Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
EDUCAÇÃO E EXCLUSÃO: O FENÔMENO DE FAVELIZAÇÃO MARQUES, Antonio Ricardo Castellar – UERJ ricastel@click21.com Resumo Há 507 anos o Brasil foi invadido pelos colonizadores europeus. O objetivo foi o enriquecimento da metrópole. Na realização deste objetivo, previa-se muito trabalho pesado e a solução encontrada por eles foi à oficialização da escravidão no país como política sócio-econômica; escravidão não rima com solidariedade, nem inclusão. As conseqüências desta política contaminaram negativamente as relações raciais e sociais em todo Brasil e, até hoje estamos colhendo seus malefícios. Partindo desse pressuposto, desde o nosso “descobrimento”, ser homem, euro-descendente e com posses (bens materiais); é bem diferente de ser mulher, afro- descendente e pobre. Assim sendo, com os adventos do capitalismo e da globalização, outros cidadãos passaram a ser vítima de preconceito e ser excluído socialmente foram: os analfabetos e retirantes. Portanto, escolhi como objeto de pesquisa para este trabalho, o processo de favelização; tendo em mente a relação entre causa e efeito, onde um acontecimento pode desencadear em outros, utilizo esse raciocínio para investigar e problematizar fenômenos que se apresentam no nosso cotidiano. Inicialmente o que me leva a compreender o fenômeno são as questões que de início ficam evidenciadas. Compreendendo estes princípios como um dos pilares básicos para a (re)construção de conhecimentos na escola (ou em outros espaços que sirvam para elucidação de conhecimentos e transmissão de saberes) e a necessidade de organização de um currículo integrado, escolhi o processo de favelização como fenômeno a ser problematizado e analisado. Otimizando elaborar um currículo emancipatório e comprometido com a construção de uma identidade perdida no perverso processo de dominação e que se proliferou paralelamente ao crescimento da nação; interagindo com o meio baseado na ideologia Paulo Freire e fazendo da educação um dos meios possíveis para emancipação dos cidadãos menos favorecidos e assim corroborando com a teoria de Weber de que existem três meios para o individuo migrar de classe. Palavras-chave: Educação; Exclusão; Favelização; Menos-favorecidos Introdução Em 1500, o Brasil foi descoberto e/ou invadido pelos colonizadores portugueses. O objetivo foi o enriquecimento de Portugal. Na realização deste objetivo, previa-se muito trabalho pesado e a solução encontrada por eles foi à oficialização da escravidão, tanto do nativo (índio), quanto dos negros oriundos do continente africano, como política econômica, formando desde essa época uma camada social dos menos favorecidos, baseado apenas na questão étnico-racial, originando assim, desde então o preconceito racial. 3362 As conseqüências desta política contaminaram negativamente as relações sociais e raciais, assim como as práticas de ensino. Uma vez que somente uma elite privilegiada tinha acesso ao ensino de ponta, os de mais integrantes da população eram exclusos de qualquer forma de educação ou tinham noções básicas sobre os conhecimentos a serem relevantes na sociedade, pois a elite necessitava de uma mão-de-obra com o mínimo de conhecimento, que deveriam ser lecionados nas escolas, mas que nem sempre são ou muitas vezes muitos cidadãos não têm acesso a essa, originando dessa forma um novo tipo de descriminação, referente aos cidadãos que não possuíssem certo grau de instrução (analfabetos), ampliando assim a classe social dos menos favorecidos; indo agora, além das questões étnico-raciais. É bem verdade, que esse quadro pouco se modificou, desde aquela época, até nossos dias. A prática dessa política excludente e segregacionista, só serviu para reiterar as desigualdades sociais em todo o Brasil e até hoje estamos colhendo os seus malefícios. Assim sendo, esse contingente social dos menos favorecidos, só fez crescer, visto a falta de políticas públicas na área de educação. Portanto, enxergo a educação como ponto principal, para realização de debates e deliberações, almejando a superação de mazelas históricas, otimizando a (re)construção de conhecimentos na escola (ou em outros espaços que sirvam para elucidação de conhecimentos e transmissão de saberes), tendo como necessidade principal, a interdisciplinaridade e a (re)organização de um currículo integrado, objetivando encontrar pistas para possíveis soluções eficazes em um país marcado por políticas arcaicas de branqueamento, machistas, patriarcal e preconceituosa. Ao ressaltar certas características de nossa sociedade, como sendo um país machista e patriarcal, detectamos um novo componente a esfera social dos excluídos e menos favorecida, as mulheres. Fazemos parte de uma sociedade capitalista, global, materialista, marcada pelo contraste social, com má distribuição de renda, onde o preconceito é uma dura realidade, vitimando grande parte da população (analfabetos, índios, mulheres, negros e pobres) formam o grupo social dos menos favorecidos e que foram excluídos do processo de evolução, ficando a margem da sociedade, formando um grupo de cidadãos que sobrevivem muitas vezes em condições subumanas e que ao longo de nossa história foram excluídos socialmente, simbolicamente, economicamente e ignorados de qualquer projeto referente ao sistema de ensino público. Partindo do pressuposto, entendo a educação como um ato político que tenha como objetivo a emancipação do homem e o exercício de sua cidadania (dentro da lógica capitalista na qual 3363 estamos inseridos); por isso, essa foi sempre um privilégio das classes dominantes e ainda hoje, quando falamos em ensino de ponta, nos deparamos com uma minoria usufruindo dessa vanguarda educativa. Quando falamos em desigualdades sociais, devemos atentar para o culto a “verdade absoluta” que está imbuído na ideologia onipotente capitalista das sociedades pós- industriais; na qual somos parte da sociedade que as atitudes individuais e coletivas, podendo interferir no contexto social de forma mais ampla. Tendo em mente a relação entre causa e efeito, onde um acontecimento pode desencadear em outros, utilizo este raciocínio para investigar e problematizar fenômenos que se apresentam no nosso cotidiano. Nesse sentido a crítica pode ser feita à sociedade capitalista, calcada no fator educacional e sócio-econômico como universalista, deixando de lado as formas de coerência nas culturas em sua pluralidade, e heterogeneidade. Assim atento para a submissão do mundo capitalista ao dinheiro e as necessidades individuais inventadas, que assim colocam o segmento de cidadãos menos favorecidos (analfabetos, índios, mulheres, negros e pobres) socialmente, sendo esse grupo excluído e colocado às margens do processo “civilizatório” ocidental, simplesmente o seduzindo, através do discurso de que a verdade existe e que a ela temos que nos submeter. Por isso, a todo o momento muitos são seduzidos e se acham incapazes de ocupar, por exemplo, uma vaga em propagandas publicitárias, por conta de um padrão de beleza exigido pela mass-media (BOND,1962) ou por não terem tido acesso à educação formal em sua infância. Compreendemos esses fatores como um dos pilares para fomentação do preconceito e outras injustiças sociais. As injustiças do cotidiano alimentam o preconceito de marca (segundo o sociólogo Oracy Nogueira) determinando as regras de uma sociedade pragmática regida por uma cidadania regulada (Segundo o geógrafo Milton Santos) que esta fundada em uma estratificação ocupacional definida por uma norma legal, “legitimando” como cidadão o membro da comunidade que se encontra em ocupação definida por lei, excluindo do processo de distribuição de renda e desenvolvimento da nação, aquele que se encontra fora dos planos desse “desenvolvimentismo” de uma forma perversa e maniqueísta, gerando apobreza estrutural. Percebemos com isso as controvérsias geradas pela exclusão e pela má distribuição renda, porque a sociedade torna-se um lugar de produção e reprodução da desigualdade sócio-educativa e racial. Em um país que se diz “democrático e livre” para a liberdade de circulação e expressão, espaço de fluxo de vai e vem, possui também suas “ilhas”, lugar onde só os ricos ou gabaritados circulam (porque, segundo Weber, existem três formas de estratificação social: econômica, 3364 cultural e política), outros onde só os pobres entram (EX.: favelas) e lugares de passagem, serviços elitistas, serviços populares, espaços democráticos espaços excludentes. É um espaço determinante para o estilo de vida de cada individuo. Sonha-se, vive-se e articula-se conforme o espaço, conforme o que é oferecido. Portanto, percebemos que a cidadania tem bens materiais/classe social, nível de instrução e cargo/hierarquia; além, de vivermos em um ambiente complexo, onde ao mesmo tempo que é de todos, não é para todos. Assim sendo, os analfabetos e iletrados, acabam tornando-se excluídos economicamente, simbolicamente e socialmente ao longo de nossa história, assim como os índios, as mulheres, os negros e os pobres, que formam a base do quadro dos moradores residentes em comunidades carentes (conjuntos habitacionais, favelas e morros), assim como boa parte dos retirantes do norte e nordeste, que migraram para estados do da região sul e sudeste, compondo a classe social dos menos favorecidos e fazendo da educação pública e gratuita de qualidade uma necessidade iminente para atender esses sujeitos, vítima constante de nossa exclusão social e insuficiência de políticas públicas na área da educação. Ressaltando a necessidade de investimentos no campo da educação formal ou informal; assim como das ações afirmativas, como os pré-vestibulares comunitários; além, é claro, da necessidade da implementação de políticas públicas, destinadas para os cidadãos menos favorecidos, como as cotas sócio-raciais em Universidades públicas. As medidas políticas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades históricas acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como provocar perdas provocadas pala discriminação e marginalização, decorrente de posição social ocupada, nível de instrução, questões étnico-raciais, opções religiosa, gênero e outros fatores. Portanto, as ações afirmativas visam combater a insuficiência de políticas públicas e os efeitos negativos acumulados em virtude das injustiças sócio-raciais ocorridas no passado e que se perpetuaram até nossos dias. A partir daí, vemos a necessidade da implantação e aplicação das políticas públicas, socioeconômicas e ligadas ao campo da educação; além, da regulamentação e expansão das ações afirmativas e medidas educativas ligadas à educação formal ou não como os métodos singulares de educação e as cotas universitárias sócio-raciais, visto que ainda hoje, há uma grande barreira econômica, simbólica e social que impede que às aspirações dos cidadãos que foram excluídos ao 3365 longo da história, que não tiveram acesso à educação durante a infância, sejam satisfeitas, em virtude da violência política acumulativa de exclusão que perdura até os dias atuais. Partindo desse pressuposto, o analfabetismo e a discriminação sócio-racial no Brasil, é um mal que persegue nosso país desde seus primórdios. Portanto, o objetivo deste trabalho é estar relatando, pontuando e levantando questões sobre os aspectos, mecanismos e os projetos políticos pedagógicos que dizem respeito à educação. Porque, entendo que a educação seja uma das poucas formas ou o pilar principal, para qualquer tipo de emancipação social, para os cidadãos excluídos e menos favorecidos, sendo esse um segmento social em crescimento constante, visto a falta da existência de um controle de natalidade, aliada a inexistência de políticas públicas e ações afirmativas, que possibilitem uma migração social seja econômica, cultural e/ou política (segundo Weber, as três formas existentes de migração social). Percebo com isso, que a pobreza, a exclusão e o descaso para com os menos favorecidos, caminham lado a lado. O analfabetismo é um mal que persegue nosso país, desde que houve a oficialização de um idioma nacional. Ao longo da exclusão sócio-racial de nossa história, principalmente após a abolição (1888) e as reformas Pereira Passos (1902-1906), os cidadãos menos favorecidos economicamente e excluídos socialmente ficaram sem ter onde morar, com isso, os pobres (negros em sua maioria e muitos mestiços) passaram a viver em habitações irregulares, precárias, pobres, instaladas em terrenos não utilizados pela construção organizada, fora da especulação imobiliária, sem infra-estrutura e legalidade fundiária. Dando início assim, aos egressos do descaso de nossas leis e inexistência de políticas públicas, ampliando o número de analfabetos, paralelamente surgia o fenômeno da favelização e desde então, ambos só fazem proliferar, devido ao descaso de nossos governantes e a implementação de políticas públicas sempre baseadas na ideologia das classes hegemônicas. O fenômeno da favelização A crise habitacional no Brasil se inicia com o nosso “descobrimento”, quando os portugueses invadiram nosso território e o tomou do nativo (índio), desrespeitando seus costumes, hábitos e modo de vida; assim sendo, os lusitanos começaram a construir suas primeiras instalações (residências e estabelecimentos comerciais) naquela imensa área verde, com isso restou aos indígenas, migrarem para o interior do território e desde então, tais injustiças sócio-raciais aos índios, só fizeram aumentar. Em 1808, o Rio de Janeiro, era uma cidadela, eis 3366 que desembarca no Rio de Janeiro, a família real e toda sua corte, as conseqüências dessa chegada de surpresa foram muito negativas para vários habitantes da cidade do Rio, uma vez que muitos cidadãos tiveram suas residências confiscadas pela coroa, sendo obrigados a cederem suas moradias para a nobreza portuguesa, deixando esses sujeitos que tiveram suas casas confiscadas sem ter onde morar. A gravidade da crise habitacional no estado do Rio de Janeiro tem seus alicerces no período colonial brasileiro. Com medidas de cunho universalistas, mas que na verdade tinham um caráter racista, segregacionista, patrimonialista que otimizavam desestruturar a auto-estima do escravizado, pois não contemplava em nada esse segmento, porque eram leis (ventre-livre, sexagenário e Áurea) que não tinham nenhum caráter de inclusão deste contingente populacional, mas sim, a finalidade de desestabilizar a família negra e fomentar as injustiças sociais e simbólicas. Os negros ganhavam a liberdade, mas, sem nenhum tipo de subsídio, deixando os afro-descendentes “...livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela...” (G.R.E.S.E.P. de Mangueira, 1988) e que para vários pesquisadores, teriam sido fatos, que contribuíram de modo direto para a proliferação do fenômeno da favelização em nosso país. O processo de evolução e ocupação do espaço urbano remonta a segunda metade do século XIX com mais força a partir da abolição da escravatura, da Proclamação da República fazendo surgir os primeiros conflitos sociais pós – abolição. Pesquisadores apontam como principais causas do desencadeamento da má estruturação urbana fatores como: falência do sistema escravocrata, crise nas áreas rurais, êxodo rural, imigrações, início do processo industrial, implantação da reforma Passos. O início do processo de industrialização coincide com o declínio da produção cafeeira e abolição da escravatura. A cidade nesta época também recebeu muitos estrangeiros com sua entrada através do cais do porto, permitindouma maior oferta de força de trabalho para o setor emergente da economia urbana. A pressão pelo lado da demanda e a baixa disponibilidade pelo lado da oferta de moradia ocasiona um desequilíbrio no setor habitacional, no qual afetaria diretamente as populações de baixa renda. A ocupação dos cortiços se dava pela população mais pobre, pela classe subalterna, pela nova população de ex-escravos que não tinham meios de sobrevivência com o fim do sistema escravocrata, e só lhes restavam ocupar os cortiços morros e estalagens. Essa ocupação provocava críticas por parte da cidade, reconhecida oficialmente, desencadeou uma batalha 3367 contra os cortiços; da classe dominante sobre a Inspetoria de Higiene Pública uma vez que a cidade sofria de endemias atribuídas aos moradores de habitações coletivas (negros em sua maioria), sendo mais um meio de fomentar o preconceito racial. As primeiras investidas do governo no intuito de ocupação da cidade apontam os decretos de isenção de impostos aduaneiros para as indústrias que construíssem vilas operárias para abrigar seus trabalhadores, concessão de terrenos para as empresas construírem casas populares, com soluções higiênicas, caracterizam o surgimento das vilas operárias próximas às indústrias, semelhantes aos conjuntos habitacionais. Entretanto, elas minimizavam os problemas mas não davam conta da demanda devido ao grande contingente de desempregados e primeiros imigrantes que ocupavam o Rio de Janeiro. O “pontapé” inicial para a reordenação da área central da cidade foi em 1893 com a demolição do cortiço chamados de “Cabeça de Porco” desabrigando mais de 2.000 pessoas. Tudo em nome da higienização (já que a cidade do Rio de Janeiro, sofria com uma epidemia e a classe dominante “aristocracia urbana” atribuía ser oriunda das populações menos favorecidas “de baixa renda”, tendo os cortiços como foco). No período entre 1902 a 1906, durante a gestão de Pereira Passos, acontece uma das mais importantes reformas em nome do progresso e embelezamento da cidade nos moldes do urbanismo europeu. Esta reforma atingiu vários quarteirões ocupados por operários que se viram obrigados a mudar para os subúrbios, ocupar morros da cidade (São Carlos, Providência, Santo Antônio), áreas impróprias ao comércio imobiliário e de pouco interesse pela aristocracia vigente na época, dando inicio ao processo de favelização. Já que a área desapropriada estava fortemente ligada aos interesses da aristocracia urbana. O impacto social causado pela abertura da Avenida Central foi gigantesco; cerca de 1.681 imóveis haviam sido derrubados e cerca de 20 mil pessoas foram obrigadas a procurar nova moradia em apenas quatro anos. O crescimento urbano se dava de forma dual: setor/zona sul – organizado, setor/zona norte (subúrbio) – desorganizado. Um fator determinante para a proliferação das favelas é que não houve resposta do governo na produção de mecanismos na reposição de moradias `a população expulsa de suas modestas residências. A população tinha duas escolhas: ocupar os morros do centro da cidade ou dirigirem-se para os subúrbios onde a ocupação residencial, em sua maioria pela classe proletária, não oferecia infra-estrutura adequada e não contavam com o apoio do governo. Havia também um crescente favorecimento e interesse do governo apenas pela 3368 ocupação do setor secundário de terrenos pouco valorizados. Desde esta época os meios de transporte não favoreciam a transição entre o centro e os subúrbios que contavam também com o fator preconceito: os bondes eram para os nobres e os trens para os pobres. O crescimento da cidade seguia orientações apenas dentro de critérios urbanísticos aceitáveis pela visão da classe dominante. O Plano Agache defendia que seria inútil destruir as favelas sem que antes fosse planejado um grande mínimo de habitações populares, caso contrário, o problema persistiria. Com a Revolução de 1930 o Plano Agache foi arquivado. As cidades ao longo da história mundial, se desenvolvem onde existe a possibilidade de comercialização de mercadorias e as favelas, conseqüentemente, onde não existe uma infra- estrutura planejada, se desenvolvem em função da concentração de oportunidades de emprego – centro da cidade, setor/zona sul (litoral), crescem paralelamente à evolução da cidade. O inchaço nos centros urbanos provoca a ocupação de áreas mais longínquas, de risco, sem uso, beiradas dos rios, encostas dos morros. O aumento das favelas existentes e o aparecimento de outras são reflexo da falta de uma política habitacional adequada. As políticas habitacionais até então, são direcionadas para a construção de conjuntos habitacionais com critérios clientelistas, paternalistas e demagógicas. Um dos motivos para a proliferação das favelas também se apresenta com o fim dos financiamentos de lotes urbanizados, na década de 80, a crise econômica e o aumento dos preços das passagens de ônibus e trens. A questão da “favelização” ou “perificação” da cidade ilustra a reprodução e conseqüências do capital que desencadeia o caos urbano, que provoca um movimento pendular – periferia/núcleo/periferia, que estrangula as vias de acesso ao Rio de Janeiro, que cria “cidades paralelas” (sub-bairros). Dentro da lógica da urbanização, influenciadas por mudanças e transformações técnico-científica e por políticas e gestões metropolitanas, faz com que a população busque alternativas de sobrevivência e manutenção do próprio espaço. Estes sub- bairros surgem e se ampliam manifestando suas peculiaridades históricas, sociais e culturais, que atraem interesses e investimentos obscuros, influenciando e interferindo conseqüentemente em toda a estrutura social (pauperização, violência, tráfico de drogas, saúde pública, etc). A delimitação de espaços representa um marco de segregação urbana que envolve atores de classes distintas e mecanismos distintos de sobrevivência. A população assiste ao crescimento das favelas, ao crescimento desordenado das cidades e delimitam espaços como obstáculo à 3369 expansão (condomínios fechados, barreiras e cercamento das favelas – habitações legalizadas convivem lado a lado com habitações improvisadas). OBS.: Apesar de ter o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado, Niterói também não escapa do crescimento desordenado de favelas: “Num período de quatro anos, pelo menos 25 favelas surgiram na cidade a cada 12 meses. Esse número pode até duplicar”. – O Globo – 19/05/02 p.18 Niterói, IDH alto e favelas em expansão – O Globo – 04/11/05 – p. 14 Este é mais um exemplo que o fenômeno não é um caso isolado da cidade do Rio de Janeiro. Pesquisas recentes revelam a existência de favelas “estruturadas”, com escolas, comércio local, serviços de entrega, moto-táxis, algumas ligações de esgoto, iluminação (Ex. Rocinha e Vidigal). Um espaço não só de pouso, mas de sobrevivência em tempos de crise, ou seja, um sub-bairro que possui suas próprias leis e mecanismos de convivência. Na grande cidade, há cidadãos de diversas ordens ou classes, desde o que, farto de recursos, pode utilizar a metrópole toda, até o que, por falta de meios, somente a utiliza parcialmente, como se fosse uma pequena cidade, uma cidade local(...)Para muitos, a rede urbana existente e a rede de serviços correspondente são apenas reais para os outros. Por isso são cidadãos diminuídos. (SANTOS ) A cidade deve ser pensada como um espaço de garantia de todos os direitos humanos, como um espaço político, produtivo e reprodutivo dos direitos do cidadão. Entretanto, há controvérsias porque ao mesmo tempo torna-se um lugar de produção e reprodução da desigualdade. A cidade, espaço para a liberdade de circulação, de fluxo, de vai e vem, possui também suas “ilhas”; lugares onde os ricos não circulam e onde os pobres estão de passagem, serviçoselitistas, serviços populares, espaços democráticos, espaços segregadores. É um espaço complexo. Ao mesmo tempo em que a cidade é de todos não é para todos. É um espaço determinante para o estilo de vida de cada indivíduo. Sonha-se, vive-se e articula-se conforme o espaço, conforme o que é oferecido. A má distribuição de renda fez com que os menos favorecidos ao longo de nossa história buscassem alternativas de sobrevivência e manutenção do seu próprio espaço. Estas comunidades carentes (favelas) surgem e se ampliam manifestando várias peculiaridades históricas, sociais e culturais, que atraem investimentos obscuros influenciando e interferindo conseqüentemente em toda estrutura social com a delimitação de espaços que representam um marco da segregação urbana e envolve uma série de mecanismos distintos de sobrevivência. Muitas manifestações culturais são oriundas desses guetos como o samba (Pedra do Sal, morro do centro da cidade do 3370 Rio de Janeiro) e funk (Cash Box “fazendinha” e Furacão 2000 “juramento”, equipes de som e comunidades carentes, da zona norte do Rio de Janeiro), conquistando novos adeptos no “asfalto” (bairros projetados com moradias regulares, infraestrutura e saneamento básico) e em todo o Brasil. A partir desse intercâmbio, muitos sujeitos da classe hegemônica passaram a freqüentar essas comunidades carentes, sendo seduzidos e “empregados” pelo tráfico de entorpecentes. Para enfrentar e driblar as contradições e a crise existentes no sistema habitacional, e seus desdobramentos fazem-se necessário uma reforma política realmente compromissada com o desenvolvimento social. Até então as medidas que vem sendo realizadas surtem alguns efeitos produtivos para os moradores de favelas, contudo ainda não dão conta da situação já enraizada há tantas décadas, pois as demandas são como uma “bola de neve”. Ficam no ar questionamentos acerca da “utilidade” dos moradores das favelas. Se, no início do século XX esta população era tão indesejável, porque não efetivaram programas condizentes para evitar sua proliferação? Por que não os instrumentalizaram? A existência e manutenção dos dominadores e dominados. Até que ponto era interessante manter esta população para ser utilizada através de promessas eleitorais? Por que tanta vista grossa para a questão do sistema habitacional? Considerações Finais A proposta deste trabalho me remeteu a um exercício de análise e reflexão sobre um dos desafios do sistema educacional, que é elaborar um currículo integrado e que superem o caráter fragmentado dos conteúdos sistematizados e divulgados no âmbito escolar. No fenômeno, em particular que escolhi para trabalhar, o crescimento do processo de favelização, para iniciar o processo de investigação deve-se isolar o objeto de investigação do contexto real com uma questão: como tudo começou? Remetendo-nos assim à gênese do fenômeno. Esta por sua vez, foi analisada dentro de um contexto temporal, como um fator histórico. Este exercício favorece a compreensão do fenômeno, fonte inesgotável de conhecimento, a realidade, a própria essência, além das aparências; antes de se julgar é preciso conhecer e analisar a fonte (para se conhecer o rio que chegou até o mar reme ao contrário e conheça seus afluentes). No entanto, tal análise necessitou de uma orientação para a sua ação, um referencial teórico. Se desejarmos, de fato, colaborar com o processo de transformação da educação escolar, precisamos buscar um procedimento metodológico que nos ajude. O que irá importar é procurar uma concepção que dê conta de orientar efetivamente a prática educativa na superação de suas 3371 contradições. Concebe-se metodologia como sendo uma postura diante da realidade, postura essa que implica sempre as seguintes tarefas indissociáveis: partir da prática, refletir sobre a prática e transformar a prática. No que se refere sobre a reflexão sobre a prática, ocorre através de um processo de construção de conhecimentos que se dá num movimento de confronto entre análise e síntese. No processo de investigação ao partir da investigação da questão determinante do fenômeno, estabeleci analogias, traçando seus paralelos e alternativas, uma vez conhecida e compreendida a sua gênese, somos capazes de questionarmos os percursos de seus desdobramentos surgindo então um leque de situações que se relacionam entre si e chegam a um ponto em comum. Esta situação que se relacionam entre si, numa proposta curricular me remeteu à questão da interdisciplinaridade. O caminho mais seguro para fazer relação entre as disciplinas é se basear numa situação real. A abordagem interdisciplinar permite que os conteúdos que seriam dados de forma convencional sejam ensinados e aplicados na prática, o que dá sentido ao estudo. Quando as disciplinas são usadas para a compreensão dos detalhes, os alunos percebem sua natureza e utilidade. A interdisciplinaridade refere-se a uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos ramos do conhecimento. Nesta amálgama, ao embasar-me do método dialético, o que compreendo é justamente a necessidade de dar um caráter mais científico e filosófico à prática escolar. Contudo, este não pode ser um simples método de interpretação e ilustração a respeito da realidade; o conhecimento na perspectiva dialética é um conhecimento que tende para a transformação da realidade. É um processo de investigação e análise que pressupõe a ratificação, retificação e desmistificação de conhecimentos historicamente construídos. Como produto final teremos a (re)construção do conhecimento, o método de exposição que vai reunir as relações que configuram a totalidade (interdisciplinaridade). À medida que as contradições são postas a descoberto, são tematizadas, favorece-se a tomada de consciência, a superação do senso comum. Neste exercício compreendo que o trabalho como princípio educativo não pode ser umas meras aprendizagens formais, teóricas ou intelectualizadas. A realidade concreta nada mais é do que o material de estudo. Quando se utiliza a prática associando-se aos conteúdos, chega-se ao método científico. Contudo há de ser uma reflexão orientada por professores ou especialista, com base na experiência vivida pelos alunos no trabalho desenvolvido dentro e fora da escola. Tendo como foco toda e qualquer atividade que vise à transformação das relações do homem com a 3372 natureza e com os outros homens. O ser humano possui a força de transformar, modificar o meio em que vive e as relações que nele se estabelecem. A elaboração de um currículo integrado representa um mecanismo que favorece o movimento de “politização” dos indivíduos podendo ser um forte aliado para quebrar as algemas da alienação. Uns cidadãos instruídos e esclarecidos, defendem melhor seus interesses e sabe quais são seus direitos e obrigações. REFERÊNCIAS BOND, F Fraser. Introdução ao jornalismo. Agir, 1962. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1987 BOURDIEU, Pierre. Coleção Grandes Cientistas Sociais. no. 39. Ática, São Paulo, 1983 CARVALHO, Marcos de. O que é natureza. São Paulo: Brasiliense, 2003 Fase - Solidariedade e Educação. Por uma Carta dos Direitos Humanos na Cidade IANNI, Octavio. Cidade Global: Informação e Cultura – Unicamp Jornal O Globo - "Cem favelas em quatro anos" - 19/05/2002. MINTZ, Sidney W.; PRICE, Richard. O nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 2003. PAVIANI, Aldo. A lógica da periferização em áreas metropolitanas. PEDROSA, Fernanda; NOEL, Francisco; ERNESTO, Luarlindo; PUGLIESE, Sérgio (orgs.). A violência que oculta a favela. In: Ministério da Educação, FNDE e PNBE. 1aEdição. Porto Alegre-RS. Editora: LPM. 2003. Prefeiturada Cidade do Rio de Janeiro - Secretaria Municipal de Habitação SANTOS, Milton. O Espaço Cidadão. RAMOS, M. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: Ensino Médio Integrado, concepções e contradições. RAMOS, M. (orgs.), São Paulo: Cortez, 2005, p. 106- 125. ROCHA, O P. A era das demolições: cidade do Rio de Janeiro. 1870-1920. VIAL, Adriana Mendes de Pinho. Evolução da ocupação das favelas na cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Urbanismo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, junho/2001.
Compartilhar