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Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosó!cos e Jurídicos dos Direitos Humanos 1 Fundamentos Históricos, Filosó!cos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliogra!a Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosó!cos e Jurídicos dos Direitos Humanos Douglas Antônio Rocha Pinheiro Olá Especializandos, A expressão “Direitos Humanos (DH)” tem sido veiculada por diversos meios de comunicação cada vez mais frequen- temente e utilizada em diversos contextos, muitas vezes tratada com falta de conhecimento mínimo e eivada de pré-concepções que desviam o debate sobre DH para ca- minhos nebulosos. Assim, os objetivos desta disciplina relacionam-se, a com- preensão de que os elementos que formam as origens e o conjunto desses Direitos estão no diálogo entre as trilhas da História, da Filoso!a e do Direito, posto que precisamos nos quali!car, nós educadores para enfrentarmos o fato de que as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igual- mente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegura- dos pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. Doutorando e mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universi- dade de Brasília. Professor assistente da Universidade Federal de Goi- ás, coordena o curso de Direito no Campus Cidade de Goiás. Integra o Observatório da Constituição e da Democracia, coletivo de re"exão permanente vinculado ao grupo de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito (CNPq – UnB). Integrou a coordenação da equipe responsá- vel pela estruturação e fortalecimento do Comitê Estadual de Edu- cação em Direitos Humanos – Goiás (2009). Documentarista, dirigiu dois curtas sobre questões relativas a direitos humanos: Memórias de sombras (2008, 13min), melhor documentário no Festival Nacional de Vídeo de Teresina e que registra a narrativa de mulheres vítimas de violência doméstica, e Bem educado (2010, 15min), que aborda a autonomia e a carnavalização no processo de ensino-aprendizagem. Mestre em Ciências da Religião pela PUC Goiás, desenvolve estudos sobre o princípio de laicidade do Estado, tendo publicado pela Edi- tora Argvmentvm o livro “Direito, Estado e Constituição”. Membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Direitos Humanos (UFG). Currículo Lattes Fundamentos Históricos, Filosó!cos e Jurídicos dos Direitos Humanos Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 2 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Afinal, por ser participante do processo de interpretação constitucional, ao ressemantizar significantes constitucio- nais pela prática do ensino-aprendizagem, o educador as- sume verdadeiro ônus, qual seja, o de se utilizar do discurso reconstrutivo, bem como de suas ferramentas, para denun- ciar os simulacros de harmonia entre Constituição e consti- tucionalismo existentes na ordem vigente, tudo com vistas à elaboração de um novo discurso e à reconstrução de uma identidade mais inclusiva do sujeito constitucional. Que sejamos muito produtivos nessa jornada que se inicia! Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 3 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade 1. Uma herança de dois constitucionalismos A Reforma Protestante, iniciada no século XVI, além de ter marcado uma ruptura da unidade cristã ocidental, foi o ber- ço de uma primeira luta por direitos, visto que as minorias religiosas passaram a reivindicar o direito de professar fé diversa da católica – não sem razão, para Jellinek, rastrear o surgimento da liberdade de crença equivaleria a rastre- ar a própria origem dos direitos fundamentais. Canotilho (2002, p. 383), contestando essa hipótese, entende que tal momento consagra muito mais uma idéia de tolerância do que propriamente uma concepção de direito inalienável. Mas tolerância e reconhecimento não são conceitos semelhantes? “A diferença entre liberdade religiosa e tolerância radi- ca, fundamentalmente, no facto de que a primeira é vista como integrando a esfera jurídico-subjectiva do seu titular, ao passo que a segunda é vista como uma concessão gra- ciosa e reversível do Monarca, do Estado ou de uma maioria política e religiosa. A tolerância religiosa consistiu, assim, num momento de transição no processo que conduziu à consagração constitucional do direito à liberdade religiosa” (MACHADO, 1996, p. 73). Norberto Bobbio, por sua vez, aclara a questão ao relem- brar que as guerras religiosas, antes mesmo de invocarem uma liberdade de crença, materializavam “o direito de re- sistência à opressão, o qual pressupõe um direito ainda mais substancial e originário, o direito do indivíduo a não ser oprimido, ou seja, a gozar de algumas liberdades fun- damentais” (BOBBIO, 2004, p. 24) – dentre as quais, agora sim, a liberdade religiosa encontrava-se em primeiro lugar. Esse direito de resistência encontrou em John Locke uma consistente defesa teórica e, nas Revoluções Inglesas do sé- culo XVII, fomentou uma primeira corrente do constitucio- nalismo. Até então, a Inglaterra era regida por uma monar- quia absolutista, forma de governo que se justificava pela argumentação hobbesiana. Para Thomas Hobbes, o estado de natureza era caracterizado por um estado de guerra de todos os homens contra todos os homens por motivos de competição, desconfiança e glória. Nesse momento, não havia regra que estabelecesse parâmetros de conduta, de tal modo que toda ação era legítima. Ocorre, porém, que isso tornava a vida dos homens solitária, embrutecida e curta. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 4 Fundamentos Históricos,Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Tal percepção os teria impulsionado a pactuarem entre si a criação do Estado, fazendo-a nos seguintes termos: cada homem renunciaria toda a sua liberdade, entregando-a nas mãos do soberano, tendo como contrapartida por parte deste a garantia de sua segurança. Liberdade e segurança colocavam-se, assim, como grandezas inversamente pro- porcionais de tal sorte que a estabilidade social se fazia ao custo da liberdade dos indivíduos e da concentração de poderes nas mãos do monarca. O zoon politicon e os contratualistas Os contratualistas modernos – Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau – partiam de um pressuposto dis- tinto daquele aristotélico de que os homens eram dotados de um impulso associativo natural. Considerando a existên- cia real ou hipotética de um estado de natureza, um tempo- espaço anterior à constituição de uma sociedade civil orga- nizada, defenderam que o Estado surgiu artificialmente, ou seja, fruto de um acordo de vontades. Porém, cada um dos contratualistas apontou um conteúdo distinto do que teria sido pactuado – do que resultou, por conseqüência, distin- tas visões sobre o Estado. Para Locke, no estado de natureza, a condição de liberda- de não significava uma condição de total permissividade. Já existiriam, mesmo previamente à sociedade civil, alguns direitos inalienáveis cujo conhecimento seria revelado a to- dos os homens por meio da razão. O contrato social garan- tiria tanto uma execução imparcial desses direitos, quan- to a proteção à propriedade (da vida, da liberdade e dos bens). A liberdade, nessa perspectiva, não era renunciada, mas apenas confiada ao soberano que, por sua vez, jamais poderia se esquecer dessa condição fiduciária. Do contrá- rio, traindo a confiança nele depositada, os cidadãos pode- riam exercer seu direito de rebelião, tomando-lhe o poder e confiando-o a outro governo. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 5 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo pe- netrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por de- terminação judicial; XV – é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o de- vido processo legal. Tais incisos não apontam para alguma atividade a ser de- sempenhada pelo Estado. Pelo contrário, o que dele se es- pera são inações: que não impeça a livre manifestação de pensamento, que não prive alguém de sua liberdade e da possibilidade de ir e vir, que não invada a casa do indivíduo ou viole sua intimidade. Porém, os direitos humanos não correspondem apenas a limitações ao poder do Estado em nome da integridade da vida, liberdade e patrimônio dos indivíduos. Uma segunda onda de direitos, que prescrevem prestações do Estado, também se materializa fortemente em nossa Constituição. Para buscar-lhe a origem, é preciso identificar as especificidades do constitucionalismo francês do século XVIII. Nessa outra visão de Estado, não havia espaço para um go- verno absolutista. Locke defende, então, uma divisão das funções de poder entre legislativo, executivo (gestão admi- nistrativa e aplicação legislativa em âmbito interno) e fe- derativo (relações internacionais de guerra e de comércio), concentrada em dois órgãos: o Parlamento e o Rei. Era jus- tamente esse o horizonte político existente no pós-Revolu- ções inglesas, quando a monarquia absolutista deu lugar à monarquia parlamentar. Importante recordar, porém, o caráter burguês dessas re- voluções e o quanto as mesmas orbitaram ao redor da idéia de liberdade. A liberdade dos modernos, porém, era um pouco distinta da liberdade dos antigos. A burguesia inglesa revolucionária não pretendia ampliar a participa- ção popular nas decisões do Estado, mas sim, opor contra ele alguns direitos que fossem limitadores de sua atuação. Uma liberdade que é conhecida como negativa e que exige do Estado um dever de abstenção: um não-fazer diante de determinadas prerrogativas dos cidadãos. Uma breve aná- lise do art. 5º da atual Constituição do Brasil demonstra que o constitucionalismo inglês, do qual a primeira geração de direitos humanos é tributária, constituiu um legado impor- tante na afirmação histórica das liberdades fundamentais. Vejamos alguns incisos: IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anoni- mato; Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 6 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Liberdade e igualdade, como princípios mutuamente cons- titutivos, estabelecem um paradoxo necessário sobre o qual se estabelece o Estado dos dias de hoje. É a conjun- tura presente da complexa da realidade social que vai de- terminar para qual dos dois lados deve pesar a mão estatal – sem, contudo, sacrificar integralmente a dimensão opos- ta. O debate sobre a efetivação de direitos fundamentais passa, pois, por esse duplo legado dos constitucionalismos inglês e francês. Distintamente da Inglaterra, que possuía desde o século XII remédios legais para a proteção de prerrogativas individu- ais, cujo exemplo mais evidente é o habeas corpus, a França não tinha uma memória legislativa que garantisse direitos e permitisse um discurso baseado apenas na liberdade ne- gativa. Para os franceses, não era suficiente exigir do Estado uma não-intervenção; mais que isso, diante de uma realida- de ainda feudal em pleno século XVIII, a palavra igualdade ganha destaque e passa a exigir uma atuação ativa do so- berano – o que, futuramente, vai inspirar os direitos sociais. Aliberdade positiva, que em termos políticos significa a participação de todos nas decisões do Estado, repercutirá no campo dos direitos dando-lhes uma nova feição de ca- ráter assumidamente prestacional. Assim, quando o Esta- do garante a todos, indistintamente, o direito à educação, à saúde, à previdência social, adotando políticas públicas que minorem as desigualdades sociais, o faz fundado mui- to mais na noção de igualdade que no de liberdade. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 7 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Portanto, dependendo de como o problema se põe, a questão “Que devo fazer?” ganha um significado pragmático, ético ou moral. Em todos os casos se trata da fundamentação de decisões entre possibi- lidades alternativas de ação; as tarefas pragmáticas, porém, exigem um tipo de ação diferente das éticas e morais; as questões que lhe são correspondentes exigem um tipo de resposta diferente das respostas éticas e morais. A ponderação das metas orientada para valores e a ponderação dos meios disponíveis mediante a racionalidade de fins servem à decisão racional sobre como temos de intervir no mundo objetivo para provocar um estado desejado. Neste caso, trata-se es- sencialmente da elucidação de questões empíricas e de questões de escolha racional. O terminus ad quem de um discurso pragmático correspondente é a recomendação de uma tecnologia adequada ou de um programa exeqüível. Outra coisa é a preparação racional de uma decisão de valor grave que afeta a orientação de toda uma prá- tica de vida. Neste caso, trata-se de uma elucidação hermenêutica da compreensão de si de um indivíduo e da questão clínica do êxito ou não de minha vida. O terminus ad quem de um discurso ético-exis- tencial correspondente é um conselho para a orientação correta na vida, para a realização de um modo pessoal de vida. Uma outra coisa é, por sua vez, o julgamento moral de ações e máximas. Ele serve à elucidação de expectativas legítimas de comportamento em face de conflitos interpessoais que atrapalham o convívio regulado de inte- resses antagônicos. Neste caso, trata-se da fundamentação e da apli- cação de normas que estabelecem deveres e direitos recíprocos. O terminus ad quem de um discurso prático-moral correspondente é uma compreensão sobre a solução justa de um conflito no âmbito do agir regulado por normas (HABERMAS, 1989). 2. Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais A compreensão de que os giros hermenêutico e pragmá- tico encontram-se numa relação de complementaridade, ensejando uma tensão produtiva entre pólos ao mesmo tempo opostos e constitutivos um do outro, põe fim à in- gênua percepção de que a utilização de novos significantes ou atribuição de novos significados a antigos significantes não seria capaz de gerar quaisquer efeitos práticos. Com efeito, embora a reocupação semântica inicie-se herme- neuticamente, na medida em que novas interpretações são dadas a antigas expressões, ato contínuo são abertas novas (não necessariamente melhores) possibilidades de práticas. Diante disso, é preciso resgatar de que maneira a terminologia “direitos fundamentais” pode significar uma diferenciação do termo “direitos humanos”. Nesse sentido, importante reforçar o resgate que o filósofo alemão Jürgen Habermas fez em relação à tradi- ção kantiana da razão prática. O fez, entretanto, não mais nos termos de uma filosofia da consciência (que tomava o sujeito cognoscente como referencial e ponto de partida), mas sim, de uma filosofia da linguagem (baseando-se na validação intersubjetiva de todo saber). Assim, discursos pragmáticos, éticos e morais seriam usos distintos de uma mesma forma de racionalidade: a razão prática. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 8 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade seu espectro argumentativo, por ser um sistema de ação, além de um sistema de conhecimento. Disso decorre que o direito se compromete com resultados e necessita de um aparato coercitivo que lhe empreste efetividade. O direito não pode depender apenas, como a moral, da motivação interna de cada indivíduo. Além disso, o ordenamento jurí- dico se refere a uma comunidade política concreta, a uma república de cidadãos. Dessa forma, seu âmbito de univer- salidade é reduzido em relação à moral, que se refere a toda a humanidade. Os Direitos Humanos se situam muito mais no âmbito moral do que no jurídico. Porém, nos Estados de Direito, enquanto Direitos Fundamentais, é que podem ganhar densidade e efetividade. Assim, o termo Direitos Humanos, dotado de uma car- ga maior de universalidade e generalidade, mesmo diante da importância com que recentemente tem se revestido os tratados internacionais, por vezes sofre obstáculos de efeti- vação. Os Direitos Fundamentais, que se densificam numa dada comunidade política, se por um lado ganham em concretude, por outro, perdem em amplitude, podendo, às vezes, restringir-se àquilo que seja bom para nós, e não, o que seja justo para todos. Em resumo, a razão prática volta-se para o arbítrio do su- jeito que age segundo a racionalidade de fins (uso prag- mático), para a força de decisão do sujeito que se realiza autenticamente (uso ético) ou para a vontade livre do sujei- to capaz de juízos morais (uso moral), conforme seja usada sob os aspectos do adequado a fins, do bom ou do justo. Os discursos jurídicos, por sua vez, incorporam argumentos das mais variadas ordens. Habermas, depois de mudar de entendimento, adotou a tese de que não há uma espécie de subordinação entre moral e direito, deixando o mesmo de ser um mero “caso especial” da argumentação moral. En- quanto argumentação prática, a argumentação jurídica se vale, no plano da justificação das normas – que se dá, de maneira central, nas arenas parlamentares –, tanto de dis- cursos pragmáticos quanto éticos e morais, além das nego- ciações reguladas por procedimentos. Uma vez integrados na norma jurídica, entretanto, tais ar- gumentos morais (que dizem respeito ao que é justo), éti- co-políticos (referentes à auto-compreensão valorativa dos cidadãos e aos projetos de vida coletivos que pretendem empreender), bem como pragmáticos (de adequação de meios a fins) passam a obedecer à lógica deontológica dos discursos jurídicos, com seu código binário de validade. O direito (com seu código jurídico/não-jurídico) é deonto- lógico como a moral (cujo código binário implica na dis- tinção justo/injusto), mas dessa se diferencia, para além de Educaçãopara a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 9 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade As garantias têm status activus processualis e refe- rem-se ao caráter instrumental de proteção dos direitos. Afinal, do que adiantaria ter um direito ou uma liberdade se não houvesse um instrumento judicial para garantir sua efetivação quando fossem os mesmos descumpridos? As garantias constitucionais podem ser, segundo Paulino Jac- ques: a) Criminais preventivas: garantem a plenitude da de- fesa, a inexistência de tribunais de exceção, a legalidade do processo e da sentença, o tribunal do júri em crimes do- losos contra a vida, a comunicabilidade da prisão, dentre outros; b) Criminais repressivas: garantem a individualização, personalização e da pena, a inexistência de prisão civil por dívida e de extradição de brasileiros e de estrangeiros por crime político ou de opinião, dentre outros; c) Tributárias: garantem a legalidade do tributo, impe- dem que o mesmo tenha natureza de confisco, que incida sobre situações passadas, dentre outros; d) Civis: abrangendo a assistência judiciária gratuita, a ciência dos despachos e informações nas repartições públi- cas, a expedição de certidões, dentre outros. 3. Direitos, liberdades e garantias O inciso XLI do art. 5º da Constituição Federal diz o seguinte: XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos di- reitos e liberdades fundamentais; O inciso parece, assim, indicar que existe uma distinção en- tre direitos e liberdades. Por outro lado, o Título II do enun- ciado normativo constitucional, em que se situa o art. 5º, refere-se a “Direitos e Garantias Fundamentais”. Ora, as ga- rantias e as liberdades estariam excluídas do que entende- mos ser os direitos fundamentais? Na verdade, devemos pensar “direitos” como sendo um gê- nero bastante amplo que se subdivide em (i) liberdades, (ii) direitos em sentido estrito e (iii) garantias. As liberda- des tem status negativus, ou seja, defendem a esfera do cidadão perante o Estado e, como vimos, remetem primei- ramente ao constitucionalismo inglês. Constituem fortes elementos de proteção gerando para o Estado um dever de abstenção, de não-fazer. Os direitos em sentido estrito, por outro lado, tem status positivus ou activus o que signi- fica dizer que apresentam um duplo aspecto: ou relativo à participação ativa na sociedade (do que o voto é o exem- plo mais evidente) ou relativo às prestações necessárias ao desenvolvimento da existência individual, no que incluirí- amos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, que devem ser cumpridas pelo Estado. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 10 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade abusiva é essa ação que vai garantir a liberdade de locomo- ção. O Habeas Corpus possui algumas características im- portantes: é uma ação gratuita, sem muitas exigências for- mais, podendo ser ajuizada por qualquer pessoa – ou seja, uma das poucas situações em que cada um de nós pode bater às portas do Judiciário, sem precisar de advogado, para garantir uma liberdade nossa ou de um terceiro. Outra garantia é o Habeas Data. Ele resguarda o direito in- dividual de ter acesso às próprias informações pessoais que constem de registros ou banco de dados de entidades go- vernamentais ou de caráter público, prezando-se também à correção de tais dados quando não se preferir fazê-lo via processo sigiloso, judicial ou administrativo. O Habeas Data também é uma ação gratuita, porém exige que o interessa- do esteja representado por um advogado. Uma terceira garantia é o Mandado de Segurança que ser- ve para proteger direito líquido e certo, excetuados aque- les que já são resguardados pelo Habeas Corpus e Habeas Data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Podemos citar, ainda, o Mandado de Injunção que é utili- zável quando o exercício dos direitos e liberdades consti- tucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania forem inviabilizados pela ausência de uma norma regulamentadora. Afinal, existem direitos Você sabia que... Em 23 de fevereiro de 2006, contrariando a jurisprudência até então prevalente, em apertada votação, por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reco- nheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90 (conhecida como Lei de Crimes Hedion- dos), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, ou seja, proibia que conde- nados por tais crimes pudessem passar do regime fechado de cumprimento de pena para o semiaberto, e depois para aberto, caso apresentassem comportamento adequado? E que o fundamento para declarar tal inconstitucionalidade foi que o parágrafo 1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90 feria o princípio da individualização da pena, uma garantia consti- tucional conforme vimos acima? Dentre as mais recentes garantias, inclui-se a garantia à ra- zoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso LXXVIII do art. 5º inclu- ído pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004). Algumas garantias, porém, assumem a forma de verdadeiras ações – algumas delas conhecidas de todos nós. Quais seriam essas ações mandamentais (também chamadas de writs)? A primeira delas seria o Habeas Corpus. Sendo uma garan- tia, precisamos lembrar que ela em si resguarda uma liber- dade ou um direito – no caso, a possibilidade de ir e vir. Desse modo, quando alguém sofre uma prisão ilegal ou Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 11 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade elencados pela Constituição que precisam de uma lei espe- cífica, de um decreto para serem efetivados. E, ante a omis- são do Poder Executivo ou do Poder Legislativo,não pode o indivíduo ser privado de um direito ou de uma liberdade que a Lei Maior lhe garantiu. Assim, o Poder Judiciário po- deria suprir-lhe a ausência até que o órgão encarregado da regulamentação o fizesse. Aclaradas o que sejam as garantias, voltemos à distinção entre direitos em sentido estrito e liberdades. Há situações em que a diferenciação entre uma e outro é bastante tê- nue. Senão, vejamos: a vida, afinal, seria o quê: liberdade ou direito? De um lado, poderíamos dizer que as presta- ções ou ações positivas do Estado, como, por exemplo, a manutenção do sistema de saúde, da segurança pública e do sistema previdenciário estariam diretamente vinculados à mantença da própria vida, razão por que esta seria um direito. Por outro lado, poderia-se apontar que, por vezes, a oponibilidade à tortura e à morte indevida perpetrada pe- los agentes do Estado aproximam a vida da noção de liber- dade, materializando um dever de abstenção para o ente público. Assim, o direito (em sentido amplo) à vida teria, ao mes- mo tempo, um status negativus (garantia de não ser mor- to pelo Estado) e um status positivus (direito de dispor de condições mínimas de subsistência). Nesses casos em que a diferenciação se mostra duvidosa, costuma-se utilizar um critério adicional: a diferença dos direitos em relação às li- berdades passa a ter como parâmetro a existência ou não de alternativa de comportamentos: o direito não tem; a li- berdade, tem. O direito à vida é direito e não liberdade porque não posso escolher entre viver e morrer. Nas liberdades, a componen- te negativa é dimensão fundamental. A liberdade de cren- ça, na verdade, significa tanto ter quanto não ter qualquer crença; a liberdade de locomoção significa tanto a possibi- lidade de ir e vir quanto a de permanecer onde estou. De qualquer modo, não há hierarquia entre direitos, liberdade e garantias, de tal modo que todos receberam status cons- titucional na proteção de um princípio maior, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Importante destacar que as violações a direitos fundamen- tais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vin- culam diretamente não apenas os poderes públicos, estan- do direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 12 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade 4. Características dos direitos huma- nos fundamentais Alexandre de Moraes aponta algumas características dos direitos fundamentais, o que nos ajuda a ter uma dimensão de sua elevada posição hermenêutica dentro do ordena- mento jurídico: a) Imprescritibilidade: os direitos humanos fundamen- tais não se perdem pelo decurso do prazo. Por isso, há ações que podem ser ajuizadas a qualquer tempo, independe do momento em que se deu a ofensa – a prática de racismo, por exemplo, é um crime imprescritível. b) Inalienabilidade: os direitos humanos fundamentais não podem ser transferidos para outro titular, quer a título gratuito, quer a título oneroso. Isso significa dizer que direi- tos não podem ser doados nem alienados – ninguém, por exemplo, pode vender a própria liberdade. c) Irrenunciabilidade: recentemente, um caso na Euro- pa chamou a atenção. Alguns anões aceitaram participar de um programa de televisão, que os expunha ao ridículo, em troca de valor econômico. No referido programa, uma competição premiava que arremessasse o anão a uma maior distância. Tal fato gerou indignação social e o com prometimento da dignidade da pessoa humana, que não é renunciável nem de todo disponível, acabou fazendo com que a Justiça proibisse tal tipo de programação, ainda que houvesse o consentimento dos indivíduos expostos àquela situação vexatória. d) Inviolabilidade: os direitos humanos fundamentais não podem ser desconsiderados por atos das autoridades públicas ou por determinações infraconstitucionais, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal dos envolvidos. e) Universalidade: a abrangência desses direitos alcan- ça a todos os indivíduos indistintamente, independente de sua nacionalidade (mesmo o estrangeiro em trânsito no Brasil é titular de tais direitos), sexo, raça, credo, orientação sexual ou convicção político-filosófica. f ) Efetividade: a atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias pre- vistos, com mecanismo coercitivos para tanto, uma vez que a Constituição não pode se prezar apenas a um reconheci- mento abstrato dos mesmos. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 13 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade g) Interdependência: as várias previsões constitucio- nais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim, o sistema constitu- cional precisa ser percebido em sua rede de garantias e direitos, numa relação de aportes mútuos. h) Complementaridade: os direitos humanos funda- mentais não devem ser interpretados isoladamente. A Constituição deve ser entendida como fundadora de uma comunidade de princípios que são mutuamente constituti- vos entre si. i) Historicidade: os direitos fundamentais surgiram em várias gerações. A primeira geração que remete ao século XVII e XVIII deu origem aos direitos civis; a segunda (sécu- lo XIX e início do XX) aos direitos sociais; a terceira (após a Segunda Guerra Mundial), aos direitos coletivos e difusos. Alguns já apontam na contemporaneidade uma quarta ge- ração de direitos, relativa à inclusividade. Todavia, o surgi- mento de novas demandas e de novos direitos, por conse- qüência, não anulam aqueles historicamente construídos. Há um acúmulo de reconhecimento que, embora possa enfrentar momentos pontuais de recuo e violações, histori- camente se afirmam e se ampliam. “Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, ne- gativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedadee constituem um momento importante no processo de de- senvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamen- tais indisponíveis, nota de uma essencial inexauribilida- de” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segu- rança n. 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30.10.1995, Plenário, DJ de 17.11.1995). Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 14 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade 5. Direitos como sistema de princípios A princípio, havia um pensamento geral entre os doutrina- dores do campo do Direito de que o ordenamento jurídico era composto de regras e de que os princípios tinham cará- ter extra-normativo. Pouco a pouco, os princípios passaram a ingressar nos Códigos como sendo fonte normativa subsi- diária, invocados na ausência de uma regra clara e específi- ca. Recentemente, porém, reconheceu-se que os princípios também apresentam carga normativa, do que decorreu um novo entendimento: a Constituição é um sistema normati- vo aberto de regras e princípios. Norma passou a ser gênero, enquanto regras e princípios tornaram-se duas espécies distintas. Mas, como distingui- las? Para tanto, utilizaremos dois autores: I. Ronald Dworkin As regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-no- thing), no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a conseqüên- cia normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada vá- lida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. A regra “o último a sair da sala deve apagar a luz” exclui a regra “o último a sair da sala deve dei- xar a lâmpada acesa” e vice-versa. A regra só não é aplicada absolutamente se ela mesma já houver previsto hipóteses de exceção. No caso dos princípios, os mesmos não determinam nada em absoluto, contendo apenas fundamentos que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Os princípios possuem dimensão de peso (mais ou menos), demonstrável na hipótese de colisão de princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade. O direito à vida, por exemplo, sobrepõe-se à liberdade de crença em face de rituais ou dogmas religiosos que com- prometam a integridade física da pessoa. Porém, a liberda- de de crença não se torna inválida por isso. Ela continuará se afirmando, em outras situações como plenamente váli- da – como, por exemplo, o direito dos sabatistas de prestar concurso público em outro dia que não o sábado. II. Humberto Ávila O autor brasileiro cita três critérios possíveis de distinção: a) Quanto ao modo como prescrevem o comportamento Regras são normas imediatamente descritivas, haja vista descreverem a conduta a ser adotada; são, portanto, nor- mas-do-que-fazer (ought-to-do-norms) e seu conteúdo diz respeito a ações. Já os princípios são normas imediata- mente finalísticas, por estabelecerem um estado de coisas a ser atingido; são normas-do-que-deve-ser (ought-to-be- norms) e seu conteúdo diz respeito a um estado ideal de coisas. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 15 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade b) Quanto à justificação que exigem As regras possuem um caráter retrospectivo (past-regar- ding) na medida em que descrevem uma situação de fato conhecido pelo legislador; assim, ao aplicar-se a regra, exi- ge-se apenas a demonstração da subsunção, ou seja, da correspondência entre a situação fática e a descrição que está no texto da norma. Já os princípios têm um caráter prospectivo (future-regarding), pois determinam um esta- do de coisas a ser construído; assim, o que se exige do apli- cador da norma é a correlação entre os efeitos da conduta e a realização gradual de um estado de coisas. c) Quanto à medida de contribuição para a decisão Os princípios possuem pretensão de complementaridade, visto que abrangem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, não tendo pretensão de gerar uma solução específica. As regras, em contrapartida, pos- suem pretensão terminativa, na medida em que pretendem gerar uma solução específica para a questão, abrangendo todos os aspectos relevantes para uma tomada de decisão. Diante dessa distinção, quando os direitos se apresentam como regras não há maior dúvida: devem ser aplicados in- tegralmente. Todavia, ainda que possamos ter regras ga- rantidoras de direitos e liberdades, é bem mais comum que os vislumbremos condensados em princípios. Ora, a rigor a Constituição estabelece uma comunidade de princípios que são lidos à luz do horizonte histórico e institucional, o que promove uma ética reflexiva de parâmetros outrora universais. Os princípios, por terem um caráter mais aberto, podem se submeter a juízos de adequação normativa, isto é, podem ser analisados perante o caso concreto para que sua dimensão de peso ou importância possibilite a desco- berta da resposta adequada nos casos concretos, quando um dos princípios passíveis de aplicação recebe o status de dever em definitivo, em detrimento dos demais. Isso, porém, não nos pode levar a pensar que os direitos não sejam igualmente devidos. Afinal, pensar os direitos numa comunidade de princípios, na integridade de toda a rede institucional, histórica e de construção social de conte- údos, faz com que seu âmbito de proteção seja conhecido de maneira mais justa. Desse modo, ninguém pode supor que a liberdade de manifestação de pensamento seja ilimi- tada, quando essa comunidade de princípios resguardou igualmente a intimidade, privacidade, dignidade da pessoa humana, além de ter vedado o racismo e outras formas de discriminação. “Os direitos e garantias individuais não têm caráter abso- luto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigên- cias derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prer- rogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O esta- Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 16 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitoshumanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade tuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de ou- tro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em de- trimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segurança n. 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16.09.1999. Publicado no Diário da Justiça de 12.05.2000). Esse caráter principiológico põe fim ao argumento de que os direitos não enumerados na Constituição seriam ine- fetivos. Ora, o caráter histórico dos direitos fundamentais se afirma no teor aberto dos princípios da Constituição Federal. Vejamos um exemplo disso. Quando dos debates constituintes de 1987/1988, o art. 12, III, f do Projeto da Co- missão de Sistematização, que pretendia estabelecer que ninguém seria prejudicado ou privilegiado em razão de sua orientação sexual, foi reiteradamente atacado na imprensa – na Folha de São Paulo, de 29.01.1988, um deputado da época atacou publicamente tal proposta chamando-a pre- conceituosamente de “emenda dos viados” – e na Tribuna do Plenário até que fosse retirado do texto final da Consti- tuição. Destacamos um trecho de um discurso proferido na época: “A inclusão da expressão “Orientação sexual” na alínea “f”, inciso III, art. 12, passa a estabelecer a garantia constitucio- nal aos portadores e praticantes de qualquer impulso, ten- dência ou inclinação sexual. Permitir que tal expressão seja mantida no texto do Projeto é, no mínimo, contribuir para uma Constituição contraditória, já que consideramos fun- damental e básico a nova Carta Constitucional ser precisa e clara nos dispositivos que defenderão a moral, os bons costumes e a família” (Deputado Salatiel Carvalho, PFL/PE, Diário da Assembléia Nacional Constituinte de 19.08.1988, p. 4600). Todavia, embora tal direito não tenha sido enumerado, a comunidade de princípios instaurada pela Constituição, complementada pela mudança do horizonte histórico, per- mitiu que recentes decisões proferidas pelo Poder Judiciá- rio reconhecesse no próprio texto constitucional, e na com- plementaridade dos princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana, argumentos suficientes à proteção das uniões homoafetivas. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 17 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade 6. Alguns direitos humanos funda- mentais em espécie 6.1. Direito à memória e à verdade A redemocratização da América Latina pôs em pau- ta a existência de um certo déficit de memória, provocado, principalmente, pelo ocultamento das inúmeras violações de direitos humanos praticadas pelos militares e seus cola- boradores durante os regimes ditatoriais. Surgiram, assim, várias Comissões de Verdade e Reconciliação, algumas in- clusive oficiais, com a intenção de enfrentar criticamente o passado traumático e trazer à tona as experiências silencia- das de torturas, mortes e desaparecimentos políticos, a fim de repará-las não apenas por meio de indenizações, mas também através da apuração dos fatos e responsabilização dos agentes envolvidos. No Brasil, a primeira exposição pública do passado de vio- lações aos direitos humanos perpetradas pelo militarismo foi realizada por iniciativa não-governamental. O Projeto “Brasil: nunca mais”, encabeçado por D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal-Arcebispo de São Paulo, e Rev. Jaime Wright, pastor presbiteriano, investigou secretamente, de agosto de 1979 a março de 1985, a dinâmica de repressão da ditadura, do que resultou a identificação de desaparecidos políticos, al- gozes e métodos de tortura empregados. Todavia, somente com a eleição presidencial de Fernando Henrique Cardoso, ex-perseguido político, que a memória clandestina dos opositores ao regime militar encontrou eco no poder institucional, graças à aprovação da Lei nº 9.140/95 – por meio da qual o Estado reconhecia oficial- mente como mortos os que detidos por agentes públicos em razão de participação em atividades políticas, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, tivessem de- saparecido sob sua custódia, responsabilizando-se, assim, pelas indenizações devidas – e conseqüente criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (doravante designada por CEMDP). Posteriormente, por duas vezes o alcance dessa lei foi am- pliado: em 2002, pela Lei nº 10.536, passou-se a considerar a data de 5 de outubro de 1988 como termo final do perí- odo de abrangência dos desaparecimentos; em 2004, pela Medida Provisória 176, convertida na Lei nº 10.875, os casos de morte em conseqüência de repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público, bem como os suicídios cometi- dos na iminência de prisão ou em decorrência de seqüelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por esses mesmos agentes também passaram a ensejar inde- nização. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 18 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Nesse contexto, a atuação da CEMDP destacou-se em três frentes: reconhecimento público da morte ou desapareci- mento dos perseguidos políticos; apreciação dos pedidos de indenização, bem como sua quantificação, quando de- vidos; sistematização de informações, inclusive genéticas (via banco de DNA), para o fim de futura localização e iden- tificação dos restos mortais dos desaparecidos. Percebeu-se que a cura do trauma social causado pela dita- dura militar não se obtém apenas pelo reconhecimento das violações aos direitos humanos e pela reparação material às vítimas. Além desses, dois outros elementos são essenciais para uma superação possível do passado: a responsabilida- de e a reconstrução, ou seja, a identificação dos culpados e a decisão pública sobreo tratamento a que fazem jus – o que pode incluir até o perdão. Além disso, na esteira das discussões sobre a memó- ria, permanece em evidência a discussão sobre a Lei nº 11.111/2005 que, ao prever a possibilidade de vedação in- definida de consulta aos documentos cujo sigilo seja tido por imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, pode impedir o acesso aos registros públicos contidos nos arquivos dos órgãos de informação civis e militares do pe- ríodo ditatorial e, conseqüentemente, evitar uma recons- trução da narrativa (ou do silêncio) oficial sobre inúmeros acontecimentos passados. Vê-se, pois, que a delimitação da fronteira do âmbito nor- mativo do direito à memória ainda permanece em forte pe- numbra. Mas é possível apontar alguns desdobramentos de seu reconhecimento, tais como a garantia (a) da existên- cia de critérios transparentes e públicos de classificação de documentos de interesse coletivo, revendo-se o quadro de referência (reservado, confidencial, secreto e ultra-secreto) remanescente do regime militar; (b) da elaboração de um inventário de todos os arquivos públicos e/ou privados de caráter público; (c) da ciência irrestrita de informações constantes de documentos que elucidem violações contra os direitos humanos e que se encontrem sob a guarda do Estado, bem como a possibilidade de seu manuseio; (d) da utilização consciente de tais registros na responsabilização dos agentes públicos e na reparação das vítimas. Em suma, essa dimensão do direito à memória responderia às princi- pais reivindicações feitas por ocasião da atual reconstrução do passado de regime militar no Brasil. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 19 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade 6.2. Liberdade de crença e símbolos religiosos Numa sociedade aberta e pluralista, a ausência de um cre- do oficial irremediavelmente suscita uma discussão sobre os limites do proselitismo verificável na esfera pública e que se aperfeiçoa via oferta/consumo de bens religiosos, o que demonstra uma clara tentativa de se estabelecer regras mínimas tanto de convívio pacífico entre as concorrentes empresas de salvação, quanto de neutralidade nas relações que o Estado mantém com tais empresas. Ora, em face da religião tratar-se de um campo simbólico por excelência, tal neutralidade deve, por conseqüência, impedir que o Esta- do fomente a exibição de um símbolo religioso na esfera pública – entendimento esse que, crescentemente, tem sido desenvolvido nos Estados Unidos, razão por que os to- maremos como parâmetro comparativo. Em 1980, a Suprema Corte norte-americana, no caso Stone v. Graham (449 U.S. 39), decidiu, pela primeira vez, decidir acerca da exibição de símbolo religioso em edifício público. O caso em particular tinha por estopim uma lei do Estado do Kentucky que determinava: (i) a exibição permanente de uma cópia dos Dez Mandamentos, com 16 polegadas de largura e 20 polegadas de altura, em todas as salas de aula de escolas públicas; (ii) a obrigatoriedade de constar um aviso – “A aplicação secular dos Dez Mandamentos é claramente vista em sua adoção como um código legal fun- damental da Civilização Ocidental e da Common Law dos Estados Unidos” – logo abaixo do último mandamento em todas as cópias; (iii) o custeio das referidas cópias mediante contribuições voluntárias. A decisão da Corte Constitucional foi no sentido de decla- rar a inconstitucionalidade da lei por violação da primeira parte do Lemon Test e, por conseqüência, inobservância à establishment clause da Primeira Emenda. A Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos trata de diversos temas, dentre os quais dois atinentes a ques- tões religiosas: as proibições de extinção da liberdade de exercício da religião (free exercise clause) e de estabeleci- mento de uma religião oficial ou de preferências a um cre- do em detrimento dos demais (establishment clause). Mas, afinal, o que era o Lemon Test? O nome remete ao caso Lemon v. Kurtzman (403 U.S. 602) e se trata de um teste de verificabilidade de violação da Cláusula de Estabelecimen- to estruturado em três partes: 1º) a ação estatal deve ter um propósito legislativo secular; 2º) seu efeito principal ou primário deve ser tal que não incentive ou iniba qualquer religião; 3º) tal ação não pode gerar uma excessiva imbri- cação (entanglement) entre religião e governo. Voltemos, porém, ao voto da relatoria cuja fundamentação ressaltou três argumentos: Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 20 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade • A auto-declaração do ente público de que o propósito da exibição é secular não exclui a natureza religiosa da mesma, principalmente ante o fato inegável de que os Dez Manda- mentos correspondem a texto sagrado para os credos ju- daico e cristão, não sendo pois um símbolo indiferente e imparcial quanto a questões de fé; • Os Dez Mandamentos podem integrar o currículo esco- lar em estudos que envolvam história, civilização, ética ou comparação entre religiões; sua exibição, porém, além de não atender a nenhuma função educativa, pode induzir à sua leitura, meditação, veneração e/ou obediência – uma questão de devoção privada que não pode contar com es- tímulo ou inibição estatais; • O custeio privado, mediante doações, não descaracteriza a parcialidade do Estado em tais questões, haja vista que a exibição do texto sagrado sob seus auspícios já caracteriza apoio estatal. Detenhamo-nos um pouco mais no primeiro argumento. George W. Bush, na sua primeira campanha presidencial, afirmou em entrevista coletiva: “Eu não vejo problema em serem os Dez Mandamentos expostos na parede de qual- quer edifício público”. Questionado acerca de qual versão – protestante, católica ou judaica – preferiria ver exibida, o candidato não exitou: “A versão padrão”. Ocorre, porém, que não existe uma versão padrão. Paul Finkelman, em estudo exaustivo em que restou comparado o teor dos Dez Man- damentos para quatro grupos religiosos (judeus, católicos, luteranos e demais protestantes), concluiu que as versões divergem quanto à numeração dos versículos, à sua tradu- ção e, até mesmo, ao próprio conteúdo mandamental. O mandamento “não matarás”, por exemplo, consta nas traduções inglesas de dois modos: ou “you shall not kill” ou “you shall not murder”. Na primeira tradução, o sentido matar é o mais amplo possível, ao passo que na segunda é bastante específico e relacionado à noção de homicídio, as- sassínio. Ora, membros de denominaçõespacifistas, como quakers e menonitas, que se utilizam da primeira tradução, invocam-na oportunamente para questionar a validade da pena de morte e justificar a negativa de prestar serviço militar. Vê-se, pois, que, face à inexistência de uma versão padrão, não haveria como uma exibição do decálogo ser neutra ou não-sectária, mesmo entre aqueles que tem tal texto por sagrado. Posteriormente, em 1984, a Suprema Corte voltou a en- frentar o tema no caso Lynch v. Donnelly (465 U.S. 668). Em tal caso, declarou-se a constitucionalidade da exibição da cena da natividade de Jesus na cidade de Pawtucket, Rho- de Island, haja vista que o presépio se inseria numa exibi- ção natalina mais ampla, que incluía diversos outros símbo- los, tais como: a árvore de Natal, a casa, as renas e o trenó do Papai Noel, postes com listras coloridas, figuras recorta- das representando palhaços, elefantes e ursos, centenas de luzes coloridas e uma faixa saudando a chegada daquela estação. Ademais, o argumento de que tal exibição deveria ser percebida sob as ópticas artística, como uma mostra de Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 21 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade arte sacra, e econômica, por estimular o comércio natalino, reforçou o entendimento de que a mesma não incentivava o cristianismo. Todavia, destaca-se, em tal decisão, o voto da Juíza Sandra Day O’Connor que sugeria um novo teste de verificabilida- de de violação da Cláusula de Estabelecimento: o endor- sement test, segundo o qual, a Corte deveria verificar não apenas a intenção presente na ação do ente público, mas principalmente que mensagem tal ação comunicaria. Des- se modo, ainda que o propósito principal de uma ação es- tatal fosse secular (conforme dispunha a primeira parte do Lemon Test), se a mesma criasse uma percepção na mente de um observador razoável de que o governo estivesse en- dossando ou desaprovando uma religião, comunicando a mensagem de que determinadas pessoas ocupariam uma condição de excluídos (outsiders) na comunidade política, a cláusula de estabelecimento estaria violada. Com base nesses critérios, mais que se justificaria o que a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), instituído pelo Decreto nº 7.037, de 21 de dezem- bro de 2009, tratou sobre a questão. No Eixo Orientador III (Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades), dentro da Diretriz n. 10 que busca garantir a igualdade na diversidade, constava o Objetivo Estratégico VI que tratava do respeito às diferentes crenças, a liberdade de culto e a garantia da laicidade do Estado. Uma das Ações Programá- ticas vinculadas a tal objetivo é o de “desenvolver mecanis- mos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União”, recomendando tal atitude a todos os Poderes, bem como aos demais órgãos estatais, estaduais, municipais e distritais. Todavia, a reação de setores religiosos a esta parte do docu- mento, bem como uma decisão anterior do Conselho Na- cional de Justiça que determinou a manutenção dos crucifi- xos em Plenários de Tribunais e salas de audiência do Poder Judiciário, demonstram o quanto a percepção de neutrali- dade do Estado em questões religiosas ainda é perpassada por naturalizações de usos, costumes e tradições, que não deveriam se afirmar por si só numa ordem constitucional plural que buscasse garantir igual respeito e considerações a todos e a todas. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 22 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade 6.3. Direito à igualdade como direito à diversidade No plano da Teoria da Constituição e, particularmente, em referência ao debate acerca dos direitos humanos, o atual quadro de incertezas provocado pela realidade complexa e contingente da presente ordem mundial, marcada por uma pluralidade cultural, tem legado à idéia universalizante de Direitos Humanos o desafio complexo de sua implemen- tação e, mais ainda, de uma adequada justificação. Assim, a tríade da Revolução Francesa de 1789, ao expressar os ideais revolucionários da liberdade, igualdade e fraternida- de, tem sofrido diversas tentativas de atualização, do que decorre uma nova compreensão acerca dos princípios nela consagrados. Para Denninger, o maior crítico da superação de tal heran- ça francesa, a prática constitucional atual se fundamenta numa nova tríade: segurança, solidariedade e diversidade. Nesse novo contexto, a liberdade não pode continuar sen- do compreendida apenas sob uma ótica egoística que se afirma perante o Estado e os demais cidadãos, mas precisa ser percebida como uma nova comunhão de responsabili- dade entre o cidadão e o Estado, ou uma nova comunhão de riscos e de chances. Esta diferença se traduz na figura de um cidadão ativo no processo de decisão político-administrativa no que se re- fere à vigilância e efetiva proteção e tutela dos princípios basilares do ordenamento jurídico e dos direitos inviolá- veis da pessoa. A segurança surgiria, assim, como sucesso- ra da liberdade e fundada em dois pilares: na supremacia do interesse social sobre o privado, procurando limitar as atividades particulares que causem riscos à integridade da comunidade, e na tentativa de construção de um instru- mento capaz de conter as imprevisibilidades do exercício das liberdades. A fraternidade daria lugar à noção de solidariedade, o que permitiria superar o conceito problemático de nação. Com a Revolução Francesa, o termo nação foi ressemantizado: o complexo étnico cedeu lugar à comunidade democrática intencional. A bem da verdade, em um primeiro momen- to não chegou a ocorrer a substituição consciente de um significado pelo outro, mas sim, um entrelaçamento entre ethnos e demos, ou seja, entre uma consciência nacional fundada numa origem e cultura comuns e uma comunida- de que exercia seus direitos democráticos de participação e comunicação – uma vinculação, porém, muito mais con- veniente que conceitual. Afinal, o nacionalismo mostrou-se extremamente oportu- no ao conceito de republicanismo na medida em que foi capaz de criar um pano de fundo propício para que os súdi- tos pudessem se tornar cidadãos politicamente ativos, quer através da legitimação de uma nova ordem política secular que precisava justificar sua autoridade em outros primados que não os religiosos, já extremamente frouxos em razão Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 23 FundamentosHistóricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade do pluralismo moderno, quer por meio do apelo mais forte aos corações e ânimos, com vistas à integração das cons- ciências morais e ao fomento de uma solidariedade entre estranhos – e tudo isso gestado com o auxílio de uma his- toriografia nacional, da comunicação de massa e do serviço militar obrigatório. Todavia, embora tenha havido uma percepção inicial de que nacionalismo e republicanismo estivessem entrelaça- dos, tais conceitos não são, de fato, conceitualmente atre- lados, haja vista que a liberdade nacional, entendida como auto-afirmação coletiva contra as nações estrangeiras, não coincide com a liberdade política dos cidadãos no âmbito de um país. Ademais, o conceito de cidadania possui um referencial próprio e que remete à noção de autodetermi- nação, segundo a qual a constituição do Estado de direito não resulta de uma vontade uniforme fruto de uma homo- geneidade preliminar dos contratantes ou de suas formas de vida, mas sim, de um consenso discutido e buscado em meio a uma associação de homens livres e iguais, num pro- cesso democrático de formação de opinião e busca de de- cisão. Assim, diante de traumáticas situações geradas pela natu- ralização de uma identidade coletiva homogênea ou ne- cessariamente homogeneizante, de que a Segunda Guerra é exemplo evidente, a superação da fraternidade por uma solidariedade que se afirmasse entre estranhos, efetiva- mente mais que afetivamente, passou a ser extremamente necessária. Desse modo, a diversidade de identidades co- letivas super ou contrapostas e que correspondem a for- mas de vida marcadas por tradições nacionais deveriam se refratar nos postulados universais da democracia e dos di- reitos humanos, de tal modo que as identidades coletivas ficassem recobertas por um patriotismo que não se referiria ao todo da nação, mas sim, a procedimentos e princípios abstratos capazes de garantir as condições de convivência e comunicação de formas de vida diversas, tratadas com igual consideração e respeito (igualdade/liberdade), princí- pios e procedimentos esses que ganhariam concretude nas tradições histórico-culturais que com eles coadunassem – promovendo-se assim uma postura ética reflexiva em rela- ção à própria herança tradicional. Por fim, a igualdade precisaria superar a visão de um todo universal, percebida de modo abstrato e genérico, para a coexistência de uma pluralidade de identidades ét- nicas, culturais e lingüísticas, dando lugar à diversidade. “A tensa relação entre o velho ideal de uma igualdade de todos os cidadãos baseada no Estado-nação e o novo ideal de coexistência de uma pluralidade de identidades étnicas, culturais e lingüísticas tornou-se imediatamente clara no debate sobre a modificação da lei fundamental para incluir a proteção às minorias e dispositivos sustentando interes- ses minoritários. Isso iria, com efeito, lançar fora o Estado Constitucional baseado numa cidadania nacional comum em favor de uma comunidade política multicultural e mul- tinacional” (DENNINGER, 2003, p. 30). Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 24 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Desse modo, a igualdade só pode ser pensada porque, na verdade, não somos iguais. O fato de sermos todos diferen- tes é que, verdadeiramente, nos faz todos iguais. O direito à igualdade, pois, passa a ser percebido como direito à di- ferença, o direito de manter as próprias distinções e de ser tratado pelo Estado e pelos demais cidadãos com respeito e considerações quanto a elas. Isso justificaria tratamentos desiguais de proteção entre homens e mulheres, desde que fundamentado nas razões de sua desigualdade, como, por exemplo, a Lei Maria da Penha – bem como as ações afir- mativas, os sistemas de cotas, dentre outras tantas ações de discriminação positiva. Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos 25 Fundamentos Históricos, Filosóficos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliografia Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Especificamente em relação à matéria em questão, diversos tratados o abordavam. O Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proibiu, em seu artigo 7º, parágrafo 7º, a prisão civil por dívida, excetuado o devedor voluntário de pensão alimen- tícia. O mesmo ocorreu com o artigo 11 do Pacto Interna- cional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações Unidas (ONU), ao qual o Brasil aderiu em 1990. Pacto de São José da Costa Rica, artigo 7º, parágrafo 7º: § 7º. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária compe- tente expedidos em virtude de inadimplemento de obriga- ção alimentar. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 11: Art. 11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual. Até a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Huma- na, firmada em 1948, em Bogotá (Colômbia), com a partici- pação do Brasil, já previa esta proibição, enquanto a Cons- tituição brasileira de 1988 ainda recepcionou legislação antiga sobre o assunto. 6.4. Proibição da prisão civil por dívi- da Na discussão sobre a constitucionalidade da prisão civil por dívida no Supremo Tribunal Federal, prevaleceu o en- tendimento de que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais priorizados pela Constituição Fe- deral e que sua privação somente pode ocorrer em casos excepcionalíssimos – e, no entendimento de todos os mi- nistros presentes à sessão de julgamento, neste caso não se enquadrava a prisão civil por dívida. Porém, para além de tal reforço do princípio da liberdade, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal permitiu, também, uma refle- xão sobre o papel dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos na garantia dos mesmos. O então Ministro Menezes Direito filiou-se à tese hoje ma- joritária, no Plenário da Corte, que dá status supralegal (aci- ma da
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