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Manuscritos do Mar Morto e a Comunidade de Qumram

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OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO E A COMUNIDADE DE QUMRAM
UMA INFERENCIA ANTROPOLÓGICA
 Ruben Aguilar PhD
Introdução
Um dos maiores descobrimentos arqueológicos do século XX, considerado por muitos como o mais importante, foi o efetuado em 1947 na margem ocidental do Mar Morto, no território da Palestina. Esse descobrimento revelou a existência, no passado, de uma comunidade judaica caracterizada por levarem seus membros, uma vida de ascetismo que os habilitava a produzir grande número de textos manuscritos.
O lugar fazia parte de uma cadeia escarpada e de difícil acesso, formada por colinas, identificadas genericamente com o nome de Qumram. Os manuscritos ali encontrados estavam dispostos em rolos dentro de jarras de cerâmica, e vieram ser conhecidos como os “Rolos do Mar Morto”.
Antes de chegarem às mãos de eruditos em vestígios arqueológicos e filologistas de línguas semíticas, os manuscritos, desde seu achado acidental por um jovem pastor beduíno, passou por várias mãos percorrendo meandros difíceis e ocasionalmente eventos cinematográficos até definitivamente serem reconhecidos como de grande valor científico. O interesse primário sobre essa descoberta reside na análise dos manuscritos para reconhecer seu conteúdo, autenticidade, relação cronológica, autoria e outras características filológicas. No entanto, de importância semelhante é o estudo sobre a identificação da comunidade de Qumram, a qual originou e preservou os “Rolos do Mar Morto”.
Muitos estudiosos, principalmente arqueólogos, historiadores e filologistas, tem sugerido hipóteses em relação à identidade da comunidade que ocupava as cavernas de Qumram. Todas essas hipóteses, muito bem fundamentadas, destacam características peculiares dos diferentes grupos em que estava dividido o judaísmo dos primeiros anos do cristianismo. Assim, existem propostas para relacionar os membros da comunidade de Qumram com a seita dos Fariseus; igualmente bem fundamentada está a proposta que identifica esse grupo com os Saduceus; não menos bem fundada é a proposta que afirma serem da seita dos Zelotes; ou ainda a ideia de que os membros dessa comunidade pertenciam à desprezada raça semita dos Samaritanos; não faltando argumentos sobre a identidade cristã dos membros que habitavam as cavernas de Qumram; porem um bom número de eruditos está inclinado a considerar esse grupo social como pertencente à seita dos Essênios.
O presente trabalho tem por objetivo, baseado no descobrimento das ruínas de Qumram, elaborar uma proposta ou inferência arqueológica seguindo uma teoria social. A arqueologia do Oriente Médio, pelas suas peculiaridades, torna-se dependente em muitos aspectos, das narrativas da História. Em geral as ruínas que são escavadas na atualidade já foram referidas no passado por historiadores antigos, relatando muito ou pouco sobre eventos e personalidades que existiram em tempos anteriores. A esse fato soma-se outro que também contribui ao conhecimento histórico dessa região; a preservação de documentos escritos em tabuinhas de barro, em papiros e em pergaminho.
Não se deve presumir, no entanto, que o conhecimento histórico será uma fonte esclarecedora das circunstâncias e ambiente do passado. É necessária uma inferência teórica que permita maior iluminação onde os dados históricos são tênues ou escuros. Surge dessa maneira a importância do papel que desempenha a Arqueologia, que ao oferecer dados concretos, estimula uma teorização capaz de complementar e até alterar o que historicamente já fora escrito e aceito.
Nesse trabalho se pretende analisar as ruínas deixadas pela comunidade judaica de Qumram e seguir uma inferência arqueológica para compreender mais sobre a estrutura social desse grupo. Antes de apresentar essa proposta será necessário descrever as circunstâncias que envolveram o descobrimento das cavernas de Qumram, as possibilidades de identificação da comunidade ali sediada e finalmente as características dos vestígios achados.
Os Manuscritos do Mar Morto
No verão de 1947, um jovem pastor beduíno chamado Muhammad Adh Dhib, que na língua árabe significa: “Mohamed o lobo”�, procurava nas colinas de Qumram, uma cabra perdida do seu rebanho, quando no meio do terreno íngreme, divisou uma abertura estreita. Seu primeiro pensamento foi que o animal teria penetrado no interior da escarpada montanha através dessa entrada. Para comprovar sua suspeita, lançou uma pedra para esse interior, com o objetivo de provocar a movimentação do animal, porém o efeito do impacto foi o barulho de vasos de cerâmica sendo quebrados.
O jovem Mohamed, surpreendido pelo ruído estranho, decidiu penetrar a essa escura caverna, não sem antes procurar a companhia de outro pastor. Foi assim que esses pastores descobriram uma caverna na colina conhecida com o nome de Wadi Qumram, em cujo interior encontravam-se várias jarras que protegiam manuscritos enrolados e outros fragmentos de manuscritos em pergaminho e papiros abandonados com certa ordem.
Os pastores beduínos, de posse desses manuscritos, decidiram obter algum lucro com a comercialização dos mesmos. Chegando à cidade de Belém, venderam sua vagagem a um sapateiro chamado Kando, pelo valor aproximado de $ 10.00 (dez dólares). O sapateiro por sua vez comercializou os rolos a um vendedor de antiguidades de Jerusalém�. Esse comerciante ofereceu os manuscritos a quem, segundo ele mesmo, seria capaz de reconhecer seu valor real.
Um primeiro lote de três rolos de manuscritos foi oferecido para E. L. Sukenik, filologista judeu que estudava com William Albright na década dos anos 20, na Escola Americana de Pesquisas Orientais, American School of Oriental Research (ASOR) e que estava familiarizado com os caracteres do hebraico dos tempos antigos, quem imediatamente reconheceu o valor desses documentos�. Mais tarde E.L. Sukenik, quem era professor da Universidade Hebraica, transferiu para esse centro acadêmico, os manuscritos adquiridos.
Um segundo lote dos rolos de Qumram foi oferecido a Mar Athanasius Yeshue Samuel, patriarca do mosteiro Sírio Ortodoxo de São Marcos em Jerusalém. O conjunto de manuscritos. O conjunto de manuscritos desse lote apresentava: o livro do profeta Isaias escrito em pergaminho com um comprimento de 7,50 m. contendo 54 colunas de texto escrito�; o comentário sobre o livro do profeta Habacuque, o “Manual de Disciplina” da seita e, o “Livro das Guerras”, escrito em Aramaico.
O patriarca Samuel levou os manuscritos à “Escola Americana de Pesquisas Orientais” (ASOR), onde os apresentou ao Dr. John C. Trever. Este pesquisador reconheceu sua autenticidade e fotografou todos os manuscritos para logo remetê-los ao Dr William F. Albright da Universidade John Hopking, USA, reconhecido na época, como o maior erudito em documentos arqueológicos.
O Dr. W. Albright, após examinar as cópias fotográficas, qualificou os manuscritos como autênticos e declarou ser: “o maior descobrimento de manuscritos de todos os tempos”�. ASOR publicou em 1951, sob a direção de Millar Burrows, o “Manual de disciplina da Comunidade de Qumran”. O patriarca Samuel, possuidor de um bom lote de manuscritos, decidiu viajar aos Estados Unidos para oferecê-los à instituições interessadas, entre essas, a Universidade de Yale. Barreiras legais e diplomáticas não permitiram a transação, e o patriarca ortodoxo sírio, voltou com seus rolos para Israel, onde conseguiu vende-los em 1955 ao governo desse país, pela soma de $ 250.000�.
A repercussão gerada pelo descobrimento dos rolos do Mar Morto estimulou a muitos arqueólogos e especialistas em línguas orientais, a realizar estudos sobre sua origem. Uma das primeiras questões levantadas que suscitou especulações de toda índole foi: “que classe de pessoas viveram em Qumran?” Para poder conhecer os propósitos da produção e preservação dos manuscritos, era necessário identificar o grupo social que habitou nas cavernas de Qumran.
A COMUNIDADE DE QUMRAN
Desde o descobrimento da primeira cavernade Wadi Qumran e o consequente achado das jarras, contendo manuscritos antigos que eram comercializados como “quinquilharias”, muitos beduínos dedicaram-se à tarefa de descobrir novas cavernas para obter mais rolos de pergaminhos. Começou assim um processo de busca e depredação dos documentos do Mar Morto, que felizmente cessou em 1949. Nesse ano o governo israelense autorizou a participação de arqueólogos europeus para iniciar um processo de análise e estudos científicos da região de Qumran.
De inicio as expedições europeias nas suas primeiras descobertas encontraram de 40 a 50 jarras de cerâmica e 20 manuscritos, alguns desses com caracteres do antigo alfabeto fenício�. Em 1951, G. Lancaster Harding e Roland de Vaux, iniciaram escavações na colina Khirbeth Qumran, localizada 400 m. ao sul de Wadi Qumran, onde descobriram as ruínas de uma grande construção do período de João Hircano (135 - 105 a.C.), com aspecto de mosteiro�. No final desse ano as escavações adquiriram outro impulso sob o patrocínio da Ecole Biblique, da França e do “Departamento de Antiguidades” da Jordânia�.
Na primavera de 1952, toda a região de Qumran era escavada sob a direção de Roland de Vaux; desse tempo em diante foram descobertas 37 cavernas com sinais de ocupação e em 35 delas encontraram-se manuscritos.
A variedade dos documentos permite uma classificação baseada no conteúdo, entre os que podem ser destacados: documentos de negócios, contratos de casamento, fragmentos dos escritos dos profetas israelitas em língua grega e textos sagrados do povo judeu escritos em hebraico antigo.
As ruínas do mosteiro de Khirbet Qumran, descobertas no final de 1951, estavam conformadas por uma grande sala retangular de 30 por 40 mts. com duas torres que serviam de sustentáculo. Essa enorme sala servia como recinto de reuniões, assembleias gerais e refeitório. Numa sala adjacente, encontrou-se um depósito de utensílios de cozinha contendo 1080 bacias de barro, dentre os quais 210 serviam como pratos; 708 copos pequenos e 75 copos grandes�. Em frente do grande salão se divisa uma sala circular pavimentada, possivelmente utilizada por alguma autoridade da comunidade. Atravessando a área de uma cisterna em direção norte foi encontrada uma sala em cujo interior ainda permanecem uma mesa comprida, bancos, tinteiros, o que permite considerar como o lugar de produção de manuscritos ou scriptorium.
A comunidade possuía depósitos para armazenar mantimentos e objetos de valor. Num desses depósitos encontrou-se jarras e moedas em número de 250 peças� correspondentes a um período entre os anos 100 a 68 a.C., ano em que foi atacada pela décima legião romana�.
O abastecimento de água era proporcionado por uma rede de canais interligados a 12 cisternas de bom tamanho. Os membros da comunidade possivelmente dormiam em cavernas contíguas e realizavam suas atividades cotidianas nas dependências do mosteiro.
Segundo as pesquisas efetuadas por F. Kenyon, pode-se identificar 3 períodos de ocupação da cidadela de Qumran. O primeiro período de ocupação seria durante o governo de João Hircano (135 - 105 a.C.) até o terremoto do qual fala Flavius Josephus, que ocorreu no sétimo ano do governo de Herodes o Grande (31 a.C.)�. Durante esse período o mosteiro foi remodelado e alcançou bom desenvolvimento no governo de Alexandre Janeo (103 - 76 a.C.).
O segundo período de ocupação começa no governo de Arquelão (4 a.C. - 6 d.C.) e vai até a revolta judaica de 68 d.C. Nessa ocasião, a décima Legião romana acometeu violentamente contra a cidadela de Qumran, destruindo boa parte de suas dependências. Acredita-se que foi nessas circunstâncias que os valiosos manuscritos foram escondidos nas cavernas ao redor.
O terceiro período de ocupação, segundo F. Kenyon, ocorreu durante a revolta de Bar Kochba (132 d.C.) onde muitos judeus, principalmente os remanescentes da comunidade, encontraram refugio nas cavernas de Qumran. Essa ocupação durou pouco mais de 3 anos até sua final destruição pelas legiões romanas em 135 d.C.�.
Primeira resposta: a comunidade de Qumran, pertencería à seita dos fariseus. Os fariseus são considerados “pais do judaísmo normativo”, devido à suas rígidas regras de procedimento. Antes do descobrimento dos manuscritos do Mar Morto, o “Documento de Damasco”, um código de normas, era considerado por L. Ginzberg e Hvidberg, como de origem farisaica. Dentre os manuscritos de Qumran, encontra-se uma cópia do “Documento de Damasco”, que segundo Otzen, foi escrito por judeus fariseus que foram a Damasco e logo permaneceram em Qumran�. 
Segunda resposta: os membros da comunidade seriam Saduceus. Na língua hebraica “Saduceu” e “Zadoquita” são referidas com um mesmo vocábulo. O termo “Zadoquita” parece ter sido originada da frase “filhos de Zadoque” atribuído a um grupo judaico. Segundo Flavius Josephus, Zadoque fundou a quarta linha filosófica entre os judeus que caracterizou à seita de Qumran�. Tanto os Saduceus como os membros da comunidade de Qumran, identificam-se como “filhos de Zadoque”
Terceira resposta: a comunidade estaria constituída por Samaritanos. John Bowman fez um estudo comparativo entre a linguagem dos escritos de Qumran com o hebraico antigo usado pelos Samaritanos. Encontrou muitas e notáveis afinidades tanto na grafia como nas expressões. Igualmente achou semelhanças nas práticas religiosas e crenças entre os Samaritanos e a seita de Qumran�. 
Quarta resposta: os membros de Qumran eram judeus Zelotes. Esta divisão da população judaica era constituída por pessoas caracterizadas pelo seu zelo extremado por tudo quanto era da sua nacionalidade. Sua apologia estava estruturada sobre argumentos filosóficos; razão pela qual F. Josephus chama seus líderes de “sofistas”�. Os Zelotes não aceitavam o livro de Ester. Cecil Roth observa a descrição feita por Josephus sobre a revolta de Judas o Galileu, após a morte do rei Herodes o Grande. Esse líder Zelote desaparece, para depois reaparecer quando Qumran é reocupado no ano 6 d.C., ou seja durante a segunda ocupação�.
Quinta resposta: a comunidade era formada por Cristãos. Em 1952, J. L. Teicher analisou o procedimento de condenação que sofreram os membros da comunidade de Qumran pelas forças romanas, durante a revolta judaica. Era hábito dos judeus blasfemarem o legislador do momento e, não comer o que lhes era proibido. Os membros da comunidade não blasfemavam e comiam as comidas proibidas pelos judeus, por isso podem ser identificados como sendo não judeus, mas cristãos�.
QUMRAN, UMA INFERÊNCIA SOCIAL
Baseado nos vestígios arqueológicos deixados pela comunidade de Qumran é possível aplicar uma sistematização teórica para permitir que esses mesmos vestígios possam declarar outros eventos da vida social da comunidade. Neste trabalho a inferência a ser aplicada será a proposta social defendida por Mário Sanoja O. da Universidade Central da Venezuela.�..
Na sua exposição teórica, Sanoja sistematiza sua proposta de Inferência Arqueológica sob o principio das “relações”. Dentre alguns conceitos especulativos, como por exemplo, a cultura, ações culturais, nível de desenvolvimento das forças produtivas, etc. Sanoja destaca como caracterização arqueológica, três tipos de “relações”: a) Relações entre a comunidade e seu objeto de trabalho; b) Relações sociedade - objeto de trabalho; c) relações entre os membros da comunidade.
As relações entre a comunidade e seu objeto de trabalho, considera Sanoja, são as que tem que ver com a interdependência da comunidade com seu ambiente. Essas relações devem destacar as características do solo, a topografia do lugar onde a comunidade estava assentada, a flora atual e antiga, a fauna atual e antiga. 
As relações sociedade - objeto de trabalho, estão baseadas no modo de produção, ou seja na forma particular da exploração tanto dos recursos naturais como do próprio membro participante da comunidade.
As relações entre os membros da comunidade identificaa afinidade existente entre seus membros, que define o grupo doméstico. A relação consequente, desse grupo domestico, é a existente entre o chefe e os membros do grupo. Finalmente a vida comunitária não se desenvolve isoladamente, mas numa relação direta com as áreas de atividades ou de habitação que Sanoja chama de espaço domestico.
APLICAÇÃO DA INFERÊNCIA SOCIAL NOS VESTÍGIOS ARQUEOLÓGICOS DE QUMRAN
As relações entre a comunidade e seu ambiente são necessárias para conhecer o tipo biológico dos membros do mosteiro de Qumran. O solo é árido, formado por uma estratificação sedimentar de arenito, numa profundidade aproximada de 250 mts. abaixo do nível do mar Mediterrâneo. Essa conformação permite a absorção da umidade do ar a qual determina uma densidade das mais baixas da terra. O clima é influenciado pela estrutura do solo e baixa umidade, evitando a formação de nuvens durante o verão, período onde a temperatura alcança 400 C de calor.
A topografia de Qumran é agreste, de difícil acesso e cheia de pequenas colinas que dificultam mais o assentamento de uma comunidade social. Na verdade o relevo é não apropriado para a construção de uma vila ou cidade; isto leva a considerar que a seita de Qumran não habitou nessa região com o propósito de estabelecer uma organização social semelhante a uma cidade, mas como um lugar apropriado para permanecer escondidos ou fugitivos por circunstancias históricas adversas. Essa razão se fundamenta em virtude de que a comunidade construiu nas cavernas de Qumran, umas dependências irrisórias porem suficientes para serem habitadas.
A flora atual é escassa embora seja experimentalmente acrescida com o cultivo de espécies transplantadas. As plantas são de pequena estatura, algumas alcançando um bom tamanho na época das chuvas que ocorre entre os meses de Outubro a Março. Durante o verão, as plantas secam, devido à falta de água e ao vento quente procedente do Mediterrâneo chamado “Sirocco”, o qual queima o que restou. Documentos antigos, em especial a Bíblia, fazem referência a algumas plantas do deserto e das proximidades do Mar Morto existentes no passado. Um exemplo dessas plantas é o Safron, espécie de lírio do campo de pétalas fechadas. Outro exemplo é o Dibyonim, nome hebraico dado a uma planta cujos bulbos serviam de alimento para os pobres. O formato dessa planta é semelhante às umbelas atuais (coentro, folhas da cenoura). 
Nas proximidades de Qumran existe um oásis onde muitas palmeiras se levantam para proporcionar sombra e vitalidade certamente muitas dessas arvores serviram à comunidade, de diversas maneiras: como matéria prima para fabricação de móveis, construir estaqueamento e, usar como combustível para produzir fogo. Nas cavernas foram encontradas varias peças de madeiras, possivelmente trazidas daquele lugar. Existem indícios de que os membros da seita de Qumran realizavam também trabalhos agrícolas possivelmente nas proximidades dessa região; onde pode-se cultivar cereais, principalmente o trigo.
A fauna atual é típica do deserto onde povoam animais inadequados para a vida humana como escorpiões, repteis de pequeno tamanho, aracnídeos diversos, etc.. Os animais úteis ao homem como ovelhas, cabras, camelos, etc., são transportados por pastores nômades em busca de nutrientes naturais para sua alimentação. Não foram encontrados até o momento, vestígios de atividade pastoril ou semelhante, realizada pelos membros do mosteiro de Qumran. Isto leva a afirmar que essa seita não praticava essa atividade.
As relações sociedade - objeto de trabalho, segundo Sanoja, deve ser interpretada como um processo histórico onde se verifica não uma interação de condições naturais com seres viventes, mas uma separação das mesmas a ponto de permitir um desenvolvimento das condições de produção. Esse desenvolvimento pode ser apreciado pela arqueologia ao expor os instrumentos de trabalho que uma vez foram soterrados pelos eventos históricos e também pela ação dos agentes geológicos.
No caso da comunidade de Qumran, em razão dos vestígios arqueológicos ali encontrados, pode-se afirmar que essa relação não era de dependência ou adaptação do homem às condições naturais, mas de modificações ou de domínio do homem sobre essas condições. Isto é confirmado pelas numerosas cisternas escavadas no interior do mosteiro, pelas modificações realizadas nas cavernas a ponto de transforma-las em salas de reuniões; pela construção de habitações que serviam como depósito de produtos obtidos pelo trabalho dos membros de Qumran, pela fabricação de móveis de madeira utilizados nas diversas salas e no Scriptorium, etc.; que em síntese dão uma idéia sobre a forma de exploração da terra ou modo de produção.
As relações entre os membros da comunidade, pode-se verificar através do “Manual de Disciplina” que regia a vida do mosteiro. Esse documento esclarece sobre o comportamento e atividades que devem ser realizadas pelos membros da seita. Esse padrão de comportamento pode definir o “grupo doméstico” ou a afinidade existente entre os indivíduos dessa sociedade que em principio atuavam sobre uma base comum de atividades.
As disposições estabelecidas no “Manual de Disciplina” sugere a existência de um conselho ou organismo executor a fim de garantir o cumprimento de cada prescrição. A interpretação arqueológica dada a uma sala circular, pavimentada, junto ao grande salão de reuniões, como sendo ocupada por um líder ou presidente, identifica à pessoa que a dirige como chefe do grupo doméstico.
Os membros do grupo domestico sediado em Qumran atuavam de tal modo à contribuir na obtenção do produto comum designado como finalidade. Essa finalidade, pela enorme quantidade de rolos de pergaminho encontrados nas cavernas, era prioritariamente a produção de manuscritos e conseqüente preservação dos mesmos. Algumas normas do “Manual de Disciplina” revelam as atividades preparatórias que devem ser cumpridas antes de proceder à elaboração dos manuscritos. Essa preparação inclui a freqüência dos membros às exposições e dissertações proferidas por palestrantes ou instrutores.
A atenção exigida, segundo o Manual, era extremada ao ponto de punir quem interrompesse a alocução de um orador com o barulho característico de aliviar a garganta; ou de se levantar, ainda que para emergências, antes do palestrante terminar sua exposição.
Há algumas especulações em relação a organização familiar da seita de Qumran e às finalidades de preservação, mediante a reprodução de indivíduos da comunidade, das características próprias como grupo domestico. A recomendação do Manual é a prática do celibato, para facilitar a adaptação à vida monástica. No entanto existem indícios de uma preservação da seita através de gerações consanguíneas, mantendo dessa maneira as peculiaridades incontaminadas das classes surgidas no judaísmo daquele tempo.
Outro fator que determina a relação entre os membros da comunidade, é o espaço doméstico ou a habitação onde se desenvolve a vida comunitária. No caso da seita de Qumram, são as diversas cavernas adaptadas como habitação e recintos onde os membros do mosteiro realizavam suas atividades quotidianas. A disposição das salas pressupõe uma distribuição de responsabilidades, já que várias cavernas que serviam como dormitórios, se localizam junto aos lugares de atividades diversas, por exemplo: cozinha, depósito, scriptorium, etc..
Como espaço doméstico de Qumran, pode-se mencionar também o oásis próximo, onde o solo permite o cultivo de plantas alimentícias, e a diversidade de palmeiras favorece a utilização de móveis para a comunidade, e um lugar sossegado e alegre para a descontração.
	Finalmente podemos afirmar que graças à análise dos vestígios deixados pelos habitantes da comunidade de Qumran, é possível efetuar uma inferência antropológica a fim de conhecer mais sobre o desenvolvimento social e fatos históricos, dessa antiga seita judaica. Pela reprodução de documentos da vida social e religiosa, principalmentedos textos sagrados do Velho Testamento, e consequente preservação dos mesmos, pode-se reservar, nas páginas da história, um lugar privilegiado ao conhecimento e descrição da seita judaica que floresceu, enclausurada, nas margem do Mar Morto.
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� Pritchard , James B. La Arqueologia y el Nuevo Testamento, p. 63.
� Alguns autores como Frederick Kenyon (Our Bible and the Ancient Manuscript) não diferenciam a trjetória pela qual passaram os rolos, antes de serem finalmente depositados no museu de Jerusalém. Pelo relato de outros, como James Pritchard, é possível detectar, ao menos dois roteiros na passagem de mãos dos rolos de Qumram.
� Vardaman, Jerry. La Arqueologia y la Palabra Viva, p. 87.
� Pritchad, James B. Op. Cit. p. 64.
� Vardaman, Jerry. Op. Cit. p. 89
� Price, Ira Maurice. The Monuments and the Old Testament, p. 409.
� Kenyon, Frederik. Our Bible and the Ancient Manuscript, p. 32.
� Ibid. p. 34.
� Price, I. M., Op Cit. p 410.
� Burrows, Millar. More Light on the Dead Sea Scrolls, p. 69.
� Kenyon, F. Op. Cit. p. 33.
� Price, I. M. Op Cit. p. 411.
� Oberg, Renato E. Os Manuscritos do Mar Morto, p. 64.
� Kenyon, F. Op. Cit. pp. 33,34.
� Citado por Burrows, Millar. Op. Cit. p. 257.
� Burrows, Millar. Op. Cit. p. 258.
� Bowman, John. Contact Between Samaritan Sects and Qumram, em Vetus testamentum, vol. VII, 1957, pp. 184 - 89.
� Burrows, Millar. Op. Cit. p. 273.
� A maioria das revoltas judaicas contra a opressão do império romano, foi efetuada por judeus Zelotes que dessa maneira manifestavam seu extremado nacionalismo e repudio contra o opressor. A razão de rejeitar o livro de “Ester”, se deve ao fato de uma mulher judia ocupar o cargo de rainha no palácio do rei Assuero, um governante não judeu.
� J. L. Teicher. The Essenes, em Studia Patristica, citado por Burrows, M. op. cit. 270.
� O trabalho utilizado para realizar a inferência teórica, é copia do artigo assinado por Sanoja, Mario. La Inferência en la Arqueologia Social, publicado em 1988 por Fonseca (ED) en Hacia Una Arqueologia Social, da editorial da Universidade de Costa Rica.
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