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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB 
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I 
CURSO DE PEDAGOGIA 
 
 
 
 
 
Magda Elisa Cabral Nogueira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA FORMAÇÃO 
REFLEXIVA DAS CRIANÇAS DO 5º ANO B DA ESCOLA 
MUNICIPAL DA ENGOMADEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2008 
1 
Magda Elisa Cabral Nogueira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA FORMAÇÃO 
REFLEXIVA DAS CRIANÇAS DO 5º ANO B DA ESCOLA 
MUNICIPAL DA ENGOMADEIRA 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito parcial para 
obtenção da graduação em Licenciatura de 
Pedagogia com Habilitação em Anos Iniciais do 
Departamento de Educação da Universidade do 
Estado da Bahia, sob orientação do Prof. Gilmário 
Moreira Brito. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SALVADOR 
2008 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB 
 Bibliotecária : Jacira Almeida Mendes – CRB : 5/592 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nogueira, Magda Elisa Cabral 
 A contação de histórias na formação reflexiva das crianças do 5º ano B da Escola Municipal 
da Engomadeira / Magda Elisa Cabral Nogueira . – Salvador, 2008. 
 50f. 
 
 Orientador: Gilmário Moreira Brito. 
 Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. 
Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia . Campus I. 2008. 
 
 Contém referências. 
 
1. Contadores de histórias. 2. Arte de contar histórias. 3. Pesquisa-ação em educação. I. 
 Brito, Gilmário Moreira. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. 
 
 
 CDD: 372.64 
 
 
 
3 
MAGDA ELISA CABRAL NOGUEIRA 
 
 
 
 
 
 
A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA FORMAÇÃO 
REFLEXIVA DAS CRIANÇAS DO 5º ANO B DA ESCOLA 
MUNICIPAL DA ENGOMADEIRA 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito parcial para 
obtenção da graduação em Licenciatura de 
Pedagogia com Habilitação em Anos Iniciais do 
Departamento de Educação da Universidade do 
Estado da Bahia, sob orientação do Prof. Gilmário 
Moreira Brito. 
 
 
 
Salvador, ______de_____________20 
 
 
 
 
______________________________________________________________ 
Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito 
Orientador 
 
 
______________________________________________________________ 
Prof. Dr. Raphael Rodrigues Vieira Filho 
Departamento de Educação – Uneb 
 
 
______________________________________________________________ 
Prof.ª Dr.ª Maria Antonia Ramos Coutinho 
Departamento de Educação - Uneb 
 
 
 
Nota: 10 (Dez) 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este estudo: 
ao meu avô paterno José Inácio Cabral, 
 com quem aprendi a arte da contação de histórias, 
 ao meu esposo Marcelo e aos meus filhos Thaís e Tales. 
 
 
 
5 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que me ajudaram a concluir este trabalho: 
 
A Deus e a Nossa Senhora, minha fiel escudeira, por me darem força e coragem para eu não 
desanimar no meio do caminho; 
 
Ao meu esposo, por sua força, conhecimento e disposição diante das minhas limitações; 
 
Aos meus filhos que estiveram sempre pacientemente ao meu lado; 
 
Aos meus familiares que mesmo distantes me deram apoio e confiança; 
 
Aos alunos do 5º ano B da Escola Municipal da Engomadeira que muito contribuíram para 
esta pesquisa fazendo parte dela e me proporcionando as mais belas descobertas; 
 
As minhas colegas e ao meu colega de curso que comigo vivenciaram nesta graduação 
momentos alegres e difíceis, momentos estes que levarei comigo para o resto da vida; 
 
A Professora Maria Antônia Coutinho que me co-orientou com muito carinho e dedicação; 
 
Ao Professor Gilmário Brito Moreira, por aceitar a orientação deste estudo e conduzir seu 
desenvolvimento com muita sabedoria e paciência. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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A força da história é tamanha que narrador e ouvintes caminham juntos na 
trilha do enredo e ocorre uma vibração recíproca de sensibilidades, a ponto 
de diluir-se o ambiente real ante a magia da palavra que comove e eleva. 
 
BETTY COELHO 
7 
RESUMO 
 
Durante séculos, a história dos povos foi perpetuada pela arte da contação de histórias, 
passando de uma geração para outra toda a sua herança histórica através da narração. Porém, 
com o avanço das novas tecnologias, a prática da contação de histórias foi sendo renegada, e 
gradativamente foi desaparecendo das salas de aula e tornando o professor cada vez mais 
despreparado para trabalhar com esta prática pedagógica. Concebe-se a prática da contação de 
histórias como uma forma de conhecimento que desencadeia o desenvolvimento da 
imaginação, da reflexão, da critica e da criatividade. Considerando a sua importância, o 
presente trabalho tem como objetivo mostrar como a contação de histórias pode ajudar na 
formação reflexiva das crianças nos Anos Iniciais. Para o desenvolvimento do estudo, foi 
utilizada uma metodologia de caráter qualitativo, através de uma pesquisa-ação com os alunos 
do 5º ano B da Escola Municipal da Engomadeira e de uma entrevista semi-estruturada com a 
professora regente da turma citada. A pesquisa-ação tinha a intenção de averiguar e 
demonstrar como os alunos do 5º ano B faziam suas criticas e reflexões através de relatos 
escritos e posteriormente a contação de história. Espera-se que os resultados aqui 
apresentados sobre o estudo com a contação de histórias na sala de aula incentivem outros 
educadores a adotarem esta prática, conscientes da importância do mundo mágico das 
palavras para a formação reflexiva e critica dos seus alunos. 
 
Palavras-chave: Contação de Histórias. Formação Reflexiva. Pesquisa-ação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
SUMÁRIO 
 
1 APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 09 
 
2 INTER-RELAÇÕES: LITERATURA INFANTIL E A PRÁTICA DE 
NARRAR ............................................................................................................... 13 
2.1 Aspectos históricos das relações da literatura infantil e da oralidade .................... 13 
2.2 A importância da contação de histórias para a formação infantil ......................... 16 
2.3 A performance do narrador ..................................................................................... 19 
2.4 Como as crianças recebem as histórias contadas ..................................................... 23 
 
3 O CONTEXTO CULTURAL DA ESCOLA MUNICIPAL DA 
ENGOMADEIRA ............................................................................................... 26 
3.1 A escola e o bairro ....................................................................................................26 
3.2 Os alunos do 5º ano B ............................................................................................... 27 
3.3 A professora regente do 5º ano B ............................................................................. 28 
3.3.1 A professora regente do 5º ano B e a prática de narrar na sala de aula ................ 29 
 
4 A CONTAÇÃO DE HISTÓRIA NA ESCOLA MUNICIPAL DA 
ENGOMADEIRA ............................................................................................... 32 
4.1 Momentos da contação de histórias na turma do 5º ano B .................................... 32 
4.1.1 Primeira história contada na sala de aula: Bom dia todas as cores ...................... 33 
4.1.2 Segunda história contada na sala de aula: A serpente de Olumo .......................... 38 
4.1.3 Terceira história contada na sala de aula: O cavalo voador ou Julieta e Custódio 40 
 
 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 46 
 
 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 49 
 
 
 
 
 
9 
1 APRESENTAÇÃO 
 
 
 
Coisa gostosa é brincar! Brinquedos dão alegria: bonecas, pipas, piões, 
bolas, petecas, balanços, escorregadores... Os brinquedos podem ser feitos 
com os mais diferentes materiais: madeira, plástico, metal, pano, papel. Mas 
há brinquedos que são feitos com algo que a gente não pode nem tocar e 
nem pegar: brinquedos que são feitos com palavras. 
 
Rubem Alves 
 
Brinquedos... tive muitos na minha infância, mas nenhum divertia e proporcionava tanta 
alegria como as palavras, que magicamente me levaram sempre para o mundo da 
imaginação... E assim foi que cresci, ouvindo minha mãe contar os contos de fadas, os 
clássicos que provavelmente todas as crianças já ouviram. Costumava também perder a noção 
das horas ao ouvir meu avô paterno “José Inácio Cabral” contar suas histórias, que dizia ele, 
serem todas histórias reais, do seu tempo de infância e juventude, cabe ressaltar que meu avô 
era analfabeto e por isso nunca teve a oportunidade de ler um livro, mas garanto que na arte 
de contar histórias ele era insuperável, tinha uma criatividade extraordinária que aliava a uma 
atitude performática durante a contação que prendia a atenção de qualquer um, fosse criança 
ou adulto; suas histórias, na sua grande maioria, eram muito engraçadas e divertidas. 
 
Portanto esse mundo da narrativa oral sempre fez parte da minha vida e é claro sempre me 
fascinou, tanto que logo após ser alfabetizada, me tornei uma freqüentadora assídua da 
biblioteca da escola, gostava de ir até lá para ler os livros dos quais continham histórias 
diferentes, que eu nunca havia escutado, com o propósito de recontar posteriormente aos meus 
irmãos menores que ainda não estavam em idade escolar, e eles ouviam cheios de curiosidade 
e com muita atenção. 
 
Hoje conto histórias aos meus filhos, não só os contos de fadas e histórias que em algum 
momento da minha vida já li ou ouvi, mas como meu avô conto histórias da minha saudosa 
infância, deixando-os fascinados e envolvidos com a magia das palavras. Acredito que parte 
da formação dessa pessoa que hoje eu sou devo muito ao contato que tive desde muito 
pequena com esta arte mágica e maravilhosa que é a contação de histórias. 
 
10 
Mas apesar da contação de histórias sempre ter feito parte da minha vida, nunca havia 
atentado para a importância dessa prática dentro de uma sala de aula. Essa descoberta se deu 
quando ingressei no curso de Pedagogia com Habilitação em Anos Iniciais, onde através de 
algumas disciplinas me aprofundei no assunto da contação de histórias, e então descobri como 
ela é importante para a formação do ser humano. 
 
Estes estudos me levaram a perceber que a contação de histórias é uma arte milenar, através 
da qual as crianças entram em contato com os conhecimentos historicamente acumulados, a 
escrita e a oralidade de seu povo. A escola é o espaço ideal para se trabalhar com a contação 
de histórias, pois essa prática além de divertir, dissemina cultura, cria momentos de troca de 
experiências, aguça a sensibilidade, faz a criança refletir sobre o mundo em que vive e a 
auxilia na resolução de problemas internos, como o medo, a ansiedade, entre outros, pois as 
histórias, a exemplo dos contos de fadas têm o poder de romper com o real imediato e invadir 
regiões do inconsciente, ou seja, a contação de histórias através das suas histórias, bem 
selecionadas e bem contadas, enriquece o mundo interior da criança e ajuda a harmonizar suas 
aspirações. Pode-se afirmar que a narração de histórias não trata apenas de uma comunicação 
oral, mas de uma comunicação emocional, por isso ela é tão importante para a formação 
reflexiva das crianças. 
Entretanto, percebe-se que com o avanço tecnológico a prática da contação de histórias vem 
perdendo um pouco do seu espaço nas escolas e quando a mesma é praticada, muitas vezes 
acaba sendo de forma desconectada do processo de ensino-aprendizagem, isto é, não há uma 
preocupação do educador em relação à escolha da história, aos recursos que podem ser 
utilizados para contá-la e até mesmo aos objetivos que o mesmo poderá atingir quanto à 
formação reflexiva, critica e criativa dos seus alunos. Talvez isso se dê pelo fato de muitos 
educadores ainda acreditarem que contar histórias é uma metodologia praticável apenas na 
educação infantil, quando na verdade é uma prática possível em todas as fases de 
desenvolvimento do ser humano. 
Quando penso no mundo em que atualmente vivemos, onde as pessoas não têm tempo e nem 
paciência para ouvir o outro, onde a intolerância é cada dia mais visível e a sensibilidade cada 
vez mais ausente, percebo aí a importância do meu estudo, pois entendo que, a partir das 
respostas obtidas em minha pesquisa-ação, mostro tanto para aqueles educadores que 
investem na contação de histórias que é uma estratégia positiva para uma formação reflexiva 
dos seus alunos, como para aqueles que ainda alimentam certo preconceito contra esta prática 
11 
pedagógica que ela ajuda na formação critica e reflexiva das crianças, cujos resultados 
dependem da subjetividade e da educação doméstica de cada um. 
Acredito que o mais importante é o educador estar ciente da riqueza desta prática pedagógica 
cuja aplicação em sala de aula poderá colaborar para a formação critica e reflexiva dos alunos, 
ajudando-os a serem futuramente adultos bem resolvidos psicologicamente. Considerando a 
contação de histórias como prática pedagógica rica e maravilhosa acredito que tem o poder de 
criar e recriar formas de ser e sobreviver dos seres humanos. 
A conjunção do amor pela contação de histórias às experiências vivenciadas no curso de 
Pedagogia além de algumas leituras sobre o tema, fez nascer à vontade de me aprofundar e 
estudar mais sobre a importância da contação de histórias na formação reflexiva das crianças 
nos anos iniciais. 
Por isso pretendo com o presente trabalho discutir a importância da contação de histórias na 
formação reflexiva dos alunos do 5º ano B da Escola Municipal da Engomadeira, turma que 
elegi para esse estudo, buscando compreender como a contação de histórias pode ajudá-los na 
sua formação reflexiva, procurando identificar à forma que eles recebem as histórias contadas 
em sala de aula, as reflexões que eles fazem após a contação de histórias e a importância 
dessa prática para o desenvolvimento deles. 
 
Para alcançar tais objetivos utilizei a metodologia da pesquisa-ação, que é também 
denominada investigação-ação e considerada uma metodologia descrita como uma ação 
sistemática, controlada e desenvolvida pelo próprio pesquisador. Como estagiei nesta turma, 
me tornei uma figura presente no cotidiano escolar dascrianças, essa experiência facilitou 
também no entrosamento com a turma, fazendo com que a pesquisa fluísse tranquilamente 
sem chamar tanta atenção para o papel que desempenhei naquela sala de aula, que foi além da 
função de professora estagiária ou de narradora de histórias e sim de uma pesquisadora. 
 
O processo da pesquisa-ação aconteceu da seguinte forma: selecionei propositalmente três 
histórias, que foram narradas por mim com um intervalo de quinze dias entre uma e outra, 
respeitando o planejamento da unidade escolar. Após cada história fiz uma discussão para 
verificar através da oralidade das crianças o que ficou da narrativa, em seguida organizei uma 
atividade na qual cada aluno expôs de forma escrita suas reflexões feitas a partir da contação 
de histórias daquele dia. Com o registro do material em mão os tratei e os analisei buscando 
12 
verificar se realmente havia alcançado os meus objetivos iniciais. Como narradora também 
estive muito atenta a minha performance, a recepção e reação das crianças ao ouvirem as 
histórias. 
 
Como uma tentativa de descobrir se esta prática de contação de histórias já faz parte do 
cotidiano escolar dos alunos do 5º ano B, fiz uma entrevista semi-estruturada com a 
professora regente e de acordo com as suas respostas pude verificar se há ou não uma 
preocupação por parte da mesma com a formação critica e reflexiva dos seus alunos. 
 
O primeiro capítulo apresenta um pequeno histórico da literatura infantil e da oralidade, onde 
procuro discutir com alguns autores da área sobre a importância da contação de histórias na 
formação critica e reflexiva da criança, a importância dessa prática na sala de aula, de como 
deve ser a performance do narrador para envolver as crianças nos fios da narração e também 
como elas recebem as estórias narradas. 
 
O segundo capítulo destaca o perfil da Escola Municipal da Engomadeira, do bairro e da 
comunidade onde ela se localiza, dos alunos do 5º ano B e da sua professora regente, para que 
fique explicito os componentes que fizeram parte desse estudo e que muito colaboraram para 
que eu chegasse a resultados tão ricos e maravilhosos. 
 
O terceiro e último capítulo contextualiza os momentos da contação de histórias que ocorreu 
na sala de aula do 5º ano B apresentando fragmentos dos relatos escritos pelos alunos após as 
contações, onde são tratados e analisados demonstrando uma riqueza de criatividade, 
criticidade e reflexão por parte dessas crianças. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
2 INTER-RELAÇÕES: LITERATURA INFANTIL E A PRÁTICA DE 
NARRAR 
 
 
2.1 Aspectos históricos das relações da literatura infantil e da oralidade 
 
As primeiras obras infantis foram publicadas na primeira metade do século XVIII na Europa. 
Antes disso, no século XVII foram escritas histórias que se tornaram depois literatura infantil 
como: as Fábulas de La Fontaine, As Aventuras de Telêmaco de Fénelon e os Contos da 
Mamãe Gansa de Charles Perrault. Em se tratando do trabalho de Perrault, que é considerado, 
segundo Ligia Cademartori (1991, p. 34) o iniciador da literatura infantil, é na verdade de um 
adaptador, pois trouxe contos folclóricos que circulavam oralmente entre o povo, contos estes 
que chegaram até a sua família através dos seus empregados, que foram escritos e adaptados 
por ele de forma que agradasse a burguesia da época, fundindo propósitos moralizantes e 
pedagógicos burgueses. Mas ainda assim, nos afirma Ligia Cademartori (1991 p 37): 
 
Ressalte-se, porém, que não há dissociação entre a literatura oral e a versão 
culta, os elementos coexistem, processando-se um alargamento do domínio 
da cultura gráfica, que passa a manter relações de integração com a popular. 
 
Por muito tempo a literatura infantil foi uma adaptação da literatura adulta, ou seja, ela não 
era escrita para o público infantil, até porque a criança naquela época era vista como um 
“adulto em miniatura”, - visão esta contestada posteriormente por Rousseau em “Emilio”, 
onde o autor introduz a concepção de que a criança é um ser com características próprias em 
suas idéias e interesses, e desse modo não pode mais ser tratada como um adulto em miniatura 
-. Conforme Ligia Cademartori (1991, p. 39), esta adaptação muitas vezes possuía uma 
linguagem e certas reflexões que fugiam a capacidade de compreensão da criança. Mas ainda 
assim conseguia atrair as crianças levando-as a viajar no mundo da imaginação, 
proporcionando assim diferentes experiências tanto no mundo da fantasia como no real. 
 
Muito tempo depois é que surgiu a literatura infantil brasileira, pode-se dizer quase no século 
XX, porém ao longo do século XIX, já se ouvia falar do aparecimento de algumas obras 
literárias voltadas para crianças. Conforme Nelly Novaes Coelho (2000, p.138), a literatura 
infantil brasileira teve inicio com Monteiro Lobato: o autor escreve obras visivelmente 
didáticas e outras obras explorando o folclore ou a pura imaginação. Suas obras tratam de 
14 
questionamentos e uma inquietação intelectual, que seria a preocupação com os grandes 
problemas nacionais e mundiais e isso tudo expressado em uma língua marcada pelo 
aproveitamento do dialeto brasileiro. Portanto, Monteiro Lobato foi quem abriu o caminho 
para muitos outros autores talentosos, que principalmente na última década, vêm escrevendo 
obras voltadas para o público infantil. 
 
O aparecimento da literatura infantil no Brasil foi propiciado pela acelerada urbanização que 
se deu entre o fim do século XIX e o começo do século XX, de acordo Lajolo e Zilberman 
(2004, p.28) a partir desse momento surge um grande contingente de consumidores de bens 
culturais e o saber passa a ser extremamente importante no novo modelo social, fato este de 
grande importância para a literatura infantil, porque as campanhas pela instrução, pela 
alfabetização e pela escola faziam despontar esforços para que o Brasil tivesse uma literatura 
infantil nacional. Mas inicialmente a literatura infantil foi utilizada no âmbito da escola com o 
objetivo de ensinar conteúdos de língua portuguesa, ou seja, como um recurso meramente 
didático. Naquele período ainda não havia uma consciência de que a convivência com a 
literatura infantil poderia propiciar a criança muito mais que aprendizagem de conteúdos e 
que poderia levar a criança a reorganizar a sua visão de mundo possibilitando com isso, uma 
ordenação das suas experiências existenciais. 
 
Tal posicionamento fica mais bem esclarecido nas reflexões de Nelly Novaes Coelho (2000, 
p.30), para quem até pouco tempo a literatura infantil era vista como um gênero secundário, 
ou seja, para muitos a mesma adquiria a função de um brinquedo, de um entretenimento ou de 
aprendizagem. O seu reconhecimento e sua valorização como algo significativo para a 
formação reflexiva das crianças é recente, e isso ocorreu quando a noção de “criança” 
começou a mudar devido a estudos e a descoberta dos estágios de desenvolvimento que 
esclarece como todos os seres humanos passam por fases evolutivas da inteligência, como nos 
confirma Nelly Novaes Coelho (2000 p 30): 
 
O caminho para a redescoberta da literatura infantil, no século XX, foi 
aberto pela psicologia experimental, que, revelando a inteligência como o 
elemento estruturador do universo que cada indivíduo constrói dentro de si, 
chama a atenção para os diferentes estágios de seu desenvolvimento (da 
infância à adolescência) e sua importância fundamental para a evolução e 
formação da personalidade do futuro adulto. 
 
Portanto, a literatura infantil é na verdade uma arte que com muita criatividade representa o 
mundo, o ser humano e a vida através da palavra, fundindo o real e a fantasia, as 
15 
possibilidades de realização ou não de certos ideais sonhados. A literatura infantil quando 
bem trabalhadana escola pelo seu educador além de criar nos alunos o hábito da leitura, pode 
também formar indivíduos criativos, críticos, mais conscientes e produtivos. 
 
A criança é um ser extremamente criativo e precisa de estímulos e provocações a exemplo das 
narrativas da literatura infantil, para organizar o seu universo, ou seja, seu mundo mágico 
onde ela é a única dona, e somente ela pode construir e destruir, realizando assim tudo o que 
deseja. Conforme Nelly Novaes Coelho (2000, p.52), quando a imaginação da criança é bem 
motivada ela se torna uma fonte de libertação e tem o poder de enriquecer a imaginação da 
criança e ajudá-la a usar o raciocínio e a cultivar a liberdade. 
 
Segundo Cecília Meireles (1984, p.48), a primeira obra de literatura infantil surgiu da redação 
escrita das literaturas orais, fazendo com que as mesmas perdurassem anos após anos. Porém 
é necessário ressaltar que esta literatura que anteriormente era passada de boca em boca, ou 
seja, que era o instrumento de muitos narradores que em qualquer lugar sempre estavam 
prontos para contar suas histórias, compartilhando-as com muitas pessoas ao mesmo tempo e 
fazendo daquele instante um momento de diálogo e de grandes trocas entre as pessoas. Agora 
de forma escrita se torna um bem de consumo e individual, isto é, o que era de posse de todos 
agora está ao alcance de poucos, pois nem todo mundo podia obter um livro fosse pela 
situação financeira ou pelo fato de não saber ler. Portanto, o que magicamente tinha a função 
de reunir muitas pessoas agora de certa forma isolava-as uma das outras. 
 
Diante disso, porque não resgatarmos a magia da contação de histórias, fazendo hoje o 
movimento inverso? Aproveitarmos esta rica literatura infantil que atualmente temos em 
forma escrita e a levarmos para a sala de aula por meio da prática de contar histórias, fazendo 
com que nossas crianças percebam que as histórias foram feitas para serem compartilhadas e 
com isso também, tenham mais contato com a oralidade e com histórias que as levem a 
refletir sobre assuntos extremamente importantes para a sua formação intelectual e emocional, 
ou seja, que elas possam através das reflexões feitas sobre as histórias ouvidas tirar 
ensinamentos para a vida. Segundo Betty Coelho (1998, p.35) a narrativa da história termina, 
mas suas ressonâncias podem perdurar para sempre, é claro que isso depende muito do quanto 
cada história toca interiormente em cada um daqueles que a ouvem. 
 
 
16 
2.2 A Contação de histórias e a sua importância para a formação infantil 
 
A história das tradições orais indica que muitos aspectos culturais foram transmitidos de 
geração em geração através de múltiplas formas de contar histórias e, se tornou em um dos 
veículos dessa transmissão. Através dessas práticas que nesse estudo denominamos de 
contação de histórias, quer utilizando suportes orais, quer escritos, foram capazes de informar 
e narrar para as sociedades conhecimentos, saberes, costumes, acontecimentos, tradições e 
valores de seus povos. Portanto, a contação de histórias é uma arte milenar, através da qual as 
crianças entram em contato com os conhecimentos historicamente acumulados, a escrita e a 
oralidade de seu povo. 
 
Essa prática é de extrema importância para os alunos, os contos de fadas, por exemplo; 
segundo Bettelheim (1980, p.20), enquanto diverte a criança, também a esclarece sobre si 
mesma, favorecendo o desenvolvimento de sua personalidade. Portanto, o momento da 
história não deve ser trabalhado na escola nem com caráter de obrigatoriedade, nem sem um 
sentido, mas como um momento de prazer e com objetivos a serem alcançados. Assim, a 
contação de histórias além de proporcionar à criança um momento de prazer, quando bem 
trabalhada pelo educador, poderá desenvolver a oralidade, o sentimento de compreensão e 
despertar o senso estético e artístico, a criatividade, a criticidade, o hábito de ouvir com 
atenção, o gosto pela leitura além de contribuir para o seu desenvolvimento emocional. Dito 
de outra forma, as histórias são na verdade um grande laboratório para a formação e o 
desenvolvimento infantil que segundo Betty Coelho (1986, p. 12): 
 
A história aquieta, serena, prende a atenção, informa, socializa, educa. 
Quanto menor a preocupação em alcançar tais objetivos 
explicitamente, maior será a influência do contador de histórias. 
 
A contação de histórias é uma e meios de comunicação que apareceram no inicio do século 
XX. Segundo Élie Bajard (2004, p.13) o surgimento das novas mídias, como o cinema e a 
televisão reduziram as práticas tradicionais de oralidade. Portanto, a contação de histórias foi 
reduzindo sua amplitude nos processos de organização das cidades e de rápida urbanização 
das sociedades. Tais práticas foram renascendo a partir do ano de 1960 nos Estados Unidos e 
posteriormente se espalhou pela Europa, incentivadas pouco a pouco nas bibliotecas como 
forma de incentivar a leitura das crianças ligando-a as práticas de alfabetização. Algumas 
formas da literatura escrita ajudaram na permanência de aspectos da literatura oral, 
auxiliando-os a ocupar múltiplos tempos e espaços. Tais inter-relações entre escrita e 
17 
oralidade não sugere que a contação de histórias deva ser uma prática que se limite somente 
ao espaço da biblioteca e tão pouco apenas voltada para incentivar a leitura. 
 
Nesse sentido, contar histórias deve ser um exercício praticado em quaisquer tempo e espaço, 
portanto, essa atividade é muito bem vinda na sala de aula. A contação de histórias é uma 
fonte extremamente importante para a construção da língua oral da criança, pois se trata de 
uma linguagem estruturada que possibilita observar seu funcionamento e sua apropriação. 
Através dos contos, afirma Élie Bajard (2004, p.17), a criança toma conhecimento das regras 
da sociedade, ou seja, daquilo que pode ou não se feito mediante amigos e inimigos, além 
disso, também possibilita descobrir as regras que comandam a vida do ser humano no planeta 
e sua relação com a natureza. Descobre que os elogios e as punições são conseqüências de 
suas ações, depende se elas forem benéficas ou perigosas, e aí ela toma consciência de que 
cabe a cada um refletir e decidir qual o melhor caminho a seguir. 
 
Porém, quando se fala em contação de histórias como prática de sala de aula, a maioria dos 
educadores se remete aos alunos da Educação Infantil, esquecendo que esta prática também é 
importante para os alunos dos Anos Iniciais, pois eles ainda são crianças em plena fase de 
formação intelectual e emocional e além do que, a contação de histórias é uma prática 
enriquecedora para todas as fases de desenvolvimento do ser humano. 
 
Talvez as tarefas mais importantes e difíceis na criação da criança é ajudá-la a encontrar um 
significado de vida, para tanto é necessário que muitas experiências sejam vividas, isto é, à 
medida que ela se desenvolve vai aprendendo pouco a pouco a si entender melhor os outros e 
relacionar-se, de forma satisfatória e significativa. Como por exemplo, os contos de fadas, 
uma das modalidades de histórias que podem ajudar muito a criança na compreensão do 
significado da vida. 
 
Conforme Walter Benjamin (1996, p.215), o conto de fadas é até hoje o primeiro conselheiro 
das crianças, pois foi o primeiro da humanidade, e sobrevive, resistindo firmemente o passar 
dos anos e a modernização. Segundo ele, o primeiro e verdadeiro narrador é o que continua 
sendo o narrador de conto de fadas. Há muitos séculos o conto de fadas, através de seus 
narradores, vem ensinando a humanidade, e ainda hoje ensina as crianças, que o mais coerente 
é enfrentar as forças do mundo mítico com astúcia e arrogância. Portanto o conto de fadas tem 
18 
o poder mágico que faz a criança perceber que a natureza é cúmplice do ser humano liberado 
e não uma entidade mítica.Como nos afirma Walter Benjamin (1996, p. 215): 
 
O adulto só percebe essa cumplicidade ocasionalmente, isto é, quando está 
feliz; para a criança, ela aparece pela primeira vez no conto de fadas e 
provoca nela uma sensação de felicidade. 
 
Os contos de fadas têm uma grande importância no desenvolvimento psicológico infantil, pois 
sua característica principal é colocar um dilema existencial de forma breve e categórica, 
permitindo que a criança aprenda o problema em sua forma mais essencial, ou seja, os contos 
de fadas buscam simplificar para as crianças as relações e tensões presentes na da vida. Os 
contos de fadas ajudam a desenvolver a mente e a personalidade da criança, porque estimulam 
a sua imaginação e ajudam a clarear as suas emoções, harmonizando muitas vezes suas 
ansiedades e aspirações. Além disso, fazem também com que a criança reconheça plenamente 
suas dificuldades e sugerem soluções para os problemas que a perturbam, ou seja, o conto de 
fadas possui recursos que, segundo Bettelheim (1980, p.13) são necessários às crianças 
lidarem com suas dificuldades e problemas interiores. Por isso sugere a importância de 
trabalhá-los também na escola com as crianças dos anos iniciais. 
 
É necessário que o educador redescubra o valor da contação de histórias na formação 
reflexiva das crianças nos anos iniciais, e deixe de lado a crença de que este tipo de prática 
pedagógica só é cabível na educação infantil. Ao adotar esta prática pedagógica, o educador, 
deve planejá-la estabelecendo o objetivo que pretende alcançar com a história escolhida, 
respeitando a faixa etária, as condições sócio-econômicas, o ponto de vista literário e o 
interesse dos alunos-ouvintes. Estudar a história escolhida, segundo Betty Coelho (1986, 
p.31), é captar a mensagem que nela está implícita e também identificar os seus elementos 
essenciais; estudar a história significa também escolher o recurso mais adequado de 
apresentá-la e quais as atividades posteriores à contação de história poderiam ser trabalhadas 
pelos alunos, pois a história não acaba quando chega ao fim, como nos mostra Betty Coelho 
(1986, p.59): 
 
Sempre que possível, convém propor atividades subseqüentes. As chamadas 
atividades de enriquecimento ajudam a “digerir” esse alimento num processo 
de associação a outras práticas artísticas e educativas. 
 
19 
No entanto, o educador, não deve substituir em momento algum a linguagem infantil pela 
linguagem adulta, mas agir no sentido de que a linguagem do aluno vá progressivamente 
evoluindo a partir do que esta tem de mais expressivo e artístico. 
 
2.3 A Performance do narrador 
 
Segundo Walter Benjamin (1996, p.198) a experiência que vai passando de pessoa a pessoa 
foi a fonte que sempre inspirou todos os narradores ao longo dos anos, portanto o que o 
narrador conta geralmente é retirado da sua própria experiência ou da relatada por outras 
pessoas e ao contá-las as incorpora à experiência de seus ouvintes. Por isso, entre as histórias 
escritas, as melhores são, com certeza, aquelas que não se distanciaram tanto das histórias 
orais contadas pelos narradores anônimos, porque ali existe uma união de experiências, que só 
foi possível pelo fato de existirem pessoas que ainda tem o prazer de compartilhar suas 
experiências. Fato este que atualmente está cada vez mais raro, pois parece que as pessoas não 
têm mais tempo para se encontrar e trocar experiências, é como se as pessoas não soubessem 
mais narrar, tanto que muitos ficam embaraçados quando é cogitado por alguém o desejo de 
ouvir uma história, como nos afirma Walter Benjamin (1983, p.26) “É como se uma faculdade 
que nos parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada. Ou 
seja: a troca de experiências.”. 
 
Para esse mesmo autor o narrador surgiu de dois grupos, um deles entre os viajantes que ao 
chegam sempre de uma viajem trazem na sua bagagem muitas histórias para contar e o outro 
entre os honestos trabalhadores do campo que tinham a necessidade e o prazer de passar suas 
tradições através das histórias como nos aponta Walter Benjamin (1996, p.199): 
 
Se quisermos concretizar esses dois grupos através dos seus representantes 
arcaicos, podemos dizer que um é exemplificado pelo camponês sedentário, e 
o outro pelo marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida 
produziram de certo modo suas respectivas famílias de narradores. 
 
Conforme esse autor, o narrador é uma pessoa que sabe dar conselhos, que através da sua 
sabedoria leva os seus ouvintes a refletir sobre o que ouvem e buscar novos caminhos ou 
simplesmente deixar sua alma se deleitar com sábias palavras, mas os conselhos estão se 
tornando antiquados aos olhos das novas gerações, isso indica que as experiências estão 
deixando de ser comunicáveis. Nessa perspectiva, a arte de narrar estaria definhando porque a 
sabedoria está cada vez mais em extinção. Porém, este processo que de certo modo tenta 
20 
excluir aos poucos a narrativa oral do meio em que vivemos ao mesmo tempo lhe dá uma 
beleza encantadora e cativante, fazendo com que a mesma se desenvolva acompanhando ao 
longo dos anos a evolução das forças produtivas, (BENJAMIN, 1996, p.200). 
 
Quando o narrador conta uma história ele acaba imprimindo nela sua marca, pois a narrativa, 
segundo Walter Benjamin (1996, p.205), mergulha na vida do narrador para em seguida 
emergir dele, então podemos dizer que contar histórias é de certa forma algo artesanal, que 
trás impresso nela a marca do seu narrador, como um vaso feito artesanalmente por um oleiro 
que deixa nele as marcas de suas mãos. 
 
A narrativa oral começou a ser vista como algo arcaico, quando os romances encontraram, 
depois de muito tempo, o seu lugar no meio burguês, mas segundo Walter Benjamin (1996, 
p.202), o florescimento do romance só foi o começo do definhamento da narrativa oral, pois a 
grande responsável por tornar a arte de narrar cada vez mais rara entre as pessoas, foi o 
surgimento da informação que rapidamente cativou os ouvintes, por possibilitar uma 
averiguação imediata e a exatidão dos fatos. Ou seja, essa celeridade de informar na mesma 
hora um fato que ocorre do outro lado do mundo, sugere que estamos, imediatamente, a par 
do acontecimento. 
 
No entanto a informação tem um valor instantâneo, só interessa enquanto for novidade, depois 
desse evento a sua grande maioria cai no esquecimento dos ouvintes. Esse tipo de 
comunicação difere muito da narrativa oral, mesmo depois de passar muito tempo ela 
conserva suas forças e ainda é capaz de gerar outras narrativas. Um exemplo disso são as 
histórias do antigo Egito, que ainda hoje causa espanto e reflexão nas pessoas. Portanto, uma 
“aura” mágica na narrativa oral, algo que faz com que suas histórias vençam o tempo como 
nos mostra metaforicamente Walter Benjamin (1996, p. 204): 
 
Ela se assemelha a essas sementes de trigo que durante milhares de anos 
ficaram fechadas hermeticamente nas câmaras das pirâmides e que 
conservam até hoje suas forças germinativas. 
 
O narrador contemporâneo ao narrar uma história geralmente utiliza-se de uma performance 
artística, dominando técnicas corporais e vocais. Ao estabelecer critérios para escolher as 
histórias, estes narradores que vivem, atualmente, no contexto urbano sugerem que é 
necessária uma performance de alto padrão para contar histórias e envolver os seus ouvintes. 
21 
Essa articulação de expressões corporais torna essa prática mais difícil que a representação de 
um papel no palco. E segundo Burke (1989, p.170): 
 
Combinar fórmulas e motivos e adaptá-los a novos contextos não é um 
processo mecânico; na verdade, “ toda boa improvisação é um ato criativo”. 
Mas a variação ocorre não só em virtude de atos criativos individuaisconscientes, mas também de maneira inconsciente. 
 
A área de atuação do contador de histórias contemporâneo, na verdade, se aproxima muito das 
artes cênicas. O que difere a contação dos espetáculos cênicos é especificamente a relação 
estabelecida pelo olhar do narrador com seus ouvintes, também pela naturalidade e 
simplicidade que narra as histórias, por isso, a performance é a vida que o narrador dá a 
história através da sua voz. Ou, ainda “um ato de comunicação que se distingue de outros atos 
da fala principalmente por sua função expressiva ou poética” (BUSATTO 2005, p.26). 
 
Conforme Paul Zumthor (2000, p.35), a performance completa é exatamente aquela de uma 
narrativa oral, onde, o ouvinte ao mesmo tempo em que ouve pode ter uma visão global da 
situação de enunciação, ao contrário da leitura solitária e silenciosa. A performance possui 
regras as quais, de certa forma, determinam simultaneamente o tempo, o lugar, a finalidade da 
transmissão, a ação do narrador e conseqüentemente a resposta do público ouvinte. São estas 
regras que importam para a narração tanto, ou mais do que as regras textuais. Segundo Paul 
Zumthor (2000, p.37): 
 
A performance e o conhecimento daquilo que se transmite estão ligados, 
naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A 
performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é 
simplesmente um meio de comunicação: comunicando ela o marca. 
 
A performance é algo que diz respeito tanto às condições de expressão quanto a de percepção, 
ou seja, ela indica um ato de comunicação onde à palavra se torna a presença concreta de 
participantes envolvidos nesse ato, neste caso o narrador e seus ouvintes. E conforme Paul 
Zumthor (2000, p.62) comunicar não é simplesmente passar uma informação, e sim, buscar de 
certa forma mudar algo naquele que está ouvindo, pois quer queira ou não quando alguém 
recebe uma comunicação acaba sofrendo alguma transformação. Portanto a performance é 
também um momento de recepção, onde a mensagem é realmente recebida. 
 
Para uma história prender os seus ouvintes, sejam eles crianças ou não, ela deve ser narrada 
de um jeito que os leve a visualizar cada momento, cada ação da história, e para isso o 
22 
narrador deve ter toda uma postura. Um bom exemplo disso é o filme “Narradores de Javé”, 
no início da narração o personagem Zaqueu, estava à beira de uma estrada, enquanto aguarda 
o seu ônibus, começou a contar a história do seu povoado que estava sendo sucumbido pela 
chegada do progresso, ao começar a contação ele tinha apenas um ouvinte, mas ao encerrá-la 
estava rodeado de pessoas que se interessaram em ouvi-lo. 
 
Em sua narrativa falava da historia de um povoado que nenhum dos ouvintes presentes 
conhecia, portanto muitos ouvintes poderiam até nem se interessar pelo que estava sendo 
narrado, porém, o narrador usou sabiamente as palavras e as impregnou de magia e lhes deu 
vida. Seu olhar e sua alma transpiravam cada palavra narrada! Um narrador deve amar o que 
conta e o ato de contar, pois esta arte milenar, que apesar de tantos escritos, ainda perdura 
vencendo o tempo e aqueles que não mais a valorizam. 
 
Na sala de aula, devemos esforçar para inundá-la dessa magia, a história só irá prender a 
atenção dos alunos e envolvê-los na trama da narrativa, se o narrador souber conduzir bem 
este momento. Para isto o narrador precisa conhecer bem as histórias que vai contar, ensaiar 
com antecedência e mostrar paixão por aquilo que está contando, assim ele conseguirá dar 
vida e emoção a história no momento da narração. Segundo Celso Sisto (2005, p.30) parece 
um mistério, mas precisamos sentir algo especial pelo conto, pois acreditamos que 
conseguiremos contar bem uma história somente se ela nos tocar de forma especial. “É a 
paixão que vai permitir o trânsito e a circulação da história.” (CELSO SISTO 2005, p.30). 
 
Ao narrar uma história, principalmente para crianças, é preciso fazê-la de um jeito que pareça 
que você já viu ou já viveu tudo aquilo que está contando, criar suspenses, dar pausas, criar 
intervalos durante a narração, conforme Fanny Abramovich (1991, p.21) é necessário 
respeitar o tempo para que o imaginário dos ouvintes possa construir o seu cenário e 
visualizar tudo o que está sendo narrado, ou seja, viajar no mundo mágico da imaginação. 
 
O mais importante é que as crianças deixem sua imaginação interagir com as histórias, para 
quando voltarem à realidade possam fazer ligações, refletir com o mundo real e retirar delas 
os diversos sentidos que a mesma sugestiona para aquele momento vivido por cada um. 
Portanto, como nos afirma Celso Sisto (2005, p.21): 
 
23 
O mais importante é que todos saiam satisfeitos, com a sensação de que a 
criação da beleza pode se dar em palavras, com a força de quem refaz o 
mundo no espírito, no mistério, no humor, na maravilha, e depois abre a porta 
para o insuspeito. 
 
Por esta razão o narrador precisa estar disposto a criar uma cumplicidade entre história e 
ouvinte, deixando espaços para que o ouvinte se envolva e recrie. Esses espaços que servirão 
para o ouvinte transitar pelas histórias podem ser construídos segundo Celso Sisto (2005, 
p.22) “[...] pelas pausas, silêncios, ações, gestos e expressões de forma harmônica”, ou seja, 
nunca de forma mecânica, senão a narrativa perde sua vivacidade e o seu poder de 
encantamento. 
 
Quando o narrador, no caso da sala de aula, tem a intenção de através desta prática da 
contação de histórias alcançar alguns objetivos, terá inicialmente que conhecer seus alunos, 
perceber o momento que estão vivendo e os referenciais de que estão necessitando, para só 
então selecionar as histórias que serão narradas. Utilizando estes critérios talvez consiga 
posteriormente através de algumas atividades lúdicas constatar se realmente alcançou ou não 
os objetivos inicialmente traçados. 
 
Porém o mais correto é que estas histórias contadas em sala de aula, não fiquem somente no 
didatismo e lição de moral, presas a conteúdos programáticos, mas que seja um momento de 
prazer, onde o aluno realmente consiga se deixar levar pelo mundo mágico das palavras e 
através dessa viagem faça suas reflexões construindo os seus significados, de acordo com a 
sua subjetividade e suas reais necessidades. 
 
2.4 Como as crianças recebem as histórias contadas 
 
A contação de histórias é uma prática muito importante para a formação reflexiva das 
crianças, ela traz consigo muitas oportunidades para que as crianças façam várias reflexões 
sobre a vida, e isso ocorrerá de acordo com a necessidade de cada uma, ou da forma como 
cada uma recepcionará a história, no momento em que percebe a trama entra em jogo a 
subjetividade e o modo de cada uma se relacionar internamente com o mundo externo. Pois as 
histórias narradas trazem consigo lacunas, espaços em branco, que de certa forma dá liberdade 
para que cada criança, de acordo com a sua percepção vá preenchendo, dando sentido, sentido 
este que, segundo Paul Zumthor (2000, p.62) é transitório e ficcional. Portanto em uma sala 
de aula os vários alunos e alunas poderão dar diferentes sentidos para uma mesma história, 
24 
como também, uma criança ao ouvir uma mesma história em momentos diferentes da sua vida 
com certeza refletirá diferentemente em cada momento. 
 
A contação de histórias leva a criança a refletir e lhe possibilita desenvolver sua capacidade 
critica, ao ouvir belas histórias de princesas a criança poderá, por exemplo, fazer ligações com 
o mundo real, onde a sociedade atual impõe através da cultura do consumo uma beleza 
estereotipada, ou seja, a mulher deve ser sempre bela e magérrima. Mas se as mulheres não 
são todas iguais porque buscar uma beleza homogênea, quando se sabe que esse atributo 
estético é marcado por um tempo que certamente é efêmeroe que os qualificativos femininos 
estão apenas no corpo, então quer dizer que a mulher não pode ter outros atributos além da 
beleza? Por que a beleza tem que ser padronizada? Beleza é algo heterogêneo, é múltipla. 
Outro ponto que pode ser indagado a partir da reflexão da criança é o fato de que hoje ao 
contrário do passado as meninas crescem aprendendo que a mulher precisa conquistar o seu 
espaço, ou seja, adquirir sua independência financeira e profissional, mas apesar de tantas 
mudanças no comportamento feminino, elas ainda alimentam o sonho de um dia encontrar o 
seu príncipe encantado. 
 
Nesse sentido é importante lembrar com Paul Zumthor (2000, p.90), que uma pessoa quando 
ouve uma história acaba criando uma unidade muito forte na ordem da percepção, ou seja, o 
ouvinte se utiliza ao mesmo tempo da audição, da visão, do tato contaminando 
simultaneamente a compreensão e a emoção que ficam entrelaçadas. Essa mistura é 
promovida pela presença comum do narrador e do ouvinte dentro de um único espaço. Pode-
se dizer que a prática da contação de histórias é algo forte e profundo porque envolve mais 
tanto experiências de vida como o faz de conta o prazer de estar junto de alguém praticando e 
dividindo algo, que está cada vez mais difícil de se presenciar – nos tempos de hoje – ouvir e 
contar histórias. Conforme Paul Zumthor (2000, p.98): 
 
[...] escutar um outro é ouvir, no silêncio de si mesmo, sua voz que vem de 
outra parte. Essa voz, dirigindo-se a mim, exige de mim uma atenção que se 
torna meu lugar, pelo tempo dessa escuta. 
 
Quando se conta uma história se abre um portal para o pensamento mágico, onde através do 
som das palavras e do gesto corporal se invoca imagens, que vão surgindo magicamente na 
cabeça dos ouvintes, embalados por uma emissão emocional. Fazendo com que o ouvinte, de 
acordo com Celso Sisto (2005, p.28), vivencie uma suspensão temporal, ou seja, naquele 
25 
exato momento não interessa mais o tempo cronológico, mas o afetivo, que é de certa forma o 
elo da comunicação. 
 
Por isso esse autor afirma com tanta sabedoria que “contar histórias hoje significa salvar o 
mundo imaginário.” Celso Sisto (2005, p.28). Porque diante da sociedade em que hoje 
vivemos, as imagens, em muitos casos, são reproduzidas massivamente pelos meios de 
comunicação, deixando em alguns momentos pouco espaço para que as crianças exercitem a 
sua imaginação criadora. Por isso a necessidade de dar outras oportunidades para a criança 
trabalhar a sua imaginação criadora, como através da prática da contação de histórias, que 
apesar de na maioria das vezes não trabalhar com imagens, somente com vozes, a magia das 
palavras permite que a criança viaje imaginariamente para lugares diferentes, visualize cada 
personagem, cada momento da história, enfim recrie e vivencie toda a história na sua mente, 
sem necessariamente precisar de imagens. 
 
Segundo Celso Sisto (2005, p. 37), “o ouvinte de uma história é ao mesmo tempo espectador 
e leitor. E conjugar essas duas posições ao mesmo tempo requer traquejo”. Porém diria mais, 
trata-se mais do que traquejo, de um precioso exercício de muita concentração e muita 
imaginação. No transcorrer da história o ouvinte costuma tecer um emaranhado de 
significados através da sua leitura subjetiva; ao mesmo tempo em que ouve 
compenetradamente a história que está sendo narrada vai fazendo suas leituras não só no que 
está sendo narrado, mas também, nas entrelinhas, aquilo que o narrador vai deixando no 
percurso da contação. 
 
A recepção das histórias se dá em circunstâncias psíquica privilegiada como através da 
performance do narrador, pois é tão-somente neste momento que o ouvinte, segundo Paul 
Zumthor (2000, p.61), encontra a obra de maneira indizível e pessoal, ou seja, é o momento 
no qual ouvinte e obra se encontram e tornam-se cúmplices dos mesmos sentidos e 
pensamentos concretizando finalmente a recepção. A esse respeito é importante a reflexão de, 
Paul Zumthor (2000, p.59), para quem “[...] a performance é a única que realiza aquilo que os 
autores alemães, a propósito da recepção, chamam de ‘concretização’”. 
 
 
 
 
26 
3 O CONTEXTO CULTURAL DA ESCOLA MUNICIPAL DA 
ENGOMADEIRA 
 
 
3.1 A escola e o bairro 
 
Esta pesquisa foi realizada na Escola Municipal da Engomadeira que fica situada, à rua da 
Engomadeira, nº 189, bairro Engomadeira – Salvador – BA, foi fundada em 1989, para 
atender aos alunos da comunidade da Engomadeira, Cabula e adjacências. No ano de 1998, a 
escola foi ampliada, no intuito de atender um número maior de alunos e passou a funcionar 
nos três turnos. Seu público é formado por filhos de trabalhadores do mercado informal e 
diaristas, sendo que muitos desses alunos ingressam na escola com uma idade avançada por 
terem que trabalhar para ajudar na renda familiar, esse pode justificar o alto índice de 
defasagem idade-série. A escola atende a todas as séries dos Anos Iniciais do Ensino 
Fundamental, a Educação Infantil e a EJA. 
 
Localiza-se na periferia de Salvador, em um bairro que abriga famílias de classes populares, 
numa rua pavimentada, possui salas razoavelmente espaçosas, bem iluminadas, mas pouco 
arejadas, água encanada, luz elétrica, telefone e o maior problema enfrentado no momento é a 
segurança pública. A escola é bem localizada, vizinha de um posto médico, pois possui pontos 
de ônibus muito próximos, muitas opções de linhas de ônibus que facilitam o acesso à mesma, 
inclusive dos funcionários e de alunos que moram em bairros adjacentes. 
 
O bairro da Engomadeira, onde a escola se localiza, já abrigou no passado fazendas de 
coronéis e chácaras onde as pessoas cultivavam agricultura de subsistência e tinha muitas 
fontes e nascentes que eram utilizadas nas tarefas domésticas, no lazer e nos ritos ás 
divindades afro-brasileiras. Segundo moradores mais antigos a ação feminina foi decisiva 
para a formação do bairro, tanto que o nome do bairro é decorrência da atividade mais 
praticada pelas mulheres daquela época, famosas lavadeiras e engomadeiras das roupas dos 
quartéis das forças armadas. 
 
Hoje é um bairro povoado e urbanizado desordenadamente por famílias de classes populares. 
É considerado um dos bairros mais violentos da cidade de Salvador e o grande índice de 
27 
violência se dá devido ao tráfico de drogas, fato que repercute na mídia local é visualizado e 
identificado na fala dos alunos através de conversas paralelas no período das aulas e durante a 
oração – prática inicial da aula – onde as crianças diariamente têm um momento para 
conversar com Deus e a oportunidade de fazer seus pedidos e agradecimentos, sendo que a 
maioria dos pedidos são para amenizar o sofrimento de vitimas, conhecidas ou não das 
crianças, que sofreram algum tipo de violência naquela localidade. 
 
O bairro apresenta um expressivo processo de organização cível através de entidades como: 
Conselho de Moradores do Bairro da Engomadeira (COMOBE); Terreiro Kafunji Odé 
L’Funji; Cooperativa múltiplas fontes de Engomadeira, (COOFE); Rádio Hits Modulada 
comunitária; Terreiro Viva Deus Filho; Artebagaço Odear; Associação de capoeira de defesa 
e ataque nova geração ;Grupo de capoeira angola Cabula (GCAC); Bloco afro arca do axé e 
Vídeo Produtora da Engomadeira (VIPE). Essas instituições, em sua maioria, desenvolvem 
trabalhos de assistência social voltados para a população local, também buscam resgatar a 
auto-estima dos afro-descendentes em situação de vulnerabilidade social, através do 
reconhecimento da história de seu povo contada por seus antepassados, e também colaboram 
para a preservação da origem e da cultura dos seus antepassados. O foco dessas ações se 
direciona para tradições e cultura afro-baiana porque o bairro da Engomadeira compõe a área 
do Cabula, território remanescente de quilombo que detémum grande patrimônio cultural 
vivo. 
 
3.2 Os alunos do 5º ano B 
 
A turma escolhida para esta pesquisa-ação foi o 5º ano B do turno vespertino, na qual estou 
fazendo meu estágio supervisionado, ou seja, procurei unir “o útil ao agradável”, já que este 
semestre é atípico, e foi totalmente reduzido. E também para fazer um trabalho como este, 
onde atuarei como narradora mediando através das histórias e das discussões em sala de aula a 
reflexão, a criatividade e a criticidade das crianças, é necessário conhecer a turma e ter certa 
afinidade para que eles se sintam seguros para expor suas reflexões de forma escrita. 
 
A turma é composta por 32 alunos, 14 meninas e 18 meninos, com a faixa etária de 09 a 17 
anos, sendo que 07 deles têm a idade de 13 a 14 anos e 01 de 17 anos. A maioria deles moram 
no próprio bairro ou em bairros adjacentes. A turma possui vários alunos que trabalham na 
informalidade e, na maioria, pertencem a famílias constituídas por 5 pessoas, com pais 
28 
trabalhadores autônomos, diaristas, desempregados. Alguns deles moram com avós ou tios, 
muitos têm pais separados, ou seja, a maioria deles vive a real e atual situação familiar deste 
século. É percebível na fala de muitos o descontentamento dessa situação familiar, pois se 
entristecem em falar que não tem pai, mãe ou por não terem a possibilidade de morar com os 
pais. 
 
A grande maioria dessas crianças nunca foi ao shopping, cinema e tão pouco ao teatro, a 
diversão delas se resume em brincadeiras na sua própria rua e uma minoria que se diverte 
indo a Lan House do bairro. São crianças extremamente desfavorecidas econômica e 
afetivamente. Mas ainda assim, são crianças inteligentes, alegres, comunicativas e bastante 
levadas. 
 
Todos os alunos estão no mesmo nível de alfabetização, ou seja, todos sabem ler e escrever, 
fato este que foi constatado mediante atividades feitas em sala de aula, a dificuldade maior da 
turma são nas quatro operações matemáticas, pois a maioria deles não consegue abstrair na 
hora de resolver os problemas, ainda estão muito presos ao concreto. A turma é disciplinada, 
participativa e não apresenta sinais de agressividade entre si durante a aula, porém no 
intervalo gostam de brincadeiras que envolvem lutas, das quais até as meninas participam. 
Existe entre eles e a professora regente um respeito mútuo. Apesar de eles serem de uma 
classe mais desfavorecida em vários sentidos, a professora regente não deixa que os mesmos 
se sintam vitimas da situação – “uns coitadinhos” -, ela mostra que todos são muito 
inteligentes e capazes de aprender, basta ter força de vontade. 
 
3.3 A professora regente do 5º ano B 
 
A turma do 5º ano B tem como regente a professora A. Q. com formação no Ensino Médio 
em Magistério concluído no Instituto Central de Educação Isaías Alves (ICEIA), Graduada 
em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduada em Pedagogia 
Organizacional e Desenvolvimento de Recursos Humanos pelo Centro de Pós-graduação Olga 
Metting (CEPOM), tem 33 anos de idade, e há 16 anos atua em sala de aula. A professora 
regente tem um ótimo domínio da turma, não precisa em momento algum alterar a voz, é 
paciente, atenciosa e carinhosa. Freire (1993, p.38) em “Professora Sim, Tia Não”, mostra que 
a professora precisa ter consciência e a ousadia para se fazer educadora, com paixão e com 
29 
postura profissional. Portanto é indispensável uma postura profissional, mas é preciso também 
amar o que faz para que sua atuação tenha um verdadeiro sentido. 
 
A professora regente também possui um ótimo domínio dos conteúdos e procura trabalhá-los 
de forma contextualizada, aproveitando sempre as experiências dos seus alunos, está sempre 
valorizando as descobertas dos mesmos, admirando-os e respeitando-os. Percebe-se que o que 
existe entre ela e seus alunos é uma verdadeira troca de conhecimentos, ou seja, nesta sala 
todos saem aprendendo. Sabe aproveitar o tempo de aula ao máximo, utilizando-o de forma 
encadeada e lógica, utiliza também todos os recursos disponíveis. Procura atender os alunos 
como um todo e também individualmente, chamando a atenção para os erros ocorridos 
durante as atividades e mostrando o que e como poderia estar melhorando. Como Candau 
(2002, p.41) nos mostra, os problemas da prática dos educandos deverão ser considerados 
como ponto de partida e ponto de chegada do processo, garantindo uma reflexão com o 
auxilio de fundamentação teórica que amplie a consciência do educador em relação aos 
problemas e que aponte caminhos para uma atuação coerente, articulada e eficaz, frente aos 
problemas diários da sala de aula. 
 
Foi possível ainda perceber que a professora regente é uma pessoa bem comprometida com o 
seu papel de educadora, pois está sempre muito preocupada com a aprendizagem dos seus 
alunos, aprendizagem esta que vai além dos conteúdos programáticos, ela se preocupa muito 
com a formação social dos seus alunos e neste sentido Freire, nos chama sempre a atenção, 
para a perspectiva da importância do diálogo para formação de sujeitos autônomos como um 
ponto fundamental para se pensar sobre o papel da educação na construção de uma sociedade 
mais democrática. 
 
3.3.1 A professora regente do 5º ano B e a prática de narrar na sala de aula 
 
Entrevistei a professora regente do 5º ano B com o intuito de descobrir se praticava a 
contação de histórias em sala de aula e quais eram seus objetivos. Para isso convidei a 
professora e ao receber uma resposta positiva, combinei com ela o local, o dia e à hora da 
entrevista, em seguida organizei uma entrevista semi-estruturada, a escolha desse instrumento 
de pesquisa se deu pelo fato dele possibilitar um contato direto com a fala da informante, 
enriquecendo a analise das respostas, pois neste caso podemos fazer leituras até dos silêncios 
do entrevistado. 
30 
Na entrevista que me concedeu a professora regente relatou que gosta muito de ler jornais, 
revistas, livros didáticos, histórias bíblicas, entre outros. Que cresceu ouvindo o seu pai, tias e 
avós contando histórias das mais variadas, desde reais até as fictícias, ou seja, era uma prática 
que fazia parte do seu circulo familiar e afirma: 
 
Minha mãe nos incentivava a ler histórias comprando muitos livros e até 
discos de vinil que traziam histórias contadas. 
 
Relatou que estas histórias ouvidas durante a sua infância lhe ajudaram muito na sua 
formação: 
 
Sem dúvida ouvir histórias me ajudou a construir muitos mundos, minhas 
fantasias, meus sonhos, mas também, me ajudou a considerar experiências 
alheias e a aprender com elas de forma a superar dificuldades e a me 
desenvolver. 
 
Por isso ela confessa gostar de trabalhar com a prática da contação de histórias na sua sala de 
aula e para isso ela é bastante criteriosa, escolhe histórias interessantes e empolgantes que 
possam ser aplicadas na vida das crianças e que também estimule a imaginação e a 
criatividade, por isso costuma selecionar com cuidado as histórias que irá contar: 
 
Seleciono-as de acordo com a faixa etária de meus alunos e seus pontos de 
interesse. Só conto histórias que me empolguem para que eu também tenha 
bastante motivação para contá-las. 
 
Esse relato da regente vem reafirmar as observações anteriores, quando contamos uma 
história que amamos, ela consegue envolver com muito mais magia e amplitude os ouvintes e 
segundo Fanny Abramovich (1981, p.20) cada narrador deve ter o seu critério para escolher as 
histórias que irá narrar e para isso é preciso conhecer as suas crianças e quais os seus 
interesses para que a contação se torne realmente um momento de alegria e prazer. 
A professora regente cita que os alunos gostam muito desta prática na sala de aula, que ficam 
muito ansiosos e bastante curiosos e observa que ao ouvir as histórias muitosdeles mudam o 
seu comportamento perante a vida e as pessoas, se sentem mais a vontade para opinar. 
Segundo ela: 
Eles reagem como alguém que aprendeu com a experiência de outros, se 
tornam mais maduros, mais espertos, mais vividos. 
Sempre que utiliza a prática de contação na sala de aula procura propor uma atividade 
posterior à mesma: 
31 
Reconto coletivo, Interpretação de texto, apresentação teatral, transcrição do 
texto, desenho das cenas, etc. 
 
Esta atitude por parte da professora regente é muito positiva, conforme Betty Coelho (1986, 
p.59) que é importante propor atividades subseqüentes a contação, porque a história funciona 
como um agente desencadeador de criatividade e reflexão fazendo com que cada pessoa sinta 
vontade de se expressar de alguma forma. 
 
Através dessa entrevista foi possível constatar que a professora regente é uma pessoa 
realmente comprometida com a formação dos seus alunos, pois ela entende que apesar dos 
seus alunos serem do 5º ano eles também precisam desses momentos de contação de histórias 
para trabalhar e enriquecer a criatividade, a critica e a reflexão, como a própria Fanny 
Abramovich (1981, p. 23) afirma, “[...] mesmo as crianças maiores, que já sabem ler, também 
podem sentir grande prazer no ouvir...”. 
 
É preciso que o educador que está atuando em sala de aula compreenda que as histórias não 
são somente para ensinar conteúdos, mas um momento para viajar no mundo da imaginação e 
quando emergir desse mundo mágico poder trazer de lá respostas para muitas perguntas, 
soluções para inúmeras questões, conforme Fanny Abramovich (1981, p. 23), “Não devíamos 
esquecer nunca que o destino da narração de contos é o de ensinar a criança a escutar, a 
pensar e a ver com os olhos da imaginação”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
32 
4 A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS NA ESCOLA MUNICIPAL DA 
ENGOMADEIRA 
 
4.1 Momentos da contação de histórias na turma do 5º ano B 
Foram selecionadas propositalmente três histórias para serem contadas durante a aula com o 
intuito de averiguar a reflexão, a criticidade e a criatividade dos alunos da turma do 5º ano B 
do turno vespertino. As histórias foram contadas com o intervalo de quinze dias, respeitando o 
planejamento programático da unidade. Cabe aqui ressaltar que as histórias foram contadas 
com o objetivo de trabalhar a reflexão das crianças e não os conteúdos programáticos. 
Estudei as histórias antes de contá-las na sala de aula, buscando me apropriar da essência e da 
magia de cada uma contei várias vezes para meus filhos e para mim mesma procurando obter 
um equilíbrio entre naturalidade e emoção. Quando as narrei na sala de aula busquei ser 
natural, enfatizar os momentos de suspense, o tom e a modulação da voz em concordância 
com as personagens. Segundo Celso Sisto (2005, p.22) para garantir que uma narração seja 
viva e envolvente é necessário agregar elementos como a originalidade, surpresa, conflitos 
instigantes, questionamentos nas entrelinhas e a expressividade. Por isso procurei ser bastante 
expressiva, ou seja, narrei com o olhar, com a voz e com alma, pois entendo que só assim é 
possível envolver as crianças neste mundo mágico das palavras e levá-las a refletirem sobre o 
que ouviram. 
A metodologia aplicada para alcançar tal objetivo foi à pesquisa – ação, onde atuei como 
narradora procurando, de certa forma, mediar através da narração das histórias a reflexão, a 
criticidade e a criatividade dessas crianças que infelizmente possuem muito poucas 
oportunidades para aguçar sua imaginação criadora e sua liberdade de expor os seus 
sentimentos, seus problemas, suas angústias e até mesmo relaxar e ter um momento de prazer, 
ou seja, viajar na magia das palavras por puro e mero prazer. Conforme Cecília Meireles 
(1981, p.154), “[...] precisamos pensar e exprimir o pensamento. Porque precisamos ser 
lúcidos e exatos. O mundo sofre por uma imperfeita comunicabilidade dos homens. Não 
dizemos o que pensamos? Ou não pensamos o que dizemos?”. 
 
33 
4.1.1 Primeira história contada na sala de aula: Bom dia todas as cores 
 
Em seu livro “Bom dia todas as cores”, a autora Ruth Rocha narra a história de um camaleão 
que, apesar de adorar a cor-de-rosa, sempre estava usando outras cores, isso acontecia porque 
ele não sabia dizer não a ninguém e queria sempre agradar os amigos, ou seja, se deixava 
levar pela opinião dos outros. 
 
Porém, certo dia ele percebeu que essa postura estava virando um problema, pois, além de ser 
cansativo mudar de cor o tempo todo, ele nunca estava feliz consigo mesmo. Foi aí que ele 
descobriu que antes de agradar aos outros precisava agradar primeiro a si mesmo, a partir 
desse dia mudou sua postura e passou a usar somente a cor que ele gostava sem se importar 
com a opinião dos outros. E assim se tornou um camaleão mais feliz. 
 
No intuito de verificar o comportamento dos alunos diante de uma história – meu objeto de 
estudo –, utilizei a contação da história “Bom dia todas as cores” de Ruth Rocha, cujo 
experimento foi realizado com a turma do 5º ano. A primeira reação da turma ao saberem que 
iria lhes contar a história foi de um coro de “vivas”. Esse momento foi de suma importância, 
pois representou uma aceitação e um envolvimento daquelas crianças com a minha proposta. 
 
Após o primeiro momento de descoberta, os alunos me informaram que gostavam muito de 
ouvir histórias e me pareceram entusiasmados com a idéia. Quando a história começou a ser 
contada, todos ficaram em silêncio prestando muita atenção, ficaram com olhares e ouvidos 
atentos e compenetrados. 
 
A fim de averiguar a atenção e a reflexão dos alunos diante da história que ali se contava, 
realizei algumas perguntas, provocativas. 
- Para minha surpresa não responderam nada. 
- Talvez, por ser nosso primeiro encontro, o primeiro contato direto: narradora e 
ouvintes em sala de aula, a falta de costume pode ter gerado uma timidez; 
- Essa postura tímida me levou a perceber que havia um certo receio para opinar sobre 
qualquer coisa. 
 
34 
Ao término da narração da história, iniciou-se uma discussão sobre o que a história tratava e 
se realmente haviam gostado de ouvi-la. Essa tentativa é válida, pois busca verificar o 
entendimento sobre o que foi contado e se a prática da contação de história conseguia 
envolver e atiçar as crianças em seu gosto. 
 
Diante desta provocação, surgiram tímidos comentários de que a história era muito boa e um 
dos alunos comentou que achou a história engraçada. Isso leva a refletir que a contação de 
história foi bem recebida e o processo investigativo poderia ser aplicado. Quando 
questionados sobre o que tratava a histórias apenas dois alunos fizeram comentários: 
 
 A gente tem que fazer o que gosta pró. (R.11anos) 
 A pessoa tem que ser decidida. (A. 14 anos) 
 
Porém um terceiro aluno ficou mais interessado em saber por que o camaleão – o animal 
verdadeiro – muda tanto de cor, pergunta esta que foi respondida. Refletindo sobre o 
questionamento de J. 12 anos – que perguntou sobre o camaleão – me fez perceber que a 
história conseguiu envolvê-los e possibilitou uma ponte entre o mundo da história e o mundo 
real, ou seja, fez com que aquela criança saísse por um momento do imaginário e buscasse 
referência sobre aquela personagem, o camaleão, no seu contexto real. E esse fato foi 
extremamente importante, pois foi possível perceber que a contação de história possibilitou de 
alguma forma a interferência na sua aprendizagem. 
 
Conforme Betty Coelho (1986, p.15) a história é como a uma alimentação, não se dá para um 
lactente feijão, pois fará mal a ele, é preciso esperar que ele cresça e seu organismo esteja 
preparado para receber este alimento. Segundo essa autora “a história também é assimilada de 
acordocom o desenvolvimento da criança e por um sistema muito mais delicado e especial”. 
Por isso a necessidade de se escolher a história a ser contada, tendo em vista a quem contar, 
para que a contação não se torne um momento chato e sem sentido. 
 
Outra questão que me chamou atenção foi analisar a dificuldade deles em expor o que 
pensavam sobre a história através das inferências e durante a discussão. A incapacidade deles 
em dialogar me deixou frustrada, tanto que conseguiu abalar a confiança que eu depositava na 
prática da contação de história referente à formação reflexiva das crianças. 
 
35 
Buscando diagnosticar o que representou a prática da contação de história, solicitei, ao 
término da tímida discussão, que os alunos fizessem uma redação falando sobre o seu perfil. 
O título intencionalmente planejado foi “Quem sou eu?”, pois assim poderia através da 
atividade verificar a reflexão critica sobre a história contada. Como planejado, em todos que 
realizaram essa atividade observei: animação, envolvimento, perda da timidez e participação. 
Percebi ainda, a necessidade deles em escrever tudo àquilo que não quiseram falar durante a 
narração e a discussão, e escreveram de forma autônoma e livre. A percepção deste 
comportamento – nas crianças – é fundamental, pois se verifica que a contação de história 
interfere na auto-estima, segurança, autoconfiança e é uma atividade agregadora de valores e 
rompe com a barreira entre a criança e o professor-narrador. 
 
A leitura da atividade proposta, conforme supracitado no parágrafo anterior, seu deu em 
minha residência. A ansiedade que me envolvia fez romper com a minha rotina diária – largar 
os livros, beijar meus filhos, tomar meu banho e preparar o jantar –, naquele momento só o 
que me interessava eram os registros das crianças, pois era extremamente importante 
averiguar se realmente a contação de história tinha alcançado o meu objetivo inicial, que era 
ver como elas refletiram após a narração daquela história. Para minha surpresa e alegria, todas 
as redações apresentaram uma grande riqueza em termos de reflexões e criticidade, 
demonstrando que realmente a contação de histórias é muito importante para a formação 
reflexiva das crianças. 
 
As redações das crianças revelaram que ao ouvir a história elas refletiram e se libertaram de 
certas amarras, deixando fluir idéias e reflexões, que naquele instante diante de uma simples 
folha de papel e de um momento mágico puderam abrir o coração e desabafar suas dores, falar 
dos seus amores e contar seus segredos mais íntimos, sem se preocupar com a possibilidade 
de alguém ler ou não. 
 
Para ilustrar o que foi citado no parágrafo anterior, apresento o relato da aluna J.17 anos que 
fez questão de registrar na sua redação os amores que teve até hoje, detalhando de como se 
apaixonou por cada um deles, o que a levou deixá-los e decididamente nunca mais procurá-
los: 
 
Comecei a namorar com 13 anos, mas minha mãe não queria, pois dizia que 
eu era muito nova e ele era casado. Foi quando descobri que ele estava me 
traindo e então terminei tudo. Depois conheci João Paulo no campo da 
36 
barreira, fiquei muito apaixonada por ele, no começo ele era muito bom, me 
agradava, mas descobri que ele também me traia, então brigamos e ele 
terminou tudo. Eu chorei muito e sofri, mas não quero mais saber dele. (J. 17 
anos) 
 
Esse relato da aluna demonstra que ela refletiu sobre a história narrada, tanto que buscou uma 
ligação com a sua realidade, relatando estes fatos em seu perfil para provar que ela era alguém 
decidida, que sabe o que quer da vida, ao contrário da personagem principal da história, o 
camaleão. Conforme Fanny Abramovich (1991, p.17) ao se deparar com as personagens das 
histórias a criança pode “[...] esclarecer melhor as próprias dificuldades ou encontrar um 
caminho para a resolução delas...” 
 
Outro caso de reflexão interessante, decorrente dessa contação de história foi a do aluno D. 11 
anos, que utilizou desse momento para relatar o seu sofrimento por presenciar, junto com seus 
irmãos, o pai agredir fisicamente a mãe e em seguida a alegria e o alivio de ver o pai partir, 
deixando-os em paz: 
 
Eu e meus irmãos chorávamos, porque não agüentávamos ver meu pai e 
minha mãe brigando. Meu pai chegava a bater na minha mãe. Eu agradeço 
porque o meu pai foi morar na casa da minha avó. E assim nós estamos 
felizes porque não estamos mais vendo meu pai e minha mãe brigarem. (D. 
11 anos) 
 
 É possível averiguar neste caso que a contação de histórias, por se tratar da história pessoal 
de alguém, o camaleão, que passou por um problema, mas um belo dia resolveu superá-lo, o 
ajudou emergir do imaginário da história e relatar sem medo seus problemas reais e confessar 
como estava aliviado e feliz por estar superando o seu problema. Segundo Fanny Abramovich 
(1991, p.17) as histórias possibilitam a descoberta de um mundo imenso de conflitos e 
impasses, mas também de soluções do qual todos vivemos e atravessamos, por isso 
dependendo do momento que a criança está vivendo ela pode se identificar com as 
personagens, com seus problemas e suas soluções. 
 
 
O mesmo ocorreu com o aluno D. C. 11 anos que revelou na sua redação ser apaixonado por 
uma colega de classe, segredo este que ele só dividia com o seu melhor amigo: 
 
A menina que eu mais gosto é Carolaine e o meu amigo mais querido é 
Rodrigo, só ele sabe que eu gosto dela. Ela é muito bonita e eu acho que ela 
também gosta de mim. (D. C. 11 anos) 
 
37 
Aqui foi possível constatar que ele se sentiu tão à vontade, após ouvir a história, que revelou 
seu segredo mais intimo, em sua redação é interessante perceber é que da forma como 
escreveu era como se ninguém fosse ler aquilo que ele escreveu, por isso ele se sentiu livre 
para falar do seu amor. 
 
Mediante esta história, ainda foi possível perceber que todas as crianças tiveram a necessidade 
de revelar as expectativas futuras do que gostariam de ser quando crescesse, assim como 
registraram também quais as pessoas da família que mais gostavam ou detestavam. Neste 
momento é possível averiguar a necessidade que as crianças têm de falar de si, dos seus 
sonhos e sentimentos e a contação da história dá esta oportunidade, libertando-as para que 
falem um pouco de si sem medo, sem vergonha ou qualquer outro sentimento de reprovação. 
E para comprovar o que foi dito, cito abaixo alguns relatos que foram registrados nas 
produções escritas dos alunos: 
 
O que eu mais odeio é o meu irmão ele é insuportável. (I. 11 anos) 
Eu gosto muito de bater no meu irmão, de reclamar com ele. Eu fico muito 
nervosa porque ele também gosta de me bater. Meu pai reclama comigo 
porque bato no meu irmão, mas eu não obedeço ao meu pai e nem a minha 
mãe. (M. A. 12 anos) 
 
Eu gosto muito da minha família principalmente da minha vó Clarice, ela 
mora no interior, mas sempre que posso vou visitá-la. (P. 9 anos) 
 
Eu gosto muito dos meus irmãos, dos meus amigos e da minha mãe. Eu amo 
o meu pai. (I. 12 anos) 
 
Eu quero ser quando crescer eletricista como o meu pai. (M. 11 anos) 
 
Eu quero ser um administrador de empresas e viajar por vários países. (A. 14 
anos) 
 
Adoro animais e quando eu crescer quero ser uma veterinária. (C. 11 anos) 
 
Adoro cozinhar, inventar comidas diferentes, acho que quando crescer vou 
ser cozinheiro. (R. T. 13 anos) 
 
Segundo Nely Novaes Coelho (2000, p. 54), as histórias são extremamente importantes nesta 
fase de amadurecimento interior e para a formação da criança e na relação que estabelece 
entre si mesma e o mundo à sua volta. As diversas facetas das personagens ajudam as crianças 
a compreenderem certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social. 
 
 
38 
4.1.2 Segunda história contada em sala de aula:A serpente de Olumo 
 
O autor Félix Omidire narra no seu conto “A serpente de Olumo” a história de Ayobami, um 
belo jovem que ao chegar à idade de se casar precisou se decidir entre duas pretendentes, Olu 
e Yemessi, sendo que ambas eram suas amigas de infância, muito bonitas e gostavam muito 
dele. Diante de tamanha indecisão do pobre moço, os deuses resolveram dar “uma mãozinha” 
e enviaram uma serpente mágica que mordeu Ayobami e o levou a óbito deixando suas 
pretendentes desesperadas. 
 
Diante do desespero uma delas, Olu, pediu para que a serpente também lhe mordesse, pois 
preferia morrer com o seu amado a viver sem ele, e a serpente prontamente lhe atendeu. Já a 
outra pretendente, Yemessi, resolveu matar a serpente para vingar o seu amado, mas, muito 
astuta fez um acordo com a jovem prometendo que, ressuscitaria o seu amado, se ela a 
deixasse partir viva, mas impunha outra condição teria que ressuscitar também a outra 
pretendente. Após, fechar o trato os falecidos foram ressuscitados. 
 
Depois de voltar à vida e se deparar com suas duas pretendentes Ayobami, não perdeu mais 
tempo em ficar pensando com quem se casaria, decidiu logo. Porém, o autor da história não 
afirma qual foi à escolhida, com quem ele casou e utiliza esse artifício, na verdade, para 
provocar a imaginação de cada ouvinte. Terá aqueles que irão preferir aquela que morreu por 
amor a ele e outros que irão preferir àquela que o trouxe de volta a vida. 
 
Esta história foi contada a turma do 5º ano B, com o intuído de averiguar a reflexibilidade, a 
criticidade e a criatividade das crianças. Ao comunicar que seria contada uma história, todos 
reagiram como da primeira vez, com muita alegria e ficaram bastante motivados para ouvir. 
Isso demonstrou que realmente esta prática leva alegria e motivação para a sala de aula, mais 
um fator positivo para que essa prática seja adotada e utilizada com mais freqüência pelos 
professores. 
 
A história envolveu totalmente os alunos, não houve nenhum que ficasse alheio a contação, 
todos de olhos fixos e os ouvidos atentos, para não perder um detalhe da história. Quando um 
interrompia para perguntar algo os outros colegas ficavam chateados com a interrupção, 
pediam silêncio, pois estavam curiosos para saber o que iria acontecer no final. Neste 
momento ficou claro o quanto a contação de histórias aguça a curiosidade das crianças e ajuda 
39 
a concentração e a construção do hábito de ouvir. Hábito este que atualmente está cada vez 
mais difícil de presenciar na sociedade em que vivemos. 
 
Ao contrário da primeira história, onde quase ninguém quis opinar, desta vez todos queriam 
falar, tinham algo a dizer sobre o que ouviram e dar sua opinião sobre com quem à 
personagem principal, Ayobami, deveria se casar. Neste exato momento foi diagnosticado que 
histórias com suspense, que envolvem magia são mais indicadas para esta faixa etária (9-17), 
pois prende a atenção dos ouvintes, envolvendo-os com maior profundidade ao contexto da 
história narrada. Por isso, é importante fazer uma seleção inicial das histórias que serão 
contadas. Segundo Betty Coelho (1986, p.13) é preciso levar em conta ao fazer este 
levantamento bibliográfico ”[...] entre outros fatores, o ponto de vista literário, o interesse do 
ouvinte, sua faixa etária, suas condições sócio-econômicas”. 
 
Ao término da história, apenas um aluno R.T. 12 anos se posicionou afirmando “não ter 
gostado do final”, pois gostaria que o autor definisse o final da história, e que de preferência 
fosse um final feliz. Demonstrando como as crianças estão habituadas a ouvirem sempre 
histórias com um final estabelecido e feliz, mostrando assim a necessidade de também se 
contar na sala de aula histórias onde o final não seja tão previsível, para que as crianças 
exercitem sua reflexibilidade, sua criatividade e sua criticidade, discutindo entre si sobre qual 
seria, na opinião de cada um o final da história, quais as decisões que tomariam a respeito do 
final, como provocações para deixar a imaginação correr solta. Os demais adoraram a história, 
todos tinham algo para dizer sobre o que acabaram de ouvir, deixando perceber que uma 
simples história pode mexer com o pensamento das crianças. 
 
Ao término da discussão solicitei que as crianças criassem um final para a história que haviam 
acabado de ouvir de acordo com o desejo e a criatividade de cada um. A maioria dos meninos 
foi categórica, achavam que a personagem principal, Ayobami, deveria se casar com uma e 
namorar a outra às escondidas ou ficar com as duas. Fato este pode ser explicado à 
necessidade de auto-afirmação do gênero masculino, além de sugerir que na nossa sociedade 
em que vivemos, muitos homens ainda acham que precisam ter mais de uma mulher para 
afirmar sua masculinidade, essa conduta moral é muitas vezes passada para o menino através 
do seu contexto sócio cultural no qual a figura masculina que possui uma referência 
fundamental. Constatou-se também na opinião apresentada pelos meninos, que quando o 
assunto em pauta é amor os homens, na maioria, são mais práticos. 
40 
 
Ayobami deveria se casar com uma e continuar namorando a outra, 
escondido. (R. 14 anos) 
 
Coitado de Ayobami morreu virgem, se eu fosse ele casaria com as duas. (R. 
G. 11 anos) 
 
Ele casou com as duas. (R.11 anos) 
 
Já as meninas se pronunciaram de forma romântica, ou seja, apesar de estar conquistando 
pouco a pouco o seu espaço na sociedade atual a mulher não deixa o seu lado romântico 
sucumbir, umas achavam que ele deveria se casar com aquela que morreu por amor e outras já 
achavam que ele deveria casar com aquela que o ressuscitou. Portanto nesta situação foi 
averiguado que quando se trata de situações “do coração”, as mulheres tende a refletir com 
romantismo. 
 
Ele escolheu se casar com Olu porque ela morreu por amor a ele, e com isso 
ela provou o seu amor. (A. 9 anos) 
 
Ele decidiu ficar com Yemessi, a mulher que salvou a vida dele. E eles 
viveram felizes para sempre. (C. 12 anos) 
 
Se eu fosse ele eu casava com Yemessi, porque ela salvou a vida dele. (E. 9 
anos) 
 
Celso Sisto (2005, p. 23) nos mostra que “as histórias são feitas, na cabeça do ouvinte, pela 
construção de expectativas, frustrações, reconhecimentos e identidades”. O fato das crianças 
ouvirem a mesma história e terem construído um final diferente uma das outras, explica que 
naquele momento cada uma teceu diferentemente os significados de acordo com seu contexto 
social, suas expectativas de vida e sua identificação pessoal. 
 
4.1.3 Terceira história contada em sala de aula: O cavalo voador ou Julieta e Custódio 
 
Esta história é uma adaptação do cordel O cavalo voador ou Julieta e Custódio do autor José 
Costa Leite, que relata a emocionante aventura de Custódio, um camponês simples que com a 
ajuda de um cavalo voador que na verdade se trata de um ser mágico, busca vencer vários 
obstáculos, o principal deles é superar seu próprio medo, enfrentar e vencer um gigantesco 
monstro marinho que mantinha aprisionada em uma das torres do seu castelo, para resgatar 
sua amada a bela princesa “Julieta” que havia sido seqüestrada. 
 
41 
Com muita dificuldade e uma grande ajuda do cavalo voador Custódio conseguiu vencer o 
gigantesco monstro marinho e resgatar Julieta. Ao retornar ao castelo do Limo Verde, no qual 
reinava Julieta, foram recebidos com uma grande festa e em seguida os dois jovens se 
casaram e foram muito felizes. 
 
O cavalo voador como era um ser mágico, foi enviado exclusivamente para auxiliar Custódio 
na busca da princesa Julieta, após terem conseguido o feito ele se transformou em uma linda 
garça e da forma mágica que apareceu no caminho de custódio, foi embora. 
 
Ao iniciar a história percebi que muitos deles estavam desatentos e inquietos, talvez pelofato 
da sala de aula estar muito quente devido o calor que fazia naquele dia, mas pouco a pouco 
eles foram se aquietando e se interessando pela história que estava sendo narrada e terminou 
que todos se interessaram de uma forma que não viam a hora de chegar ao final para descobrir 
o que realmente iria acontecer, se a personagem principal ia se tornar um grande herói ou 
seria vencido pelo medo e desistiria da sua princesa amada, ou seja, a narrativa da história 
conseguiu prender a atenção de todos. Conforme Bettelheim (1980, p.13) para uma história 
prender a atenção de uma criança ela deve entretê-la e despertar sua curiosidade, mas para ter 
algum significado para a sua vida ela deve também lhe estimular a imaginação ajudando-a a 
desenvolver o seu intelecto e deixar claro suas emoções. 
 
Ao término da história todos se deram por satisfeitos, pois a personagem principal, Custódio, 
era realmente um herói e o final foi feliz. Aproveitando o ensejo da discussão sobre o 
comportamento da personagem principal, levantei uma discussão que os levou a refletir sobre 
o sentimento do medo, o porquê desse sentimento, do que realmente sentiam medo, quando 
sentiam medo e como cada um deles conseguiam vencer ou não este medo? 
 
Os alunos responderam que a maioria tinha muito medo de morrer de bala perdida, ou em 
assalto, esse sentimento pode ser explicado no cotidiano dessas crianças já que convivem 
freqüentemente com um auto-índice de violência no bairro em que moram, infelizmente a 
Engomadeira é considerado um dos bairros mais violentos da cidade de Salvador, fato este 
visível na mídia local. 
 
Não gosto da rua em que moro, porque tem muita violência, muitos tiroteios 
e morrem muitas pessoas, tenho medo de morrer também com uma bala 
perdida. (E. 11 anos) 
42 
 
Eu tenho medo de perder a minha vida. O meu sonho é ir embora dessa 
Engomadeira. (I. 12 anos) 
 
Eu tenho medo de morrer de bala perdida. (J. 10 anos) 
 
Tenho medo de estar andando na rua de noite e receber do nada uma bala 
perdida no coração. (M. 14 anos) 
 
Logo após a discussão solicitei que cada um registrasse em uma redação os seus medos e 
como costumavam vencê-los, para verificar se tudo aquilo que foi relatado oralmente durante 
a discussão refletia o sentimento de medo e se concretizaria na escrita. De acordo com 
Bettelheim (1980, p.18) na maioria das vezes a criança tem certa dificuldade em expressar 
certos sentimentos em palavras, neste caso o medo. Mas aos poucos foram surgindo na folha 
de papel os relatos de cada um: 
 
Morro de medo de barata voadora, porque um dia uma saiu voando atrás de 
mim, mas para vencer este medo só basta eu ser forte e acreditar em Deus, 
que ele vai me proteger. (C. 12 anos) 
 
Eu tenho medo de barata e rato, mas prá não ter medo eu chamo a minha 
mãe e o meu pai. Um dia o meu medo vai acabar e eu vou ser muito corajosa 
para matar as baratas e os ratos. Meus pais são uns heróis. (D. 12 anos) 
 
Eu tenho medo de perder a minha mãe, porque não vou ter mais o seu 
carinho, nem a sua comida deliciosa e também não vou ter mais ninguém 
para me ajudar nas coisas que eu não sei fazer. (D. 11 anos) 
 
Eu tenho medo da minha mãe morrer, e se ela morrer não tenho mais 
ninguém para cuidar de mim. Eu tenho medo de perder a minha irmã como 
eu perdi o meu pai. (J. 13 anos) 
 
Eu tenho medo de perder os meus familiares e tenho medo de morrer. A 
minha vida é muito importante para mim. Agora eu não tenho mais medo 
graças a Deus. (L. 9 anos) 
 
O medo é algo sem explicação, muitas vezes eu tenho medo, vou ser sincero, 
do escuro e de vozes. Tenho medo também de morrer cedo, de tomar um tiro 
ou uma facada. Mas eu tento superar esse medo porque servo de Deus não 
tem que ter medo. (L. 13 anos) 
 
Eu tenho medo de perder a minha família e também tenho medo de morrer 
cedo demais, eu quero esquecer isso porque eu sei que Deus não vai deixar 
isso acontecer comigo. (P. 9 anos) 
 
Eu tenho medo de morrer, de perder meus pais, mas para eu vencer meu 
medo eu preciso ter fé em deus porque ele meu protetor. Eu quero ter 
coragem para enfrentar o meu medo. (M. 9 anos) 
 
43 
Além dos medos comuns de crianças dessa idade é fácil perceber que eles têm medo da morte, 
seja das suas mesmas ou das pessoas que amam. Esse sentimento não deveria prevalecer nesta 
idade, acredito que manifestação de medo ocorre devido à violência que eles presenciam no 
bairro onde moram e também por ser uma temática muito explorada pela mídia, hoje o que 
predomina nos tele-jornais que mais assistimos são fatos ligados a violência no Brasil, no 
mundo. Isso acaba criando um sentimento de insegurança para as pessoas, e isso não poderia 
ser diferente para as crianças já que elas são mais frágeis e mais vulneráveis. 
 
As crianças demonstram também um medo excessivo de perder aqueles que são o seu porto 
seguro, os pais e seus familiares, porque eles são tudo o que estas crianças têm no mundo, o 
seu ponto de referência, seu aconchego e sua proteção, principalmente hoje que as crianças 
não crescem mais dentro da segurança de uma família numerosa ou de uma comunidade bem 
estruturada, se imaginar sem eles é perder o rumo é perceber o quanto o ser humano é frágil 
diante deste imenso mundo em que habitamos. 
 
Nos relatos citados avaliei também que as crianças conseguem vencer o seu medo através dos 
seus heróis mortais, seus pais, ou então através de Deus, ou seja, demonstram claramente que 
a fé em um ser supremo é algo muito presente nas suas vidas. Fato este muito incentivado 
pela professora regente da turma, tanto que ela criou o momento da oração, para eles exporem 
seus pedidos e agradecimentos a Deus, antes de iniciar a aula. 
 
Conforme Fanny Abramovich (1991, p.17), ouvindo histórias às crianças podem sentir 
emoções importantes, como a tristeza, a raiva, o medo, a alegria, o alivio, a insegurança, entre 
outras, e ainda segundo a autora “[...] e viver profundamente tudo o que as narrativas 
provocam em quem as ouve – com toda a amplitude, significância e verdade que cada uma 
delas fez (ou não) brotar...”. 
 
 
Somente dois alunos disseram que já havia sentido medo quando pequenos, mas agora que já 
estavam grandes não tinham medo de nada. Isto me pareceu mais uma forma de demonstrar 
que já era grande o suficiente para sentir medo. Eles são alunos que não gostam muito de 
serem repreendidos quando estão fazendo algo de errado, se acham adultos e auto-suficientes. 
 
44 
Eu não tenho medo de nada, mas quando eu era pequeno eu tinha medo de 
morrer, mas depois como eu fiquei maior vi que não ia ficar para semente. 
(R. G. 12 anos) 
 
Eu não tenho medo de nada, perdi o meu medo quando eu tinha 3 anos, antes 
até que eu tinha medo de me machucar, da minha mãe me bater. (S. 13 anos) 
 
Como deixei todos muito à vontade para relatarem o seu sentimento de medo da maneira que 
desejassem, teve alunos que criaram com muita imaginação e criatividade uma história onde a 
personagem principal eram eles lutando contra o seu medo, ou seja, eles eram os heróis da sua 
própria história. 
 
Pablo e o dragão da caverna foi o título que R. 11 anos deu a sua história, que se parece muito 
com a história que narrei para a turma, só com uma diferença, o seu inimigo era um dragão 
que morava em uma caverna junto com um feroz dinossauro. Mas o corajoso Pablo conseguiu 
salvar sua princesa, neste caso ela se chamava Margarida, se casaram, tiveram oito filhos e 
foram felizes para sempre. 
 
Já D. C. 11 anos deu a sua história o titulo de D. C. e a caverna do dragão onde um menino de 
11 anos sai em busca de um diamante que ajudaria a salvar o seu reino. Ele tinha recebido de 
um velho sábio um dom, mas só poderia usar este poderoso dom o dia que perdesse todos os 
seus medos, que eram morrer afogado e levarum tiro na guerra. E isso ocorreu quando ele 
chegou à caverna do dragão, onde estava escondido o tal diamante. Ele se deparou com um 
grande lago profundo e muitas armas penduradas em uma parede, mas pelo seu reino ele 
enfrentou o seu medo mergulhou no lago e pegou o diamante, tornando-se em seguida 
magicamente um adulto. 
 
Estas histórias criadas por estes dois meninos para falar dos seus medos demonstram o desejo 
de cada um deles ser um herói. Mas quem nunca desejou, ao ouvir as histórias de heróis, ser 
um deles? Seja buscando se sentir mais forte, mais inteligente ou corajoso para enfrentar os 
seus medos de frente como um verdadeiro herói! Portanto estas entre outras, são reflexões que 
podem ser feitas pelas crianças ao ouvir uma história, criando nelas uma atitude mais critica 
diante do que ouvem, e isso pode ocorrer a partir do momento que elas façam uma ponte entre 
o mundo da fantasia e o mundo real, vendo que muitas das coisas que ouvimos nas histórias 
fazem bem para a nossa alma e outras servem para nos alertar que nem tudo é maravilhoso e 
que na vida devemos ter uma posição diante dos fatos e das exigências que a sociedade nos 
45 
impõe. Criando nelas coragem para vencer seus medos e buscar vencer todos os obstáculos, 
tendo a certeza que, como um herói, elas poderão alcançar o que desejam, basta ter coragem, 
conforme Bettelheim (1980 p. 32) “Os contos de fada declaram que uma vida compensadora e 
boa está ao alcance da pessoa apesar da adversidade, mas apenas se ela não se intimidar com 
as lutas do destino, sem as quais nunca adquire identidade”. 
Teve ainda uma terceira história, mas esta quem criou foi uma menina R. 12 anos. Ela narra à 
história de Chapeuzinho Vermelho, que neste caso é ela, que no caminho para a casa da vovó 
encontra um homem que apesar de ser seu conhecido, ela inicialmente se recusa a conversar 
com ele, pois diz que a mãe não a autoriza falar com estranhos. Ele insiste, ela com medo por 
estar só na floresta titubeia, pois ele aparentemente pode ajudá-la naquele momento de 
insegurança, mas segue o seu caminho. Quando chega à casa da vovó encontra um lobisomem 
no lugar dela, e a pobre velhinha presa no armário, o lobisomem pede para ela fazer um chá, 
com isso ela esquece o fogo ligado. Em fim quando ela se dá conta que o lobisomem havia 
tomado o lugar da vovó, já é tarde demais, pois ele esta preste a comê-la, nisso o fogão 
explode e surgem muitos bombeiros que além de apagar o fogo prendem o lobisomem, e avó 
e neta terminam felizes para sempre. 
Portanto neste texto criado por R 12 anos para relatar o seu medo, além de apresentar muita 
criatividade é também muito interessante já que ela se utiliza de um conto de fadas. Conforme 
Bettelheim (1980, p.205) “[...] só a criança pode saber quais os significados são importantes 
para ela no momento” e a história só alcança um sentido pleno para a criança quando ela 
descobre espontaneamente os significados previamente ocultos, por isso nunca se deve narrar 
os contos detalhando os significados, porque além de quebrar o encanto da história também 
destrói a amplitude dos significados que cada criança encontrará de acordo com a sua 
necessidade. 
Esta personagem, “Chapeuzinho Vermelho” nos leva a refletir sobre o fato de que não 
devemos confiar nas boas intenções de todos, porque muitas vezes as intenções podem não ser 
tão boas quanto se pensava e nos colocar como reféns de armadilhas. Há algo no lobo mau 
que nos atrai de forma que ele acaba tendo um poder sobre nós, portanto é preciso descobrir o 
que o torna atraente aos nossos olhos e assim se dar conta de que “Por mais atraente que seja a 
ingenuidade, é perigoso permanecer ingênuo toda a vida”. (BETTELHEIM 1980, p.209). 
 
 
46 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Não importa se contamos para instruir ou divertir, para curar, salvar ou 
embalar. O que não podemos esquecer é que temos nas mãos, ou melhor, na 
voz, um produto oriundo do imaginário dos nossos ancestrais e, se queremos 
nos apropriar dele para encantar, é necessário a consciência de que “o amor 
à palavra é uma virtude; seu uso, uma alegria. 
 CLÉO BUSATTO 
 
 
A escola precisa abrir as portas para a contação de histórias também para as crianças dos 
Anos Iniciais, romper com essa idéia de que esta é uma prática aplicável e importante 
somente para a Educação Infantil. Deixar-se levar pela magia das palavras e com elas 
mergulhar no mundo da imaginação é um prazer que todo e qualquer ser humano deveria 
experimentar para ter o direito de se deleitar independente da sua idade. 
 
Entretanto o professor precisa ter a consciência de que a contação de histórias não deve ser 
utilizada na sala de aula com as crianças dos anos Iniciais somente para trabalhar conteúdos 
programáticos ou para aprenderem “a moral da história”, mas para aguçar a criatividade e 
ajudar aos seus alunos a exercitarem mais as críticas e as reflexões, ou seja, o objetivo é 
formar pessoas bem resolvidas psicologicamente que saibam ouvir o outro. Ter cuidado para 
não esmiuçar as histórias quebrando o encanto da narrativa; é interessante deixar que a 
criança vá tecendo através das histórias narradas os seus significados, ela saberá com certeza 
retirar das histórias o que realmente lhe interessa e o que é importante para si. 
 
A contação de histórias trás em sua essência, uma pedagogia para a sensibilidade, para a 
compreensão e para o respeito mútuo, leva as crianças refletirem sobre situações do seu 
cotidiano, ensina a ouvir e também a compartilhar, porque a aprendizagem é compartilhada 
entre quem narra e quem ouve, onde os segredos da narrativa integram performance e 
recepção, portanto esta prática é um processo de interação, onde de alguma forma ouvinte e 
narrador interagem através da palavra, do olhar e do silêncio das pausas. 
 
É maravilhoso no momento da narração, olhar para cada rostinho e ver a alegria, o prazer e a 
curiosidade aguçada, naquela expectativa do próximo passo do enredo, querendo saber o que 
mais a narrativa reserva, os olhares acompanhando cada movimento, cada pausa, cada 
palavra. A contação de histórias realmente é um momento mágico onde os olhares interagem 
47 
entre o silêncio e as batidas do coração, onde é permitido se deixar levar pelas emoções e 
viajar sem precisar sair do lugar, onde sonhar acordado não é proibido. 
 
Este estudo só veio reafirmar a hipótese que eu já havia levantado desde o inicio da minha 
pesquisa, que realmente a contação de histórias é algo mágico e que ajuda muito na formação 
reflexiva e critica das crianças dos Anos Iniciais, considero que os objetivos da minha 
pesquisa foram alcançados, pois os textos escritos pelos alunos do 5º ano B da Escola 
Municipal da Engomadeira, após as contações de histórias feitas em sala de aula são de uma 
riqueza imensurável. 
 
Através desses textos pude averiguar a criatividade, a criticidade e a reflexibilidade de cada 
criança daquela turma, através da narração das histórias eles se libertaram de amarras, do 
medo e da vergonha, e sem maiores segredos foram relatando tudo o que os deixavam felizes, 
tristes, medrosos, angustiados, amorosos, irados, enfim todo e qualquer sentimento que 
naquele momento emergiu junto às reflexões feitas a partir de cada história ouvida. 
 
Foi um trabalho de muita emoção, ao passo que fui lendo as reflexões feitas pelos alunos do 
5º ano B, posso dizer que teve momentos que me admirei com tamanha criatividade, cada 
história linda e criativa, outros achando muita graça das histórias divertidas e em outros chorei 
em me deparar com relatos de dor, mágoa e medo, verdadeiros desabafos, exposições de 
situações de tensões familiares e sociais que não deveria fazer parte da infância de ninguém. 
 
Acompanhei nos relatos que são crianças que vivem a sombrada violência, todos 
expressaram que têm muito medo de morrer, não me lembro em momento algum da minha 
infância ter sentido medo de morrer [...] Essa exposição me entristece muito, porque vejo 
neste medo de morrer relatado por todos os alunos um aspecto constitutivo do mundo que se 
vive hoje, no qual a violência cresce em múltiplas direções de forma descontrolada. Vejo aqui 
mais um motivo para levar a contação de histórias para as salas de aula, buscando além de 
trabalhar a critica, a reflexão e a criatividade das crianças, também proporcionar momentos de 
cor, de magia e encantamento para estas crianças que tem vivido dias tão nublados... tão 
difíceis. 
 
Percebo que através deste meu estudo na turma do 5º ano B, eu poderia ter feito muitas outras 
descobertas, ter esmiuçado mais as reflexões feitas por eles e até quem sabe me aprofundado 
48 
na linha da interpretação do comportamento, mas infelizmente devido ao semestre atípico que 
tivemos, totalmente reduzido, acabei tendo muito pouco tempo para concluir essa monografia. 
Portanto esclareço que este estudo não acabou por aqui, pois o mesmo apresenta novas 
possibilidades de investigação em estudos posteriores, tanto no âmbito da atuação do 
professor-narrador, como no âmbito da formação reflexiva dos alunos, perpassando por um 
olhar psicanalítico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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