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BREVES NOTAS SOBRE POSSE E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

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CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM 
DIREITO IMOBILIÁRIO
TURMA 2013/2015
BREVES NOTAS SOBRE A POSSE E A (DES)REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL
Glauco Cidrack do Vale Menezes
Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra
Professor de Direito Civil e Processo Civil da Faculdade Farias Brito
Resumo: O ensaio que se apresenta aborda, brevemente, a evolução da Posse na história universal e brasileira, bem como, a luta do homem por ela, como instrumento de poder. Em seguida, faz uma análise crítica à ineficiência do Estado na regularização das questões fundiárias. O texto é linear e objetivo, por refletir pensamentos e compilações de notas de aulas de Direito Civil, ministradas pelo autor em cursos de graduação. 
Palavras-chave: Posse; Evolução Histórica; Regularização Fundiária; Reforma Agrária; Movimentos Sociais.
Abstract: This brief essay focuses on the evolution of Possession universal and Brazilian history and man's fight for it, as an instrument of power. Then makes a critical analysis of the inefficiency of the state in regulating land issues. The text is straightforward and objective, by reflecting thoughts and compilations of lecture notes of Civil Law, taught by the author in undergraduate courses.
Keywords: Possession; Historical Evolution; Regularization; Agrarian Reform, Social Movements.
1. A luta pela Posse na história universal - As questões de Posse e Propriedade são uma realidade na vida da humanidade desde o seu surgimento, em razão da inevitável relação que o ser humano necessita exercer com o ter. Nesta perspectiva, a primeira e mais importante relação com o objeto do direito é o exercício da posse. Algo quase natural, que se remete à infância, em tempos que instintos primitivos já reclamavam a condição humana de ser possuidor de alguma coisa. Segundo FREUD, a vontade que o homem sente de se apoderar das coisas é um marco de afirmação social e pode ser explicado sob duas óticas: as pulsões do id que revelam a necessidade de auto-preservação e as pulsões do ego que revelam a necessidade de exercício de poder. Nesta vertente, ter as coisas significaria ter poder e prestígio, exercitáveis sobre o objeto em relação aos demais indivíduos, garantindo-se, assim, a permanência do possuidor no meio social. [1: Pulsiones y destinos de pulsión. 1915, pgs. 105 -134, booksellers.]
 1.1 A Posse no Império Romano 
 Na história universal, os registros de luta pela posse da terra são uma constante; antes pela ânsia de conquista que muitos imperadores e tiranos exercitaram em nome de seus reinados, do que pela necessidade de encontrar um abrigo. Muitas foram as batalhas e guerras em nome desse ideal de expansão de reinados; muitos foram os mortos. Para constar, tomem-se como exemplos as conquistas de Alexandre Magno e as do insuperável Império Romano. Na Idade Antiga Alexandre (O Grande) governou a Macedônia entre 356 e 323 a.C. e foi o responsável pela segunda maior expansão territorial já vista na história da humanidade. Segundo historiadores gregos, seu império se estendeu dos Bálcãs (sudeste da Europa) até a Índia, passando pelo Egito.
 Embora não haja grandes registros históricos desse império, pois as civilizações posteriores não os preservaram como deveria (a não ser pelos escritos deixados por Calístenes de Olinto, historiador, e Ptolomeu, general do exército de Alexandre e que governou o Egito), sabe-se que o Império Macedônio foi responsável por difundir a cultura grega, naquilo que se denominou de período helenístico. O helenismo foi a concretização de um ideal de Alexandre em levar a cultura grega aos territórios que conquistava. Na época foram fundadas várias cidades de cultura grega, destacando-se Alexandria e Antioquia, capitais do Egito ptolemaico e do Império Selêucida, respectivamente.[2: Alexandre, O Grande. 2010, Pierre Briant. L&PM Pocket Encyclopaedia.]
 Politicamente, foi um período marcado pela transição de domínio e apogeu Macedônio, para o domínio e apogeu do maior de todos os impérios: o de Roma. Fato que se concretizou com a anexação da península grega à Roma, em 147 a.C. O grande Império Romano, instaurado entre 27 a.C. até 476 d.C, foi marcadamente politizado e, certamente, o mais duradouro e mais organizado de todos. Roma estendeu suas fronteiras territoriais desde a Mesopotâmia (atual Iraque) até a Bretanha (atual Reino Unido) e do Egito até a Península Ibérica. [3: A Roma Antiga não se limita politicamente ao Império, uma vez que o Império Romano foi apenas uma das três fases administrativas do Estado Romano. Compreende-se, pois, que sua fundação se deu no Século VIII a.C., com um sistema Monárquico, cujo primeiro rei foi Rômulo, no ano de 753 daquele tempo. Tal fase foi sucedida pelo sistema Republicano em 509 a.C. Na fase republicana, o Senatus Consultus prevalecia como centro político das decisões. Só em 27 a.C., Roma entra em sua 3ª fase administrativa: o Império, que estendeu seus domínios do Ocidente ao Oriente.]
 Os romanos deixaram um legado político, econômico e social de enorme relevância para humanidade, muitas vezes copiados pelas civilizações posteriores. Mas foi com os institutos jurídicos que Roma mais influenciou o direito moderno, sobretudo, no que diz respeito aos Direitos Reais, incluindo Posse, Propriedade, Servidão, Usufruto e o instituto da Usucapio.
 No início da fase imperial as relações privadas eram reguladas pela a antiga Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim Tabularum), criada ainda na fase romana da República. A lei era assim chamada porque foi, literalmente, entalhada em doze pedaços de argila. Seu texto original se perdeu no incêndio que destruiu o Fórum Romano, durante a invasão dos Gauleses, em 390 a.C., porém seus fragmentos puderam ser recuperados e, segundo estudos feitos pelo romanista brasileiro SÍLVIO MEIRA, a Tábua VI era destinada a regular a propriedade, com mandamentos do tipo: “As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano (...) A coisa vendida, embora entregue, só será adquirida pelo comprador depois de pago o preço.” [4: Curso de Direito Romano, Saraiva, 1975, pg. 85.]
 Mas a primeira e mais importante organização legislativa do Império Romano foi realizada por Justiniano, em 529 d.C, já na fase do Baixo Império, também chamada de Antiguidade Tardia. Ali o mundo conheceu o poder legislativo de Roma. Justiniano, que assumiu o trono do Império Romano do Oriente, também denominado de Império Bizantino, organizou o maior de todos os conjuntos de regras públicas e privadas já vistos na história; o Corpo de Direito Civil (Corpus Iuris Civilis), assim composto: o Digesto, compilação de fragmentos de leis, elaborada pelos jurisconsultos clássicos; as Institutas, manuais explicativos do Digesto; o Codex, composto de 12 livros subdivididos em títulos. (As constituições estão ordenadas em cada título por ordem cronológica, como nos códigos anteriores. Os Livros III a VIII tratam do direito privado, principalmente sobre Posse e Propriedade) e, por último, as Novelas, novas regras incorporadas ao Codex como “novas constituições” (Nouellae constitutiones).
 
 Foi com essa imensa obra regulatória que Roma tornou os sistemas jurídicos vindouros invariavelmente submissos aos seus enunciados. Mesmo o sistema Anglo-Saxônico rendeu-se à sistemática Romano-Germânica, sobretudo, quanto à regulamentação da posse e propriedade.
 Tanto no período helenístico, quanto no período romanístico, a Posse era instituto mais alcançável para o homem comum (Plebeu), do que a Propriedade, que se concentrava nas mãos do Estado, da Igreja, ou da Nobreza. Como bem lembrado por CARLOS ROBERTO GONÇALVES [5: Direito Civil Brasileiro, Saraiva, 2011, Vol. V, pgs. 29 e 30.]
A origem da posse é questão controvertida, malgrado se admita que em Roma tenha ocorrido o seu desenvolvimento (...) Costumavam os romanos distribuir aos cidadãos uma parte dos terrenos conquistados e reservar para a cidade a parte restante. Comoas constantes vitórias dessem a Roma grandes extensões de terras, resolveu-se conceder aos particulares a fruição destinadas às cidades(...) 
 Entretanto, apesar do estupendo feito legislativo romano, o direito ali não se ocupou de perscrutar a natureza jurídica da posse, tendo-se limitado à compreensão de que, na posse, haveria um exercício de poder fático, e não de domínio, como na propriedade. Ou seja, o possuidor teria o direito de dispor da coisa como exercício superficial de sua relação jurídica, como se dono fosse. Mas, nem por isso, deixou de protegê-la e classificá-la, como leciona o professor emérito de Direito Romano, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Antônio Santos Justo: [6: - A base romanista do direito luso-brasileiro das coisas (algumas figuras jurídicas). Instituto de Direito Comparado Luso-brasileiro, n. 37, p. 67–96, 2009.]
A posse foi, no direito romano, uma figura particularmente complexa, protegida por interdicta ditos possessórios que, sem envolverem o reconhecimento de direitos reais sobre uma res, asseguravam a paz social, fazendo cessar imediatamente os actos que perturbassem (vi, clam, precario) uma mera situação de facto e mesmo uma situação juridicamente protegida (...) Na época clássica, a posse foi considerada um poder de disposição de facto sobre uma res que o possuidor exercia com a intenção de lhe pertencer. Não se confundia com o poder de dispor juridicamente (dominium ou proprietas), embora se considerasse ora uma imago dominii, ora uma presunção de propriedade, ora o estado de facto da propriedade ou a sua aparência extrínseca e visível. Os jurisconsultos romanos tiverem sempre presente a diferença e as afirmações “separata esse debet possessio a proprietate” e “nihil commune habet proprietas cum possessione” mostram o cuidado que tiveram no afastamento da confusão entre fenómenos que aparentemente se correspondem. Simplesmente, o carácter eminentemente casuístico da ciência jurídica (iurisprudentia) avessa à especulação filosófica e à elaboração de definições e teorias gerais, explica que os jurisconsultos romanos não se tenham interessado com a problematização da natureza da posse, embora haja, no seu regime jurídico, aspectos que tanto favorecem a posição de quem a considera um poder de facto que se converteu num direito, como a de quem entende que se trata dum verdadeiro ius (...) Finalmente, o direito romano distinguiu a posse (possessio civilis) da detenção (possessio naturalis), e a posse iusta da posse iniusta (dita vitiosa ou improba) que sofria de algum dos tria vitia possessionis: violência (vi), clandestinidade (clam) ou precaridade (precario). Considerou, como modos de aquisição, a ocupatio, a traditio (que podia ser simbólica) e criou a figura do constituto possessório. Exigiu que o possuidor tivesse capacidade de entender e de querer. Acabou por admitir a possibilidade de a posse ser adquirida por intermédio de um terceiro e protegeu-a através de interdicta, ditos retinendae possessionis e recuperandae possessionis, destinados, respectivamente, a proibir a perturbação e proporcionar a sua recuperação.
 1.2 A Posse no período do Feudalismo
 Após a queda do Império Romano, período que marca o início da Idade Média, surge um novo sistema político-econômico predominante até o início da Idade Moderna, e que tinha por base a posse direta, por colonos, de terras concedidas pelo Rei ou pelos Nobres, em troca de proteção militar e de um espaço para morar; surge o Sistema Feudal. 
 O Feudalismo, como passou a ser chamado o período compreendido entre o século V e o século XV, consistiu num sistema de exploração entre Suseranos (Senhor Feudal) e Vassalos (Servos ou Colonos), pelo qual o Senhor Feudal permitia que as terras em volta de seu castelo fossem cultivadas pelos Servos como áreas de plantio. Pelo contrato entre eles, o Servo deveria trabalhar nas terras, pagando elevados impostos, prestando-lhe juramento de fidelidade para, em troca, receber parte da colheita, de um espaço para se fixar com a família e de proteção contra os ataques bárbaros.
 Como observa PIETRO BONFANTE:[7: Corso di Diritto Romano, 1933, V.III, pg. 27. Bosh editora.]
O feudo se dividia em três partes distintas: a propriedade individual do senhor, chamada manso senhorial ou domínio, em cujo interior se erigia um castelo fortificado; o manso servil, que correspondia à porção de terras arrendadas aos camponeses e era dividido em lotes denominados tenências; e ainda o manso comunal, constituído por terras coletivas, pastos e bosques, usadas tanto pelo Suserano quanto pelos Vassalos. 
 Tratava-se de relação extremamente expropriatória, pois o Servo tinha apenas a autorização para usufruir de parte da terra, numa posse direta sem justo título, sendo obrigado a entregar ao Senhor Feudal todo excesso da produção, sem nenhuma garantia de título futuro de Propriedade, podendo ser alijado dos domínios do feudo a qualquer momento. 
 1.3 A Posse no apogeu da Igreja
 Outra grande rede social que se aproveitou do período feudal para avantajar suas riquezas e estender seus domínios territoriais foi a Igreja Católica Apostólica Romana. O Clero, durante quase toda a Idade Média, estava associado ao Rei, por um lado, buscando nele a proteção militar do Estado, por outro, utilizando-se das mazelas provocadas pelo seu sistema de governo para arrebanhar almas desesperançosas. Foi no período feudal que a Igreja mais adquiriu terras e instituiu latifúndios, inclusive com a instituição da Enfiteuse, com a qual amealhava ad seculorum as benesses do laudêmio ou da taxa de aforamento. 
 As pregações do Clero sobre os Reis, de que seriam pessoas enviadas de Deus para governar o Estado, fez com que fortificassem as relações políticas entre as duas instituições. Homens enriquecidos e preocupados com as formas de pilhagens com que tinham conseguido as suas fortunas, e desejosos de salvar-se, antes de morrer, doavam terras à Igreja; outros achavam que a Igreja realizava obras de caridade assistindo doentes e pobres, e desejando participar destas obras, lhes doavam terras também; além deles, nobres e reis criaram hábitos de doar partes das suas pilhagens à igreja, em consequência da lei das indulgências. Por estes e outros meios a igreja tornou-se a maior proprietária de terras da Europa, levando os bispos e os abades a se escalonarem na estratificação feudal da mesma forma que a nobreza.
 O episódio mais marcante do período feudal, envolvendo a ânsia de Igreja por riqueza, ocorreu no período de declínio do feudalismo, no final da Idade Média. Visando a construção de uma obra faraônica, a Basílica de São Pedro (atual sede da Igreja Católica no Vaticano), o Papa Leão X investiu de autoridade o padre alemão Johann Tetzel, (1465 a 1519 d.C.) para que criasse um método eficaz de arrecadação de doações. O padre, então, faz chegar ao conhecimento dos nobres e dos reis, que as doações para construção da basílica consistiam num ato de devoção e fé cristã, pelo que, a Igreja concederia a indulgência (perdão) dos pecados que houvessem cometido. 
 Surge aí o famoso episódio da venda de indulgências, que, segundo os historiadores, teria influenciado a Martinho Lutero publicar suas 95 teses, documento contendo pesadas críticas aos rituais da Igreja, que mais tarde seria conhecido como movimento da Reforma Protestante. 
 Para se ter uma ideia atual das posses e propriedades da Igreja Católica, basta observar os números divulgados em 2006 pela revista semanal italiana “L'Espresso”. Na edição de outubro daquele ano, pg.12, com o título Que tesouro de Papa!, A revista revelou que o patrimônio imobiliário do Vaticano estava avaliado em € 450.000.000,00 (quatrocentos e cinquenta milhões de Euros), e destacava, no texto, que era avaliação feita “pelo valor do cadastro, que é muito inferior ao de mercado”.
 Segundo o periódico, a administração deste patrimônio imobiliário fez a Igreja Católica render, só de aluguel, umlucro líquido de € 32.300.000,00 (trinta e dois milhões e trezentos mil Euros) no ano de 2005, com € 59.300.000,00 (cinquenta e nove milhões e trezentos mil Euros) de faturamento total. O semanário explica que houve algumas vendas, mas a maior parte da renda vem dos aluguéis ou da apuração de laudêmios sobre terrenos foreiros. 
 1.4 A Posse no período das Grandes Navegações 
 Outros tantos impérios surgiram com base na conquista de territórios, como o império mulçumano Turco-Otomano (1299 a 1922 d.C.), o Ibérico, entre Portugal e Espanha (1580 a 1640 d.C), o Napoleônico (1804 a 1815 d.C.) e o Austro-Húngaro (1867 a 1918 d.C.). Desses, destaca-se o Império Ibérico, não só por ter levado ao descobrimento histórico do Brasil, mas pela tecnologia de navegação empregada pela aliança imperialista, que resultou não só na conquista de novas terras, mas na hegemonia no uso das águas internacionais. 
 Três são os fatores, notabilizados pelos historiadores, que justificaram a aliança de Portugal e Espanha na formação do Império Ibérico: a) A queda de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos, em 1453 d.C., como consequência da guerra dos cem anos. Cogita-se que o comércio do Ocidente com o Oriente se tornou mais difícil, sendo basicamente dominado pelos países da chamada Península Itálica, fato que teria incentivado a criação de novas rotas comerciais pelo mar, que partiam do mar Báltico e do mar do Norte e chegavam ao Mediterrâneo; b) A busca por novos mercados, em razão da necessidade de expandir os domínios territoriais e, principalmente, em busca de metais preciosos e especiarias e; c) O desenvolvimento tecnológico da indústria naval, resultado direto no avanço da ciência náutica, sobretudo pela proeminente Escola de Sagres, com sede no sul de Portugal, aliada à força militar da Esquadra Espanhola, em maior número de embarcações.
 A história mostra que esse foi o período onde mais os reis e imperadores indexaram territórios ao patrimônio de seus Estados. Países inteiros, como o Brasil, por exemplo, passaram a integrar a estrutura geopolítica de Portugal; conquistas estas que, em alguns lugares, se deram com mais resistências do que em outros.
 No caso específico do Brasil, apesar de Portugal ter enfrentado pouca resistência, uma vez que os índios nativos foram, inicialmente, receptivos aos encantos dos membros alienígenas da esquadra portuguesa, inclusive com a sedução do escambo de mercadorias nobres européias, coisas que os índios jamais haviam visto, houve mesmo grande dificuldade na administração do novo território.
 Dois fatores contribuíram para a dificuldade de administrar a Terra de Vera Cruz: primeiramente, não havia recursos da Coroa para explorar e gerir um país do tamanho do Brasil, apesar de não conhecerem, até então, a dimensão territorial brasileira, mas já tinham ideia de que seria uma terra muito maior do que Portugal, como descrito na carta de Pero Vaz de Caminha: [8: Carta a El Rei D. Manuel, Dominus, São Paulo, 1963]
(...) a 21 de abril, neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! As terras que se avistam se agigantam aos nossos olhos (...) Sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e tinha seis a sete braças de fundo. E entraram todas as naus dentro, e ancoraram em cinco ou seis braças - ancoradouro que é tão grande e tão formoso de dentro, e tão seguro que podem ficar nele mais de duzentos navios e naus (...)
 
 Depois, o descobrimento do Brasil surgiu de um erro na leitura das cartas de navegação. A rota a ser seguida, na realidade, deveria cruzar o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul e ir em direção à Índia. Portanto, a Coroa não se interessou, naquele momento, em investir nas terras brasileiras, ordenando que as naus de Cabral seguissem para Calicute, na Índia. A solução encontrada por Portugal para não deixar sua nova descoberta à deriva de novos invasores, e numa tentativa de administrá-la provisoriamente, foi enviar outras embarcações para povoamento, composta pela pequena nobreza de Portugal, dos quais destacaram-se Martim Afonso de Sousa, Fernando de Noronha e Duarte Coelho Pereira.
 Mas a Espanha passou a reclamar a posse conjunta do continente americano, então recentemente descoberto por Colombo. Então, os reis dos dois países optaram por dividir o continente ao meio com uma linha imaginária que estabelecia a divisão das áreas de influência dos países ibéricos, cabendo a Portugal as terras "descobertas e por descobrir" situadas antes da linha imaginária que demarcava 370 léguas (1.770 km), a oeste das ilhas de Cabo Verde, e à Espanha, as terras que ficassem além dessa linha. Paratanto, firmaram o chamado Tratado de Tordesilhas, em 1494.
 Tendo por base a referida divisão meridional, D. Manuel I (1495 a 1521 d.C.) determinou que o país fosse dividido em quinze grandes lotes no plano horizontal, partindo-se da linha imaginária e extendendo-se até o litoral. Após a divisão, a Coroa doou os lotes a particulares (chamados de donatários), com direito a transmissão por herança, até que a Coroa as pedissem de volta, num sistema que ficou conhecido como Capitanias Hereditárias.
 O sistema havia sido implantado com sucesso nas ilhas dos Açores e Cabo Verde e possibilitou a Portugal manter o controle da terra, sem investir recursos do tesouro. Neste sistema, a relação era de posse direta com direito à sucessão, mas sem garantia de usucapir, pois os fundos de domínio continuavam sendo da Coroa Portuguesa. O vínculo jurídico entre Portugal e cada donatário era estabelecido em dois documentos: a Carta de Doação e a Carta Foral.
 A Carta de Doação atribuía ao donatário a posse direta da terra com a constituição de uma sesmaria (instituto semelhante à enfiteuse) de dez léguas de costa. Pelo sistema, a terra devia ser povoada e produzida. Portanto, o donatário se obrigava a fundar vilas, distribuir terras a quem desejasse, cultivá-las e construir engenhos. Para isso, exercia plena autoridade no campo judicial e administrativo com direito a nomear funcionários e aplicar a justiça. A Carta Foral, por sua vez, tratava dos tributos a serem pagos pelos colonos. Definia ainda, o que pertencia à Coroa e ao donatário. Se descobertos metais e pedras preciosas, 20% pertenceriam à Coroa e, ao donatário caberiam 10% da lavra. [9: A Sesmaria era uma variante do avoengo instituto romano da Enfiteuse. Nos dois casos, o que se transferia era o domínio útil do bem, não a propriedade propriamente dita, que permanecia ao titular do domínio pleno. E nos dois casos havia a obrigação do titular do domínio útil (o sesmeiro e/ou o enfiteuta) pagar ao de domínio pleno, uma compensação foreira. Só que a diferença entre os dois institutos reside exatamente aí. Enquanto na Enfiteuse o pagamento era feito em dinheiro, na Sesmaria, o pagamento se dava através do resultado da plantação e produção da terra. ]
 1.5 A Posse dos mares territoriais
 Uma consequência natural das grandes navegações foi estabelecer novos marcos regulatórios para o acesso às águas dos oceanos. Por assim dizer, ele foi o responsável pelas atuais regras de Posse e Propriedade náuticas, conferindo a ideia de águas privadas, águas públicas nacionais e águas públicas internacionais. Por meio de diversos acordos firmados ao longo dos séculos, estabeleceram-se limites territoriais de cada nação conferindo-se 12 milhas náuticas para todos os países costeiros e uma zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas, que inclui o direito de se controlar a pesca, a proteção do meio ambiente marinho e a pesquisa científica (Uma milha náutica equivale a 1.852 metros).
 Segundo estudos da Associação Internacional do Direito das Águas Internacionais:[10:Publicados na revista National Geographic, Edição nº 346, pg. 15, 2007.]
Na Convenção do Mar, realizada em 1982, definiram-se todas as delimitações jurídicas em relação aos oceanos, incluindo os direitos em alto mar e as regras para governar as jazidas minerais descobertas no fundo do mar, fora das jurisdições nacionais.
 A partir das grandes navegações, o mar territorial passou a receber a atenção dos países, tanto quanto seus próprios territórios e, a partir destas invasões territoriais pelos mares, os países começaram a repensar as dimensões de suas terras e a reforçar suas fronteiras.
 Dentro do mar territorial, o Estado costeiro dispõe de direitos soberanos idênticos aos de que goza em seu território e suas águas interiores, para exercer jurisdição, aplicar as suas leis e regulamentar o uso e a exploração dos recursos. Entretanto, as embarcações estrangeiras civis e militares têm o direito de passagem em tempos de paz e desde que não violem as leis do Estado costeiro, nem constituam ameaça à segurança.
 No caso do Brasil, o mar territorial, também chamado de “Amazônia azul” ou "Território Brasileiro Marítimo”, é uma área de aproximadamente 4,5 milhões de quilômetros quadrados, estendendo-se do extremo norte do Amapá, divisando com a Guiana Francesa, até o extremo sul do Rio Grande do Sul, divisando com o Uruguai e avançando sobre o mar em 12 milhas náuticas, o equivalente a aproximadamente 23km, de Zona Continental (ZC), e 200 milhas náuticas, equivalente a 370km de uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Nesta área estão localizados o Atol das Rocas, o arquipélogo de Fernando de Noronha e demais formações ístimicas.
 É desta zona territorial que o Brasil retira grande parte de suas riquezas marinhas, sobretudo, aquelas exploradas pela Petrobrás, que extrai, em números atualizados, 2,5 milhões de barris de petróleo e gás natural, diariamente, tendo ainda, por explorar, um potencial de 15 bilhoes de barris de petróleo, com a descoberta da camada de pré-sal, na plataforma continental da Baía de Santos. Estes números colocam o Brasil na posição de autossuficiência na exploração e produção de petróleo e seus derivados. 
 Para arrematar o raciocínio, graças ao Império Ibérico e suas explorações marítimas, é que países como o Brasil ressalvam assim os seus interesses constitucionais sobre o território, in verbis: 
CF/88 - Art. 20. São bens da União:
(...)
VI - o mar territorial;
(...)
§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
2. A luta pela Posse na história do Brasil - No que se refere ao assunto Posse e Propriedade no Brasil, não se poderia deixar de mencionar três grandes referenciais históricos que interferiram imperiosamente na conformação jurídica atual: 1º) o Esbulho das Terras Indígenas pelo processo de Colonização; 2º) a Independência de Portugal e a Proclamação da República e; 3º) o fracasso das Políticas Públicas de Reforma Agrária e o surgimento de movimentos sociais de invasão de terras particulares.
 2.1 O Esbulho das Terras Indígenas pela colonização
 Questão tormentosa é falar do esbulho da posse indígena pelos colonizadores que aqui chegaram sem maiores cerimônias. Tormentosa não por ser questionável que o fato tenha ocorrido, uma vez que os registros históricos revelam que os portugueses ignoraram qualquer relação de posse indígena, anterior à descoberta, consoante aponta SIEGMUND ULRICH KAHN:[11: As Capitanias Hereditárias, O Governo Geral, o Estado do Brasil. Artigo publicado na Revista Ciência Política, Vol. 6, nº. 02, pgs. 53-114, abr./jun, 1972]
 
A Coroa Portuguesa tomou posse do território brasileiro por aquisição originária, isto é, por direito de conquista. Por essa razão, todas as terras ‘descobertas’ passaram a ser consideradas como terra virgem sem qualquer senhorio ou cultivo anterior. A carta patente dada a Martim Afonso de Souza é unanimente considerada como o primeiro documento sobre sesmarias do Brasil.
 A discussão incide sobre a questão jurídica. Afinal, o número de nativos indígenas, à época do descobrimento, era significativo para justificar o raciocínio de que teriam a posse do território nacional? E, ainda que fosse significativo, ele seria a representação de um povo inserido num território, com estrutura de governo? Ou seja, haveria Estado?
 A Coroa Portuguesa entendeu que não, decretando o território como virgem! E o fato de não ter sido contestada nem interna, nem internacionalmente, favoreceu e ratificou os atos de apossamento. Como dito alhures, a Espanha não questionou a anexação do território pelos portugueses, apenas protestou pela sua parte, tendo em vista a parceria que estabeleceram com as navegações, como já apontado. E do ponto de vista interno, a forma receptiva dos nativos, incrédulos no que presenciavam, extasiados, aceitaram passivamente o esbulho em razão do escambo de mercadorias. 
 
 Tal circunstância está ricamente descrita na carta de Pero Vaz de Caminha, a respeito dos homens que aqui avistou ao desembarcar: [12: Arquivo Nacional de Portugal, livro 13, fls. 43. Torre do Tombo, Lisboa.]
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro (...) Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel (...) A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência (...) Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
 
 A redação descritiva, de inegável originalidade, aponta então para existência dos povos indígenas, mas a eles, os portugueses não lhes deram cabimento; não reconheceram valores, nem seu direito à terra. Ignoraram a forma social, política e econômica como se constituíam, e a não resistência nativa os reduziu à condição análoga a dos escravos romanos. Desde então, os índios têm sido alvos fáceis da civilização forçada e da ação de garimpeiros, latifundiários, empresários do cultivo cereal, fazendeiros, grileiros de terra etc. 
 Casos famosos entraram para a história do país, como a guerra guaranítica, em 1756, que dizimou os povos indígenas da nação guarani, que habitavam o sul do Brasil. Na época, Portugal e Espanha firmaram o Tratado de Madri (1750) que objetivava substituir o Tratado de Tordesilhas e dividir as colônias portuguesas das espanholas. O diploma consagrou o princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita possideatis(quem possui de fato, deve possuir de direito), delineando os contornos aproximados do Brasil de hoje. Pelo tratado, decretou-se a permuta da Colônia do Sacramento, no norte do Uruguai, pelo território dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul.[13: Julio Quevedo em: A Guerra Guaranítica. Ed. Ática. São Paulo. 1999.]
 Com a notícia da troca, os povos guaranis da região resistiram à determinação das superpotências e se lançaram numa guerra de resistência. O resultado previsível foi a dizimação da nação, com mais de 3.000 (três mil índios mortos). Somente na batalha de Caboiaté morreram 1.500 índios, inclusive, o seu líder Sepé Tiaraju.[14: Assis Brasil em: Batalha de Caiboaté. Porto Alegre. Ed Livraria do Globo 1957]
 Em 1937, outro conflito indígena ficou famoso: o Massacre do Rio Cururupe. O governo da Bahia mandou construir uma ponte de acesso sobre o Rio Cururupe, em Ilhéus, permitindo a passagem por dentro das terras dos índios Tupinambá de Olivença, que embora não estivessem demarcadas, eram ocupadas de há muito pelos seus ancestrais. Houve reação contra a construção da ponte e os índios se apoderaram dos equipamentos de construção. O governo, então, reagiu enviando tropas que acabaram matando dezenas de índios. Segundo a antropóloga MARIA HILDA PARAÍSO: [15: Os índios na área dos Coronéis. Dissertação de Mestrado USP, pg. 32.]
A construção da ponte sobre o Rio Cururupe teve reflexos graves aos índios de Olivença (...) a reação dos ‘caboclos’ de Olivença terminou por se processar em 1929, sob o comando de Marcelino, o seu líder. Argumentando a necessidade de recuperar as terras perdidas e de expulsarem os atuais ocupantes das antigas aldeia (...) Nunca houve um julgamento.
 Na década de 60, um decreto do presidente Jânio Quadros amenizou, de certo modo, a animosidade criada pelos conflitos dos índios com os fazendeiros e garimpeiros. O Decreto nº 50.455, de 14/04/1961, depois regulamentado pelo Decreto nº 51.084, de 31/07/1961, homologou o projeto de criação da primeira reserva indígena do país, denominada de Parque Indígena do Xingu, o maior da América Latina. Apesar da criação do parque por uma norma governamental, a ideia de criação foi de sociólogos e antropólogos pesquisadores da condição dos índios no Brasil. Sua demarcação e organização administrativa foi, em grande parte, mérito dos irmãos Villas-Bôas, tendo Orlando Villas-Bôas sido nomeado o administrador da reserva.
 Com quase 3.000.000 Hec. (três milhões de hectares), equivalentes a 27.000km², o parque fica situado na região nordeste de Mato Grosso, extremando com o sul do Pará e abriga mais de 5.000 (cinco mil) índios de 14 (quatorze) etnias, com 4 (quatro) línguas diferentes. Foi um grande passo para o reconhecimento do direito natural à terra que as nações indígenas possuem.
 Ato contínuo, o Congresso Nacional aprovou, em 1967, a Lei nº 5.371, que criou a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), tendo como um dos objetivos centrais, segundo seu artigo 1º, inciso II, a garantia da Posse permanente das terras habitadas por índios, bem como, o usufruto exclusivo de seus recursos naturais. Mas a FUNAI, até hoje, é órgão com dotação orçamentária limitada.
 Pela inércia da FUNAI, a década de 80 foi marcada por novos conflitos de terra, que viraram notícias na imprensa nacional e internacional, sobretudo aqueles protagonizados pelas tribos Caiapós, lideradas pelo Cacique Raoni. Os conflitos estão dentre os mais sangrentos da história do país; foram quatro ao todo, com mais de 150 (cento e cinquenta) mortos. O mais lembrado foi o ocorrido no município de Conceição do Araguaia, em 1985. [16: 27º fascículo do Anuário Pará 2008, Jornal O Liberal.]
 Os índios, então, passaram a ganhar destaque no cenário político nacional. Muitas leis passaram a tutelar os interesses das várias tribos e nações espalhadas pelo Brasil, tendo como baluarte a Lei nº 6.001/73, que instituiu o Estatuto do Índio, culminando com a eleição do Xavante Namurunjá, Mário Juruna para Deputado Federal.
 E apesar da atual constituição da República ser referência mundial na proteção do povo indígena, como se observa a seguir, nada mudou na prática:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
 Ao contrário. Segundo dados estatísticos recentes, o número de assassinatos de índios por invasores de terras indígenas aumenta a cada ano, como divulga o relatório do Conselho Indigenista Missionário publicado em seu site oficial [17: http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=3564&eid=293]
Na atualidade, mais da metade das terras não tem concluídos os procedimentos de demarcação, apesar do grande empenho e da incansável luta protagonizada pelos povos indígenas. Na contramão desta luta residem os interesses de empresários, latifundiários, mineradoras, governos e políticos com interesses econômicos nestas terras, que promovem conflitos e perseguições, patrocinam violências e assassinatos, insuflam a população contra os interesses indígenas. Em 2007 foram assassinadas 92 pessoas e neste ano de 2008 já foram mortos 51 indígenas, muitos em função da luta pela terra. Infelizmente vemos ainda situações de grave violação e desrespeito aos territórios indígenas. Uma das situações mais graves é a dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que continuam submetidos a um processo de genocídio por estarem confinados em pequenas porções de terra, numa média de menos de um hectare por pessoa.
 Um grande exemplo de que os direitos possessórios indígenas são ignorados desde o descobrimento, armando cenários para conflitos sangrentos permanentes, como um nervo exposto, é o caso da reserva Raposa Serra do Sol, julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Mais uma vez, a polêmica gira em torno da demarcação de reserva indígena. Os índios daquela região ocupam a terra do extremo nordeste de Roraima desde sempre, embora os registros comprováveis sejam do Séc.XVI.
 A terra da região é quase toda plana e brejeira,excelente para o cultivo de arroz. Também há registro de presença de ouro e outros minérios. Por tais condições, ao longo dos séculos, a região foi sendo ocupada também por rizicultores (como são chamados os fazendeiros cultivadores de arroz) e por garimpeiros. Muitos a ocuparam de boa-fé, sem o conhecimento de se tratar de terra indígena, até porque nunca houvera sido demarcada. No início do Séc. XX começam a surgir os primeiros confrontos dos índios com os não índios. 
 Em 1917, o governo do estado do Amazonas editou a Lei Estadual nº 941, destinando as terras compreendidas entre os rios Surumu e Cotingo para a ocupação e usufruto dos índios Macuxi e Jaricuna, o que gerou o estopim dos primeiros protestos dos fazendeiros e mineradores da região.
 Ao longo do Séc. XX muitos Grupos de Trabalho (GT), da FUNAI, foram organizados para estudar a área e encontrar um meio termo para demarcação da reserva. Mas os estudos só foram concluídos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, que, naquele ano, editou, através do Ministério da Justiça, a Portaria nº 820/98, declarando como de posse permanente a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com superfície aproximada de 1.678.800 Hec. (equivalente a 17.000km²).
 
 Na época já ocupavam a região cerca de 16.400 (dezesseis mil e quatrocentos) índios, distribuídos por 7 (sete) etnias, em 90 (noventa) aldeias, além de 2.000 (dois mil) agricultores e pecuaristas, segundo dados da FUNAI.[18: Relatórios Sintetizados e Documentos Finais das Conferências Regionais dos Povos Indígenas. FUNAI, 2004.]
 A portaria demarcou a terra de forma contínua (contígua), não levando em conta as propriedades ali já constituídas, nem as plantações, nem muito menos os que lá já se haviam estabelecido, inclusive com posse de justo título, ou escrituras públicas de domínio.
 
 Para dar cumprimento à portaria, a Polícia Federal montou uma operação de guerra para retirar das terras os arrozeiros e posseiros em geral, porém não conseguiu implementar a medida, pois o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão de todas as medidas de recuperação da terra, até o final do julgamento da ADin nº 3388, movida pelos senadores de Roraima.
 Num cenário épico, em que tiveram assento nas tribunas do STF, de um lado, os índios, e do outro, os interesses econômicos, representados pelos não índios, os ministros daquela Corte julgaram improcedente a ação intentada pelos interessados na demarcação não contínua da reserva e mantiveram a demarcação contínua, como homologada pelo Governo Federal em 2007.
 
 Entretanto, o Supremo estabeleceu 19 (dezenove) condições para o cumprimento da demarcação, a serem obedecidas por todas as partes atingidas pela decisão (índios, não-índios e os governos federal e estadual de Roraima), dentre as quais destacamos:
1ª - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica, sempre que houver, como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal), relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2ª - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional; 
3ª - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa das riquezas naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
4ª - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
5ª - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional, à instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas e à Funai. É o livre trânsito das Forças Armadas e o resguardo das fronteiras;
(...)
14ª - É vedado negócio jurídico relacionado a terras indígenas, assim como qualquer ato que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos indígenas; 
(...)
17ª - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
 Este é, pois, o legado da colonização portuguesa, que ao ignorar o direito possessório indígena, preexistente à descoberta, contaminou as administrações posteriores que, secularmente, também ignoraram tal direito, restando ao judiciário intervir quando necessário; e tem sido sempre necessário. 
 2.2 O rompimento com a Coroa Portuguesa e a Proclamação 
 da República
 Após a instituição das Capitanias Hereditárias, a Coroa Portuguesa começou a enfrentar crise no modelo administrativo, tendo em vista que as dimensões do Brasil tornou-se obstáculo para tomada de decisões em tempo hábil. O fato de não haver governo central e as distâncias entre as capitanias tornavam difícil qualquer missão de interação entre elas. Com isso, as terras ficavam mais vulneráveis às ações de corsários estrangeiros e permitiam a reação dos escravos e dos índios. Além disso, os donatários sofriam com falta de estrutura nos lotes e com a adaptação ao novo clima, vegetação e alimentação.
 Em 1759, o Marques de Pombal deu o primeiro passo para o fim do sistema de capitanias, abolindo a sua transmissão hereditária. O sistema como um todo, no entanto, caiu em 1821, transformando as capitanias em Províncias, posteriormente, Conselhos e depois Estados. 
 No início de Setembro de 1822, o Brasil se torna politicamente independente da Coroa Portuguesa e, efetivamente, passa a adotar um sistema colonial mais aberto, menos interventor, admitindo o apossamento e a constituição de novos direitos proprietários, como bem observou AMÉRICO LACOMBE:[19: Capitanias Hereditárias. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1978, pg. 232.]
O povo, de um modo geral, que tinha direitos adquiridos sobre terras e lavouras recebeu seus títulos, e até os escravos, libertados mais tarde pela Lei Áurea, puderam adquirir Posses e Propriedades, registrando seus títulos nas conservatórias locais.
 Durante toda a fase imperial e, até mesmo, depois da proclamação da República, em 1889, as relações jurídicas de Posse e Propriedade eram reguladas pelas Cartas Régias e pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas. Tomando por base esta última, mais duradoura e que só foi revogada pelo Código Civil de 1916, relata-se assim a compreensão jurídica da época sobre o direito de Posse alheia e Posse de terras da Coroa:[20: Livro IV, Títulos LIV e LV, redação adaptada à ortografia corrente.]
Se o senhor da coisa, estando em sua posse, a emprestou, alugou ou arrendou, por conta própria, a outrem, por tempo certo, e passado esse tempo, demandar pela recuperação da coisa, aquele a quem se emprestou, alugou ou arrendou, não poderá alegar a posse da coisa por aquisição de justo título e ficará, em todo caso, obrigado a entregar a coisa que recebeu emprestada, alugada ou arrendada (...) As terras da Coroa e os assentamentos do Rei, não podem ser penhorados ou gravados de obrigações.
 
 Percebe-se, naquela legislação, a proteção possessória sobre os bens de raiz, principalmente, quando referidos aos bens do Estado ou do Rei, o que hoje reflete o consenso jurídico e legal de que as terras ou eram privadas ou públicas, considerando a divisão dogmática de origem romana, em Direito Público e Privado, que alguns atribuem a ULPIANO: "Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem", que em bom português significa: "O direito público diz respeito ao estado da coisa romana; o privado à utilidade dos particulares".[21: Digesto 1.1.1.2]
 Portanto, a declaração de independência, constituindo-se num rompimento políticocom o Estado português, serviu também para romper as amarras jurídicas e institucionais com Portugal, pondo-se fim às Capitanias Hereditárias, às Sesmarias e às Ordenações, mudando a face jurídica das relações de Posse e Propriedade, embora suas bases teóricas tenham-se mantido inalteradas até hoje.
 A fase seguinte, de transição entre Monarquia e República, também interfere, sobremaneira, nas relações de Posse e Propriedade, uma vez que, o que era do Estado Português passou a ser do Estado Brasileiro e o que eram Posses e Propriedades do Rei, como os assentamentos públicos, por exemplo, passaram a ser Bens Públicos do Estado Brasileiro, em suas variantes de uso especial ou de uso comum do povo.
 A despeito disso, a constituição monárquica de 1824, outorgada por D. Pedro I logo após o ato liberatório, definia assim a relação de soberania das terras do Império: 
Art. 1. O império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre e independente, que não admite com qualquer outra, laço algum de união ou federação, que se oponha à sua independência.
Art. 2. O seu território é dividido em províncias na forma em que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas como pedir o bem do Estado.
 Com a proclamação da República, o Estado muda a ótica de soberania das terras nacionais e de seu poder político, designando que:
Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil. 
Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte. 
Art 3º - Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a futura Capital federal. 
Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado. 
Art 4º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante aquiescência das respectivas Assembleias Legislativas, em duas sessões anuais sucessivas, e aprovação do Congresso Nacional. 
 Bem se vê que a noção imperial de que as terras brasileiras ainda se submeteriam às vontades do soberano Imperador D. Pedro I, que detinha poder de determinar sua utilização, passaram a ser autônomas e desvinculadas na primeira constituição republicana. Com isso, as relações jurídicas de Posse e Propriedade sofreriam modificações com a edição do Código Civil de 1916.
 Antes do Código de 1916, porém, ainda em 1850, foi contratado pelo Imperador D. Pedro I, o jurista baiano AUGUSTO TEIXEIRA DE FREITAS, designado para elaborar o primeiro Código Civil nacional, que revogaria a Ordenação Filipina. O jurista elaborou uma Consolidação das Leis Civis ou Esboço da Lei Civil”, empenhado em estabelecer um novo marco jurídico. FREITAS elegeu os seguintes critérios para definir os bens privados e públicos:[22: Esboço da Lei Civil, Seção II, Título II. Vol. 1, pg. 122.]
Art. 326 – As coisas, ou são bens nacionais, ou bens particulares. São bens nacionais:
1º. As coisas públicas;
2º. Os bens da Coroa;
3º. Os bens gerais;
4º. Os bens provinciais;
5º. Os bens municipais.”
Art. 327 - As coisas públicas, ou são suscetíveis de apropriação, ou tão-somente suscetíveis de uso gratuito (...) 
 No mesmo artigo 327, FREITAS descreve quais os bens públicos sujeitos à apropriação, designando tais: os animais de caça, os peixes de mares territoriais, bacias lacustres e rios, as plantas e ervas que vegetam no litoral e nas encostas, os tesouros abandonados, as lenhas, os enxames de abelha, o despojo de inimigos e o dinheiro abandonado.
 E no artigo 328, expõe os que são de uso gratuito, tais como as praias do mar, as praias fluviais, os rios navegáveis, lagoas e lagos, terrenos de logradouro público, ruas e praças públicas.
 Entretanto, o Imperador entrou em conflito de interesses com o civilista, que preferiu abandonar o projeto. Outros tantos tiveram a honra de concluí-lo, mas somente o cearense CLOVIS BEVILAQUA o fez. 
 O projeto de Clovis foi bem mais objetivo do que o de Freitas e, quando foi promulgado, em 1916, destinou a seguinte estrutura para os bens privados e públicos: 
Art. 65.  São públicos os bens do domínio nacional pertencentes à União, aos Estados, ou aos Municípios. Todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 66.  Os bens públicos são:
I - de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal;
III - os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados, ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal, ou real de cada uma dessas entidades.
 Porém, a propriedade privada naquela época, quer no esboço de Freitas, quer no código de Beviláqua, assumia um status de Direito Real Absoluto, intocável sob todos os aspectos, a não ser em casos de desapropriação pelo poder público. Os críticos denominavam a fase da propriedade egoística, consoante se pode observar da leitura dos artigos 524 e 527, do código de 1916: 
Art. 524.  A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.
Art. 527.  O domínio presume-se exclusivo e ilimitado, até prova em contrário. 
 Somente com a promulgação do texto constitucional vigente, em 05 de outubro de 1988, é que a propriedade passou a incorporar elementos significativos de sociabilização e passou, a norma programática, a lhe atribuir status de garantia constitucional e de direito social:
Art. 5º
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
(...)
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;”
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade”
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
(...)
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”
 Respaldado pelo texto da Constituição Cidadã, o legislador civil de 2002 inovou ao definir a propriedade:
Art. 1.228. (...)
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. 
 
 Este foi o resultado legislativo que sucedeu ao rompimento político-jurídico com a Coroa Portuguesa, com mudanças significativas em relação à compreensão jurídica do bem privado e do público.
 2.3 O Fracasso das Políticas Públicas de Reforma Agrária e
 O surgimento de movimentos sociais de luta pela terra.
 Não menos delicada do que aquestão das terras indígenas é a problemática da Reforma Agrária e do Movimento dos Sem-Terra (MST). A análise da situação da Reforma Agrária no Brasil, em breves linhas, deve ser desenvolvida sob duas vertentes: 1ª) Pela defesa da terra na Amazônia e a luta de seus mártires, Chico Mendes, na década de 80, e a irmã missionária Dorothy Stang, mais recentemente; 2ª) Pelo movimento político dos Sem-Terra e a polêmica atuação de seu maior líder, José Rainha Junior. 
 O primeiro brasileiro com consciência política, ecológica e social a ter coragem de expor sua vida pela Amazônia foi Chico Mendes. Pode-se, por assim dizer, que o mundo conhece a devastação das terras amazônicas, pelas denúncias que ele fez ao longo de 30 (trinta) anos de luta. A história de Chico Mendes começa com os “Ciclos da Borracha”. 
 
 No final do Séc. XIX, início do Séc. XX a população brasileira foi convocada para ocupar a região amazônica, iniciando apogeu dos dois “Ciclos da Borracha”, o primeiro ocorrido entre os anos de 1879 e 1912 e o segundo, entre os anos de 1942 a 1945. Chegou-se a promover o alistamento de “soldados da borracha”, durante o governo de Getúlio Vargas, através do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - SEMTA. 
 Com esse “êxodo da borracha” a geografia da região amazônica se transformou drasticamente, como lembra o historiador e antropólogo WARREN DEAN:[23: A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989, pg.72]
“O Ciclo da borracha constituiu uma parte importante da história econômica e social do Brasil, estando relacionado com a extração e comercialização da borracha. Este ciclo teve o seu centro na região amazônica, proporcionando grande expansão da colonização, atraindo exploradores de riqueza de todas as partes do país, dentre seringueiros, garimpeiros, mineradores e latifundiários e ajudou a erguer as cidades de Manaus e Belém, até hoje capitais de seus estados, Amazonas e Pará, respectivamente. Porém, como consequência disso, surgiram problemas de choques culturais e sociais e um processo de degradação ecológica irreversíveis, que transformaram a geografia da região e levaram à morte milhares de pessoas. Somente na construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, foram mais de 6.000 (seis mil) trabalhadores mortos, mortes estas, geralmente associadas à Malária, Febre Amarela, ataques de Onças ou Serpentes e no conflito direto com os Índios.”
 A herança desse período é o resultado do que vemos hoje. Uma região que parece acéfala de governo, onde o Estado é pouco presente e a natureza vem sendo substituída pela ação do homem. Nesse cenário nasceu a história de Chico Mendes, seringueiro, filho de seringueiro, iletrado até os 20 (vinte) anos de idade e que descobriu, na luta contra a exploração da terra amazônica, um ideal de vida. Na década de 60, ainda aos 18 (dezoito) anos de idade, preocupado com a desordem de ocupação, resultado da campanha desastrosa do governo de explorar a borracha, Chico Mendes começou a denunciar os latifundiários, madeireiros e grileiros de terra, que se aproveitavam da pouca presença do Estado na região, para invadir, desmatar e extrair as riquezas do solo. Na década de 70 começou a enfrentar as primeiras ameaças de morte e na década de 80, atingiu a mídia mundial.
 Por causa dessa luta, experimentou os dois lados da vida; foi eleito vereador pelo MDB, ficou conhecido no Congresso Nacional, onde se candidatou a Deputado Federal, tornou-se conhecido da mídia nacional e mundial, mas, ao mesmo tempo, foi preso pelos militares, acusado de liderar invasões de terras públicas. Foi preso pela polícia, acusado de incitar as massas, foi torturado para confessar tais crimes e, por fim, assassinado, no ano de 1988, na porta de casa e na frente de seus dois filhos e esposa. 
 Mas a luta do seringalista ecológico não foi de todo em vão. Por causa de suas denúncias, organismos internacionais exigiram do governo brasileiro a adoção de medidas emergenciais para o controle de assentamento e extrativismo da região, além do desenvolvimento de uma política agrária eficiente. Como consequência, o país criou as Reservas Extrativista - RESEX, através da Lei nº 4.132/62, o Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/64 e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA Decreto nº 1.110/70, como órgão efetivo na implementação, administração e fiscalização da política fundiária. 
 A lei das RESEXs e o Estatuto da Terra passaram a definir, legalmente, zonas de interesse social e ambiental, em qualquer bem imóvel do país, estabelecendo áreas de preservação: 
Lei nº4.132/62
Artigo 1° - A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social (...) 
Artigo 2° - Considera-se de interesse social: 
I – (...) 
IV - A proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais. 
Lei nº 4.504/64
Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.
§ 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
 O artigo 4º do Estatuto da Terra estabeleceu importante classificação de bem imóvel rural, para fins de colonização, que tem extrema relevância para disciplina da Posse Rural, como veremos mais adiante. Aduz a lei:
“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I – ‘Imóvel Rural’, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
II – ‘Propriedade Familiar’, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III – ‘Módulo Rural’, a área fixada nos termos do inciso anterior;
IV – ‘Minifúndio’, o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar;
V – ‘Latifúndio’, o imóvel rural que:
        a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do artigo 46, § 1°, alínea b, desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine;
        b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural;
 Outra norma criada para atender às pressões de ativista ambientais, seguidores de Chico Mendes, e aos pedidos políticos de organismos internacionais como a Food and Agriculture Organization - FAO e a Worldwide Fund for Nature - WWF, foi a Lei nº 9.985/2000, instituidora das Unidades de Conservação - UC, cuja missão se descreve em:
Lei nº 9.985/2000
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação.
Art. 2o Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;
Art. 9o A Estação Ecológica temcomo objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.
§ 1o A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
 Destarte, as leis supervenientes à luta de Chico Mendes serviram, para além de mecanismo regularizador da situação agrária, como lenitivo a todo o sofrimento que passou em vida, e ajudam a honrar sua memória.
 Segundo dados divulgados pelo INCRA, o Brasil tinha, em 2008, 43 RESEX que abrangiam 8.600.000 Hec. (oito milhões e seiscentos mil hectares) e abrigavam 40.000 (quarenta mil) famílias. Isso vem garantindo o uso sustentável da área de preservação, interagindo com os recursos naturais e, ao mesmo tempo, a manutenção da atividade econômica e a posse coletiva da terra pelas populações tradicionais (seringueiros, castanheiros, babaçueiros, caiçaras etc). Do ponto de vista econômico, a regularização fundiária estabelecida por essas áreas, permitiram a esses grupos ter acesso a financiamento agrícola, programas de segurança alimentar e investimentos na comercialização de seus produtos. Também fica mais fácil conseguir a construção de escolas e postos de saúde.[24: Atlas da Questão Agrária Brasileira. Acesso em 20/04/2010 http://www.incra.gov.br/index.php/servicos/publicacoes/atlas-da-questao-agraria-brasileira.]
 Mas um recente documento, divulgado pela Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra - CNASI, revelou que ainda falta muito para ser feito na região amazônica. O relatório aponta que:[25: Fonte Edélcio Vigna - assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos - http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2009/fevereiro/brasil-perde-com-a-medida-provisoria-458. Consulta em 25/02/2014.]
Cerca de 96% das terras da região são de domínio duvidoso. Existem cerca de 550 mil imóveis passíveis de regularização ocupando uma área de 180 milhões de hectares. O minifúndio (até um modulo fiscal) representa 55% dos imóveis e detém apenas 7% de toda área ocupada. A pequena (de um a quatro módulos fiscais) e a média propriedade (de quatro a quinze módulos fiscais) representam 39% dos imóveis e ocupam 30% da área. A grande propriedade (acima de quinze módulos fiscais) representa 6% da área e ocupam 63% de toda a área ocupada.  Assim, fica patente que os beneficiários da regularização fundiária não são a agricultura familiar (pequena ou média), mas o grande proprietário, cujos domínios de propriedade são duvidosos. É este setor, econômica e politicamente influente que pressiona os governos federal e estadual no sentido de regularizar as terras.
 Essa preocupação fez o Governo Federal lançar outra medida regulatória do setor, que apesar da “boa intenção” não tem sido muito bem recebida pelos críticos; trata-se da Medida Provisória de número 458/2009:
Art. 1o  Esta Medida Provisória dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, definida no art. 2o da Lei Complementar no 124, de 3 de janeiro de 2007, mediante alienação e concessão de direito real de uso de imóveis. 
Art. 4o  Não serão passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso, nos termos desta Medida Provisória, as ocupações que recaiam sobre áreas:
I - reservadas à administração militar federal e a outras finalidades de interesse público ou social a cargo da União;
II - tradicionalmente ocupadas por população indígena, comunidades quilombolas e tradicionais;
III - de florestas públicas, nos termos da Lei no 11.284, de 2 de março de 2006, de unidades de conservação ou de interesse para sua criação, conforme regulamento; e
IV - que contenham acessões ou benfeitorias federais. 
Parágrafo único.  As áreas ocupadas que abranjam parte ou a totalidade de terrenos de marinha, terrenos marginais ou reservados, seus acrescidos ou outras áreas insuscetíveis de alienação, poderão ser regularizadas mediante outorga de título de concessão de direito real de uso. 
Art. 5o  São passíveis de regularização fundiária as ocupações incidentes em terras públicas da União, previstas nos incisos I, II e IV do art. 3o, situadas em áreas rurais, desde que o ocupante preencha os seguintes requisitos:
I - pratique cultura efetiva; e
II - exerça ocupação e exploração direta, mansa e pacífica ou por seus antecessores, anterior a 1o de dezembro de 2004. 
Art. 6o  Para regularização da ocupação, nos termos desta Medida Provisória, o ocupante e seu cônjuge ou companheiro deverão atender aos seguintes requisitos:
I - ser brasileiro nato ou naturalizado;II - não ser proprietário de imóvel rural em qualquer parte do território nacional;III - não ter sido beneficiado por programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural, ressalvadas as situações admitidas pelo INCRA;
IV - ter sua principal atividade econômica advinda da exploração do imóvel; e
V - não exercer cargo ou emprego público. 
§ 1o  Não será objeto de regularização a área rural ocupada por pessoa jurídica.
 Outra grande batalha travada na região amazônica foi a empreendida pela irmã missionária Dorothy Stang, que defendeu, até sua morte, em 2005, os direitos de uma reforma agrária que conciliasse os interesses de preservação ambiental com os de assentamento do pequeno agricultor, de forma a gerar um Projeto de Desenvolvimento Sustentável na região.
 A diferença da atuação política de Chico Mendes para a da irmã Dorothy estava no objetivo primário de seus ideais. Enquanto ele se movimentava para salvar o meio ambiente, tentando que o governo criasse leis de proteção ambiental e de preservação dos recursos naturais, ela buscava, além disso, o assentamento do homem no campo. Mas, a exemplo dele, a irmã Dorothy desafiou muitos madeireiros, grileiros de terra, latifundiários e políticos da região, tendo sofrido perseguição e ameaças de morte, até que uma delas se concretizou, em 12/02/2005. 
 A irmã era uma das fundadoras da Comissão Pastoral da Terra -CPT, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e atuava na região de Anapu, centro-norte do Pará. Lá, tinha muitos projetos e o plano de conseguir aprovar o assentamento em terras da União, de famílias agricultoras, o que de certo modo, só veio a ser concretizada com a referida Medida Provisória nº 458. 
 Mesmo com todas as ameaças de morte, Dorothy Stang não cansava de afirmar em entrevistas que concedia: 
Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar.[26: Revista Viva Grande BH. Edição 08 11/09/2013 BEM ESTAR SOCIAL.]
 2.4. O Movimento dos Sem-Terra – MST
 Por tudo que já se abordou, é possível deduzir um cenário caótico no setor fundiário brasileiro. Os governantes atuais, e os milhares que já passaram pelo poder desde o descobrimento do Brasil, não conseguiram resolver as querelas de terra; Incompetência? Falta de interesse econômico? Falta de interesse político?[27: Segundo matéria publicada na Revista Desafios do Desenvolvimento, 2012 . Ano 9 . Edição 75: “Promessa de sucessivos governos e demanda de vários setores da sociedade, aparentemente a reforma agrária deixou de ser prioridade para o país. O ano de 2012 apresenta um índice bastante baixo de famílias que obtiveram um pedaço de terra em programas de assentamento pelo Brasil. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), até 16 de novembro apenas 10.815 famílias haviam sido incluídas em assentamentos rurais, um terço da meta estabelecida para o ano. Para efeito de comparação, em 2006, 136.319 famílias foram beneficiadas. Além disso, somente metade dos R$ 3 bilhões reservados ao órgão no Orçamento da União de 2012 havia sido executada até meados de novembro. Em relação à verba específica para a compra de terras para finsde reforma agrária, apenas 41% do total de R$ 426,6 milhões tinham sido gastos. ‘Embora conste da programação oficial – nos Planos Plurianuais 2008/2011 e 2012/2015 –, o Programa de Reforma Agrária praticamente desapareceu da agenda governamental, pelo menos desde os anos finais do mandato do presidente Lula. A partir de 2011 o programa ficou ainda menor, e, mais grave, os assentamentos se tornaram alvo da acusação de serem em grande medida responsáveis pela tragédia da pobreza rural mais extrema”, aponta Brancolina Ferreira, coordenadora de Desenvolvimento Rural da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).’”]
 A origem do problema, como abordado alhures, descende do sistema de ocupação de terras feita pelos portugueses. Os índios foram alijados de suas terras e os não-índios só tinham acesso a posses se fossem pequenos nobres para quem o Rei de Portugal favoreceu com a distribuição das Capitanias Hereditárias e Sesmarias. A decorrência natural disso foi a formação de latifúndios, com poucas propriedades livres e disponíveis para distribuir à população. 
 Para piorar a situação, com o fim das capitanias, o Imperador D. Pedro outorgou a Lei de Terras, de 1850, que limitava a aplicação do Usucapião, destinando a aquisição de propriedade pelo mecanismo da compra e venda, como a única forma legal de aquisição de terras. Portanto, os pequenos nobres portugueses, destituídos das capitanias, tinham, ainda, a seu favor, as servidões das Sesmarias, que só poderiam ser adquiridas contratualmente.
 No final do Séc. XIX, início do Séc. XX eclodiram as primeiras lutas armadas pela Posse da terra. O Nordeste teve como palco a Guerra dos Canudos, na região de Canudos, na Bahia (1897), liderada pelo cearense Antônio Maciel, mais conhecido por Antônio Conslheiro e retratada pelo carioca Euclides da Cunha, em sua clássica obra Os Sertões. Foi o primeiro movimento social com característica política a lutar contra a falta de terra. No sul, em Santa Catarina, o movimento armado a ganhar destaque foi a Guerra do Contestado, marcado pela luta dos cablocos com o Governo da Província pela posse de terras improdutivas (1916). 
 Os estudiosos desse período dividem a luta pela terra em dois momentos: o messiânico, em alusão à figura religiosa que os nordestinos faziam de Antônio Conselheiro, e as lutas radicais localizadas, constituídas por movimentos armados. 
 Nas décadas de 50 e 60, surge em Pernambuco outro movimento social de luta agrária, denominado de Ligas Camponesas, lideradas pelo advogado Francisco Julião Arruda. Mas este movimento foi duramente aplacado pelo Golpe Militar de 64, que instaurou a ditadura, levando Francisco Julião a se exilar no México, não sem antes ter sido preso e torturado.
 Mas, sem dúvida, o maior movimento social na luta pela terra é o Movimento dos Sem-Terra, cujo maior líder se revelou na pessoa de José Rainha Junior, que teve a história do seu surgimento brilhantemente narrada por ROBERTO AMARAL, em obra que dividiu com PAULO BONAVIDES:[28: Textos Políticos da História do Brasil, Vol. 7, pg. 39, Senado Federal, DF, 2002.]
A partir do fim da ditadura militar e da retomada democrática no Brasil, os camponeses puderam se reorganizar e retomar sua luta histórica pela reforma agrária. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge no final da década de 1970, com a ocupação da fazenda Nonoai, no Rio Grande do Sul. Naquele momento, o governo estadual buscou reverter uma ocupação ilegal, para fins de reforma agrária, de terras de uma reserva indígena realizada nos anos 1960, para o que reassentou os índios e expulsou os camponeses de seu assentamento na localidade conhecida como Encruzilhada Natalino. Como reação, os agricultores deslocados, espontaneamente, decidiram ocupar a vizinha Fazenda Nonoai. A partir daí, a sociedade local, a Comissão Pastoral da Terra, assim como o embrião do futuro Partido dos Trabalhadores passa a apoiar aquele grupo de camponeses que saem vitoriosos desta que seria a primeira ocupação, que deu origem ao MST. Em 1984 o Movimento passa a se organizar de maneira nacional.
 O movimento se auto intitula herdeiro ideológico das ligas camponesas, se dizendo de cunho social. As lideranças políticas atuais compartilham com a ideologia do movimento, principalmente o ex-presidente Lula, pois o PT tem um pé de origem no MST. 
 Mas os críticos severos não se cansam de afirmar que o movimento é eminentemente político. Dentre os discursos mais ácidos estão os argumentos de que os assentamentos são dependentes de financiamento governamental; nada mais seriam do que a tentativa de preservar artificialmente uma agricultura de minifúndios em regime de produção familiar economicamente inviável, diante das pressões competitivas da globalização.
 Nesse tom, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, quando de seu exercício na presidência da Corte (2008/2010) surpreendeu a imprensa nacional ao divulgar sua opinião sobre o assunto: [29: Folha de São Paulo, Caderno 2, pg. 5. Política Nacional, 27/02/2009]
 
Os movimentos sociais devem ter toda a liberdade para agir, manifestar, protestar, mas respeitando sempre o direito de outrem. É fundamental que não haja invasão da propriedade privada ou pública. Nós temos, inclusive, uma lei que estabelece a necessidade de que o poder público não subsidie tais movimentos, cesse de repassar recursos para esse tipo de movimento (...) Dinheiro público para quem comete ilícito é também uma ilicitude. Aí a responsabilidade é de quem subsidia.
 Outro argumento usado pelos críticos é o de que o MST não ocupa terras improdutivas em áreas afastadas do país, procurando sempre se concentrar em regiões politicamente estratégicas, como o Pontal de Paranapanema, extremo oeste do estado de São Paulo, que faz divisa com Minas Gerais e o Paraná. Ou ainda, procuram invadir com frequência fazendas de políticos que estejam no poder, como no caso do presidente Fernando Henrique Cardoso, que durante o seu mandato teve sua fazenda Córrego da Ponte, em Buriti, Minas Gerais, invadida duas vezes. Na época, a revista Veja relatou assim a história:[30: Os sem-limite atacam de novo, edição nº 1.745, pg.51, 03/04/2002.]
No fim da semana passada, o MST se superou, promovendo a mais surpreendente ação de sua história. Cerca de 250 integrantes do movimento invadiram a fazenda dos filhos do presidente Fernando Henrique, a Córrego da Ponte, no município de Buritis, em Minas Gerais. Lá, os sem-terra permaneceram 22 horas, arrasaram a despensa e a adega, danificaram colheitadeiras e tratores, mataram galinhas e perus, mexeram em papéis privados. No auge do deboche, deitaram-se na cama do presidente e abriram o guarda-roupa da primeira-dama. Jamais o Brasil, em períodos democráticos, assistira a uma agressão tão escarnecida à ordem constitucional. E jamais se vira desafio tão abusado e torpe à autoridade de um presidente da República. 
 Tais posturas criminosas se tornaram hábito na luta do MST, em grande parte, pelos influxos de seu líder maior. O envolvimento de José Rainha com o crime chegou ao ápice no ano de 1997, quando foi condenado a 26 (vinte e seis) anos por Júri popular como autor de duplo homicídio, no estado do Espírito Santo. E em 2006 foi condenado a 2 (dois) anos por porte ilegal de armas. Tais circunstâncias, somadas ao fato de Rainha não se alinhar às metas de base do movimento, culminaram com o seu afastamento da liderança, abrindo espaço para João Pedro Stédile, atual coordenador do movimento, igualmente pouco ortodoxo em suas ações.[31: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc120602.htm. Acesso em 02/03/2007.][32: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u85762.shtml. Acesso em 02/03/2007.]
 Ao largo de tudo, o Estado parece perder forças nessa luta inglória e age placidamente quanto às questões primárias de Posse e Propriedade e regularização fundiária. Parece pretender

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