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Curso de Direito Constitucional - Capítulo 1 - Gilmar Mendes - Resumo

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Flávia Argôlo França
2
Curso de Direito Constitucional – Gilmar Mendes e Paulo Branco
Capítulo 1 – Noções introdutórias
I – O VALOR DA CONSTITUIÇÃO – PERSPECTIVA HISTÓRICA
1. Na Europa
Na Europa, os movimentos liberais, a partir do século XVIII, enfatizaram o princípio da supremacia da lei e do parlamento, o que terminou por deixar ensombrecido o prestígio da Constituição como norma vinculante.
Hobbes entende que o soberano deve ser individualizado de modo claro, para se prevenir a dissolução do Estado
Em 1689 o Bill of Rights restringe os poderes reais, na medida em que recusa ao monarca legislar autonomamente e lhe recusa o poder de impor tributos ou convocar e manter o exército sem autorização parlamentar.
Segundo Locke, o legislador não cria direitos, mas aperfeiçoa a sua tutela, no suposto de que esses direitos preexistem ao Estado; daí o Poder Público não poder afetar arbitrariamente a vida e a propriedade dos indivíduos.
“A verdadeira relevância de Locke — sustenta Maurizio Fiovaranti — está em ter sido ele o pioneiro em formular, de modo claro e firme, no âmbito da constituição dos modernos, a fundamental distinção entre poder absoluto e poder moderado. O primeiro é aquele em que um único sujeito, seja o rei, seja a assembleia, tem os poderes legislativo e executivo; já no segundo, os dois poderes são distintos e pertencem a dois sujeitos distintos”
Na era moderna, deve-se a Locke a concepção da fórmula de divisão dos poderes como meio de proteção dos valores que a sociedade política está vocacionada a firmar. Locke não fala de um Poder Judiciário, mas do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Federativo. Apesar dessa distinção, a teoria de Locke não preconiza uma igualdade hierárquica entre os Poderes.
Em 1762 Rousseau publica “O contrato social” e desconfia dos governos. Propõe que sejam limitados, para prevenir que se desvirtuem pela busca de fins particulares, apartando-se dos objetivos gerais que lhes seriam típicos.
Na Europa, a Revolução Francesa havia assumido a tarefa de superar todo o regime político e social do Antigo Regime. O exercício da vontade suprema do povo é, então, reconhecido aos seus representantes no Legislativo. Sendo a expressão do povo soberano, o parlamento não poderia ser limitado por nenhuma regra, nem mesmo pela Constituição. Consagrou-se a fórmula revolucionária de que a voz do Legislativo é a expressão da vontade geral, na linha da doutrina de Rousseau, que punha em par a lei com a própria liberdade.
1.1. Supremacia do Parlamento e controle de constitucionalidade
Não se tolera a produção de norma contrária à Constituição, porque isso seria usurpar a competência do poder constituinte. Este, sim, passa a ser a voz primeira do povo, condicionante das ações dos poderes por ele constituídos. A Constituição assume o seu valor mais alto por sua origem — por ser o fruto do poder constituinte originário.
2. Nos Estados Unidos
O perigo que assustava era justamente o da extensão desmesurada do Poder Legislativo39. O caminho que os americanos arquitetaram para si foi o do equilíbrio dos poderes, precavendo-se contra as ambições hegemônicas do Congresso.
“a manutenção da liberdade não somente exige o estabelecimento de garantias para a sociedade em face do Estado, como também a proteção das minorias em face de um eventual abuso democrático.”
Tudo isso colaborou para que se encontrasse um valor jurídico único na Constituição, como instrumento de submissão dos poderes a limites. Tornou-se viável a ideia da supremacia da Constituição sobre as leis.
A doutrina do controle judicial articula, portanto, três assertivas básicas: a) a Constituição é concebida para ser a lei principal do país; b) cabe ao Judiciário a função de interpretar e aplicar a Constituição nos casos trazidos à sua apreciação, podendo recusar valia ao ato que infringe a Constituição; c) a interpretação judicial é final e prepondera sobre a avaliação dos demais Poderes.
3. Neoconstitucionalismo
O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade.
A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes. A esse conjunto de fatores vários autores, sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de neoconstitucionalismo.
Com a materialização da Constituição, postulados ético-morais ganham vinculatividade jurídica e passam a ser objeto de definição pelos juízes constitucionais, que nem sempre dispõem, para essa tarefa, de critérios de fundamentação objetivos, preestabelecidos no próprio sistema jurídico.
Busca-se neutralizar a objeção democrática ao Estado constitucional com a observação de que a “rematerialização constitucional empresta dimensão substancial para a democracia”.
II – CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO
Liga-se, muitas vezes, a noção de Constituição a tudo que se refira à organização de alguma coisa. Levar, porém, o delineamento da Constituição a tais extremadas latitudes equivale a destituir o conceito de utilidade para o jurista.
O conceito de Constituição que nos será útil não se desgarra do papel que se entende que esse instrumento deve desempenhar; por isso, o conceito de Constituição não tem como deixar de se ver carregado da ideologia do constitucionalismo. Desse movimento, como visto, a Constituição emerge como um sistema assegurador das liberdades, daí a expectativa que proclame direitos fundamentais.
1. Constituição em sentido substancial (ou material)
Fala-se em Constituição no sentido substancial quando o critério definidor se atém ao conteúdo das normas examinadas. A Constituição será, assim, o conjunto de normas que instituem e fixam as competências dos principais órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por quem, além de disciplinar as interações e controles recíprocos entre tais órgãos. Compõem a Constituição também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a ação dos órgãos estatais, em benefício da preservação da esfera de autodeterminação dos indivíduos e grupos que se encontram sob a regência desse Estatuto Político. Essas normas garantem às pessoas uma posição fundamental ante o poder público (direitos fundamentais).
Decerto que essa realidade que nos chega até hoje provoca uma redefinição, também, no conceito material da Constituição. Se os elementos do Estado liberal de direito continuam relevantes para a definição substancial da Constituição, agora também normas de novo tipo serão tidas como cruciais para a ordenação fundamental da comunidade.
A Constituição tem por meta não apenas erigir a arquitetura normativa básica do Estado, ordenando-lhe o essencial das suas atribuições e escudando os indivíduos contra eventuais abusos, como, e numa mesma medida de importância, tem por alvo criar bases para a convivência livre e digna de todas as pessoas, em um ambiente de respeito e consideração recíprocos. Isso reconfigura o Estado, somando-lhe às funções tradicionais as de agente intervencionista e de prestador de serviços.
A Constituição passa a ser o local para delinear normativamente também aspectos essenciais do contato das pessoas e grupos sociais entre si, e não apenas as suas conexões com os poderes públicos.
O conceito material de Constituição, portanto, segue a inteligência sobre o papel essencial do Direito e do Estado na vida das relações em uma comunidade. A Constituição, como ordem jurídica fundamental da comunidade, abrange, hoje, na sua acepção substancial, as normas que organizam aspectos básicos da estrutura dos poderes públicos e do exercício do poder, normas que protegem as liberdades em face do poder público e normas que tracejam fórmulas de compromissoe de arranjos institucionais para a orientação das missões sociais do Estado, bem como para a coordenação de interesses multifários, característicos da sociedade plural.
2. Constituição em sentido formal
A Constituição, em sentido formal, é o documento escrito e solene que positiva as normas jurídicas superiores da comunidade do Estado, elaboradas por um processo constituinte específico. São constitucionais, assim, as normas que aparecem no diploma constitucional, que resultam das fontes do direito constitucional, independentemente do seu conteúdo.
III – FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL
Fontes do direito são os modos de criação ou de revelação das normas jurídicas. A Constituição brasileira, como de resto a da mais vasta maioria dos sistemas, tem fontes primárias escritas. Ela resulta da aprovação e inclusão em um documento escrito e solene, aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte, de um conjunto de disposições normativas. As dezenas de emendas à Constituição, advindas do poder constituinte de reforma, como as seis emendas de revisão, todas são fontes formais do Direito Constitucional brasileiro.
O costume, assim, é fonte complementar, mas, não, primária do Direito Constitucional. O costume contra legem, no caso da Constituição escrita, é de ser, por seu turno, repelido por princípio, configurando mero caso de ação inconstitucional. Os costumes, na lição clássica, têm força de lei “quando uniformes, constantes, diuturnos.
IV – CLASSIFICAÇÕES
Normas materialmente constitucionais e normas formalmente constitucionais
A distinção entre Constituição material e Constituição formal dá abertura para uma classificação das normas constitucionais bastante difundida, que distingue as normas apenas materialmente constitucionais, as normas apenas formalmente constitucionais e as normas formal e materialmente constitucionais.
É cabível, em face de combinação de circunstâncias normativas, que tenhamos uma norma com assunto tipicamente constitucional, que esteja fora da Constituição (como no exemplo do Código Eleitoral). Essa norma será apenas materialmente constitucional. Da mesma forma, pode-se encontrar uma norma que dispõe sobre assunto tipicamente constitucional e que está acolhida no Texto constitucional. Essas são as normas que têm conteúdo de norma constitucional e que apresentam, igualmente, a forma própria das normas constitucionais — são as normas formal e materialmente constitucionais.
Constituições escritas e não escritas
As constituições escritas se dão a conhecimento em um documento único, que sistematiza o direito constitucional da comunidade política. Provém do poder constituinte originário e é integrada por deliberações posteriores do poder constituinte de reforma. Configuram, pois, um ato intencional proveniente de um ente encarregado da tarefa de elaborá-las.
As constituições não escritas, por oposição, não se encontram em um documento único e solene; são compostas por costumes, pela jurisprudência e também por instrumentos escritos, mas dispersos, inclusive no tempo. Não são o resultado de uma deliberação sistemática intencional de organizar o poder e limitá-lo em todos os seus variados ramos. Compreende-se que a exemplificação desse tipo de Constituição seja difícil, no constitucionalismo atual, que se empenha justamente em definir, em um documento racionalizador das relações básicas da comunidade, os contornos indispensáveis à sua identidade jurídica. O exemplo característico que se dá de Constituição não escrita é o da Constituição inglesa.
Todas as constituições brasileiras são escritas e dogmáticas.
Constituições rígidas e flexíveis
Distinção relevante é a que se faz entre constituições rígidas e flexíveis (agregando-se ao binômio as constituições semirrígidas, para designar constituições, como a do Brasil-Império, em que parte da Carta era rígida, e parte, flexível). A rigidez ou flexibilidade da Constituição é apurada segundo o critério do grau de formalidade do procedimento requerido para a mudança da Lei Maior. A estabilidade das normas constitucionais, em uma Constituição rígida, é garantida pela exigência de procedimento especial, solene, dificultoso, exigente de maiorias parlamentares elevadas, para que se vejam alteradas pelo poder constituinte de reforma. Em oposição, as constituições flexíveis permitem a sua reconfiguração por meio de um procedimento indiferenciado do processo legislativo comum. Não se cobra, na Constituição flexível, uma supermaioria para que o texto seja modificado.
A rigidez é atributo que se liga muito proximamente ao princípio da supremacia da Constituição. A supremacia fixa o status hierárquico máximo da Constituição no conjunto das normas do ordenamento jurídico. Essa superioridade se expressa na impossibilidade de o legislador ordinário modificar a Constituição, dispondo em sentido divergente do que o constituinte estatuiu. [...] A rigidez, expressando a supremacia da Constituição, demanda, também, a instituição de um sistema de controle de validade dos atos praticados pelos poderes constituídos, em face das normas do Texto constitucional. A rigidez, para ser efetiva, requer um sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, como garantia eficaz da supralegalidade das normas constitucionais.
A Constituição brasileira de 1988 é do tipo rígido, e a sua rigidez se eleva à condição de princípio constitucional, parâmetro para a solução de problemas práticos.
Constituição-garantia e constituição programática
As primeiras, as constituições-garantia, tendem a concentrar a sua atenção normativa nos aspectos de estrutura do poder, cercando as atividades políticas das condições necessárias para o seu correto desempenho. Aparentemente, não fazem opções de política social ou econômica. As segundas, as constituições dirigentes, não se bastam com dispor sobre o estatuto do poder. Elas também traçam metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico.
De toda sorte, associa-se a constituição-garantia a uma concepção liberal da política, enquanto que a constituição programática remete-se ao ideário do Estado social de direito. A Constituição brasileira de 1988 tem clara propensão dirigente.
Constituição outorgada e constituição promulgada
Conforme a sua origem, distinguem-se as constituições em outorgadas e promulgadas, conforme tenha havido, ou não, participação do povo no seu processo de elaboração — mais frequentemente por meio de representantes populares eleitos para a tarefa. Chama-se Constituição promulgada aquela em que ocorre essa participação, que, por isso, também é chamada de Constituição democrática.
Constituição normativa, constituição nominal e constituição semântica
As constituições normativas são as que logram ser lealmente cumpridas por todos os interessados, limitando, efetivamente o poder. As constituições nominais são formalmente válidas, mas ainda não tiveram alguns dos seus preceitos “ativados na prática real”. Na visão de Loewenstein, nesses casos, “a situação real não permite a transformação das normas constitucionais em realidade política”, mas ainda “se pode esperar que, com o tempo, normas que até agora somente possuíam validez nominal, tornar-se-ão, também, normativas”. Por fim, a Constituição semântica seria a formalização do poder de quem o detém no momento. Não tenciona limitá-lo, mas mantê-lo, mesmo que professe “uma adesão de boca aos princípios do constitucionalismo”.
V- AS NORMAS CONSTITUCIONAIS
1. Parte orgânica e parte dogmática da constituição
Na parte orgânica, o constituinte se dedica a normatizar aspectos de estrutura do Estado. Aqui estão as regras que definem a organização do Estado, determinando as competências dos órgãos essenciais para a sua existência. Aqui também se encontram as normas que disciplinam as formas de aquisição do poder e os processos do seu exercício. Esses preceitos racionalizam o exercício das funções do Estado e estabelecem limites recíprocos aos seus órgãos principais. Na parte dogmática,o constituinte proclama direitos fundamentais, declarando e instituindo direitos e garantias individuais, como também direitos econômicos, sociais e culturais. O constituinte marca, então, o tom que deve nortear a ação do Estado e expressa os valores que tem como indispensáveis para uma reta ordem da comunidade.
2. Características das normas constitucionais
Já foi visto que as normas integradas na Constituição formal distinguem-se das demais expressões do direito por sua posição hierárquica superior.
A superioridade das normas constitucionais também se expressa na imposição de que todos os atos do poder político estejam em conformidade com elas, de tal sorte que, se uma lei ou outro ato do poder público contrariá-las, será inconstitucional, atributo negativo que corresponde a uma recusa de validade jurídica. Porque as normas constitucionais são superiores às demais; elas somente podem ser alteradas pelo procedimento previsto no próprio texto constitucional.
As normas constitucionais, situadas no topo da pirâmide jurídica, constituem o fundamento de validade de todas as outras normas inferiores e, até certo ponto, determinam ou orientam o conteúdo material destas últimas.
Elas regulam apenas em parte a deliberação legislativa que lhes confere desenvolvimento.
As determinantes negativas expressas nas normas constitucionais, com os vetos que encerram, desempenham uma função de limite para o legislador ordinário. As determinantes positivas, de seu turno, regulam parcialmente o conteúdo das normas infraconstitucionais, predefinindo o que o legislador deverá adotar como disciplina normativa, dirigindo a ação dos poderes públicos, ainda que não o fazendo de modo exaustivo.
3. Densidade e aplicabilidade das normas
A liberdade do legislador na escolha do conteúdo concretizador das normas constitucionais será tanto maior quanto menor for a densidade dos preceitos constitucionais envolvidos.
Para o constitucionalismo atual, todas as normas constitucionais são executáveis por si mesmas, até onde possam sê-lo.
Outra classificação, que também enfoca o critério da aplicabilidade das normas constitucionais e que se difundiu bastante na doutrina e na jurisprudência brasileiras, aponta três espécies básicas de normas constitucionais — as normas constitucionais de eficácia plena, as normas constitucionais de eficácia contida e as normas constitucionais de eficácia limitada (ou reduzida).
As normas de eficácia plena são as idôneas para produzir todos os efeitos previstos, isto é, podem disciplinar de pronto as relações jurídicas, uma vez que contêm todos os elementos necessários. Correspondem aos casos de norma autoexecutável.
As normas de eficácia contida são também autoexecutáveis e estão aptas para produzir plenos efeitos no mundo das relações.
O terceiro grupo de normas constitucionais compõe a classe das normas constitucionais de eficácia limitada (ou reduzida). Estas somente produzem os seus efeitos essenciais após um desenvolvimento normativo posterior, a cargo dos poderes constituídos. A sua vocação de ordenação depende, para ser satisfeita nos seus efeitos básicos, da interpolação do legislador infraconstitucional. São normas, pois, incompletas, apresentando baixa densidade normativa.
Nessa categoria de normas se listam as de princípio institutivo, referentes às que contêm um apanhado geral, um início de estruturação de institutos e instituições, entidades e órgãos.
As normas programáticas, igualmente, são subespécie das normas constitucionais de eficácia limitada. Essas normas impõem uma tarefa para os poderes públicos, dirigem-lhes uma dada atividade, prescrevem uma ação futura. [...] As normas programáticas impõem um dever político ao órgão com competência para satisfazer o seu comando, condicionam a atividade discricionária dos aplicadores do direito, servindo de norte teleológico para a atividade de interpretação e aplicação do direito. Impedem comportamentos contrários às normas, podendo gerar pretensões a abstenção. Revogam normas anteriores incompatíveis com o programa que promovem e, se atritam com normas infraconstitucionais posteriores, levam à caracterização de inconstitucionalidade.
4. A característica da sanção perfeita
As normas constitucionais caracterizam-se, também, pela especificidade dos meios de tutela e das sanções jurídicas que as cercam. São, nesse sentido, chamadas de normas imperfeitas, porque a sua violação não se acompanha de sanção jurídica suficiente para repor a sua força normativa, até porque não há nenhuma instância superior da ordem jurídica que lhe assegure a observância pelos órgãos da soberania. As normas constitucionais dependem da vontade dos órgãos de soberania de respeitá-las e cumpri-las.
5. Modalidades de normas constitucionais – Regras e princípios
Ganhou a doutrina mais moderna uma classificação das normas, que as separa em regras e princípios.
Os princípios seriam aquelas normas com teor mais aberto do que as regras. [...] os princípios corresponderiam às normas que carecem de mediações concretizadoras por parte do legislador, do juiz ou da Administração. Já as regras seriam as normas suscetíveis de aplicação imediata. [...] os princípios teriam, ainda, virtudes multifuncionais, diferentemente das regras. Os princípios, nessa linha, desempenhariam também uma função argumentativa.
A doutrina em torno da distinção entre regras e princípios recebeu contribuição de relevo, tanto teórico como prático, com os estudos de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Os dois autores buscaram esclarecer que a diferença entre regras e princípios não é meramente de grau, sendo, antes, qualitativa. O critério que desenvolvem auxilia na compreensão das peculiaridades próprias das regras e aquelas próprias dos princípios, a partir de uma maior precisão metodológica.
6. Regras e princípios de Dworkin e Alexy
Ronald Dworkin concordou que um princípio normativo e uma regra se assemelham, na medida em que ambos estabelecem obrigações jurídicas. O que os estremaria seria, porém, não o maior ou menor grau de vagueza da disposição, mas, sim, o tipo de diretiva que apresentam.
A norma da espécie regra tem um modo de aplicação próprio que a diferencia, qualitativamente, da norma da espécie princípio. Aplica-se a regra segundo o modo do tudo ou nada; de maneira, portanto, disjuntiva. Dworkin explica: “se os fatos que uma regra estipula ocorrem, então ou a regra é válida, e a solução que dela resulta deve ser aceita, ou não é válida, e não contribuirá em nada para a decisão”. Em havendo um conflito entre regras, a solução haverá de se pautar pelos critérios clássicos de solução de antinomias (hierárquico, da especialidade e cronológico).
Os princípios têm uma dimensão que as regras não possuem: a dimensão do peso. Os princípios podem interferir uns nos outros e, nesse caso, “deve-se resolver o conflito levando-se em consideração o peso de cada um”. [...] Não se resolvem os conflitos entre princípios, tomando um como exceção ao outro. O que ocorre é um confronto de pesos entre as normas que se cotejam.
Alexy também fala nos princípios convivendo no mundo normológico com as regras. Para ele, princípios e normas configuram as pontas extremas do conjunto das normas, mas são diferentes.
Toda norma, diz ele, é um princípio ou uma regra, e ambas categorias se diferenciam qualitativamente — não havendo entre eles apenas uma variação de grau. Os princípios, na sua visão— e que começa, aqui, a se distanciar de Dworkin —, “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”. Os princípios são, por isso mesmo, comandos de otimização. O grau de cumprimento do que o princípio prevê é determinado pelo seu cotejo com outros princípios e regras opostas (possibilidade jurídica) e pela consideração da realidade fática sobre a qual operará (possibilidade real). Enquanto os princípios concitam a que sejam aplicados e satisfeitos no mais intenso grau possível, as regras determinam algo. “Se uma regra é válida, então há de se fazerexatamente o que ela exige, sem mais nem menos”. Desse modo, enquanto um princípio pode ser cumprido em maior ou menor escala, as regras somente podem ser cumpridas ou não.
A solução para o conflito entre regras, porém, não é a mesma para o caso de colisão entre princípios. Um conflito entre regras é solucionado tomando-se uma das regras como cláusula de exceção da outra ou declarando-se que uma delas não é válida. Já quando os princípios se contrapõem em um caso concreto, há que se apurar o peso (nisso consistindo a ponderação) que apresentam nesse mesmo caso, tendo presente que, se apreciados em abstrato, nenhum desses princípios em choque ostenta primazia definitiva sobre o outro. Nada impede, assim, que, em caso diverso, com outras características, o princípio antes preterido venha a prevalecer.
7. Normas constitucionais classificadas segundos sua função
Há normas que estabelecem um dever para os poderes públicos, uma tarefa para o Estado. São as normas constitucionais impositivas. Assim, por exemplo, a que estabelece ser objetivo do Estado a erradicação da pobreza e o fim das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Há normas que instituem garantias para os cidadãos, como a que repele a imposição de sanção penal sem lei que defina previamente a conduta como crime. Há normas que reconhecem e conformam direitos fundamentais. Outras normas entronizam garantias institucionais. Elas criam ou reforçam instituições necessárias para a proteção dos direitos dos indivíduos. Assim, a norma que garante a proteção do Estado à família (art. 226), a que assegura a autonomia universitária (art. 227) e a que proclama a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público (art. 127, § 2º). Há as normas chamadas orgânicas, que criam órgãos. Por vezes são normas orgânicas e de competência, porque também fixam as atribuições dos órgãos. Há, ainda, normas ditas de procedimento, que estabelecem um modo de agir para os seus destinatários, por exemplo, as que fixam o procedimento básico para a reforma da Constituição.
VI- PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO E ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
Ao se examinar o Texto da Constituição, nota-se que ali se encontram diversas normas, enumeradas em artigos, incisos, parágrafos e alíneas, agrupados em capítulos e títulos. Nota-se, também, na Constituição de 1988, que, antes do primeiro Título da Carta e do seu primeiro artigo, consta um preâmbulo. Percebe-se, por igual, que, após a parte principal do Texto, tem início um Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com numeração própria de artigos. Cabe indagar qual o valor normativo tanto do preâmbulo como do ADCT.
1. Há norma constitucional no Preâmbulo da Constituição?
No preâmbulo da Constituição são inseridas informações relevantes sobre a origem da Constituição e os valores que guiaram a feitura do texto. 
Afirmou o STF que o Preâmbulo “não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o Preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta. (...) Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas de reprodução obrigatória”.
Não se pode recusar ao Preâmbulo um relevante papel, todavia, no âmbito da interpretação e aplicação do direito constitucional. Ao desvendar as linhas estruturantes da Constituição, os objetivos que movem a sua concepção, o Preâmbulo se torna de préstimo singular para a descoberta do conteúdo dos direitos inscritos na Carta e para que se descortinem as finalidades dos institutos e instituições a que ela se refere; orienta, enfim, os afazeres hermenêuticos do constitucionalista.
2. O ADCT
Às vezes, no ADCT são inseridos preceitos, com o intuito de excepcionar alguma regra geral da parte principal da Constituição. Da mesma forma, tanto o constituinte originário como o de reforma podem deliberar sobre temas concretos, em regulação por prazo definido, preferindo fazê-lo fora do Texto principal, mas com o mesmo valor jurídico das normas ali contidas.
As normas do ADCT são normas constitucionais e têm o mesmo status jurídico das demais normas do Texto principal. Os artigos do ADCT seguem uma numeração própria, o que não significa que perfaçam um documento retirado da Constituição.
Como as demais normas constitucionais, as regras do ADCT são suscetíveis de serem reformadas, se isso estiver em conformidade com o objetivo almejado pelo constituinte originário.
VII- INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO – NOÇÕES ELEMENTARES
Na realidade, não se busca um sentido para uma norma senão com o objetivo de conformar a vida social; a interpretação da Constituição “só faz pleno sentido posta ao serviço da aplicação” e não se cogita de aplicação sem interpretação. O trabalho de interpretar a Constituição, portanto, integra o esforço de aplicar uma norma constitucional, o que leva Konrad Hesse a concluir que “a interpretação constitucional é concretização”.
Dispondo a Constituição sobre as relações entre os poderes e destes com as pessoas, a interpretação constitucional não se desprende, tampouco, de uma ineliminável pressão ideológica e política. Os interesses apanhados pela fixação do entendimento de um preceito da Lei Fundamental tendem a ser mais amplos e de projeção estrutural mais avultada, se comparados com os interesses que, ordinariamente, estão em jogo, quando se cuida de definir normas de setores outros do mundo jurídico.
Igualmente é típico das constituições atuais a incorporação de valores morais ao domínio jurídico, não se limitando as Cartas a simplesmente discriminar competências e limitar a ação do Estado — indo-se além, para injetar índole jurídica a aspirações filosóficas e princípios ético-doutrinários.
1. Levando em conta a estrutura das normas constitucionais
Interpreta-se um preceito para dele se extrair uma norma (uma proibição, uma faculdade ou um dever) e com vistas à solução de um problema prático.
“Os textos normativos carecem de interpretação não apenas por não serem unívocos ou evidentes — isto é, por serem destituídos de clareza —, mas sim porque devem ser aplicados a casos concretos, reais ou fictícios”.
“O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado (...). A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual ela será aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”.
“A disposição, preceito ou enunciado linguístico — esclarecem Canotilho e Vital Moreira — é o objeto de interpretação; a norma é o produto da interpretação.” Mas a tarefa do intérprete/aplicador não se esgota aí; o significado da norma também haverá de levar em conta a realidade fática que criou o problema que suscitou a necessidade de interpretação. Daí se extrair que a norma constitucional é formada por “uma medida de ordenação expressa através de enunciados linguísticos (programa normativo) e por uma constelação de dados reais (setor ou domínio normativo)”.
A norma constitucional, assim, para que possa atuar na solução de problemas concretos, para que possa ser aplicada, deve ter o seu conteúdo semântico averiguado, em coordenação com o exame das singularidades da situação real que a norma pretende reger.
“A concretização do conteúdo de uma norma constitucional, assim como a sua realização, somente são possíveis quando se incorporam as circunstâncias da realidade que a norma é chamada a regular”.
2. Análise do programa normativo: inquietações técnicas para o intérprete
Para que a norma possa incidir sobre um caso concreto é preciso definir o significado dos seus dizeres.
Para a compreensão do texto normativo, faz-se uso da interpretação gramatical, buscando-se o sentido das palavras; da interpretação sistemática, visando à sua compreensão no contexto amplo do ordenamento constitucional; e da interpretação teleológica, com que se intenta desvendar o sentidodo preceito, tomando em conta a sua finalidade determinante e os seus princípios de valor.
As inquietações surgidas no domínio da interpretação constitucional ligam-se a dúvidas sobre a identificação da norma com o seu enunciado. Muitas vezes, essas perplexidades surgem porque o constituinte utiliza termos com mais de um significado, gerando o problema da ambiguidade. Um enunciado ambíguo enseja a que dele se extraia mais de uma norma, sem que se indique ao intérprete um parâmetro de escolha. A ambiguidade pode resultar da multiplicidade de sentidos da própria palavra (ambiguidade semântica) ou da incerteza de sentido resultante do contexto em que empregada (ambiguidade sintática).
3. Ambiguidades 
A ambiguidade reside, muitas vezes, na vagueza do termo ou da expressão.
A ambiguidade pode resultar da existência de dois significados para uma mesma expressão ou termo, um deles, técnico, e o outro, natural. Algumas palavras comuns, quando ingressam no ordenamento jurídico e, em especial, no constitucional, mantêm seu significado ordinário. Não raro, porém, assumem uma designação diferente da leiga ou do significado próprio de outro setor jurídico. Por vezes, o constituinte, ainda, está criando uma realidade nova com a expressão de que se utiliza; em outros casos, recolhe e constitucionaliza uma noção já assentada na comunidade.
“Perante cada utilização de um conceito polissêmico haverá que analisar cuidadosamente qual o sentido que lhe cabe nessa circunstância”.
4. Incoerência normativa
Outro problema com que o intérprete pode-se defrontar relaciona-se com os casos de incoerência normativa por parte do constituinte. O postulado do legislador racional, que não usa palavras excessivas e que não é incoerente nos seus comandos, encontra nas realidades constitucionais desmentidos práticos que desafiam a criatividade do intérprete. Por vezes, não há como resolver, segundo os critérios técnicos tradicionais da hierarquia, especialidade ou cronológico, certas antinomias internas, verificadas na redação do Texto Constitucional. O problema, nesses casos, radica na circunstância de duas regras diversas, a propósito de um mesmo pressuposto de fato, comandarem soluções díspares.
5. Lacunas
A dificuldade para o intérprete da Constituição pode estar, ainda, na circunstância de se deparar com uma situação não regulada pela Carta, mas que seria de se esperar que o constituinte sobre ela dispusesse. Mais inquietante, ainda, pode ser a situação em que um fato real se encaixa perfeitamente no que impõe uma norma, mas se sente que os resultados da incidência da norma seriam inadequados. Nesses casos todos, fala-se em lacuna da Constituição. A lacuna pode ser definida, na fórmula precisa e concisa de Jorge Miranda, como “situação constitucionalmente relevante não prevista”.
6. Métodos de interpretação da Constituição
O método clássico preconiza que a Constituição seja interpretada com os mesmos recursos interpretativos das demais leis, segundo as fórmulas desenvolvidas por Savigny: a interpretação sistemática, histórica, lógica e gramatical. A interpretação constitucional não fugiria a esses padrões hermenêuticos, não obstante a importância singular que lhe é reconhecida para a ordem jurídica.
O método da tópica toma a Constituição como um conjunto aberto de regras e princípios, dos quais o aplicador deve escolher aquele que seja mais adequado para a promoção de uma solução justa ao caso concreto que analisa. O foco, para o método, é o problema, servindo as normas constitucionais de catálogo de múltiplos e variados princípios, onde se busca argumento para o desate adequado de uma questão prática.
Outro método sugerido é conhecido como científico-espiritual. Tem o seu corifeu no jurista alemão Smend. Enxerga-se a Constituição como um sistema cultural e de valores de um povo, cabendo à interpretação aproximar-se desses valores subjacentes à Constituição. Esses valores, contudo, estão sujeitos a flutuações, tornando a interpretação da Constituição fundamentalmente elástica e flexível, fazendo com que a força de decisões fundamentais submeta-se às vicissitudes da realidade cambiante.
O caso concreto, o problema a ser deslindado, também é importante para o método hermenêutico-concretizador, mas, diferentemente do método da tópica, o primado não é do problema, mas do texto constitucional. A tarefa hermenêutica se faz a partir de um problema e com vistas a equacioná-lo, estando, porém, o aplicador vinculado ao texto constitucional. Para obter o sentido da norma, o intérprete parte da sua pré-compreensão do significado do enunciado, atuando sob a influência das suas circunstâncias históricas concretas, mas sem perder de vista o problema prático que demanda a sua atenção.
No método jurídico-estruturante. Enfatiza-se que a norma não se confunde com o seu texto (programa normativo), mas tem a sua estrutura composta também pelo trecho da realidade social em que incide (o domínio normativo), sendo esse elemento indispensável para a extração do significado da norma. O intérprete não pode prescindir da realidade social para realizar a sua tarefa hermenêutica.
7. Princípios da interpretação constitucional
O método hermenêutico-concretizador propõe, para o auxílio do intérprete/aplicador da Carta, balizas a serem observadas na interpretação das normas constitucionais, com o objetivo de conferir maior teor de racionalidade à tarefa, reduzindo o espaço para pragmatismos exacerbados, tema de críticas acerbas em algumas instâncias.
O primeiro desses princípios, o da unidade da Constituição, postula que não se considere uma norma da Constituição fora do sistema em que se integra; dessa forma, evitam-se contradições entre as normas constitucionais. As soluções dos problemas constitucionais devem estar em consonância com as deliberações elementares do constituinte. [...] esse princípio concita o intérprete a encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucionais, considerando a Constituição como um todo unitário.
Como é função da Constituição promover a integração política e social, mantido o respeito às diversidades básicas existentes, aponta-se que serve de índice positivo do acerto de uma interpretação o efeito produzido de reforço da unidade política e o favorecimento à integração política e social.
Canotilho ajunta ao catálogo de pautas de interpretação o que chama de princípio da máxima efetividade. Atribui-lhe a seguinte formulação: “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê”. Adverte que, embora se trate de um princípio aplicável a toda norma constitucional, tem espaço de maior realce no campo das normas constitucionais programáticas e no domínio dos direitos fundamentais. A eficácia da norma deve ser compreendida como a sua aptidão para produzir os efeitos que lhes são próprios.
De alguma forma contido no princípio da máxima efetividade, fala-se no princípio da força normativa da Constituição. Com ele propõe-se que se dê prevalência aos pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita aos condicionamentos históricos do momento, garantindo-lhe interesse atual, e, com isso, obtendo-se “máxima eficácia, sob as circunstâncias de cada caso”.
O princípio da correção funcional é mais um critério orientador da atividade interpretativa. Conduz a que não se deturpe, por meio da interpretação de algum preceito, o sistema de repartição de funções entre os órgãos e pessoas designados pela Constituição. Esse princípio corrige leituras desviantes da distribuição de competências entre as esferas da Federação ou entre os Poderes constituídos.
O princípio da concordância prática tem apelo, nos casos de conflito entre normas constitucionais, quando os programas normativos de duas normas de igual valor se entrechocam. O critério recomenda que o alcance das normas seja comprimido até que se encontre o ponto de ajuste de cada qual segundo a importância que possuem no caso concreto.
O princípio da harmonização terá serventia mais frequente emconflitos, por exemplo, entre liberdade de expressão e direito à privacidade. A concordância prática há de ser encontrada em cada caso concreto, segundo os parâmetros oferecidos pelo princípio da proporcionalidade
VIII- CONSTITUIÇÕES NO BRASIL – DE 1824 A 1988
A Constituição de 1824 foi outorgada por D. Pedro I, depois de dissolvida a assembleia constituinte convocada no ano anterior. Foi a mais longeva das constituições brasileiras, durando 65 anos, somente tendo sido emendada uma vez, em 1834. Instituiu a monarquia constitucional e o Estado unitário, concentrando rigorosamente toda a autoridade política na Capital. O art. 98 da Carta estatuía que o Poder Moderador [...] “é a chave de toda a organização Política, e é delegada privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação”. [...] o voto, nesse regime, era censitário e era reconhecido a pouco mais de 1% da população.
No dia 15 de novembro de 1889, o Decreto n. 1 proclamou a República Federativa, passando o país a ser dirigido por um governo provisório, encabeçado por Deodoro da Fonseca. A partir de 15 de novembro de 1890, um congresso constituinte funcionou no que fora o Palácio Imperial (hoje, a Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro), até 24 de fevereiro de 1891, quando a primeira Constituição republicana foi promulgada, erigida sobre o propósito de consolidar o regime republicano e o modo de ser federal do Estado. A inspiração do presidencialismo norte-americano era evidente. A Constituição de 1891 foi a mais concisa das nossas cartas, com 91 artigos e outros 8 artigos inseridos nas Disposições Transitórias.
A Constituição de 1891 criou a Justiça Federal, ao lado da Estadual, situando o Supremo Tribunal Federal no ápice do Poder Judiciário. Ao STF cabia, além de competências originárias, julgar recursos de decisões de juízes e tribunais federais e recursos contra decisões da Justiça estadual que questionassem a validade ou a aplicação de lei federal. Também lhe foi atribuída competência recursal para os processos em que atos estaduais fossem confrontados com a Constituição Federal. Os juízes não mais poderiam ser suspensos por ato do Executivo, tendo-lhes sido asseguradas a vitaliciedade e a irredutibilidade de vencimentos. A Constituição de 1891 reservou uma zona de 14.400 km², no Planalto Central, para a fixação da futura Capital. As antigas Províncias passaram a ser chamadas de Estados-membros, e a elas se reconheceu competência para se regerem por constituições próprias, respeitados, sob pena de intervenção federal, os princípios constitucionais da União. Os Estados eram livres para adotar regime legislativo bicameral, e muitos tinham deputados e senadores estaduais. Essa Constituição, que, como a anterior, possuía uma declaração de direitos, foi emendada numa única vez, em 1926. Culminando as frequentes crises da República Velha, sobreveio a Revolução de 1930. As forças exitosas ficaram devendo, no entanto, uma nova Constituição para o país, reclamada com derramamento de sangue, em São Paulo, em 1932. Em 1933, reuniu-se, afinal, uma assembleia constituinte, que redundou no documento constitucional do ano seguinte. Nota-se nele a influência da Constituição de Weimar, de 1919, dando forma a preocupações com um Estado mais atuante no campo econômico e social. A Constituição de 1934 buscou resolver o problema da falta de efeitos erga omnes das decisões declaratórias de inconstitucionalidade do STF, instituindo o mecanismo da suspensão, pelo Senado, das leis invalidadas na mais alta Corte. No campo do controle de constitucionalidade, ainda, a intervenção federal em Estados-membros por descumprimento de princípio constitucional sensível foi subordinada ao juízo de procedência, pelo STF, de representação do Procurador-Geral da República. A Constituição previu expressamente o mandado de segurança.
O diploma teve curta duração. Em 1937, o país já estava sob a regência de uma Constituição outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, acompanhando o golpe de Estado do mesmo ano. A Constituição foi apodada de polaca, devido à influência que nela se encontrou da Constituição polonesa, de linha ditatorial, de 1935. A tônica da Carta do Estado Novo foi o fortalecimento do Executivo. O Presidente da República era, por disposição expressa do art. 37, a “autoridade suprema do Estado”. Podia adiar as sessões do parlamento, além de lhe ser dado dissolver o Legislativo. Habilitou-se o Presidente da República a legislar por decreto-lei. A Constituição eliminou a justiça federal de primeira instância, reduziu os direitos fundamentais proclamados no diploma anterior e desconstitucionalizou o mandado de segurança e a ação popular. No plano do controle de constitucionalidade, o art. 96, parágrafo único, estabelecia que o Presidente da República poderia submeter uma decisão do Supremo Tribunal Federal declaratória da inconstitucionalidade de lei à revisão pelo Parlamento, que poderia afirmar a constitucionalidade do diploma e tornar sem efeito a decisão judicial. A Carta também previa que, em sendo declarado o estado de emergência ou o de guerra, os atos praticados sob esse pressuposto seriam insindicáveis em juízo. Os direitos fundamentais ganharam referência, mas apenas simbólica. A pena de morte voltou a ser adotada, agora para crimes políticos e em certos homicídios. Institucionalizaram-se a censura prévia da imprensa e a obrigatoriedade da divulgação de comunicados do Governo. As casas legislativas foram dissolvidas e o parlamento não funcionou no regime ditatorial, desempenhando o Presidente da República, por si só, todas as atribuições do Legislativo, inclusive a de desautorizar a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo STF. Com isso, tornaram-se irrisórios os juízos de inconstitucionalidade que o Tribunal se animasse a formular sobre atos normativos do Presidente da República. O término da Segunda Guerra Mundial e a derrocada dos regimes autoritários influíram sobre os acontecimentos políticos.
brasileiros, erodindo as bases ditatoriais do Estado Novo. Vargas foi deposto em outubro de 1945, e, em fevereiro de 1946, instala-se a assembleia constituinte. A nova Constituição é promulgada em setembro do mesmo ano. A Constituição de 1946 exprime o esforço por superar o Estado autoritário e reinstalar a democracia representativa, com o poder sendo exercido por mandatários escolhidos pelo povo, em seu nome, e por prazo certo e razoável. Reaviva-se a importância dos direitos individuais e da liberdade política. Volta-se a levar a sério a fórmula federal do Estado, assegurando-se autonomia real aos Estados-membros. A Constituição era presidencialista, exceto pelo período compreendido entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, em que durou o parlamentarismo, implantado pela Emenda n. 4, como providência destinada a amenizar crise política que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República. O Legislativo reassumiu o seu prestígio, reservando-se somente a ele a função de legislar, ressalvado o caso da lei delegada. Na vigência dessa Constituição, foi instituída a representação por inconstitucionalidade de lei, reforçando o papel do Judiciário no concerto dos três Poderes. Da mesma forma, proclamou-se que nenhuma lesão de direito poderia ser subtraída do escrutínio desse Poder. Ficaram excluídas as penas de morte, de banimento e do confisco. A Constituição ocupava-se da organização da vida econômica, vinculando a propriedade ao bem-estar social e fazendo dos princípios da justiça social, da liberdade de iniciativa e da valorização do trabalho as vigas principais da ordem econômica. O direito de greve apareceu expresso no Texto. Em março de 1964, depois de período de conturbação política, as Forças Armadas intervieram na condução do país, por meio de atos institucionais e por uma sucessão de emendas à Constituição de 1946. De toda sorte, o Diploma não mais correspondia ao novo momento político. Em 1967, o Congresso Nacional, que se reuniu de dezembro de 1966 a janeiro de 1967, aprovou uma nova Constituição, gestada sem mais vastaliberdade de deliberação. A Constituição era marcada pela tônica da preocupação com a segurança nacional — conceito de reconhecida vagueza, mas que tinha por eixo básico a manutenção da ordem, sobretudo onde fosse vista a atuação de grupos de tendência de esquerda, especialmente comunista. A Constituição de 1967 tinha cariz centralizador e entregava ao Presidente da República copiosos poderes. Possuía um catálogo de direitos individuais, que permitia, porém, que fossem suspensos, preenchidos certos pressupostos. O Presidente da República voltou a poder legislar, por meio de decretos-leis. A crise política se agravou nos anos subsequentes e chegou às ruas. Em 13 de dezembro de 1968, o Governo editou o Ato Institucional n. 5, que ampliava ao extremo os poderes do Presidente da República, ao tempo em que tolhia mandatos políticos e restingia direitos e liberdades básicas. Pelo AI 5, o Presidente da República podia fechar as casas legislativas das três esferas da Federação, exercendo as suas funções, enquanto não houvesse a normalização das circunstâncias. Os atos praticados com fundamento nesse Ato ficavam imunes ao controle pelo Judiciário. Em 1969, a Junta composta pelos Ministros que chefiavam cada uma das três Armas, e que assumiu o governo, depois de declarada a incapacidade, por motivo de saúde, do Presidente, promoveu uma alargada reforma da Constituição de 1967, por meio de ato que ganhou o nome de Emenda Constitucional n. 1/69. O Congresso Nacional havia sido posto em recesso. O novo texto tornou mais acentuadas as cores de centralização do poder e de preterimento das liberdades em função de inquietações com a segurança, que davam a feição característica do texto de 1967. Não poucos autores veem na Emenda n. 1/69 uma nova Constituição, outorgada pela Junta Militar. Em 27 de novembro de 1985, foi promulgada a Emenda à Constituição n. 26, que deu forma jurídico-constitucional à exaustão do regime. A Emenda convocou uma Assembleia Nacional Constituinte “livre e soberana”. Os anseios de liberdade, participação política de toda a cidadania, pacificação e integração social ganharam preponderância sobre as inquietações ligadas a conflitos sociopolíticos, que marcaram o período histórico que se encerrava. Com antecedência de pouco mais de um ano da imprevisível queda do muro de Berlim, valores de integração social, econômica e política, sob novo clima de liberdade, se impuseram ao quadro de suspeitas dissolventes e de controle estatal rígido e centralizador da vida em coletividade, que a Guerra Fria inspirara na década de 1960. A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 restaurou a preeminência do respeito aos direitos individuais, proclamados juntamente com significativa série de direitos sociais. O Estado se comprometia a não interferir no que fosse próprio da autonomia das pessoas e a intervir na sociedade civil, no que fosse relevante para a construção de meios materiais à afirmação da dignidade de todos. As reivindicações populares de ampla participação política são positivadas em várias normas, como na que assegura as eleições diretas para a chefia do Executivo em todos os níveis da Federação. Dava-se a vitória final da campanha que se espalhara pelo país, a partir de 1983, reclamando eleições “diretas já” para Presidente da República; superava-se a abrumadora frustração decorrente da rejeição, em abril de 1984, da Proposta de Emenda apresentada com esse intuito. A Constituição, que, significativamente, pela primeira vez na História do nosso constitucionalismo, apresentava o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana e o Título dos direitos fundamentais logo no início das suas disposições, antes das normas de organização do Estado, estava mesmo disposta a acolher o adjetivo cidadã, que lhe fora predicado pelo Presidente da Assembleia Constituinte no discurso da promulgação.

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