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co-culpabilidade

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0 
 
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ 
 
 
NATALIA ALLET MATTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E SUA (IN) APLICABILIDADE 
NO DIREITO PENAL BRASILEIRO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BIGUAÇU 
2008
1 
 
NATALIA ALLET MATTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E SUA (IN) APLICABILIDADE 
NO DIREITO PENAL BRASILEIRO 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada à Universidade do 
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito 
parcial a obtenção do grau em Bacharel em 
Direito. 
 
Orientador: Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos 
Santos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BIGUAÇU 
2008 
2 
 
NATALIA ALLET MATTE 
 
 
 
 
O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E SUA (IN) APLICABILIDADE 
NO DIREITO PENAL BRASILEIRO 
 
 
 
 
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e 
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de 
Ciências Sociais e Jurídicas. 
 
 
Área de Concentração: Direito Penal 
 
 
Biguaçu, 13 de novembro de 2008. 
 
 
 
 
Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos 
UNIVALI – Campus de São José 
Orientador 
 
 
 
Profª. MSc. Tânia M. S. Trajano 
UNIVALI – Campus Biguaçu 
Membro 
 
 
 
Prof. MSc. Sérgio Baasch Luz 
UNIVALI – Campus Biguaçu 
Membro 
 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao meu querido pai, Paulo, que, embora não 
mais presente neste plano da vida, me 
acompanha em cada segundo da minha 
existência, dentro do meu mais profundo 
amor enquanto ser eterno. 
4 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
À minha mãe, Ana Mery, por toda dedicação de sempre, e por 
não ter medido esforços para que eu chegasse até esta etapa da minha vida. 
Aos amigos que fiz durante a vida acadêmica, em especial, 
Ana Paula Gerent, Danielle Cabral Coelho, Samantha Amaral da Cunha, Mirian 
Priscila Farias, Thayse Stieven Fleck, Vânia Moschen, Guilherme Silva Pereima, 
Fernando Henrique Ferreira Silva e Bruno Rodrigues Berka, que comigo 
compartilharam os bons e os maus momentos, dentro e fora da Universidade. 
A Cassio Biffi, pela atenção e auxílio proporcionados quando 
da elaboração deste trabalho. 
Ao professor e orientador Rodrigo Mioto dos Santos, por ter 
compartilhado seus profundos conhecimentos no âmbito do Direito Penal, assim 
como por todo apoio, incentivo, compreensão e solicitude, imprescindíveis que foram 
à concretização desta monografia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE 
 
 
 
 
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade 
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do 
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o 
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. 
 
 
São José, 31 novembro de 2008. 
 
 
Natalia Allet Matte 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
RESUMO 
 
 
É inegável que o meio social tem influência sobre a formação da personalidade humana e, 
conseqüentemente, sobre as atitudes de cada indivíduo. Assim considerando, nos países menos 
desenvolvidos, como o Brasil - nos quais, é sabido, as diferenças sociais são características 
marcantes - o acesso à educação, saúde, moradia, dentre outras necessidades prementes, não é 
igual para todos os cidadãos, valendo dizer que a privação destas capacidades básicas deixam de 
conferir à pessoa humana sua dignidade e verdadeira faculdade de autodeterminação. Neste 
contexto, partindo para o âmbito criminal, pode-se afirmar que sistema penal age de modo altamente 
seletivo, atingindo somente os estratos mais baixos da sociedade, mediante a formulação de 
estereótipos, o que torna estes indivíduos mais vulneráveis à criminalização. O princípio da co-
culpabilidade, por essa perspectiva, vem orientar que, considerando que por razões diversas o 
Estado e a sociedade não oferecem a todos seus elementos condições igualitárias de 
desenvolvimento pessoal e, em razão do sistema penal agir de modo arbitrariamente seletivo, devem 
aqueles arcar com sua parcela de culpa, juntamente do indivíduo, quando da reprovação pelo 
cometimento de um delito. Esta “mea culpa”, teria conseqüências diretas na reprovação judicial do 
indivíduo, principalmente no que tange à culpabilidade enquanto elemento do crime. Desta forma, 
antes da verificação destas conseqüências, impende a análise da culpabilidade sob o enfoque 
dogmático, para, posteriormente, com base na análise crítica do sistema penal, verificar as 
possibilidades de aplicação do princípio da co-culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, 
inclusive, mediante o estudo deste tema na legislação do Direito Penal comparado. De fato, a matéria 
abre espaço a grandes discussões, entretanto, à relevância deste tema não se tem dado o verdadeiro 
valor no âmbito jurídico brasileiro. 
 
Palavras-chave: Direito Penal; Sociedade; Sistema penal; Igualdade; Seletividade; Culpabilidade; 
Co-culpabilidade; Vulnerabilidade. 
7 
 
EXTRACTO 
 
 
 
Es innegable que el medio social tiene influencia sobre la formación de la personalidad humana y, 
consecuentemente, sobre las actitudes de cada individuo. Así considerando, en los países menos 
desarrollados, como Brasil - en los cuales, es sabido, las diferencias sociales son características 
destacables - el acceso a la educación, salud, vivienda, de entre otras necesidades apremiantes, no 
es igual para todos los ciudadanos, valiendo decir que la privación de estas capacidades básicas 
dejan de conferir a la persona humana su dignidad y verdadera facultad de autodeterminación. En 
este contexto, partiendo para el ámbito criminal, se puede afirmar que el sistema penal actúa de 
modo altamente selectivo, alcanzando solamente los estratos más bajos de la sociedad, mediante la 
formulación de estereotipos, lo que vuelve estos individuos más vulnerables a la criminalização. El 
principio de la co-culpabilidad, por esa perspectiva, viene orientar que, considerando que por razones 
diversas el Estado y la sociedad no ofrecen a todos sus elementos condiciones igualitarias de 
desarrollo personal y, en razón del sistema penal actuar de modo arbitrariamente selectivo, deben 
aquellos arcar con su parcela de culpa, juntamente del indíviduo, cuando de la reprobación por el 
cometimento de un delito. Esta “mea culpa”, tendría consecuencias directas en la reprobación judicial 
del individuo, sobre todo en lo que tange a la culpabilidad mientras elemento del crimen. Así, antes de 
la verificación de estas consecuencias, impende el análisis de la culpabilidad bajo el enfoque 
dogmático, para, posteriormente, con base en el análisis crítica del sistema penal, verificar las 
posibilidades de aplicación del principio de la co-culpabilidad en el ordenamiento jurídico brasileño, 
inclusive, mediante el estudio de este tema en la legislación del Derecho Penal comparado. De 
hecho, la materia abre espacio la grandes discusiones, sin embargo, a la relevancia de este tema no 
se está dando el verdadero valor en el ámbito jurídico brasileño. 
 
 
Palabras-Claves: Derecho Penal; Sociedad; Sistema penal; Igualdad; Selectividad; Culpabilidad; Co-
culpabilidad; Vulnerabilidad.8 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................... 9 
1 A CULPABILIDADE SEGUNDO A DOGMÁTICA PENAL ...................................................................11 
1.1 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA TEORIA E CONCEITO DA CULPABILIDADE....................................... 11 
1.1.1 Teoria psicológica da culpabilidade ............................................................................................... 12 
1.1.2 Teoria psicológico-normativa ou normativa complexa da culpabilidade .................................. 14 
1.1.3 TEORIA NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE ........................................................................................ 16 
1.2 OS ELEMENTOS DA CULPABILIDADE .......................................................................................................... 18 
1.2.1 A imputabilidade................................................................................................................................ 18 
1.2.2 Potencial consciência da ilicitude (ou da antijuridicidade).......................................................... 19 
1.3 AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE ......................................................................................... 21 
1.3.1 Causas de exclusão relacionadas à imputabilidade.................................................................... 21 
1.3.2 Causas de exclusão relacionadas à potencial consciência da ilicitude.................................... 24 
1.3.3 Causas de exclusão relacionadas à exigibilidade de conduta diversa..................................... 26 
2. DESMISTIFICANDO A CONCEPÇÃO LIBERAL DO DIREITO PENAL: DE JEAN PAUL MARAT 
À CULPABILIDADE PELA VULNERABILIDADE (O APERFEIÇOAMENTO TEÓRICO DO 
PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE) .....................................................................................................29 
2.1 A CRÍTICA SOCIAL DE JEAN PAUL MARAT AO DIREITO PENAL LIBERAL .................................................. 31 
2.2 DA TEORIA DO LABELING APPROACH À CRIMINOLOGIA CRÍTICA: A SELETIVIDADE ARBITRÁRIA DO 
SISTEMA PENAL ................................................................................................................................................. 35 
2.3 O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E SEU APERFEIÇOAMENTO: DA LIMITAÇÃO DA SELETIVIDADE DO 
SISTEMA PENAL PELA CULPABILIDADE EM RAZÃO DO INJUSTO (TEORIA DO DELITO) À LIMITAÇÃO PELA 
CULPABILIDADE EM RAZÃO DA VULNERABILIDADE .......................................................................................... 42 
3. AS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO 
PENAL COMPARADO E NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ...........................................50 
3.1 AS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL 
COMPARADO...................................................................................................................................................... 50 
3.1.1 No ordenamento jurídico argentino................................................................................................ 50 
3.1.2 No ordenamento jurídico peruano.................................................................................................. 52 
3.1.3 No ordenamento jurídico mexicano ............................................................................................... 53 
3.1.4 No ordenamento jurídico colombiano ............................................................................................ 54 
3.1.5 No ordenamento jurídico equatoriano ........................................................................................... 55 
3.2 AS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL 
BRASILEIRO ....................................................................................................................................................... 56 
3.3 O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ......................................................... 60 
CONCLUSÃO ...............................................................................................................................................68 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................................................70 
 
9 
 
INTRODUÇÃO 
 
A presente monografia tem como tema o princípio da co-culpabilidade e 
como objeto central verificar a possibilidade de sua aplicação no Direito Penal 
brasileiro, com vistas à busca pela aplicação de uma pena mais justa, levando-se 
em conta a realidade social em que estão inseridos os indivíduos. 
Parte-se da idéia de que a sociedade não brinda a todos com iguais 
oportunidades, ou seja, alguns recebem mais chances de desenvolvimento, 
enquanto outros não. Com base nisto, o princípio da co-culpabilidade, sugere que 
deve esta mesma sociedade arcar com sua parcela de culpa, juntamente do 
indivíduo (a quem foram negadas as oportunidades), quando da reprovação deste 
pelo cometimento de um delito. 
Para tal desiderato, optou-se por decompor o trabalho em 3 (três) capítulos 
diversos, entretanto, ligados um ao outro, de modo a servir de suporte para o tema 
exposto. 
Assim, iniciando o presente estudo, será abordado no primeiro capítulo o 
desenvolvimento histórico das teorias da culpabilidade e de seu conceito, que 
culminou na concepção normativa pura. Com base nesta teoria, serão estudados os 
elementos que compõem a culpabilidade: imputabilidade, potencial consciência da 
ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Serão analisadas, ainda, as causas de 
exclusão da culpabilidade. 
Após esta etapa, o segundo capítulo trará como tema central a análise do 
Direito Penal sob o aspecto crítico, inicialmente, com o estudo da crítica de Jean 
Paul Marat ao Direito Penal de sua época, perfeitamente aplicável aos dias de hoje. 
Partindo disto, será abordada a teoria do labeling approach (ou etiquetamento) e a 
criminologia crítica, servindo de embasamento à análise do princípio da co-
culpabilidade e da sua evolução teórica na chamada “culpabilidade pela 
vulnerabilidade”, cujo estudo encerra o capítulo. 
Por derradeiro, no terceiro capítulo, será abordada a possibilidade de 
aplicação do princípio da co-culpabilidade no direito penal comparado, mais 
10 
 
especificamente nos ordenamentos jurídicos dos países latino-americanos. Será 
estudada também sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, mediante a 
análise de alguns dispositivos que podem ser considerados como autorizadores da 
co-culpabilidade. Concluindo, será realizada uma breve análise jurisprudencial sobre 
as decisões de alguns Tribunais estaduais brasileiros, que tiveram o tema da co-
culpabilidade como objeto. 
O relatório de pesquisa se encerra com as considerações finais, nas quais 
serão apresentados os pontos destacados, seguido da estimulação à continuidade 
dos estudos e das reflexões sobre o princípio da co-culpabilidade como meio de 
aplicação de uma pena mais justa. 
Para tanto, no que tange à metodologia aplicada, utilizou-se o método 
dedutivo e, relativamente à técnica documental, empregou-se a forma indireta, 
colacionando-se legislações e doutrinas referentes ao tema, bem como a forma 
direta, procedendo-se à análise de jurisprudências. 
 
 
 
 
11 
 
1 A CULPABILIDADE SEGUNDO A DOGMÁTICA PENAL 
 
 
Este primeiro capítulo será destinado ao estudo da culpabilidade enquanto 
elemento do crime. Inicialmente, será discorrido acerca do desenvolvimento histórico 
das teorias da culpabilidade, trazendo, ainda, seu conceito, de acordo com cada 
uma destas teorias. 
Superado este momento, serão analisados os elementosda culpabilidade, 
suas características e respectivos requisitos. 
Por fim, serão elencadas e explicadas as causas expressas de exclusão da 
culpabilidade. 
 
 
1.1 O desenvolvimento histórico da teoria e conceito da culpabilidade 
 
 
No período primitivo do Direito Penal, para a caracterização do crime e 
conseqüente aplicação da pena, bastava o nexo causal entre a conduta do agente e 
o resultado, sendo consagrada a responsabilidade penal objetiva, como explica 
Aníbal Bruno1: 
 
As condições da pena sacral e da vingança de sangue satisfaziam-se 
com o aspecto objetivo do fato punível. Bastava a relação de 
causalidade física, que prende o fato como efeito ao homem como a 
sua causa, para determinar a responsabilidade. A pena recaía, 
então, sobre aquele que praticara o ato, fosse este voluntário ou não, 
existissem ou não as condições de imputabilidade, o que juntava na 
mesma categoria de passíveis de pena os sãos e os insanos ou 
imaturos penais. 
 
Ney Moura Teles acrescenta que “este era o Direito Penal do resultado, da 
responsabilidade objetiva, que predominava entre os povos bárbaros, como os 
germanos, e no direito romano primitivo”2. 
 
1
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo 2: fato punível. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 
1984, p. 24. 
2
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I. ed. São Paulo: Editora de Direito, 1996, p. 351. 
12 
 
Entretanto, em razão da constante evolução do direito de punir no tempo, 
somente a existência do nexo causal entre a ação e o dano não mais era suficiente 
à responsabilização do agente, tornando-se indispensável, para tanto, a presença da 
vontade e da previsibilidade3, cujo pensamento deu origem à responsabilidade 
subjetiva e às primeiras idéias de culpabilidade. 
Teles, comentando o surgimento da responsabilidade subjetiva, cita o 
seguinte excerto de Francisco de Assis Toledo4: 
 
Não se pode apontar com exatidão o momento histórico em que tal 
fenômeno ocorreu, mesmo porque a história do Direito Penal está 
marcada de retrocessos. Fora de dúvida, porém, é que, a partir de 
então, se começa a construir a noção de culpabilidade, com a 
introdução, na idéia de crime, de alguns elementos psíquicos, ou 
anímicos – a previsibilidade e a voluntariedade – como condição da 
aplicação da pena criminal – nullum crimen sine culpa. (grifo do 
autor). 
 
A partir de então, surge a concepção psicológica da culpabilidade, dando 
espaço, posteriormente, à teoria psicológico-normativa e culminando na teoria 
normativa pura, cujo perpassar evolutivo está relacionado com os conceitos de ação 
e de delito (clássico, neoclássico, finalista e normativista)5. 
 
 
1.1.1 Teoria psicológica da culpabilidade 
 
 
Historicamente, a teoria psicológica da culpabilidade é resultado do 
positivismo científico (causalismo naturalista) do Século XIX, impulsionado pelos 
pensamentos de Darwin, Spencer e Comte6. 
Para esta teoria, a culpabilidade é a relação psíquica (ou subjetiva) entre o 
autor e o fato, ou seja, a responsabilidade do autor pelo delito que praticou, no qual 
 
3
 MIRABETE, Julio Fabrinni; FABRINNI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. 24. ed. São 
Paulo: Atlas, 2007, p. 191. 
4
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 352. 
5
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 2007, p. 424. 
6
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 424. 
13 
 
a ação, segundo Franz Von Liszt7, é um processo causal originado do impulso 
voluntário.8 
Aníbal Bruno, ao abordar este tema, comenta que: 
 
Esta concepção viu na culpabilidade, isto é, nesse elemento que 
introduz o agente na estrutura do crime, o que nela era mais fácil de 
apreender: o momento psicológico pelo qual o agente se faz 
realmente autor do fato punível. Para ela, a culpabilidade é uma 
situação interior, fase subjetiva do crime – vontade consciente 
dirigida no sentido do ato criminoso, ou simples falta ao dever de 
diligência, de que provém um resultado previsível de dano ou de 
perigo.9 
 
 
Assim considerando, Eugênio Rául Zaffaroni e José Henrique Pierangelli 
afirmam que a teoria psicológica denomina culpabilidade o que é agora considerado 
o aspecto subjetivo do tipo, retirando da teoria do delito sua dimensão normativa, no 
que tange à reprovabilidade do autor. Tanto é que assim anotam: 
 
Dentro deste conceito, a culpabilidade não é mais do que uma 
descrição de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas 
não contém qualquer elemento normativo, nada de valorativo, e sim 
a pura descrição de uma relação.10 
 
Nesta concepção, a culpabilidade era em sua totalidade formada pelo dolo 
ou pela culpa, que são suas espécies, eis que não apresentava nenhum outro 
elemento constitutivo11. O dolo é caracterizado pela intenção de se produzir o 
resultado, e a culpa, pelo contrário, é caracterizada pela inexistência desta intenção. 
De outro lado, para que esse vínculo psicológico pudesse ser considerado 
pelo Direito, era necessário, também, que o sujeito fosse imputável, noutras 
 
7
 Von Liszt (1851-1919) foi, além de jurista, grande político austríaco e liderou, na sua juventude, o 
Partido Nacional-Alemão da juventude acadêmica austríaca. Concluiu sua cátedra na Universidade 
Berlim, quando se aposentou em 1916. Consagrou-se como grande dogmático e sistematizador do 
Direito Penal, dando-lhe uma complexa e completa estrutura, admitindo a fusão com outras 
disciplinas, como a criminologia e a política criminal. Para Liszt, o Direito Penal deve orientar-se 
segundo um fim, no qual a pena justa é a pena necessária (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado 
de Direito Penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 60). 
8
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 
2007, p. 335. 
9
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo 2: fato punível, pp. 25-26. 
10
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 603. 
11
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 335. 
14 
 
palavras, tivesse capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determina-se 
de acordo com esse entendimento. 
Desta forma, a imputabilidade funcionava “como o precedente necessário da 
culpabilidade”, de modo que a posição do agente na lei penal se dava em três 
momentos, quais sejam, imputabilidade, culpabilidade e responsabilidade penal. 12 
Entretanto, a teoria em comento apresentava-se insuficiente à conceituação 
e compreensão da culpabilidade, mormente porque reunia em sua essência dois 
elementos antagônicos, o dolo e a culpa, e como pondera Damásio E. de Jesus: “Se 
o dolo é caracterizado pelo querer e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e 
negativo, não podem ser espécies de um denominador comum, qual seja, a 
culpabilidade”13. 
Outrossim, em seus fundamentos, não ordenava a imputabilidade, que ora 
era pressuposto do dolo e da culpa, ora era pressuposto da pena; não explicava a 
culpa inconsciente, eis que inexistente a relação psicológica; não considerava o 
estado de necessidade exculpante e não compreendia a culpabilidade como um 
conceito graduável14. 
Face essas incongruências, a teoria psicológica, fruto do sistema naturalista 
de Liszt e Beling, acabou sendo superada pela descoberta dos elementos 
normativos e subjetivos do tipo15, dando origem à teoria psicológico-normativa da 
culpabilidade. 
 
 
1.1.2 Teoria psicológico-normativaou normativa complexa da culpabilidade 
 
 
Impulsionada pelo neokantismo16 valorativo e finalista, a culpabilidade 
passou a ter uma nova dimensão17. A doutrina germânica, que teve à frente 
 
12
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo 2: fato punível, p. 26. 
13
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 460. 
14
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 425. 
15
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 303. 
16
 O neokantismo é um movimento filosófico nascido no fim do século XIX, como superação do 
positivismo, sem representar, entretanto, sua negação. Propõe um conceito de ciência jurídica que 
supervalorize o ‘dever ser’. Com base em considerações axiológicas e materiais, substituiu o método 
puramente jurídico-formal do positivismo, tendo como objeto a compreensão dos fenômenos e 
categorias jurídicas, muito além de sua simples definição formal ou explicação causal, partindo da 
dimensão valorativa do jurídico. Assim, procurou distinguir as ciências pelo seu método. 
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 69). 
15 
 
Reinhard Von Frank, constatou que somente o elemento psicológico não era 
suficiente para conceituar a culpabilidade18. 
Frank, ao estudar o estado de necessidade inculpável, previsto no art. 54 do 
Código Penal alemão, percebeu que existem condutas dolosas não culpáveis, 
quando, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se tornam 
reprováveis.19 
Explicando o entendimento de Frank, Ney Moura Teles anota: 
 
A partir desta constatação, ele verificou que o sujeito só podia ser 
considerado culpado, e, de conseqüência, merecer a sanção penal, 
quando o seu comportamento tivesse sido reprovável, censurável, e 
isto só era possível quando ele tivesse possibilidade de conduzir-se 
de forma diferente. 20 
 
Sobre a culpabilidade nesta perspectiva, Heleno Cláudio Fragoso comenta 
que: 
A essência da culpabilidade está na reprovação que se faz ao agente 
por sua motivação contrária ao dever. O juízo de reprovabilidade já 
não teria por fulcro apenas a vontade, em seu sentido puramente 
naturalístico, como a teoria psicológica acreditava, mas sim a 
vontade reprovável, ou seja, a vontade que não deveria ser.21 
 
As bases dessa teoria também foram aprimoradas por James Goldschmidt, 
que apontou a importância que assume a vontade contrária ao dever na construção 
da culpabilidade, e Berthold Freudenthal, para quem a culpabilidade seria a 
desaprovação do comportamento do autor, quando este podia e devia comportar-se 
de forma diferente.22 
E, por fim, Mezger, enfatizando os aspectos normativos, conceituou a 
culpabilidade como “o conjunto dos pressupostos da pena que fundamentam, diante 
do autor, a reprovabilidade pessoal da ação antijurídica”.23 
 
17
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 425. 
18
 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal: parte geral. ed. São Paulo: 
Saraiva, 1986, p. 168. 
19
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 460. 
20
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 352. 
21
 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 196. 
22
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 340. 
23
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 426. 
16 
 
Arrematando, Ney Moura Teles bem explica: 
 
Em síntese, para a teoria psicológico-normativa ou normativa, a 
culpabilidade é a reprovabilidade da conduta do agente pelo fato, 
doloso ou culposo, por ele realizado. O pressuposto da culpabilidade 
é a imputabilidade, e os seus elementos são: o dolo ou a culpa em 
sentido estrito (elemento psicológico-normativo), e a exigibilidade de 
conduta diversa (elemento normativo).24 
 
Apesar do avanço alcançado por esta teoria, ainda persistiam defeitos que 
não possibilitavam a correta concepção da culpabilidade, principalmente pela 
persistência do dolo como elemento desta25. 
Enfrentando esta questão e os demais aspectos controvertidos que existiam 
nessa concepção, novas idéias foram concebidas e culminaram na teoria normativa 
pura da culpabilidade. 
 
 
1.1.3 Teoria normativa pura da culpabilidade 
 
 
Derivada da teoria finalista da ação26 (ou finalismo), surge a concepção 
normativa pura da culpabilidade, refutando, em seus fundamentos, as teorias 
anteriores. 
O finalismo teve como maior expoente H. Welzel, para quem o dolo não 
poderia estar inserido no juízo de culpabilidade, pois assim se consideraria a ação 
humana sem seu aspecto fundamental: a intencionalidade27. 
Partindo disto, Welzel demonstrou que o dolo e a culpa não são elementos 
da culpabilidade, uma vez que, em se situando nos tipos legais, integram a conduta 
 
24
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 355. 
25
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 461. 
26
 A teoria finalista da ação, baseada nas idéias filosóficas de Honigswald e Nikolai Hartmann, 
constituiu-se na reação lógica contra os errôneos postulados das doutrinas causais da ação, 
produzindo efeito na estrutura do tipo, da ilicitude e da culpabilidade. Nesta teoria, a ação é uma 
atividade final humana, na qual o homem, conhecendo a teoria da causa e efeito, tem possibilidade 
de dirigir sua atividade no sentido de produzir determinados efeitos, contrariamente à causalidade. 
(JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 234). 
27
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 304. 
17 
 
e o fato típico28. Assim, estes elementos passaram a integrar o injusto e não mais a 
culpabilidade. 
Quanto a estas modificações, Cezar Roberto Bitencourt comenta: 
 
As conseqüências que a teoria finalista da ação trouxe consigo para 
a culpabilidade são inúmeras. Assim, a separação do tipo penal em 
tipos dolosos e tipos culposos, o dolo e a culpa não mais 
considerados como formas ou elementos da culpabilidade, mas 
como integrantes da ação e do injusto pessoal, constituem o exemplo 
mais significativo de uma nova direção no estudo do Direito Penal, 
num plano geral, e a adoção de um novo conteúdo para a 
culpabilidade, em particular.29 
 
 
Com efeito, somente a partir de então surgiu uma verdadeira teoria 
normativa da culpabilidade, visto que a culpabilidade passou a ser limitada à pura 
reprovabilidade.30 
Sobre o tema, Damásio E. de Jesus explica que: 
 
Nessa perspectiva, excluem-se do conceito de culpabilidade a 
maioria dos elementos subjetivos, anímicos ou psicológicos – 
integrantes do tipo de injusto -, conservando-se fundamentalmente o 
critério da censurabilidade ou reprovabilidade (elemento valorativo)31 
 
 
Neste sentido, Bitencourt define culpabilidade “como aquele juízo de 
reprovação dirigido ao autor por não haver obrado de acordo com o Direito, quando 
lhe era exigível uma conduta em tal sentido”32. 
Ainda, Zaffaroni e Pierangeli afirmam que, quanto à reprovação do injusto ao 
seu autor, existem dois núcleos temáticos, quais sejam, a possibilidade de 
compreensão da antijuridicidade e um determinado âmbito de autodeterminação do 
agente.33 
Por fim, ao conceituar culpabilidade, anota Ney Moura Teles: 
 
 
28
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 357. 
29
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,p. 342. 
30
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 603 
31
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 428. 
32
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 349. 
33
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 605. 
18 
 
Culpável, portanto, é o fato praticado por um sujeito imputável que 
tinha possibilidade de saber que seu comportamento era proibido 
pelo ordenamento jurídico, e que, nas circunstâncias em que agiu, 
poderia ter agido de modo diferente, conforme o direito.”34 
 
 
Concluído este breve histórico acerca das teorias da culpabilidade, serão 
adiante analisados os elementos que a compõem. 
 
 
1.2 Os elementos da culpabilidade 
 
 
1.2.1 A imputabilidade 
 
 
Aníbal Bruno define imputabilidade como “o conjunto de condições pessoais 
que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um 
fato punível35. 
O mesmo doutrinador afirma que o conceito de imputabilidade é fornecido no 
Código Penal Brasileiro, indiretamente e a contrario senso, pelo de inimputabilidade, 
previsto no seu artigo 2636. 
A partir do aludido artigo, Damásio E. de Jesus considera como imputável o 
“sujeito mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter ilícito do fato 
e de determinar-se de acordo com esse entendimento”37. 
Outrossim, segundo Fernando Capez, “o agente deve ter condições físicas, 
psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. (...) 
Além dessa capacidade, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade”, 
de forma que imputabilidade apresenta um aspecto intelectivo (capacidade de 
entendimento) e outro volitivo (faculdade de comandar a própria vontade). 38 
 
34
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 358. 
35
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo 2: fato punível, p. 39. 
36
 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto 
ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito 
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 
37
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 469. 
38
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 306. 
19 
 
Quanto à referida capacidade de entender o caráter criminoso do fato, 
Aníbal Bruno explica que é prescindível que o agente saiba que seu ato é definido 
na lei como crime. Importa, apenas, que compreenda - não de forma técnica - que 
seu comportamento é reprovado pela ordem jurídica em sentido amplo, nos limites 
da compreensão de um leigo39. 
Já no que toca à vontade, Bruno assevera que esta é a “capacidade normal 
de querer, de sofrer, em face da consciência do caráter ilícito do fato, a influência 
dos motivos normalmente inibidores”40. 
Importante ressaltar a diferença entre imputabilidade e responsabilidade, 
pois esta é mais ampla, compreendendo a primeira41 e corresponde às 
conseqüências jurídicas que advêm da prática de um crime42. 
Destarte, imputabilidade “é a condição pessoal de maturidade e sanidade 
mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou 
de se determinar segundo esse entendimento”43. 
 
 
1.2.2 Potencial consciência da ilicitude (ou da antijuridicidade) 
 
 
Além de imputável, para que o autor seja reprovado por determinada 
conduta antijurídica é necessário também que conheça ou possa conhecer o caráter 
ilícito do fato praticado. 
Quanto ao assunto, Ney Moura Teles ensina que 
 
[...] quem age sem possibilidade de saber que fere o direito, atua na 
certeza de que sua conduta é de acordo com a ordem jurídica, e, 
assim sendo, não pode merecer qualquer censura, que só é possível 
quando se pudesse exigir do homem conhecer que seu gesto é 
proibido. Se ele tinha a possibilidade de conhecer a ilicitude, e, 
mesmo assim, realizou a conduta contrária ao direito, deve, por isso, 
ser censurado, já que, tendo possibilidade de atingir a consciência da 
 
39
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo 2: fato punível, p. 45. 
40
 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo 2: fato punível, p. 40. 
41
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 307. 
42
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, 2007, p. 470. 
43
 FRAGOSO , Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, p. 197. 
20 
 
ilicitude, mesmo assim não a alcançou, quando devia, e por isso vai 
ser reprovado.44 
 
 
De outra banda, Luiz Regis Prado anota que “esse conhecimento potencial 
não se refere às leis penais, basta que o agente saiba ou tenha podido saber que o 
seu comportamento contraria ao ordenamento jurídico”45. 
Neste sentido, para Fernando Capez importa investigar se o sujeito, quando 
da prática do crime, tinha a possibilidade de saber que fazia algo errado, levando em 
conta “o meio social que o cerca, as tradições e costumes locais, sua formação 
cultural, seu nível intelectual, resistência emocional e psíquica e inúmeros outros 
fatores”, sendo estes aspectos “externos, objetivos, que orientam o juiz na aferição 
da culpabilidade”.46 
Ainda, ao tecer comentários acerca da potencial consciência da ilicitude, 
Zaffaroni e Pierangeli explicam que não é possível exigir de todos o mesmo grau de 
compreensão acerca da antijuridicidade do ato praticado, que dependerá do esforço 
que cada sujeito tenha realizado para alcançá-la, cujo esforço poderá ser analisado 
por meio das circunstâncias pessoais e sociais daquele, que estará em relação 
inversa com a reprovabilidade. 47 
Assim, para os mesmos autores, “quanto maior seja o esforço que o sujeito 
deva fazer para internalizar a norma, menor será a reprovabilidade de sua conduta, 
e vice-versa”48. 
 
 
 
1.2.3 Exigibilidade de conduta diversa 
 
 
Analisadas a imputabilidade e a potencial consciência da ilicitude, resta 
verificar o último elemento da culpabilidade, qual seja, a exigibilidade de conduta 
 
44
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 374. 
45
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 439. 
46
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 324. 
47
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 621. 
48
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 621. 
21 
 
diversa, que, nas palavras de Damásio E. de Jesus, é a possibilidade que o sujeito 
tem de realizar outra conduta, de acordo com o ordenamento jurídico49. 
Acerca deste elemento, Luiz Regis Prado assim esclarece: 
 
Trata-se de elemento volitivo da reprovabilidade, consistente na 
exigibilidade da obediência à norma. Para que a ação do agente seja 
reprovável, é indispensável que se lhe possa exigir comportamento 
diverso do que teve. Isso significa que o conteúdo da reprovabilidade 
repousa no fato de que o autor devia e podia adotar uma resolução 
de vontade de acordo com o ordenamento jurídico e não uma 
decisão voluntária ilícita50. 
 
Ainda, Ney Moura Teles pondera que só merece receber a censura penal 
quem podia ter realizado ter realizado outro comportamento, sendo este outro juízo 
de valor que se faz sobre a conduta do agente.51 
No mesmo caminho, Fernando Capez afirma que para que seja possível 
considerar alguém culpado pelo cometimento de uma conduta prevista como uma 
infração penal, “é necessário que esta tenha sido praticadaem condições e 
circunstâncias normais, pois do contrário não será possível exigir do sujeito conduta 
diversa de que, efetivamente, acabou praticando”52. 
Assim, uma vez compreendidos os elementos que compõem a culpabilidade, 
imprescindível ressaltar que existem determinadas causas e situações que os 
excluem, afastando, conseqüentemente, a própria culpabilidade e a existência de 
crime, como será adiante abordado. 
 
 
1.3 As causas de exclusão da culpabilidade 
 
 
1.3.1 Causas de exclusão relacionadas à imputabilidade 
 
 
 
49
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 479. 
50
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 440. 
51
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 377. 
52
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 326. 
22 
 
Como visto, a imputabilidade, em linhas gerais, refere-se à capacidade do 
sujeito de entender a ilicitude do fato e de determinar-se de acordo com este 
entendimento, ao tempo da conduta (ação ou omissão). 
Deste modo, em princípio, todos são considerados imputáveis, exceto 
aqueles que se enquadram nas hipóteses de inimputabilidade elencadas na lei 
penal, as quais serão adiante estudadas. 
 
 
1.3.1.1 Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado 
 
 
De acordo com o já mencionado art. 26 do Código Penal (caput), haverá 
inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou 
retardado. 
Neste aspecto, Luiz Regis Prado define doença mental como “uma alteração 
mórbida da saúde mental, independentemente de sua origem” e, quanto ao 
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, traz como exemplos as 
oligofrenias, que são uma espécie de “deficiência mental que abarca graves defeitos 
de inteligência, consistente, em termos gerais, na falta de desenvolvimento das 
faculdades mentais”53. 
Fernando Capez, quando comenta acerca da aferição da inimputabilidade 
nestes casos, elenca os seguintes requisitos: causal, que é a existência de doença 
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; cronológico, que é a 
atuação ao tempo da ação ou omissão; e conseqüencial, referente à perda total da 
capacidade de entender ou de querer.54 
Corroborando este entendimento, Ney Moura Teles explica que o Código 
Penal adotou o sistema biopsicológico de aferição da inimputabilidade, ao afirmar 
que 
Nem todo doente mental, portador de desenvolvimento mental 
incompleto ou retardado é inimputável. É necessário que, em 
conseqüência do pressuposto biológico, seja ele inteiramente 
 
53
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 436. 
54
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 310. 
23 
 
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de 
acordo com esse entendimento55. 
 
 
 
1.3.1.2 Menoridade penal 
 
 
São inimputáveis, ainda, de acordo com o art. 27 do Código Penal56, os 
menores de dezoito anos, consagrando-se o princípio da inimputabilidade por 
presunção, em razão do critério biológico da idade do agente57, pois considera-se 
que estes têm desenvolvimento mental incompleto, independentemente da 
verificação de sua capacidade de entendimento ou de determinação58. 
 
 
1.3.1.3 Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior 
E definida como última causa de inimputabilidade, está a embriaguez 
completa, decorrente de caso fortuito ou força maior, conforme dispõe o §1º do art. 
28 do Código Penal59. 
A embriaguez é, segundo Fernando Capez, uma 
 
causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e 
vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e 
transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos 
psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio etc.), 
estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (ácido lisérgico)60. 
 
Complementando, o mesmo autor explica que denominam-se drogas 
psicotrópicas aquelas substâncias que provocam alterações psíquicas, sendo que 
subdividem-se em três espécies, quais sejam, psicolépticos (tranqüilizantes, 
 
55
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, pp. 360-361. 
56
 Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas 
estabelecidas na legislação especial. 
57
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 436 
58
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 362. 
59
 § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou 
força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito 
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 
60
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 311. 
24 
 
narcóticos, entorpecentes), psicoanalépticos (estimulantes) e psicodislépticos 
(alucinógenos)61. 
Todavia, para que a embriaguez seja caracterizada como causa de exclusão 
da inimputabilidade, é imprescindível que seja completa e derivada de caso fortuito 
ou força maior, de forma a impossibilitar o sujeito de entender a ilicitude do fato ou 
de determinar-se de acordo com este entendimento. 
Sobre o tema, Ney Moura Teles traça a distinção entre embriaguez por caso 
fortuito e força maior: 
 
Embriaguez por caso fortuito é a acidental, que ocorre sem que o 
sujeito desejasse se embriagar, nem a decorrente de negligência. 
Nem é voluntária, nem é culposa. [...] Embriaguez proveniente de 
força maior é a resultante de uma força física externa imprimida 
sobre o sujeito, no sentido de obrigá-lo a ingerir a substância 
embriagante62. 
 
Desta forma, a embriaguez voluntária, culposa, pré-ordenada ou não, não 
tem o condão de excluir do sujeito sua culpabilidade. 
 
 
1.3.2 Causas de exclusão relacionadas à potencial consciência da ilicitude 
 
 
A exclusão deste elemento da culpabilidade ocorre quando da ausência da 
potencial consciência da ilicitude, anteriormente analisada neste trabalho, cuja causa 
compreende o chamado erro de proibição63, que será agora abordado. 
 
1.3.2.1 Erro de proibição 
 
 
O erro de proibição é o que recai sobre a ilicitude de um comportamento, no 
qual o agente supõe, por erro, ser lícita a sua conduta64, podendo ser subdividido em 
 
61
 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 311. 
62
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 366. 
63JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 482. 
64
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 379. 
25 
 
inevitável (invencível ou escusável) e evitável (vencível inescusável), como aponta 
Guilherme de Souza Nucci: 
 
Quando o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, 
valendo-se o ser humano da sua diligência ordinária, trata-se de uma 
hipótese de exclusão da culpabilidade. [...] Trata-se de um erro 
escusável (inevitável), pois não lhe foi possível, a tempo, constatar a 
inverdade da informação recebida. [...] Por outro lado, o erro sobre a 
ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um 
mínimo de empenho em se informar, o agente poderia ter tido 
conhecimento da realidade, denomina-se erro de proibição 
inescusável (evitável).65 
 
 
Com base nesta diferenciação, somente o erro de proibição inevitável é 
capaz de excluir a culpabilidade, isentando o agente de pena, ao passo que o erro 
evitável somente poderá minorar esta, conforme dispõe o artigo 21 do Código Penal, 
in verbis: 
 
Art. 21 - O desconhecimentoda lei é inescusável. O erro sobre a 
ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá 
diminuí-la de um sexto a um terço. 
 
Ainda, o parágrafo único do referido artigo, reza que “Considera-se evitável o 
erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe 
era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência”. 
Sobre este mote, comentando os efeitos das duas formas de erro de 
proibição, Zaffaroni e Pierangeli ensinam o seguinte: 
 
Quando é invencível, isto é, quando com a devida diligência o sujeito 
não teria podido compreender a antijuridicidade do seu injusto, tem o 
efeito de eliminar a culpabilidade. Quando é vencível, em nada afeta 
a tipicidade dolosa ou culposa que já está firmada ao nível 
correspondente.66 
 
Completando este pensamento, Cezar Roberto Bitencourt explica que: 
 
 
65
 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral, parte especial. 2. ed. São 
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 334. 
66
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 636. 
26 
 
Sendo a culpabilidade normativa, estará presente sempre um juízo 
de valor sobre a ação humana, e, assim, o erro só será justificável, e, 
portanto, inevitável, se no decorrer de censurável desatenção ou falta 
de um dever cívico de informar-se, que, nas circunstâncias, se 
impõe.67 
 
 
Por derradeiro, Damásio E. de Jesus pondera acerca da diferença entre 
erro de proibição e inescusabilidade da ignorância da lei, anotando que: 
 
De acordo com o art. 3º. Da LICC, “ninguém se escusa de cumprir a 
lei, alegando que não a conhece”. O princípio é perfeitamente 
justificável, proibindo que o sujeito apresente a própria ignorância 
como razão de não haver cumprido o mandamento legal. [...] 
Enquanto a simples alegação de ignorância da lei não escusa, a 
ausência de possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato, i. e., 
a impossibilidade de o sujeito conhecer a regra de proibição, exclui a 
culpabilidade.68 
 
 
1.3.3 Causas de exclusão relacionadas à exigibilidade de conduta diversa 
 
 
Tocante a este elemento, uma vez considerada a culpabilidade normativa, 
“não há culpabilidade todas as vezes que, tendo em vista as circunstâncias do caso 
concreto, não se possa exigir do sujeito uma conduta diversa daquela por ele 
cometida”69. 
Dentre essas hipóteses, são expressamente previstas na lei penal a coação 
irresistível e a chamada obediência hierárquica. Entretanto, como será visto, e, 
corroborando com a assertiva acima transcrita, existem causas supralegais de 
exclusão deste aspecto da culpabilidade. 
 
1.3.3.1 Coação moral irresistível 
 
 
 
67
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 349. 
68
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 487. 
69
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 483. 
27 
 
O Código Penal, em seu art. 22, dispõe que “Se o fato é cometido sob 
coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de 
superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. 
 Analisando a primeira parte do dispositivo, doutrinariamente considera-se 
que a coação a que se refere é a moral (vis compulsiva), eis que a coação física 
irresistível (vis absoluta) exclui a própria ação, por inexistência da vontade, pois esta 
não é livre, mas viciada.70 
Concernente, para Bitencourt, “na coação moral existe vontade, embora seja 
viciada. Nas circunstâncias em que a ameaça é irresistível não lhe é exigível que se 
oponha a essa ameaça para se manter em conformidade com o Direito”71. 
Nucci elenca os seguintes elementos como necessários à configuração da 
coação moral irresistível72: 
 
a) existência de uma ameaça de um dano grave injusto e atual; 
b) inevitabilidade do perigo na situação concreta; 
c) ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou 
contra pessoas queridas e ele ligadas; 
d) existência de pelo menos três partes envolvidas, como regra e 
e) irresistibilidade da ameaça avaliada concretamente. 
 
Quanto à irresistibilidade, Luiz Regis Prado advoga que o constrangimento 
impingido deve ser impossível de ser vencido pelo coagido, tendo-se como 
referência, para tanto, o homem médio73. 
Assim, a gravidade relaciona-se com a natureza do mal e com o poder do 
coator em produzi-lo, de forma que não poderá se tratar de algo que independa da 
vontade deste74. 
De outro modo, quando tratar-se de coação moral resistível não ocorrerá 
exclusão da culpabilidade, incidindo apenas circunstância atenuante75. 
 
 
1.3.3.2 Obediência hierárquica 
 
 
70
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte gera, p. 440. 
71
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 357. 
72
 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral, parte especial, p. 285. 
73
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 441. 
74
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 358. 
75
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 494. 
28 
 
 
Há, ainda, em sede de inexigibilidade de conduta diversa, aquela referente à 
obediência hierárquica, explicitada na segunda parte do artigo 22 do Código Penal, 
já aludido. 
Nucci a define como “ordem de duvidosa legalidade dada pelo superior 
hierárquico ao seu subordinado, para que cometa uma agressão a terceiro, sob 
pena de responder pela inobservância da determinação”76. 
Essa obediência pressupõe uma relação de direito público, não abrangendo, 
portanto, aquela derivada das relações de iniciativa privada77, de forma que a ordem 
“deve advir de autoridade pública, dentro da organização do serviço público, o que 
também inclui os cidadãos, nos casos em que atuam por ordem dessas 
autoridades”78. 
Deverá, também, a ordem emanada do superior hierárquico ser 
manifestamente ilegal, pode-se dizer, “aquela cuja legalidade é discutível, não é 
patente, não resplande à primeira vista, deixando dúvidas na avaliação de quem a 
recebe”79. 
Neste sentido, Damásio E. de Jesus bem explica: 
 
Não se coloca o subordinado numa condição de julgador superior da 
ordem, o que criaria um caos na máquina administrativa, mas a ele 
se outorga o direito de abster-se de cumprir uma determinação de 
prática de fato manifestamente contrário à lei mediante uma 
apreciação relativa.80 
 
 
Por derradeiro, além desses requisitos, a ordem deve preencher os 
requisitos formais, e o fato ser cumprido dentro de estrita obediência à ordem do 
superior. 
Analisada, portanto, a culpabilidade sob seu aspecto dogmático, passa-se à 
análise crítica do sistema penal que – conforme será visto no último capítulo deste 
trabalho – influenciará na concepção e aplicação daquela. 
 
 
76
 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral, parte especial, p. 286. 
77
 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 358. 
78
 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral, p. 443. 
79
 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, p. 389. 
80
 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral, p. 496. 
29 
 
2. DESMISTIFICANDO A CONCEPÇÃO LIBERAL DO DIREITO PENAL: DE JEAN 
PAUL MARAT À CULPABILIDADE PELA VULNERABILIDADE (O 
APERFEIÇOAMENTO TEÓRICO DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE) 
 
 
Para iniciar este tópico do trabalho, faz-se mister tecer algumas breves 
considerações acerca do sistemapenal, cujo conceito é o de “controle social punitivo 
institucionalizado”, com atuação desde a suspeita da prática de um delito até a 
execução da pena e que, nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli, pressupõe “uma 
atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos 
funcionários e define os casos e condições para esta atuação”81. 
Os mesmos autores explicam que os sistemas penais têm como segmentos, 
basicamente, o policial, o judicial e o executivo, tratando-se de 
 
[...] três grupos humanos que convergem na atividade 
institucionalizada do sistema e que não atuam estritamente por 
etapas, mas que têm um predomínio determinado em cada uma das 
etapas cronológicas do sistema, podendo seguir atuando ou 
interferindo nas restantes.82 
 
Referidos segmentos, em seus tradicionais discursos, proclamam o fim e a 
função preventiva do sistema penal, ou seja, sustentam que este tem por escopo a 
ressocialização do apenado e, concomitantemente, advertir às demais pessoas 
acerca da “inconveniência de imitar o delinqüente”83. 
Não obstante isto, tais discursos perdem sua legitimidade quando 
confrontados com a realidade que se apresenta, seja quanto à proclamada função 
de prevenção à criminalidade ou quanto ao caráter ressocializador da pena, já que, 
em vez de assim o ser, o sistema penal, na prática, é responsável pela origem de 
mais “carreiras criminais” e pela degradação do indivíduo a ele submetido.84 
 
81
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 70. 
82
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 71. 
83
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 73. 
84
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 73. 
30 
 
Com efeito, estes discursos sustentam a propalada igualdade jurídica em 
relação a todos os indivíduos, quando na verdade esta é apenas formal, conforme 
denuncia a criminologia crítica que, segundo Baratta, “[...] mostra que o direito penal 
não é menos desigual do que outros ramos do direito burguês, e que, 
contrariamente a toda aparência, é o direito desigual por excelência”.85 
Neste sentido, Nilo Batista enfatiza que 
 
[...] o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo 
igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na 
verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas 
determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, 
a pretexto de suas condutas.86 
 
Assim, a proclamada concepção liberal do Direito Penal é posta “em xeque” 
com a superação da criminologia positivista87 pela criminologia crítica ou da “reação 
social”, que passa a considerar “o mecanismo mesmo da criminalização e o 
funcionamento de todo o sistema penal como parte do controle social”88. 
Todavia, muito antes do surgimento desta vertente criminológica, e até 
mesmo da própria existência da Criminologia como ciência, destacaram-se as idéias 
de Jean Paul Marat, conhecido historicamente como um dos principais líderes da 
Revolução Francesa, que em seu “Plan de Législation Criminelle”, de 1780, 
propagou um direito penal crítico, face às imensas desigualdades sociais reinantes 
naquela época, que atingiam, conseqüentemente, também este âmbito do direito. 
Nesse passo, a culpabilidade como um dos elementos que integram o crime, 
também é “atingida” em sua normatividade, com suas características eminentemente 
dogmáticas, quando confrontada com a realidade evidenciada pela visão 
criminológica crítica, uma vez que, como visto, aquela tem como cerne a 
 
85
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca 
de Criminologia, p. 162. 
86
 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Revan, 
2005, pp. 25 e 26. 
87
 “A criminologia positivista [...] tem por objeto não propriamente o delito, considerado como conceito 
jurídico, mas o homem delinqüente, considerado como um indivíduo diferente e, como tal, 
clinicamente observável [...] e tem como [...] específica função cognoscitiva e prática, individualizar as 
causas desta diversidade, os fatores que determinam o comportamento criminoso, com uma série de 
práticas que tendem, sobretudo, a modificar o delinqüente” (BARATTA, Alessandro. Criminologia 
Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do direito penal, pp. 29 e 30). 
88
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p.159. 
31 
 
reprovabilidade da conduta, cujo aspecto pode ser analisado sob este prisma crítico 
de forma diversa – e mais realista – daquela consagrada pelo Direito Penal 
normativo. 
Destarte, este capítulo será um breve estudo destinado à contraposição da 
leitura dogmática do Direito Penal, no que concerne a real atuação do sistema penal 
que, apesar de declarar-se igualitário, seleciona determinados indivíduos, tornando-
os mais vulneráveis à criminalidade, os quais efetivamente passam a compor 
praticamente a totalidade de sua “clientela”. 
 
 
2.1 A crítica social de Jean Paul Marat ao Direito Penal liberal 
 
 
Jean Paul Marat, médico de formação (porém, grande crítico da sociedade 
de seu tempo), viveu na França, no final do século XVIII, cujo momento político e 
social era marcado pela decadência da monarquia absolutista, face à oposição da 
burguesia em ascensão (que detinha poder econômico, mas não político), razão 
pela qual seus interesses se confrontavam. Este cenário, no qual as diferenças 
sociais eram marcantes, somado às idéias difundidas pelo Iluminismo, culminou na 
Revolução Francesa (1789). 
Neste contexto, em 1777 foi lançado um concurso por meio da imprensa 
francesa que premiaria o melhor trabalho versando sobre um plano de legislação 
penal. Diante disto, Marat elaborou e concluiu em 1780 seu “Plano de Legislação 
Criminal”, cuja obra, que não foi a vencedora do concurso, foi por ele publicada 
apenas em 179089. 
O Plano divide-se em quatro partes, sendo que a primeira é a que traz em 
seu bojo “os princípios fundamentais de uma justa legislação”, que lhe serve 
também como título, iniciando-se com uma análise da ordem social90. Esta parte da 
obra será o cerne deste tópico do presente trabalho, no intuito de se fazer uma 
relação com o pensamento de Marat, sob a ótica da aplicação do direito penal, e 
nossa realidade atual. 
 
89
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, 2008, p. 21. 
90
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, 2008, p. 22. 
32 
 
 Nesta primeira parte, na seção intitulada “Da obrigação de se submeter às 
leis”, Marat defende que os indivíduos que estão à margem da sociedade e que não 
têm garantidos minimamente seus direitos fundamentais, não são, em razão disso, 
obrigados a respeitar a lei, nem passíveis de sanção por esta. Assim afirma: 
 
Numa terra em que tudo é possessão de outro e na qual não se pode 
apropriar-se de nada, resta apenas morrer de fome. Então, não 
conhecendo a sociedade a não ser por suas desvantagens, estarão 
obrigados a respeitar a lei? Não, sem dúvida. Se a sociedade os 
abandona, voltam ao estado natural e quando reclamam à força 
direitos dos quais não podem prescindir senão para proporcionar-
lhes melhorias, toda autoridade que se oponha é tirânica e o juiz que 
os condena à morte não é mais que um vil assassino.91 
 
E complementa:Se para manter a sociedade é necessário obrigar a respeitar a ordem 
estabelecida, antes de tudo, deve satisfazer-se às suas 
necessidades. A sociedade deve assegurar a subsistência, um 
abrigo conveniente, inteira proteção, socorro em suas enfermidades 
e cuidados em sua velhice, porque não podem renunciar aos direitos 
naturais, contanto que a sociedade não prefira um estado de 
natureza.92 
 
 Assim, entende que “[...] somente depois de haver cumprido com todas as 
obrigações para com seus membros poderá a sociedade adquirir o direito de 
castigar os que violam suas leis”.93 
Ainda, Marat afirma que examinando a vida dos indivíduos voltados 
excessivamente à delinqüência se constata que não receberam nenhuma educação 
e que muitos destes poderiam ter-se distinguido por suas virtudes, caso tivessem 
sido “alimentados com lições de sabedoria”.94 
Referida crítica, como se vê, não destoa da nossa atual realidade, pois é 
notório que a massa carcerária é composta em sua infinita maioria por indivíduos 
com baixo grau de instrução. 
Noutra seção, intitulada “A Justiça deve ser imparcial”, Marat afirma: 
 
 
91
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 75. 
92
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 75. 
93
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 75. 
94
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 81. 
33 
 
Tenho dito que ao mesmo delito deve inflingir-se igual castigo a todo 
delinqüente. Contudo esta lei não seria justa a não ser num Estado 
fundado sobre a igualdade e cujos membros gozassem mais ou 
menos das mesmas vantagens.95 
 
Comentando acerca desta passagem, Zaffaroni e Pierangeli explicam que 
“Marat começa afirmando que a pena mais justa é a talional, mas observa que isto 
só assim seria na medida em que a sociedade fosse justa”96. 
Concernente é a explicação de Javier Llobet Rodríguez, nesses termos97: 
 
Marat rechazó la desigualdad en la aplicación de la ley penal, que se 
hacía en su época de acuerdo con el origen social. Así llegó a decir 
que en principio debe infligirse igual castigo a todo delincuente. Sin 
embargo, Marat termina rechazando esto mientras no se dé la 
igualdad y todos los miembros de la sociedad gocen de las mismas 
ventajas.98 
 
Mais adiante, extrai-se do “Plano” o seguinte excerto: 
 
A natureza estabeleceu grandes diferenças entre os homens e a 
fortuna as estabeleceu muitos mais. Quem não vê que a justiça deve 
levar sempre em consideração as circunstâncias em que o culpado 
se encontra, circunstâncias que podem agravar ou atenuar o crime?99 
 
Aqui, nota-se que Marat já defendia, diante das diferenças sociais entre os 
indivíduos, a necessidade da análise das condições pessoais de cada um, quando 
da aplicação da pena. Neste sentido100: 
 
Sobre ello debe anotarse que entre los aportes especialmente 
relevantes de Marat debe mencionarse la consideración de las 
condiciones personales, en particular las carencias que ha sufrido el 
 
95
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 88. 
96
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 268. 
97
 RODRÍGUEZ, Javier Llobet. Jean Paul Marat y la Ilustración Penal. REVISTA CENIPEC. N. 25 
(ENERO-DICIEMBRE), 2006, (p. 273-306), p. 293. 
98
 Marat rejeitou a desigualdade na aplicação da lei penal, que se fazia na sua época de acordo com a 
origem social. Assim chegou a dizer que em princípio deve-se infligir igual castigo a todo delinqüente. 
No entanto, Marat termina rejeitando isto enquanto não se dê a igualdade e todos os membros da 
sociedade gozem das mesmas vantagens. (tradução livre). 
99
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal. Tradução: João Ibaixe Jr. E Carmensita 
Ibaixe. São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 88-89. 
100
 RODRÍGUEZ, Javier Llobet. Jean Paul Marat y la Ilustración Penal, p. 293-294. 
34 
 
sujeto y que lo han llevado a la comisión del hecho delictivo, como 
relevantes para la imposición de la pena.101 
 
Por fim, Marat traz exemplos de condutas, dando conta das diferenças de 
graus de reprovabilidade do agente: “De dois homens que hajam cometido o mesmo 
roubo, aquele que tem apenas o necessário é menos culpável que aquele que 
usufrui o supérfluo”102. E também: “De dois perjuros, aquele que desde a infância 
teve despertados sentimentos de honra é mais criminoso que aquele que, 
abandonado à natureza, nunca recebeu qualquer educação”.103 
Sobre estas passagens, Rodríguez afirma que: 
 
Estas consideraciones tienen relación con la teoría de la pena que se 
ha desarrollado con posterioridad, que hace referencia a que para la 
fijación de la misma es importante la gravedad del hecho y el grado 
de reproche que se le puede hacer al responsable por no haberse 
comportado conforme a derecho.104 
 
Desta forma, com base nas idéias acima colacionadas, principalmente no 
tocante à reprovabilidade do indivíduo face o contexto social em que está inserido, 
Zaffaroni e Pierangeli entendem que Marat foi o precursor do pensamento em que 
se norteia o “princípio da co-culpabilidade”: 
 
Cremos que a co-culpabilidade é herdeira do pensamento de Marat 
e, hoje, faz parte da ordem jurídica de todo Estado social de direito, 
que reconhece direitos econômicos e sociais, e, portanto, tem 
cabimento no CP mediante a disposição genérica do art. 66.105 
 
Adiante será especificamente abordado sobre o princípio da co-
culpabilidade; então, por hora, fica apenas este registro, que será posteriormente 
retomado. 
 
101
 Sobre isso deve anotar-se que entre os aportes especialmente relevantes de Marat deve 
mencionar-se a consideração das condições pessoais, em particular as carências que sofreu o sujeito 
e que o têm levado à comissão do fato delitivo, como relevantes para a imposição da pena. (tradução 
livre) 
102
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 89. 
103
 MARAT, Jean-Paul. Plano de Legislação Criminal, p. 89. 
104
 RODRÍGUEZ, Javier Llobet. Jean Paul Marat y la Ilustración Penal), p. 294. 
105
 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: 
parte geral, p. 611. 
35 
 
Todavia, é necessário antes de adentrar ao tema aludido, alicerçar algumas 
noções criminológicas imprescindíveis a este estudo, que serviram de embasamento 
concreto à elaboração da teoria da co-culpabilidade. 
 Portanto, a seguir será estudado o sistema penal sob a ótica da 
criminologia crítica que, em que pese ser fruto de intensa evolução neste âmbito, 
não deixou de ter como base, também, as idéias aqui expostas de Marat. 
 
 
2.2 Da teoria do labeling approach à criminologia crítica: a seletividade 
arbitrária do sistema penal 
 
 
As teorias da “reação social”, ou labeling approach (também conhecido 
como enfoque do etiquetamento ou teoria da rotulação)106, desenvolveram-se, 
principalmente, pela contribuição de três vertentes da sociologia contemporânea: o 
interacionismo simbólico107, a fenomenologia e a etnometodologia108, e a sociologia 
do conflito109. 
Bissoli Filho comenta que o labeling approach: 
 
Surgiu no final da década de 50 e início dos anos 60 deste século, 
nos Estados Unidos da América, em função dos estudos realizados 
pelos integrantes da “Nova Escola de Chicago”, num contexto 
histórico marcado pela crise do Estado providência e por diversas 
formas de radicalização social, política e cultural.110 
 
 
106
 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização: dos antecedentes à reincidência 
criminal. Florianópolis: ObraJurídica, 1998, p. 44. 
107
 Para o interacionismo simbólico, “a sociedade [...] é constituída por uma infinidade de interações 
concretas entre indivíduos, aos quais um processo de tipificação confere um significado que se afasta 
das situações concretas e continua a estender-se através da linguagem” (BARATTA, Alessandro. 
Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do direito penal. Tradução 
Juarez Cirino dos Santos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, p. 87). 
108
 Para a etnometodologia, “a sociedade não é uma realidade que se possa conhecer sobre o plano 
objetivo, mas o produto de uma ‘construção social’, obtida graças a um processo de definição e de 
tipificação por parte de indivíduos e de grupos diversos” (BARATTA, Alessandro. Criminologia 
Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino 
dos Santos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, p. 87). 
109
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, p. 92 
110
 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização: dos antecedentes à reincidência 
criminal, p. 44. 
36 
 
Este segmento do pensamento criminológico considera que a criminalidade 
somente pode ser compreendida se analisada a ação do sistema penal desde a 
concepção das normas abstratas até a ação das instâncias sociais, cujas atividades 
constroem o status de delinqüente111. 
Assim, o labeling approach tem por objeto o estudo das reações das 
instâncias oficiais de controle social, em face da criminalidade, com o efeito 
estigmatizante da atividade da polícia, dos membros que compõem a acusação 
pública e dos magistrados.112 
Nas exatas palavras de Baratta, o que diferencia a criminologia tradicional 
da nova sociologia representada pelo labeling approach é 
 
[...] a consciência crítica que a nova concepção traz consigo, em face 
da definição do próprio objeto da investigação criminológica e em 
face do problema gnosiológico e de sociologia do conhecimento que 
está ligado a este objeto (a “criminalidade”, o “criminoso”), quando 
não o consideramos como um simples ponto de partida, uma 
entidade natural para explicar, mas como uma realidade social que 
não se coloca como préconstituída à experiência cognoscitiva e 
prática, mas é construída dentro desta experiência, mediante os 
processos de internação que a caracterizam.113 
 
Desta forma, o questionamento acerca da natureza do sujeito e do objeto em 
relação ao comportamento desviante orientou os seguidores do labeling approach 
ao estudo da formação da identidade desviante e dos efeitos da rotulação do 
indivíduo como criminoso, bem como da desigual distribuição do poder de definição, 
que é atribuído a determinadas pessoas, quanto ao comportamento que venha a ser 
considerado desvio114. 
Então, o paradigma etiológico115 sustentado pela criminologia positivista, que 
considerava a criminalidade como fenômeno ontológico116, foi superado pelo 
paradigma da "reação social", também conhecido como paradigma do "controle" ou 
 
111
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, p. 84. 
112
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, p. 86 
113
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, pp. 86-87. 
114
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, p. 89. 
115
 A Etiologia é a ciência das causas; o estudo da origem das coisas. 
116
 A Ontologia é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da essência da realidade, da 
existência dos seres. 
37 
 
da "definição"117, o qual problematiza a suposta validade dos juízos sobre desvio, 
partindo de duas questões: a que perscruta a dimensão da definição de desvio e a 
que analisa a dimensão do poder.118 
Outrossim, a criminologia crítica trouxe como resultados as seguintes 
proposições119: 
 
a) O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, 
nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e 
quando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensidade 
desigual e de modo fragmentário; 
b) A lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é 
distribuído de modo desigual entre os indivíduos; 
c) O grau efetivo de tutela e a distribuição do status de criminoso é 
independente da danosidade social das ações e da gravidade das 
infrações à lei, no sentido de que estas não constituem a variável 
principal da reação criminalizante e da sua intensidade. 
 
Assim considerando, Baratta afirma que a criminalidade é [...] “um ‘bem 
negativo’, distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no 
sistema sócio-econômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos”120. 
De fato, o resultado das pesquisas sobre a “criminalidade de colarinho 
branco” e da cifra negra leva à desqualificação do valor interpretativo das 
estatísticas criminais (baseadas somente na criminalidade identificada e 
perseguida), do que se conclui que a criminalidade é uma conduta majoritária, 
presente em todos os estratos sociais, mas a criminalização é desigualmente 
distribuída pelo sistema penal.121 
Sobre o assunto, Vera Regina Pereira de Andrade entende que 
 
[...] se a conduta criminal é majoritária e ubícua, e a clientela do 
sistema penal é composta regularmente em todos os lugares do 
 
117
 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social: 
mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Revista 
Seqüência, Florianópolis, v. 30, 1995 (p. 24-36), p. 24. 
118
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, 92. 
119
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, 162. 
120
 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia 
do direito penal, p. 161. 
121
 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à 
violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 265. 
38 
 
mundo por pessoas pertencentes aos baixos estratos sociais, isto 
indica que há um processo de seleção de pessoas às quais se 
qualifica como delinqüentes e não, como se pretende, um mero 
processo de condutas qualificadas como tais. O sistema penal se 
dirige quase sempre contra certas pessoas, mais que contra certas 
ações legalmente definidas como crime.122 
 
Entretanto, a mecânica seletiva não ocorre, como pode erroneamente 
parecer, porque algo ou alguém manipule o sistema penal de modo “conspiratório”, 
em que pese dela decorrer a desigual distribuição do poder punitivo, que acaba 
beneficiando determinados setores sociais123. 
A seleção existe porque “a disparidade entre o exercício de poder 
programado e a capacidade operativa dos órgãos é abissal”, de modo que “se o 
sistema penal tivesse realmente o poder criminalizante programado, provocaria uma 
catástrofe social”, pois124: 
 
Se todos os furtos, todos os adultérios, todos os abortos, todas as 
defraudações, todas as falsidades, todos os subornos, todas as 
lesões, todas as ameaças, etc. fossem concretamente 
criminalizados, praticamente não haveria habitante que não fosse, 
por diversas vezes, criminalizado125. 
 
Isso posto, tem-se que a seletividade do sistema penal decorre

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