtor. 
Por outro lado, os nefastos efeitos da “explosão” urbana da década de 1970 
geraram seqüelas que se acumularam à grave crise econômica e social da década de 
1980. Isso nos estimulou a pesquisar e refletir sobre aquele tema, para tentar entender 
melhor aquele processo e poder refletir sobre os maus prognósticos que então 
vislumbrávamos, antevendo a piora sensível que alguns daqueles problemas urbanos 
poderiam sofrer, caso não se alterasse o quadro institucional e as políticas sociais sobre 
o urbano brasileiro. 
Não se tratava, obviamente, de profecias ou adivinhações. Os graves problemas 
urbanos de então passariam a ser “ciclópicos”, no sentido de que à medida que o tempo 
passasse, os custos, o tempo e os recursos necessários à sua superação cresceriam 
desmedidamente. É o caso das atuais tragédias urbanas que assistimos em anos recentes, 
principalmente em 2009, 2010 e neste início de 2011. Tragédias que não decorrem 
exclusivamente de fenômenos ou desequilíbrios naturais, mas também, e na maioria dos 
casos, principalmente, pela omissão (ou más ações) do Estado, cooptado ou não pelo 
capital mercantil urbano. 
Os resultados de nossas pesquisas foram altamente compensadores. Com eles, 
em primeiro lugar, consolidamos a formação de uma equipe de pesquisa, que forneceu a 
base para aquele curso, e que se estendeu, anos mais tarde, a novo programa de pós-
graduação, o de Desenvolvimento, Espaço e Meio Ambiente, onde hoje acumulamos 
considerável acervo de teses e pesquisas realizadas. 
Mas acima de tudo, as pesquisas deram maior sustentação a nossos temores, o 
que o leitor poderá constatar através dos textos inseridos neste livro. Eles abarcam 
questões que tratávamos em nossas pesquisas, discussões e aulas, desde a década de 
1970. e foram adquirindo a forma de textos mais breves e mais ágeis para divulgação e 
publicação partir de 1985. 
 
Conteúdo do livro 
 
O livro reúne 14 textos - 2 dos quais em co-autoria -, 4 publicados em livros e os 
demais em anais e revistas especializadas. Em que pese o fato de que todos eles têm 
traços comuns, em termos de problemas reais ou de teoria, julguei melhor separá-los em 
4 grupos, de conformidade com suas especificidades principais. Todos os textos trazem 
a data e a referência de sua publicação original 
I – Agricultura, Urbanização e Reforma Agrária. 
 
 3
Os artigos nos. 1 e 2 foram publicados em 1985 e 1986, ao findar o regime 
militar e início da “Nova República”, quando os problemas da crise social e da 
econômica retornam com vigor no debate político acadêmico e no nacional. 
O tema da Reforma Agrária, praticamente excluído durante o regime militar 
retomara seu lugar na agenda política do país, desde as vitórias das oposições, em 
eleições estaduais em 1982 e na nacional em 1985, e era visto como um dos principais 
problemas sociais do país. 
O tema retorna e, no início, ainda era justificado como necessário a uma 
reparação de justiça social, diminuição do desemprego e como estímulo para o aumento 
da oferta de alimentos, mas este argumento foi perdendo terreno, à medida que a 
produtividade agrícola subia, e a produção alimentar – não tanto quanto a de exportáveis 
– crescia, atendendo a demanda explicitada no mercado capitalista nacional. 
Contudo, à medida que os problemas urbanos adquiriam contornos mais graves e 
a crise mantinha o emprego restringido, a questão da Reforma Agrária adquire nova 
justificação, crescendo como fonte provável de emprego, e, principalmente como 
mecanismo para sustar a expansão urbana, que, na década de 1970 havia sido“explosiva”, e não mais “suportável”, como a que ocorreu durante as de 1950 e 1960. 
Como se verá na leitura dos demais grupos – notadamente do II – os temas da 
agricultura e da reforma agrária estarão presentes em quase todos os textos, fortemente 
imbricados na dinâmica da urbanização, principalmente no que se refere ao “inchaço” 
urbano. 
 
II – Dinâmica da Urbanização: estrutura, principais determinantes, e proposições 
de políticas. 
 
Este grupo contém 6 artigos que trataram de: 
i- alguns dos principais problemas teóricos e metodológicos que envolvem a 
dinâmica da economia e do planejamento da urbanização; 
ii- análise (sintetizada) de nossos processos históricos de crescimento regional e 
urbano; 
iii- elaboração de propostas de reformulação da legislação e das políticas 
urbanas, como tentativa de corrigir ou atenuar alguns dos problemas urbanos ali 
apontados. 
 
Na metodologia e na análise, especial atenção foi dada: 
i- à periodização daqueles processos históricos, harmonizada com o movimento 
macroeconômico nacional; 
ii- à interação da política econômica nacional, com as de desenvolvimento 
regional e urbano, Guerra Fiscal, e algumas políticas setoriais e sociais; 
iii- à interdependência técnica (renda e emprego) entre os setores primário, 
secundário e terciário da economia; 
iv- à ausência quase absoluta de cálculos e estimativas dos custos-benefícios 
decorrentes do uso de políticas de descentralização-desconcentração industrial, em 
 4
termos de seus principais efeitos: arrecadação e gasto público; renda, emprego, 
poluição, oferta e demanda de serviços públicos básicos, etc.; 
v- à necessidade de se avaliar, separadamente, os efeitos urbanos gerados dentro 
do próprio território do Estado de São Paulo e os que decorrem de relações inter-
regionais, como por exemplo, os fluxos migratórios interestaduais, as políticas de 
desenvolvimento estaduais e regionais, e a Guerra Fiscal. 
O artigo no. 3 (Dinâmica..., de 1985) é texto pioneiro e sua estrutura serviu de 
base à formulação de uma importante pesquisa (Interiorização...) sobre o período 1929-
1979 e que nos permitiu aprofundar o estudo do tema da economia urbana. O no.4 (O 
Setor Terciário.., em co-autoria com Ulisses C. Semeguini) discute os principais 
problemas metodológicos e teóricos para a análise do setor serviços, pelas óticas da 
renda e do emprego. 
Os dois seguintes (5-Subsídios.... e 6- Urbanização...) detalharam mais algumas 
análises da dinâmica urbana e avançaram em termos de propostas de reformulação legal 
e de políticas para o setor. Foi a partir deles que nos convencemos do perigo que a 
sociedade corria com o provável agravamento futuro da maior parte dos problemas 
urbanos que então constatávamos, e que acabariam resultando em vários desastres 
urbanos “naturais” que têm ocorrido com freqüência. 
Contemporâneo a esses quatros, o no. 7 (Questão regional e...) sintetiza a 
evolução e principais transformações na dinâmica regional e na urbanização do país, ao 
longo do período de 1930 a meados da década de 1980, destacando as principais 
diferenças regionais nesses processos. O no.8 (Reflexões sobre ...capital mercantil...), 
publicado em 2010, é um texto teórico e analítico sobre os efeitos da dominação do 
capital mercantil em vários espaços rurais brasileiros e sobre sua ação no mundo 
urbano, travestido de capital imobiliário, incorporador ou construtor, dirigindo e 
comandando os processos de especulação imobiliária e agravando os efeitos nefastos do 
descontrole do poder público sobre a urbanização 
 
III – Concentração econômica, urbanização, diversificação e metropolização. 
 
Este tema, que ganha grande importância, para os países subdesenvolvidos a 
partir da segunda metade do século XX, é aqui tratado em dois textos distintos. O no. 9 
(Base e Superestrutura..) contém uma discussão teórica bastante polêmica, que é a da 
interdependência entre as transformações da estrutura produtiva e sua infra estrutura, e 
as que se manifestam nas artes, na política, nas relações sociais, etc.). O artigo destaca a 
polêmica existente e as próprias ressalvas que Marx e Engels fizeram, limitando a 
interdependência direta da Base com a Superestrutura, mostrando que podem existir 
outras formas de interação direta e indireta entre aqueles dois espaços sociais. 
 
O texto está centrado na década de 1920, no espaço que futuramente constituiria 
a Região Metropolitana de São Paulo, mostrando importantes transformações 
quantitativas e qualitativas nas estruturas produtivas e na Superestrutura, apontando 
ainda para a capacidade que essa região já mostrava para receber transformações 
modernizadoras (nacionais e internacionais) que ocorriam no período. Em especial, 
aponto também para o desiderato das pressões econômicas, políticas e sociais que ali 
fermentavam, e que iriam desaguar na “Crise de 29”e na subseqüente Revolução de 
 5
1930, instaurando o processo de industrialização no Brasil. Em suma, é a partir desse 
momento – os anos vintes – que a cidade de São Paulo vai, efetivamente, ganhando a 
condição de futura primaz da urbanização brasileira, passando a ser uma grande cidade, 
superando demograficamente a cidade do Rio de Janeiro na década de 1950. 
O texto no. 10 mostra como as transformações proporcionadas pela 
industrialização vão alterando as estruturas da RMSP, convertendo-a, já na passagem da 
década de 1950 para a de 1960 em metrópole nacional, e, com a explosão urbana da de 
1970, em metrópole de caráter internacional, ostentando agora não só a primazia da 
industrialização, mas também a dos serviços, que se diversificam extraordinariamente, 
passando também a ser a sede nacional do sistema financeiro. Entretanto, a velocidade 
desse progresso e a incúria e o casuísmo do setor público sancionaram a piora dos 
principais problemas urbanos, notadamente os que atingem mais as camadas de menor 
nível de renda. 
 
IV - Crise e necessidade de um novo Modelo Nacional de Desenvolvimento 
 
São quatro textos mais recentes, que tratam da evolução do processo de 
urbanização ao longo da profunda crise que nos assola desde a década de 1980, 
chamando a atenção para a gravidade do momento atual, em que o neoliberalismo nos 
colocou uma camisa de força na política macroeconômica, privilegiando o superávit 
fiscal, constrangendo a taxa de inversão e o crescimento econômico. Os textos nos. 11, 
12 e 13 mostram que, com isso, os problemas urbanos e sociais se agravaram 
sobremodo, proliferando uma série de desastres urbanos “naturais”, como enchentes, 
deslizamentos e soterramentos que estão ceifando milhares de vidas humanas e 
destruindo domicílios. O texto no. 13 (O movimento do pêndulo...,escrito em co-autoria 
com Ana C. Fernandes) discute e critica a “inventiva” neoliberal do Poder Local, 
analisando as dimensões políticas e econômicas das diferentes escalas espaciais em que 
a questão regional e a urbana podem ser tratadas, cobrando maior transparência e 
democratização na tomada de decisões. 
As conclusões dos textos convergem para o texto no. 14 (Agenda....), no sentido 
da necessidade de formulação de um novo Plano Nacional de Desenvolvimento 
Econômico que rompa com o compromisso neoliberal, volte-se mais para o mercado 
interno e resgate o enorme débito social da nação. 
Por seu tamanho (75 páginas), evitei incluir aqui um texto síntese sobre a ampla 
pesquisa que coordenei junto com outro colega, sobre a RM de Campinas.. O leitor 
poderá consultá-la em: Cano, W. e Brandão, .A.C. A Região Metropolitana de 
Campinas : urbanização, economia, finanças e meio ambiente. Ed. Unicamp, 
Campinas, 2002, 2v. 
 
 
 
Correções e definições de algumas expressões 
 
Fiz pequenas correções de erros da digitação anterior e substituí alguns vícios de 
linguagem, termos ou palavras para esclarecer melhor o texto específico. Acrescento 
 6
ainda um pequeno número de notas de rodapé para atualizações ou correções que 
julguei indispensáveis, às quais, no rodapé,serão adicionadas a expressão (NA). Além 
disso, acrescento abaixo algumas informações ou definições sobre algumas expressões 
usadas ao longo dos textos, para melhor compreensão do leitor: 
i-- Califórnia Paulista: cunhei esta expressão, ao realizar as primeiras 
pesquisas, para chamar a atenção para a área que compreende o vetor 
Campinas/Ribeirão Preto/São José do Rio Preto, dado o grande avanço das forças 
produtivas capitalistas no agro e no setor urbano dessa área, bem como pelo seu alto 
nível de renda média, um dos mais altos do Brasil. 
ii- Caos urbano: expressão cunhada pela opinião pública, na década de 1970, 
para se referir aos problemas urbanos mais gritantes (transporte coletivo, habitação, 
saúde e educação) e a desorganização social que isto causa no cotidiano. 
iii- Descentralização ou Desconcentração, seja de produção, de empresas, de 
serviços, ou de recursos públicos, deve-se entender por: descentralização, o processo 
ou procedimento através do qual uma quantidade de bens (reais ou imateriais) se 
transfere fisicamente de uma localidade para outra. Este fenômeno, no setor industrial, 
ocorre com baixa freqüência. Por desconcentração entende-se a diminuição da 
participação relativa de uma localidade X, no total (A a Z) da produção nacional de um 
determinado bem ou serviço, podendo isto se dar sem que haja descentralização de X 
para Y, mas sim pelo resultado estatístico decorrente de a localidade Y ter crescido mais 
do que a X. Isto se dá em função das variações relativas da produção nas diversas 
regiões de um país. Por essa razão, substitui a primeira expressão pela segunda, em 
vários dos artigos aqui publicados, em que o uso daquela expressão era indevido. 
iv- Urbanização “suportável”: assim denominei a urbanização que se 
manifesta até a década de 1960, durante a qual os processos de deterioração dos 
serviços urbanos ainda não haviam atingido a situação crítica que se verificaria a partir 
da de 1970. A periferização das maiores cidades, embora já se manifestasse, era ainda 
reduzida, e o sistema de transportes coletivos, mesmo precário, dava conta da demanda 
então manifestada. Embora o saneamento básico fosse precário, a questão habitacional 
ainda apresentava “soluções” (mutirão, pequena construção mercantil, baixa inflação, 
lotes baratos, etc.) que minoravam seu déficit. O ensino e a saúde ainda eram serviços 
praticamente só públicos, e atendiam razoavelmente a demanda. 
v- Urbanização “explosiva”: assim denominei a que se manifesta a partir da 
década de 1970, com a aceleração da industrialização, a consolidação da ocupação do 
Centro Oeste e o início da Amazônia, expandindo sobremodo a urbanização, em uma 
velocidade que potenciava ainda mais os efeitos dos desmandos do Estado em termos da 
oferta de serviços públicos básicos e tornava crítica a especulação e a degradação 
urbanas. É partir desse momento que a maior parte dos problemas urbanos se tornam 
“ciclópicos”, isto é, adquirem um enorme volume absoluto, exigindo elevadas somas de 
recursos. Dadas as pressões sobre as finanças públicas (em todos níveis hierárquicos) e 
os cortes no gasto público, começa a entrar em cena outro fatídico personagem: a 
privatização – de fato ou de jure - de serviços públicos. 
 
Agradecimentos 
 
 7
Agradeço meus colegas Profs. Ana C. Fernandes e Ulisses C. Semeguini, pela 
cessão de direitos de co-autores de dois textos inseridos neste livro. A meu colega Prof. 
Barjas Negri, que me estimulou a fazer este livro, no início da década de 1990, idéia que 
relutei na época, mas que, diante do grande número de cópias que tenho dado nesses 
anos todos, para atender solicitações de pesquisadores e de diversos cursos que versam 
sobre a matéria, resolvi edita-lo. Agradeço ainda a Marcos Barcellos - doutorando de 
nosso Programa no IE-, pela leitura atual e observações feitas sobre alguns destes 
textos. 
 
 
1- EXPLOSÃO URBANA E REFORMA AGRÁRIA1 
 
 
 
Wilson Cano 
 
 
 
 
No que se refere à questão social entendida em um Plano de Reforma Agrária, há dois 
pontos a ressaltar. O primeiro refere-se ao problema da miséria e do desemprego que 
promovem a degradação humana na sociedade brasileira. Acho que nos tempos modernos é 
uma situação nunca vista e que gera um número de violências igualmente impensado. 
Presenciamos ademais uma degradação urbana com uma expansão periférica e a privatização 
dos serviços públicos adotada de acordo com o velho receituário. 
Esse velho receituário tanto foi usado pela Arena como pelo PDS e hoje pelo PMDB. 
Não há recursos, dizem. Não há recursos como não há imaginação criadora. Não há uma ação 
efetiva e firme de lideranças entre executivos municipais e estaduais para tentar enfrentar a 
coisa com um pouco mais de firmeza e de coragem. É o que está faltando neste país nos dias 
que correm. 
No plano econômico eu vejo três questões essenciais que devem ser colocadas no 
tocante ao desejo de uma política de reforma agrária. Na primeira questão refiro-me ao 
“problema do emprego”; a segunda diz respeito aos investimentos sociais e aos custos de 
urbanização; a terceira questão ao problema da “oferta de alimentos”. 
No tocante à mão-de-obra e ao desemprego, ainda que os conservadores viessem a 
obter resultados positivos no sentido de uma expectativa otimista para a recuperação da 
economia nacional, nós teríamos que analisar cuidadosamente alguns pontos. Primeiro, que a 
manutenção ao atraso agrário e agrícola do país é um fator de expulsão de mão-de-obra, pelo 
menos nos últimos 55 anos. Segundo, que a expansão modernizadora da agricultura brasileira, 
a partir de meados da década de 1960 é, também, por outras razões, expulsadora de mão-de-
obra. É um lado tão forte que, deixada a agricultura à sua tendência manifesta das últimas 
décadas, será inexorável uma forte contração do emprego do setor primário da economia. 
O emprego industrial, ainda que o país venha recuperar-se da crise perversa que tem 
atravessado nesta década, vai defrontar-se com uma questão crucial. Trata-se da questão do 
endividamento externo que nos força, qualquer que seja a postura política deste ou de outros 
governos que venham a se suceder, a enfatizar políticas de expansão das exportações. E isto 
exige, portanto, a necessidade de manter um alto nível de competitividade internacional em 
 
1 Apresentado oralmente em agosto de 1985, na Assembléia Legislativa de São Paulo, em Seminário sobre A 
primeira proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República e o Brasil dos anos 80, promovido 
pela Assoc. Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – CEDEC e 
Núcleo de Estudos, Pesquisas e Documentação Rural – ILCSE/UNESP. 
 2
nossa pauta exportadora, hoje grandemente constituída de produtos, primários em bruto e 
transformados. 
Isso exigirá um processo de atualização tecnológica e, portanto, ainda que a indústria 
volte a crescer daqui a dois anos, digamos assim, e por todo o resto da década, este 
crescimento não geraria efeito expressivo em termos de incorporação de força de trabalho na 
indústria. E incorporação de empregados no setor terciário da economia dificilmente tornar-
se-ia uma incorporação produtiva, dado que, pelos problemas da estrutura industrial, da 
complementaridade industrial e do desenvolvimento tecnológico acentuado dos chamados 
setores de ponta, dificilmente essa incorporação se daria de forma tal que a situação do 
emprego industrial fosse compensada com uma expansão produtiva do emprego terciário. 
Portanto, o quadro pode ser desenhado. É a continuidade de um terciário inchado, é a 
continuidade de uma marginalização do trabalho urbano. 
A explosão urbana, a partir da década de 1970 é acompanhada notavelmente de uma 
expansão do desemprego aberto ou disfarçado, de uma expansão dos anéis periféricos, antes 
apenas nas metrópoles, depois, nas cidades grandes, hoje, nas médias e também em muitas 
pequenas. Não sóno Estado de São Paulo, mas no Brasil inteiro essa explosão tem gerado 
uma degradação humana bastante violenta. Ela aparece associada com o descaso pela gestão 
pública, com a incompetência de nossos administradores públicos, com a corrupção, e pura e 
simplesmente, como herança do governo autoritário. 
O acúmulo desses fatores fez com que essa inchação, essa explosão urbana se 
manifestasse de uma maneira bastante cruel sobre as finanças públicas municipais. As cidades 
explodiram, se encheram de gente, se encheram de pobres. Pobres que fazem demandas 
bastante acentuadas por serviços públicos, mas que ao mesmo tempo não são cidadãos no 
sentido pleno da palavra, ou seja, não são cidadãos capazes de, através de um engajamento 
econômico produtivo, gerarem uma contrapartida de receitas fiscais. 
A situação fez com que nos confrontássemos permanentemente com uma propalada 
escassez de recursos, com uma dicotomia entre gastos públicos e sociais explodidos e receitas 
municipais em franca contenção ou em franco descenso. É espantoso mesmo que, estando 
muito próximo de uma Constituinte e bastante precisados de uma reforma tributária de 
emergência, não saibamos o que fazer com a receita pública das finanças municipais. 
A terceira questão se refere à oferta de alimentos. Ela está presente na proposta, mas 
não está aprofundada. Por que? Porque acreditamos que uma proposta de reforma agrária, 
ainda que iniciada com técnicas simples de cultivo, certamente com um mínimo de apoio de 
estrutura de crédito de financiamento possibilitaria uma expansão da oferta? Por uma razão 
muito simples. Na verdade, deve-se responder a essa questão com uma outra pergunta. 
O sistema capitalista de produção injetou uma acentuada quantidade de técnica e de 
capital na agricultura, nos últimos 25 anos. Porque ela, ao invés de produzir coisas para 
exportar, ou coisas para serem industrialmente transformadas, porque ela não produziu mais, 
os chamados alimentos básicos? Essa é uma pergunta fundamental a ser formulada. Acredito 
que a resposta esteja, simplesmente, no sistema de preços e na relação salários/preços. 
Ou seja, nós dispomos de uma estrutura de produção alimentar que produz alimentos 
básicos relativamente “baratos”. São alimentos que, se produzidos com a utilização de 
técnicas mais avançadas, por empresas capitalistas, teriam que, necessariamente, equalizar 
seus preços a níveis internacionais. Isso só seria compatível com um sistema absolutamente 
livre de preços agrícolas no mercado nacional. Caso assim ocorresse, resultaria numa fatal 
 3
explosão da estrutura e da faixa de salários. Estas coisas têm que ser ditas com todas as cores, 
com toda a sua profundidade a esse movimento conservador da classe dominante. Ele deve 
entender o que é uma estrutura de custos da produção. 
Lamentavelmente, estamos aqui, todos, propugnando um programa de reforma agrária. 
De fato, temos que deixar bem claro que estamos, a bem da verdade, fazendo uma petição 
política a esse segmento miserável da sociedade brasileira que não tem os acessos para a 
inclusão capitalista, que não pode ser submetida formalmente pelo capital, porque esse capital 
débil e periférico não tem condições de submetê-lo. Então, nós temos que pedir desculpas a 
esses marginalizados e dizer-lhes: olha, nós vamos fazer um programa de reforma agrária, 
vamos colocar vocês nesse processo e vocês aguardem, nessa condição de trabalhadores ou 
pequenos produtores rurais, pelo menos uns vinte anos. 
Quem sabe, daqui a vinte anos, esse capital se desenvolva, suficientemente, de tal 
forma que possa incorporá-los produtivamente na economia urbana. Acho que essa questão 
deve ser colocada com sua devida crueza para que tenhamos um entendimento um pouco mais 
sério sobre essa questão. Dessa problemática e de sua co-irmã que é a explosão urbana. Se 
nós não atentarmos para essa problemática urbana, para a gestação da violência, estaremos 
caminhando para um beco sem saída e não para uma sociedade efetivamente democrática. 
Estou estarrecido, por exemplo, com a forma como o governo da Nova República, encaminha 
um mutirão contra a violência e divulga as medidas a serem tomadas. Elas foram reduzidas ao 
reequipamento policial e judiciário. É assim que o segmento conservador da classe dominante 
brasileira apresenta o seu receituário para o problema da crise social que nós enfrentamos. 
Finalmente, diria que a questão do financiamento da reforma agrária se apresenta 
muito preocupante. No que se refere às metas do programa de reforma agrária para o biênio 
85/86, ainda que fossem triplicados os custos que constam na proposta, orçados em 16,5 
milhões por família – acredito que estejam subestimados – eles não atingiriam 2% da correção 
monetária da dívida pública interna para este ano. Portanto, um governo com decidido apoio 
político não teria grandes dificuldades em um processo “confiscatório”, e necessariamente 
terá que ser confiscatório, de parte da dívida pública interna. Não é pedir muito, dizer que se 
retire 2% que estão engordando mais ainda esse segmento especulativo nacional, para 
financiar este primeiro momento do Programa de Reforma Agrária.2 
 
2 (NA) Viria a ser o próprio segmento conservador que aceitaria os termos do confisco praticado pelo Governo 
Collor em 1990, sobre vários ativos financeiros privados, reduzindo fortemente a dívida pública, mas não dando 
qualquer atenção aos problemas sociais do país. 
 1
2- AGRICULTURA E URBANIZAÇÃO1 
Wilson Cano2 
 
Até recentemente, a reflexão sócio-econômica sobre os problemas da agricultura e 
sobre a urbanização era praticada de forma excludente, como se as duas temáticas só 
devessem e pudessem ser tratadas de forma separada. Isto decorria do rígido corte disciplinar 
que havia entre a sociologia urbana, a economia e a agronomia, que felizmente parece estar 
com seus dias contados. 
Por outro lado, os estudos sobre a questão da urbanização no mundo subdesenvolvido 
só atingiram maior realce a partir do início da década de 1960, face ao avanço da 
Industrialização e à conseqüente expansão do mundo urbano, notadamente na América Latina. 
A década de 1970, particularmente para o Brasil - mas não só para este país - traria à 
superfície uma intrincada teia de problemas em nossas principais cidades a que chamei de 
“caos urbano”. Problemas os mais variados como os de transporte, habitação, água, esgoto, 
saúde, educação, emprego, violência, lazer, etc., defrontavam-se não só com a “clássica” 
observação da “falta de recursos” mas também com a perplexidade de acadêmicos, políticos e 
planejadores, muitos dos quais passaram então a apelar para a “solução” do tipo “a cidade 
deve parar de crescer”. 
Mais recentemente, as preocupações acadêmicas têm se voltando para uma reflexão 
que tenta - na medida do possível -, integrar as visões compartimentadas num processo de 
reflexão global, entendendo o urbano não apenas como fruto de sua própria evolução mas 
como resultante, também, do processo rural (Cano, 1985, Rangel, 1986). 
Alguns trabalhos recentes têm incursionado nessa questão, tentando mostrar o 
problema basilar da heterogeneidade estrutural das economias latino-americana e brasileira 
resultante de seus processos de desenvolvimento econômico, particularmente da 
industrialização modernizadora. 3 
Tal heterogeneidade, resumidamente, decorre do fato de que os países 
subdesenvolvidos, em sua transição para o capitalismo industrial, o fizeram de uma forma 
duplamente retardatária (Cardoso de Melo, 1983). Primeiro, porque o fizeram após os países 
“centrais” terem atingido processos avançados de industrialização. Segundo, e 
principalmente, porque o fizeram após o capitalismo superar a etapa concorrencial e passar a 
oligopólica, com crescente internacionalização. 
Enquanto os países que primeiro se desenvolveram puderam promover mais cedo e 
mais lentamente a transformação de sua agricultura, ajustando, – no tempo e noespaço -, sua 
modernização à industrialização por que então passavam, os latino-americanos sofreram 
processo diverso. 
Praticavam agricultura atrasada, e mesmo no segmento exportador – gerador básico de 
sua transição para o capitalismo -, a agricultura não guardava identidade tecnológica com a 
dos países desenvolvidos. Contrariamente, a indústria mecanizada que vem sendo implantada 
 
1 Texto original transcrito dos Anais do 24º Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural-Sober 1986, 
ampliado e publicado na Revista Reforma Agrária de 1-4/1986. 
2 Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp. 
3 Entre outros, ver os de Cano (2007 B: usei neste texto a 1a. ed. de 1985), Fajnzylber ( 1983), Rodrigues ( 
1985) e Tavares (1981) 
 2
no mundo subdesenvolvido desde fins do século XIX, o era com a tecnologia imperante 
naquele momento nos países centrais. Vale dizer: desenvolvia-se o capitalismo periférico e 
retardatário, com modernidade na indústria e atraso na agricultura. 
Nos países desenvolvidos, a heterogeneidade estrutural que ainda existia no inicio do 
século XX era consideravelmente menor do que a que surgiria nos países subdesenvolvidos, 
mesmo se comparada com os países menos desenvolvidos da Europa Ocidental. Isto porque, 
nesses países, a modernização e o avanço da industrialização se deu de forma mais estável e, 
portanto seus processos de urbanização manifestaram-se de maneira menos abrupta do que os 
verificados no mundo subdesenvolvido, particularmente na América Latina e no Brasil.4 
Por outro lado, suas estruturas agrícolas pré-existentes também não sofreram 
mudanças abruptas, salvo aquelas decorrentes dos parâmetros da industrialização. Portanto, 
trata-se de economias com uma estrutura produtiva agrícola mais estável e igualmente com 
uma estrutura fundiária mais eqüitativa e estável. 5 
Como são países cujas dinâmicas econômicas funcionaram com maior grau de 
estabilidade estrutural, seus sistemas de preços eram mais estáveis, também no que tange à 
agricultura. Essa menor flutuação dos preços é radicalmente distinta do que ocorre no mundo 
subdesenvolvido, com permanentes pressões inflacionárias. Como o capitalismo nesses países 
se desenvolveu de maneira mais integrada em termos setoriais, a questão do abastecimento e 
da distribuição de produtos agrícolas em bruto ou transformados é algo que, igualmente, 
também não sofreu rupturas abruptas, tendo, portanto grau de estabilidade muito maior do que 
no mundo subdesenvolvido. 
Dado que esse desenvolvimento econômico e a modernização se deu de maneira 
menos desigual entre a agricultura e a indústria, também os desníveis de produtividade entre a 
atividade agrícola e as atividades urbanas foram muito menores do que os observados no 
mundo subdesenvolvido. Este fato reforçou a tendência à diminuição do diferencial entre a 
taxa de salário na agricultura e na economia urbana, ao contrário do que ocorre no mundo 
subdesenvolvido. Isto contribuiu também para que a distribuição da renda naqueles países se 
desse de forma muito mais eqüitativa do que no mundo subdesenvolvido. 
Ao mesmo tempo em que o processo de modernização dessa agricultura se deu de 
maneira mais branda, a aceleração do desenvolvimento das atividades urbanas pôde processar 
um enxugamento mais rápido e menos doloroso do excedente virtual de mão-de-obra agrícola 
que era expulsa pela modernização. Isto permitiu uma expansão urbana muito mais amena do 
que a que se verifica no mundo subdesenvolvido. 
Por essas razões, a formulação das políticas agrícolas e agrárias nos países 
desenvolvidos, tem caracteres muito mais estáveis. De um lado, porque a estrutura de oferta e 
as condições para essa produção são muito mais estáveis; por outro lado, porque a estrutura de 
demanda e as condições em que se esta se forma, igualmente são muito mais estáveis do que 
no mundo subdesenvolvido. 
 
4 (NA) O que se quer dizer é que a modernização que também se dava na agricultura não era tão intensa quanto 
a da indústria, ao mesmo tempo que as transformações e expansão da indústria intensificaram o emprego urbano, 
amortecendo a queda do rural e incluindo seus ex-trabalhadores na economia urbana. 
5 (NA) Salvo nos países que realizaram transformações na estrutura fundiária ou programas de reforma agrária, - 
como a Inglaterra, EUA e Japão -, acelerando a modernização no campo e, com isso, intensificando as 
transformações capitalistas de suas economias. 
 3
Assim sendo, os maiores problemas das políticas agrícolas do mundo desenvolvido 
são o de tentar manter uma estrutura de preços relativos próxima e compatível com a dos 
preços urbanos e, principalmente no que tange à Europa Ocidental, de se manter o mais 
competitivo possível frente à agricultura norte-americana. Por outro lado, além da reduzida 
heterogeneidade estrutural, como essa agricultura já não precisa enfrentar problemas cruciais 
como o do emprego rural, do abastecimento e distribuição nos mercados urbanos, e do meio 
ambiente rural, a formulação de sua política agrícola pode contemplar um caráter mais 
setorial e especifico e menos globalizante, ao contrário das necessidades correntes que se 
fazem presentes no mundo subdesenvolvido. 
Em nossos países, o atraso da agricultura até a década de sessenta era o traço marcante 
desse setor. No compartimento produtor para exportações algum grau de modernização se 
manifestava para que se pudesse manter competitividade no mercado exterior. No amplo setor 
produtor para o mercado interno, a produção se manifestava com baixo grau tecnológico, 
crescendo vegetativamente pela expansão da área plantada, o que permitia um crescimento do 
contingente populacional, urbano e rural, a taxas muito mais elevadas do que as verificadas 
nos países desenvolvidos. 
A manutenção do atraso dessa agricultura piorava cada vez mais as condições de 
sobrevivência do imenso contingente de sua população rural. No caso brasileiro, pelo menos 
desde a década de 1930, isto engendrou um grande fluxo de emigração, o chamado êxodo 
rural, em direção não só às zonas urbanas mais densamente povoadas como Rio de Janeiro e 
notadamente São Paulo, mas também para áreas rurais mais distantes e de mais fácil acesso à 
terra como eram o Centro Oeste e o Paraná. 
Contudo, a partir da década de 1960, parte dessa agricultura, - notadamente seu 
segmento mais voltado para o mercado exportador, ou para a produção de insumos para 
transformação industrial (cana-de-açúcar, cítricos, soja etc.)-, acelera seu processo de 
modernização. Agora, por razões diferentes, ou seja, por elevar sobremodo a produtividade do 
trabalho, gerava um acréscimo àquele fluxo migratório, engrossando as fileiras do êxodo rural 
em direção às grandes cidades (Graziano da Silva, 1981; Kageyama, 1985). 
Dado que a industrialização que aqui se manifesta e seus serviços urbanos 
complementares introjetam tecnologias modernas, o emprego urbano de mão-de-obra é 
incapaz de dar vazio àquele excedente estrutural. Resumidamente, a industrialização e 
urbanização que vão se processando são incapazes de absorver aquele excedente que está 
sendo liberado tanto pela manutenção do atraso quanto pela modernização da agricultura. 
Por outro lado, seu segmento exportador é reflexo às vicissitudes da demanda externa, 
tendo altas e baixas decorrentes de flutuações econômicas cíclicas e de eventos naturais como 
secas, geadas etc. Essa instabilidade exige maior rigor e maior amplitude da política agrícola. 
O acentuado desnível entre o crescimento da renda gerada na agricultura e o ritmo de 
crescimento urbano-industrial, bem como dos já referidos desníveis de salários imprime 
movimentos mais abruptos às flutuações da demanda de alimentos, gerando pressões sobre o 
nível de preços e crises de abastecimento. 
O segmento mais moderno voltado para a produção de exportáveis e para a produção 
de insumosque serão transformados pela indústria e para energéticos, tornou-se passível de 
rápida capitalização nas duas últimas décadas, graças aos estímulos de preços e de crédito.6 
 
6 (NA) Isto foi possível graças às novas políticas de crédito rural e de incentivos às exportações, a partir de 1965-
66. 
 4
Essa capitalização permitiu-lhe não só uma grande e rápida expansão dessa produção como 
também uma rentabilidade garantida e elevada. 
Contudo, não ocorre o mesmo com o segmento produtor de alimentos simples, que 
opera com outro colar de preços internos, - determinado por outras condições institucionais, 
econômicas e sociais, face à absurda concentração pessoal da renda e aos baixos níveis 
salariais aqui praticados. Estas condições inibem a modernização deste compartimento 
produtivo, impondo-lhe baixos níveis de produtividade da terra e do trabalho. Assim sendo 
seu crescimento é vegetativo, na dependência de expansão do emprego urbano e do nível dos 
salários. 
Sua menor eficiência econômica produtiva causa-lhe a perda de competitividade pelo 
uso do solo, na concorrência com o compartimento produtor modernizado e isto faz com que 
sua atividade seja expulsa dos espaços antes ocupados - relativamente próximos à grandes 
concentrações urbanas - deslocando-se espacialmente em direção às periferias nacionais.7 
Resumidamente, são os seguintes os principais problemas gerados pela agricultura nos 
países subdesenvolvidos e que afetam o mundo urbano. 
No segmento moderno (insumos para a indústria e exportáveis), a modernização 
elevou a produtividade do trabalho gerando, ao mesmo tempo, expulsão liquida de mão-de-
obra e transformando o restante de seus trabalhadores na esdrúxula situação dos “bóias-frias”, 
que vivem produtivamente no mundo rural, mas socialmente no mundo urbano. Essa 
modernização, contudo pouco fez em relação aos rendimentos físicos da terra que continuam 
baixos.8 O uso indiscriminado de agrotóxicos, por sua vez, tem contribuído fortemente para a 
degradação ambiental, especialmente das águas, muitas delas usadas para o abastecimento 
humano urbano. 
No segmento produtor de alimentos simples, não é a modernização que expulsa sua 
população, mas sim a manutenção do atraso, pela baixa produtividade e pelo crescimento da 
miséria. Seu constante deslocamento espacial tem gerado uma série de problemas ao 
abastecimento urbano: as distâncias cada vez maiores implicam maiores custos de transporte e 
crescentes dificuldades de armazenagem e distribuição. Estes impactos se multiplicam 
gerando aumentos de custos e de preços. 9 
Essas condições em que opera a agricultura põem a nu a necessidade premente de 
elaboração e implantação de uma política agrícola e agrária abrangentes e de perspectivas de 
prazos curto, médio e longo. Penso que essa formulação deveria contemplar as seguintes 
diretrizes fundamentais: 
1. Política de zoneamento agrícola, contemplando todo o território nacional, com 
vistas aos seguintes objetivos: 
a) eliminação do excesso de transporte de produtos agrícolas, como absurdamente 
ocorre hoje; 
b) diminuição dos gastos com energéticos, especialmente com referência ao 
 
7 (NA) Esse fenômeno, chamado por Furtado de Agricultura Itinerante, está tratado no capítulo II de seu livro 
Furtado (1972). Ver também a atualização dessa discussão em Cano (2006). 
8 (NA) À medida que o capitalismo no agro se intensificou, particularmente a partir da década de 1980 e a 
fronteira agrícola se expandiu ainda mais para o CO e o NO, essa situação se modificou, com grandes aumentos 
de produtividade e de produção. 
9 (NA) Também parte deste segmento passou por modernização, além das profundas transformações de sua 
estrutura comercial de abastecimento, que sofre acentuada modernização e concentração capitalista. 
 5
programa do álcool, descentralizando e alternando parte de suas atuais condições de 
distribuição; 
c) discriminar espaços regionais para preservar terras para cultivo preferencial de 
alimentos simples; 
d) facilitar a elaboração e melhor cumprimento de políticas espacializadas de 
preservação do meio ambiente, notadamente nas bacias hidrográficas que abastecem centros 
urbanos. 
2. Política de reforma agrária, que persiga os seguintes objetivos principais: 
a) expandir a produção alimentar; 
b) retenção de parte do êxodo rural-urbano, pelo aumento da ocupação rural; 
c) melhoria do padrão de vida da mão-de-obra rural; 
d) aumentar o uso de terras ociosas e dar-lhes eficiência produtiva. 
Esta política deveria ser formulada respeitando a política de zoneamento agrícola, e 
sua estratégia deveria contemplar dois momentos de atuação: uma imediata, para 
regularização jurídica e para atender os mais graves e inadiáveis conflitos explicitados; a 
outra, de longa duração - a propriamente chamada reforma agrária - elaborada e implantada 
conjuntamente com as demais políticas agrícolas, notadamente a de zoneamento da produção. 
3. Política social rural, para acabar de vez com as condições deprimentes em que vive 
a maioria de nossa população rural. 10 Ela deveria perseguir; 
a) melhorias das condições de trabalho; 
b) consolidação jurídica das relações do trabalhador rural; 
c) atendimento sanitário e educacional; 
d) atendimento à questão habitacional para os que trabalham no campo, 
perseguindo o objetivo de conter e retardar o fluxo rural-urbano. 
4. Política de diferenciação do uso dos instrumentos de política econômica, tais como 
os preços mínimos, seguro agrícola, crédito de custeio e de investimento, taxas de 
armazenagem, assistência técnica e compras governamentais para regularização de estoques. 
A diferenciação aqui sugerida é distinta da atual, que persegue, grosso modo, atender às 
regiões menos desenvolvidas (NO e NE) e aos pequenos produtores. Essa diversificação não 
basta, e é preciso aplicá-la como decisivo instrumento de apoio à política de zoneamento 
agrícola, às metas de produção de alimentos simples, com os objetivos de emprego rural e de 
melhoria das condições de vida dos que trabalham no mundo rural. 
Concluindo, penso que a complexa e crescente interação rural/urbana (Agricultura / 
Indústria / Serviços) requer, urgentemente, uma radical mudança no Processo de 
Planejamento. Entendo que a interação dos problemas e das propostas para suas soluções 
(metas e objetivos das políticas setoriais) deve ser feita mediante um trabalho conjunto das 
instituições envolvidas. 
 
10 (NA) Essa população teve melhoria de suas condições, principalmente a partir da Constituição Federal de 
1988, com a aposentadoria rural, com o Estatuto do Idoso (“aposentadoria” aos maiores de 65 anos) (2003) e 
com os programas mais recentes tipo Bolsa Família e reajustamento real do salário mínimo, notadamente a partir 
de 2006. 
 6
Assim, o Ministério da Agricultura faria uma primeira formulação da política 
agropecuária, mas esta seria submetida - junto com as demais políticas setoriais elaboradas 
por seus respectivos Ministérios - a um “Conselho lnterministerial” que daria o ajuste final da 
compatibilização com os demais. 
 
 
3- Dinâmica da Economia Urbana de São Paulo: uma proposta de investigação1 
 
 
Wilson Cano2 
 
1- Introdução3 
 
O objetivo deste texto é discutir a necessidade de uma urgente reformulação do 
diagnóstico e do planejamento urbano. Pretendo criticar a visão tradicional "intramuros" que 
tem predominado sobre o espaço urbano brasileiro. A dinâmica da Economia Urbana tem sido 
estudada de maneira específica, quando, a meu juízo, deveria ser pensada num plano global e 
integrado da economia. 
Há que discutir alternativa metodológica para estudar e planejar o urbano, não em seus 
específicos limites, mas como produto de uma dinâmica sócio-econômica, que transcende os 
limites do urbano. Assim, devemos contemplar, além das variáveisque atuem dentro de um 
contexto urbano específico, outras que embora pertençam a outra esfera - a rural - ou a outros 
espaços urbanos, têm crucial importância sobre uma específica dinâmica urbana. O espaço 
aqui enfocado será o do Estado de São Paulo. 
Diferente desta proposta, a visão "intramuros" estuda o urbano praticamente dentro de 
seus específicos limites. Não analisa o papel exercido sobre o urbano, pela agricultura 
paulista. Não cogita também, do papel das dinâmicas regionais do Brasil sobre a expansão da 
massa urbana paulista. Quando muito, considera apenas alguns de seus efeitos aparentes e 
imediatos. 
Essa forma de diagnosticar o urbano tem estreitado a capacidade analítica sobre sua 
dinâmica. Tem permitido projeções ("ao ano 2.000") superficiais de nossas cidades, em que 
pese a sofisticação econométrica e sociométrica crescentemente adotada. Refeito o 
diagnóstico, essa visão também deverá ser superada na fase do planejamento, o que ensejará 
novo detalhamento das principais variáveis responsáveis pela renda e pelo emprego urbano. 
A primeira parte do texto ("Questões para um novo planejamento urbano"), critica o 
objetivo explicitado nas políticas de interiorização e de descentralização industrial, propondo 
readequação da metrópole e uma política de localização regional de atividades econômicas. 
Tais questões também estarão relacionadas com a do constrangimento atual das finanças 
públicas estaduais e municipais. 
 
1 Texto publicado na Revista de Administração de Empresas-ERA, FGV-SP, São Paulo, v.25, no. 1 ; jan-
mar/1985 
2 Professor Titular do DEPE – UNICAMP (NA) DEPE, Depto.de Estudos e Planejamento Econômico era a 
célula institucional que deu origem ao atual Instituto de Economia da Unicamp. 
3 Este texto tem como base relatório de pesquisa feito pelo autor em Convênio com a 
FUNDAP/UNICAMP/DEPE. ("Proposta metodológica sobre o desenvolvimento da economia paulista e a 
problemática de sua urbanização"; documento-base; UNICAMP; Campinas, 3/1983 - mimeo). (NA) O projeto, 
abarcando o período 1920-1970, foi executado, e publicado em 1988. Posteriormente, dei continuidade a essas 
pesquisas, publicando as referentes aos períodos 1970-1989 e 1970-2005. Ver, na Introdução deste livro, as 
respectivas referências bibliográficas. 
 
 2
A segunda ("Questões para um novo diagnóstico"), procura se concentrar na revisão 
da periodização e do espaço. A complexidade da periodização aumenta, dada nossa intenção 
de se afastar daquela visão que se encerra "intra-muros". Ao procurarmos investigar a 
influência de outros espaços sobre a dinâmica do setor urbano, defrontamo-nos com variáveis 
de distintas periodizações. Quanto ao âmbito espacial do diagnóstico, os cortes analíticos 
levarão em conta o município de São Paulo, a aglomeração metropolitana e as principais 
regiões do Estado. 
A terceira parte especifica os principais determinantes da dinâmica urbana. Considero, 
primeiro, os determinantes externos ao Estado de São Paulo, que atuam na dinâmica urbana 
deste Estado. Em seguida, especifico os principais determinantes internos ao Estado de São 
Paulo, sobre os quais a análise setorial ganhará destaque. Há que evidenciar o impacto que as 
dinâmicas agrícola e industrial exercem sobre a do setor terciário, além da dinâmica interna 
própria e restante do urbano, stricto sensu. As ações da política econômica atuantes sobre a 
dinâmica urbana também serão contempladas. 
 
2. Questões para um novo Planejamento Urbano 
 
A população paulista cresceu, ao longo do período 1940/80, de 7,1 milhões para 25,0 
milhões de habitantes, isto é, 3,5 vezes, ao passo que sua população urbana, no mesmo 
período, passou de 3,2 milhões para 22,5 milhões de habitantes, isto é, 7 vezes, mostrando o 
"caráter explosivo" dessa expansão. A taxa de urbanização do Estado é cerca de 88% e a da 
Grande São Paulo próxima a 96%, aqui se concentrando a maior parte da população urbana 
estadual. 
O vaticínio e o temor de uma "explosão" demográfica, "vis-à-vis" o agravamento das 
finanças públicas, estimulou, salvo raras exceções, formas de pensar "soluções" 
escamoteadoras ao problema urbano. Isso foi reforçado pelo autoritarismo pós 1964 e as 
falsas soluções resultaram de posturas político-institucionais como as de que: "São Paulo 
precisa parar"; "faz-se necessário uma política de interiorização da indústria”; "faz-se 
necessária uma política de desconcentração industrial" e outras semelhantes. 
Face a esses simplismos, pergunta-se: quais as questões centrais que nortearam as 
diversas "políticas" setoriais e regionais? Como foram consideradas as questões técnicas e 
políticas? Quais se sobrepõem prioritariamente a outras? O tema apresenta questões 
extremamente complexas que não podem ser respondidas de forma superficial. 
Neste trabalho pretendo chamar a atenção para alguns equívocos, pois a leitura crítica 
daquelas medidas e do seu discurso político permite-nos concluir que as orientações para tais 
políticas de interiorização "privilegiaram" a questão espacial, em detrimento da social. Essa 
postura tecnocrática produziu, ao longo das últimas duas décadas, um grande acervo de 
planos, programas e projetos de discutível aplicabilidade concreta, reduzida eficácia e alta 
dose de distanciamento para com os problemas mais graves que afetam a parte maior da 
sociedade brasileira, notadamente a de baixa renda. 
A titulo de ilustração, merece destaque a intenção do Governo Federal em obrigar, 
indistintamente, os municípios brasileiros a adotarem o conhecido "Plano Diretor de 
Desenvolvimento Integrado - PDDI", que nada mais foi do que uma forma de ampliar a 
demanda por serviços tecnocráticos bem remunerados. Argumentava-se que os municípios 
 3
com PDDI's aprovados encontrariam maiores exeqüibilidades para obter recursos financeiros 
na esfera federal. No entanto, ao se adotar tal medida estava-se usurpando recursos da própria 
esfera municipal, face aos elevados custos para elaboração desses Planos. 
O exposto tem a finalidade de contrapor as questões técnicas às de ordem política. As 
orientações tecnocráticas padeceram sempre do mesmo vicio, isto é, foram implantadas nos 
marcos do modelo centralizador e autoritário que ainda permanece na estrutura político-
administrativa federal. Essa postura esteve duplamente viciada na sua origem: porque o 
regime autoritário promoveu uma produção tecnocrática e, porque se valeu de interpretação 
insuficiente e pouco crítica do fenômeno da urbanização. 
Para explicitar melhor nossa crítica, lembremos da política de interiorização que 
norteou os governos paulistas durante a década de 1970. Sua leitura atenta deixa clara a quase 
ausência de considerações sobre a dinâmica da urbanização e sobre as especificidades maiores 
da estrutura produtiva da economia paulista; da interação de sua agricultura - que passou por 
profundas transformações - com o próprio setor industrial; a questão da adequação ou não da 
oferta e demanda de serviços urbanos nas diversas regiões do Estado, etc. 
Entendo que a interiorização do desenvolvimento deve ser estudada como um 
processo mais geral pelo qual passa a economia capitalista que envolve tanto questões 
migratórias e as atinentes à intensificação capitalista da produção no campo, como as da 
própria dinâmica da expansão e diferenciação dos serviços nos grandes centros urbanos. 
Assim, há que se entender criticamente o sentido da política de descentralização 
industrial (ou a da interiorização) sem o que persistirá o risco das falsas soluções. Requer-se 
um repensar das políticas concebidas para as áreas metropolitanas e sua possível readequação. 
Alem disso, faz-se necessário o desenho de uma efetiva política de localização industrial e 
repensar a dinâmica do fenômeno da urbanização, substituindo-se sua visão "intramuros". 
Estas sugestões serão aprofundadas na terceira parte deste texto. 
Isso posto, cabe responder de forma mais detalhadaà seguinte questão: porque, nas 
circunstâncias políticas e econômicas atuais, as poli- ticas de interiorização do 
desenvolvimento e/ou de descentralização industrial, são escamoteadoras? 
O escamoteamento reside no fato de que tenta-se interiorizar e/ou "descentralizar" 
indústrias, atividades de ordem econômica de modo geral e, até mesmo órgãos estaduais, 
como foi a proposta da "Nova Capital", durante o governo Maluf, a pretexto de "harmonizar a 
expansão urbana face ao chamado caos urbano". Ou seja: a pretexto de desenvolver o interior 
(do país ou de um Estado) tenta-se, na verdade, transferir espacialmente alguns problemas de 
complexa solução. Por exemplo, transferir determinada indústria poluidora porque o custo 
político e econômico da despoluição é alto.4 
Lembremos que o desenvolvimento econômico do país, nos últimos 50 anos, não se 
resume à considerável expansão industrial, com seus enormes efeitos de urbanização. Isto foi 
acompanhado por uma expansão capitalista diversificada na agricultura, que também 
repercute no urbano, não só com efeitos positivos, mas também com os efeitos negativos do 
êxodo rural. Além disso, não se pode ignorar a considerável expansão havida com o terciário 
e a construção civil. 
 
4 (NA) A palavra transferir, aqui não dever tomada à risca, isto é , de uma transferência física de uma atividade, 
de um local para outro, mas também, e principalmente, o de desconcentrar a produção, fenômeno que pode não 
envolver qualquer transferência física do local A para B, mas tão somente, resultar de um aumento da 
participação de B no conjunto espacial em questão (A+B). 
 4
A escamoteação também decorre de que, ao não se estudar profundamente a dinâmica 
do urbano, é incorreto tentar-se descentralizar a economia urbana, valendo-se de precários 
estudos de processos insuficientemente interpretados. Ainda é precário o conhecimento dos 
custos derivados da descentralização e/ou interiorização, como também pouco se sabe sobre a 
interação da agricultura com a indústria e destas com a dinâmica das cidades. Não é demais 
lembrar que existem indústrias que apresentam difíceis problemas técnicos e econômicos para 
uma eventual mudança espacial. 
O autoritarismo tecnocrático e a ausência de um correto diagnóstico tornou o poder 
público estadual e municipal impotente financeira, política e tecnicamente diante dessa 
incontida expansão urbana. O resultado não se fez esperar: os Estados adotaram rapidamente 
a fórmula simplista da "descentralização" e os municípios a ilusão das políticas de atração das 
indústrias. 
Diante desse quadro confuso há que pensar em readequações das regiões 
metropolitanas ao mesmo tempo preparando e adequando novas áreas de menor dimensão 
(em outras cidades), a fim de antecipar-se ao agravamento de problemas que persistirão nas 
grandes áreas metropolitanas e que vêm gerando a degradação de cidades de porte médio. 
Para que essa proposição possa ser melhor estudada ha que se ter claro que está 
inserida dentro de uma nova postura política e que passa, necessariamente, pelas questões da 
participação das finanças públicas e da construção das linhas gerais de uma efetiva e dinâmica 
política de localização de atividades econômicas. 
Com relação às readequações das regiões metropolitanas, ha que ver com outros olhos 
a questão da finança e do gasto público e se fazer um planejamento urbano que dê conta dos 
reais interesses da coletividade e não aqueles decorrentes dos determinantes dos lucros 
imobiliários que, em grande parte, estimulam uma verdadeira ciranda de especulação 
imobiliária. 
Algumas administrações de cidades de porte médio do interior de São Paulo adotaram 
postura mais crítica a essas questões, viabilizando, com seus próprios recursos, melhores 
soluções para alguns problemas urbanos. 
Contudo, tem predominado a postura tradicional. Por exemplo, a localização de 
conjuntos habitacionais tem significado, predominantemente, a "urbanização" de espaços 
vazios destinados à especulação.5 Conseqüentemente, os problemas daí advindos (transportes 
coletivos, saneamento básico, iluminação pública, etc.), passam a onerar em demasia os 
gastos públicos. Por isso, faz-se necessário, também, repensar a alternativa do crescimento 
horizontal ou vertical das cidades. 
É oportuno lembrar a necessidade urgente de se efetivar a participação democrática do 
povo na tomada das decisões. Embora constituísse uma das principais promessas explícitas 
dos candidatos de oposição nas eleições de 1982, foi escassamente posta em prática. 
Recentes e elevados aumentos na carga tributária estadual e de inúmeros municípios, 
sem ampla discussão e consulta atestam sua ausência. A continuidade da "privatização" do 
setor público corrobora o fato. Diante da autoritária e consumada estrutura tributária nacional 
as Prefeituras Municipais - de oposição ou não -, com raras exceções, acostumaram-se a isso, 
continuando a exercer em estilo privado - com objetivo de “lucro” -, gastos que são 
 
5 (NA) Ver, neste livro, o texto Reflexões sobre o papel do capital mercantil... 
 5
essencialmente públicos. Esta maneira de operar a coisa pública, somente poderá ser alterada 
mediante decisiva participação popular. 
A questão da localização das atividades produtivas deve considerar as especificidades 
setoriais, mas também seu inter-relacionamento multisetorial. Uma política de zoneamento 
agrícola, do ponto de vista macro-regional, além de levar em conta os tipos de solo, clima, 
topografia, etc., deve ser acoplada a uma efetiva política de minimização de custos de 
transporte, de armazenamento e, fundamentalmente, a uma política de abastecimento micro e 
macro-regional. 
Por sua vez, a "política" de localização industrial, deve ser modificada em relação a 
seus atuais padrões. Hoje está lastreada por uma política generalizada de incentivos ao capital. 
É necessário, portanto, elaborar uma política setorial que determine corretamente quais os 
setores e regiões que devem ser disciplinados. 
Para isso, uma política de localização industrial deve levar em conta os problemas 
técnicos de complementaridade industrial, (por exemplo, as especificidades dos complexos 
agro-industriais ou de outros complexos) e a melhor utilização dos recursos naturais, entre 
outros aspectos. É bom ter presente que a indústria é um setor que contém muitas 
especificidades (técnicas, econômicas, de escala, etc.) e, portanto, uma política de localização 
deve, necessariamente, levá-las em conta. 
Com respeito a relocalização industrial, deveria haver maior coordenação por parte do 
governo federal, no sentido de, democraticamente, ouvir os interesses regionais. Com isso, é 
de nosso entender que uma política de relocalização ou descentralização industrial deverá 
levar em conta as especificidades de cada área e setor. 
Por exemplo, o tratamento dessas questões nas áreas metropolitanas antigas não pode 
ser equivalente ao das áreas metropolitanas emergentes. Hoje, mesmo com o alto poder 
discricionário que tem, o Governo Federal não possui uma política nacional de localização 
industrial que contemple aquelas especificidades. Ao contrário, ela tem sido discricionária e 
autoritária, valendo-se, antes, por critérios tecnocráticos ou de políticas de clientelismo. 
Complementarmente, e de acordo com as determinantes principais da dinâmica da 
urbanização, deve-se pensar em acoplar a uma política de descentralização (desconcentração) 
industrial, políticas de localização de atividades do setor terciário que são direta ou 
indiretamente complementares à atividade econômica e/ou necessárias ao aglomerado urbano. 
Passa ainda pelo problema da localização, a controvertida questão dos critérios do uso 
do solo urbano, cujo debate tem aumentado devido à recente proposta do Governo Federal em 
alterar a atual legislação6, proposta que pode ferir ainda mais a autonomiamunicipal. A 
complexidade desse problema transcende os limites deste trabalho. 
Cabe lembrar ainda que um planejamento urbano eficiente e que atenda 
prioritariamente as populações urbanas de baixa renda, não pode ignorar o problema da 
especulação imobiliária. O disciplinamento do uso racional do solo e o combate à especulação 
imobiliária constituem posturas decisivas para aquele atendimento popular. 
Sem tais atitudes não há como praticar uma política habitacional e de infra-estrutura 
acessível àquelas camadas. A que se pratica hoje no Brasil, é a antítese da que deveria ser 
feita. Através da especulação e do desordenado uso do solo se pratica uma política 
habitacional absurda e que resulta no seguinte: maior valorização especulativa de terrenos; 
 
6 (NA) A legislação referida era a contida na Lei Lehmann (6766/1979). 
 6
maior custo de inversão e manutenção da infra-estrutura feita; maior distância de transporte; 
impossibilidade de melhor atendimento social (saúde, educação, segurança, lazer) , etc. 
Com o processo de abertura política ampliou-se o debate sobre a excessiva 
concentração dos recursos tributários na esfera federal. Este debate concluiu pela necessidade 
de uma profunda e urgente reforma tributária. Seus objetivos centrais seriam: restaurar a 
crônica situação das finanças estaduais e municipais; repor a autonomia dessas duas esferas 
institucionais e, ao mesmo tempo restaurar o caráter público e social dos atuais serviços 
“públicos”. 
Contudo, enquanto não se alcance essa medida, não se pode permanecer na 
imobilidade decorrente da manutenção do atual Código Tributário Nacional, para solucionar 
os graves problemas urbanos.7 Enquanto for mantido esse impasse, julgo que a alternativa 
mais conveniente é a de se tentar analisar a questão do ponto de vista do gasto público. 
Não se trata, contudo de se repensar o gasto público tecnocraticamente. Isto tem sido 
feito durante os 20 anos do autoritarismo. O que se necessita urgentemente é abandonar a 
postura tecnocrática e adotar uma postura política que atenda às efetivas necessidades e aos 
anseios democráticos do povo. 
Caso contrário, os estados, e principalmente os municípios continuarão a atuar 
basicamente pelo lado da receita pública, majorando impostos, taxas, tarifas e preços 
públicos, acima, inclusive do nível geral de preços, sem qualquer consideração sobre o poder 
aquisitivo do contribuinte. 
Muito embora a tecnocracia tenha sido imposta no Governo Federal, ramificou-se, via 
autoritarismo, nos estados e nos municípios. Por isso, se requer uma profunda discussão e um 
trabalho de repensar politicamente a aplicação dos recursos públicos. 
Durante esses anos todos, punidos pelas finanças públicas, as autoridades estaduais e 
municipais privilegiaram certos investimentos que, dadas as condições de seu financiamento e 
a estreiteza de recursos "exigiam" uma taxa de retorno, tal qual no setor privado. Por outro 
lado, várias atividades antes atendidas por uma Repartição Pública, passaram a sê-lo por 
Empresas Públicas que, como tais, vieram também a se comportar como empresas 
capitalistas, vendendo serviços públicos como se fossem privados, objeto de mercado e de 
apropriação particular. Não escaparam a essa conduta, coisas como o fornecimento de água, 
energia elétrica, telefonia, serviços funerários, manutenção rodoviária e habitação popular. 
O transporte coletivo, por exemplo, deixou de ser um serviço público para se 
institucionalizar como um dos negócios mais rendosos na esfera privada municipal. Não há 
sequer, uma política estadual para as tarifas municipais. Cada município tem sua própria 
política tarifaria e chega-se ao absurdo de um ônibus em Campinas, com trajeto de distância 
4 a 5 vezes menor que algumas linhas da Capital, praticar tarifa mais alta do que a de São 
Paulo. 
Essa postura impede até mesmo que se pense em novas alternativas para esse 
importante serviço. Embora tenhamos consciência de que só com a descentralização 
 
7 (NA) A Constituição Federal de 1988 modificaria aquela estrutura repartitiva, aumentando a participação dos 
governos estaduais e municipais na receita. Porém o governo federal usou de outros ardis, usando as 
Contribuições Sociais como meio de anular grande parte do efeito redistributivo. O pior ato foi o da negociação 
das dívidas públicas daqueles entres subnacionais com o federal, em 1995 que causou profundo abalo na 
capacidade financeira daqueles entes 
 7
financeira haverá recursos para se reprogramar esse serviço, ainda há muito a fazer, dentro 
das próprias limitações atuais. 
A canalização e distribuição de água potável e a coleta de esgotos sanitários são 
tratados de modo diferenciado no Estado como um todo; parte dos municípios são atendidos 
pela SABESP e o restante por serviços municipais locais. Esse é um serviço que deve ter 
tratamento homogêneo pelo Governo Estadual e que o planejamento urbano deve levar em 
conta, pois não se pode ter dentro do mesmo Estado, disparidades tão gritantes, como o da 
precariedade das redes de água potável e de esgotos de muitos municípios paulistas. 
As tarifas também devem ser revistas, tendo em conta as disparidades entre o custo do 
serviço e a renda diferenciada das famílias. O ideal seria uma política de preços diferenciados, 
com tarifas progressivas, privilegiando-se as famílias de mais baixa renda. 
O Governo do Estado de São Paulo tem elevada participação na geração e distribuição 
de energia elétrica no território estadual. No entanto, as decisões para a expansão da rede de 
iluminação pública estão sob responsabilidade dos municípios, responsáveis por grande parte 
dos investimentos da extensão das redes. Assim, os de menor arrecadação tributária privam 
seus contribuintes desse importante serviço. Portanto, dever-se-ia mudar a ótica dessa 
questão, retirando-lhe o peso desse investimento, sem, contudo, retirar-lhe a autonomia da 
decisão. 
Por outro lado, os serviços de educação e saúde - cujo aumento de demanda é induzido 
pela urbanização - contam com reduzidas dotações orçamentárias e sofrem ainda do mal da 
pulverização de recursos. Paradoxalmente, o problema é agravado pela obrigatoriedade de 
aplicação de recursos, por meio de tributos vinculados, como no Fundo de Participação dos 
Municípios (FPM), onde 20,0% dos recursos devem ser aplicados em Educação e Cultura, de 
preferência no Ensino de 1º grau. No caso do Estado, essa obrigatoriedade é integral, no que 
diz respeito à quota-parte estadual do salário educação. 
A tecnocracia, ao criar a obrigatoriedade de alocação de recursos em gastos de capital, 
em detrimento dos de custeio, tem proporcionado muitas obras públicas que, contudo, 
oferecem péssimo atendimento. É o caso de hospitais e de escolas que, em que pese disporem 
de instalações, não dispõem de materiais de consumo e de pessoal convenientemente 
preparado e remunerado. 
Ainda, há que se lembrar que planejar significa também manter o que existe, e não 
apenas criar novas obras e equipamentos sociais. De outro modo, corre-se o risco de piorar 
ainda mais a manutenção do existente, ao mesmo tempo em que se compromete as metas a 
serem atingidas pelo planejamento. 
O grave problema das "cidades-dormitório" também deveria ser repensado, pois suas 
receitas municipais são insuficientes para resolver seus problemas mais simples, quanto mais 
arcar com a responsabilidade adicional de tentar resolver problemas que são causados, acima 
de tudo, por questões externas ao limite dos seus municípios. A situação financeira desses 
municípios tende, a longo prazo, ao agravamento, dado que parcela significativa de sua 
população trabalha em outros municípios, ali gerando rendas, empregos e impostos. 
Essas populações, ao residirem em municípios de menores recursos e renda, 
potenciam as dificuldades financeiras desses municípios, pois constituem agrupamentode 
pessoas de baixa renda e, portanto, de reduzida capacidade de contribuição de impostos. 
 8
Por possuírem baixos rendimentos, são carentes de necessidades básicas como saúde, 
habitação, saneamento básico, pavimentação, etc. Face às questões ora levantadas pressionam 
fortemente as autoridades locais, que são impotentes para oferecer esses serviços, o que 
deteriora ainda mais as condições de vida dessa mesma população. 
Como enfrentar essa questão? Dever-se-ia pensar em formas de redistribuição estadual 
macro-regional dos recursos. Por exemplo, cotejando-se a arrecadação, renda, emprego e 
domicílio gerados em cada espaço, com a redistribuição espacial das necessidades básicas das 
populações de baixa renda, explicitadas espacialmente. 
Afora as questões antes levantadas, o planejamento urbano deve estabelecer uma 
metodologia que concilie as responsabilidades em cada esfera de Governo, ao mesmo tempo 
em que deve utilizar da melhor maneira possível, os recursos disponíveis. Deixemos claro, 
porém, que estamos propondo apenas uma reorientação do gasto público entre os três níveis 
de Governo em termos cooperativos, escapando-nos, no momento, a discussão da questão 
mais profunda que é a Reforma Tributária. 
 
3. Questões para um Novo Diagnóstico 
 
Porque o planejamento urbano não tem tido maior eficácia? Certamente, não por falta 
de Planos Urbanísticos Gerais, Planos Diretores e outros, produzidos em quantidade nas 
últimas décadas. Além de apoio político, institucional e financeiro, sua coerência, diante de 
uma dada realidade, requer, antes de tudo, um correto e abrangente diagnóstico. 
Contudo, previsões precárias como a de que haverá uma "explosão urbana no ano 
2000", vaticinadas para várias áreas metropolitanas - como a do México, para a qual se estima 
30 milhões de habitantes e para a de São Paulo, que viria a ter 25 milhões -, em função de 
"tendência", colaboram para manter a equivocada maneira de diagnosticá-las.8 
Propomos aqui não o abandono do estudo histórico (para estimar “tendências”), mas 
sua revisão, no sentido de incorporar-lhe as mudanças que vão ocorrendo não só no espaço-
objeto do diagnóstico, mas também em outros espaços e outros setores que podem alterar, 
nesse espaço-objeto, a tendência até então observada. 
Como tentarei mostrar na parte 3, os cortes periódicos deverão ser feitos, sempre que 
possível, não só para obter os "resultados líquidos da década", como tem sido a utilização 
censitária, mas sim, para perceber a natureza e a dinâmica do processo de urbanização, e levar 
em conta as transformações fundamentais ocorridas no período. Entre estas, devem ser 
examinadas as alterações: na dinâmica da produção e do emprego; nos níveis setoriais da 
produtividade do trabalho; nos fluxos migratórios e suas causas; na política econômica e 
políticas urbanas. 
No que tange ao diagnóstico urbano municipal, deve-se estudar o processo de 
apropriação privada do solo urbano, sua utilização e a variável que inexoravelmente o 
acompanha, a especulação, que tem sido a principal responsável pela ausência de melhor 
atendimento às necessidades sociais das populações da periferia de nossas cidades. 
 
8 (NA) Com efeito, os dados censitários de 2000 mostrariam que as metrópoles de São Paulo e do México 
teriam, respectivamente, 17,5 e 17,6 milhões de habitantes. 
 9
Estas transformações têm sido pouco consideradas pelos planejadores urbanos. 
Exemplifiquemos um pouco o problema através de alguns fatos ocorridos nos espaços de São 
Paulo e em espaços rurais ou urbanos de outras regiões que não o da área metropolitana ou do 
Estado de são Paulo, mas que geraram efeitos importantes tanto nessa área como nos 
principais núcleos urbanos do Estado de são Paulo: 
- as grandes áreas do Nordeste e a contínua expulsão rural naquela região, geram 
fluxos migratórios que desde muito tempo demandam os mercados de trabalho do Estado de 
São Paulo, contribuindo fortemente para sua expansão demográfica, notadamente para sua 
área metropolitana. 
- a erradicação do café no Paraná, durante a década de 1960, gerando forte fluxo 
migratório demandando outras áreas rurais ou urbanas do país e boa parte dele se dirigiu para 
o Estado de São Paulo. 
- a intensificação capitalista, no complexo soja-trigo no extremo sul do país, 
diminuindo a minifundização naquela região promoveu também importante fluxo migratório 
que, embora demandasse várias regiões do país, encontrou acomodação parcial no Estado de 
São Paulo. 
- as transformações tecnológicas que ocorreram na própria agricultura de São Paulo, 
alteraram sua estrutura de emprego, e aumentaram a quantidade de trabalhadores temporários, 
principalmente nas culturas de algodão, café, cana-de-açúcar e laranja. Esses trabalhadores - 
"os bóias-frias” -, produzem no setor rural, mas são obrigados a residir na área urbana, com 
isto repercutindo fortemente no crescimento periférico de várias cidades médias do Estado de 
São Paulo. 
- a própria dinâmica cíclica da indústria paulista, tem gerado, em sua expansão física, 
uma série de transformações qualitativas na estrutura do emprego urbano, de forma direta e 
indireta. 
Dentro do próprio setor serviços, podemos distinguir dois tipos de fenômenos de 
longo prazo que decorrem das transformações por que passam as maiores aglomerações 
urbanas. Parte desses fenômenos constitui efeitos positivos, que decorrem de alterações da 
demanda pessoal. Isto repercute positivamente na estrutura da oferta de serviços, reajustando 
também o nível e a estrutura do emprego. Contudo, também surgiram efeitos negativos, 
repercutindo na constituição de ampla e crescente marginalidade urbana, promovendo a 
"inchação" do terciário, também chamada de "proliferação de serviços informais". 
Esses exemplos reforçam nossa preocupação de que no diagnóstico histórico e 
também na prospecção para o planejamento, a periodização constitui problema dos mais 
complexos. Ou seja: fenômenos com dinâmicas específicas, ocorrendo em espaços distintos 
(A,B e C) e em períodos distintos (t1, t2 e t3), ensejam num mesmo momento (suponhamos, 
t4) diversos efeitos sobre um mesmo espaço urbano (D). 9 Acrescentem-se ainda mudanças 
estruturais de longo prazo (renda, costumes, saúde, educação, e outras), que podem afetar 
sensivelmente as taxas médias de crescimento demográfico no longo prazo.10 
Note-se que esses efeitos, - como se verá na seção três - tanto se manifestam no nível 
do emprego quanto no da renda. Vale dizer: sua explicitação demográfica repercute também 
na ótica da demanda por novas necessidades sociais e pressiona as finanças públicas para 
 
9 (NA) Estes símbolos (números e letras) não constavam da edição original. 
10 (NA) Adendo feito para esta edição. 
 10
novos atendimentos. Como se vê não se pode pura e simplesmente fazer projeções das 
tendências demográficas "dos últimos 20 anos" sem se dar conta daqueles fenômenos. No que 
se refere à questão do espaço, deve-se considerar suas grandes transformações de longo prazo 
e a insuficiência da regionalização "político-administrativa", como a do tipo "Município de 
São Paulo", da mesma forma que é necessário ter consciência da complexidade envolvida ao 
se tomar como corte analítico, um agregado do tipo "Grande São Paulo". 
Essa complexidade decorre do fato de que, esse espaço maior - a Grande São Paulo -, 
compreende espaços com graus diversos de heterogeneidade, como as áreas que constituem 
espaços predominantemente com função de cidade-dormitório e outros, que tem como função 
primordial à produção industrial. Evidentemente, cada um desses espaços apresenta dinâmicas 
distintas de expansão, assim como problemáticas distintas no que tange à questão da finança e 
do gasto públicos. 
Por outro lado, a área do Estado de São Paulo que exclui sua região metropolitana hoje 
é administrativamente dividida em onze "regiões". Essa

Continue navegando