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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/281637488 Curadoria de Coleções Zoológicas Conference Paper · January 2014 CITATIONS 0 READS 1,753 1 author: Leonardo Ingenito Universidade Federal do Espírito Santo 17 PUBLICATIONS 132 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Leonardo Ingenito on 16 May 2017. The user has requested enhancement of the downloaded file. III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 57 Minicurso: Curadoria de Coleções Zoológicas Leonardo F. S. Ingenito1 1Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical (PPGBT), Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas (DCAB), Centro Universitário Norte do Espírito Santo (CEUNES), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Email: lfsi@uol.com.br RESUMO : A curadoria de coleções zoológicas é a atividade responsável pela organização, armazenamento e manutenção de coleções contendo animais ou suas partes para pesquisa científica e/ou ensino. É composta por uma série de técnicas procedimentais e logísticas específicas para cada grupo taxonômico, o que requer planejamento, ética e experiência. Aqui são apresentadas informações gerais sobre a curadoria de coleções zoológicas preservadas em via seca, úmida e resfriada. São abordados problemas cotidianos, e apresentadas soluções genéricas para um entendimento geral, devendo o curador sempre procurar informações específicas sobre o seu tipo de coleção junto aos seus pares e na bibliografia especializada. Palavras-chave: Museus, ética, curadoria, organização, zoologia Introdução O ser humano é por natureza um animal obsessivo, que sente-se impelido a colecionar ou juntar objetos e outros seres ao seu redor. Este agrupamento vai desde à coleção de itens que nos trazem memórias afetivas ou históricas (Mendoza, 2005; Ribeiro, 2005) até o acúmulo de plantas e animais para alimentação. Da mesma forma, para a compreensão do mundo à sua volta, o ser humano sente a necessidade de organizá-lo, o que é registrado desde a pré-história, onde os primeiros hominídeos possivelmente classificavam os animais e plantas em perigosos e comestíveis. Uma coleção não consiste no simples acúmulo de objetos, mas sim na união de um conjunto de objetos que são reunidos por conterem uma qualidade comum. Isto fica claro até mesmo no nosso cotidiano, onde objetos e utensílios domésticos são agrupados diante de semelhanças ou diferenças, formando "jogos de panelas", "jogos de cama", "jogo de talheres" ou mesmo na forma como organizamos nossa cozinha ou dispensa. 58 INGENITO: CURADORIA DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS Para a devida ordenação ou organização lógica dos objetos em uma coleção científica ou artística faz-se necessária a adoção de técnicas e planejamento, o que é chamado de curadoria. Breve Perspectiva Histórica Sobre Coleções Zoológicas. Whitehead (1970, 1971) divide a história dos museus de zoologia em seis períodos distintos segundo as ideias vigentes e as técnicas utilizadas. O primeiro período é Greco-Romano (até 400 d.C.), que caracteriza-se pela coleta e estudo, mas não preservação do material. Neste período destacam-se os grandes filósofos, como Aristóteles (384-322 a.C.) e seus discípulos, que passavam seu tempo nos Templos das Musas onde dedicavam-se ao estudo da natureza, inspirações e memória. Nestes templos, chamados Museion, de onde deriva a palavra Museu, os filósofos dedicavam-se a associar ou relacionar conhecimento aos exemplares observados e estudados. Era um período de observação, contemplação e anotação. O segundo período, chamado Pré-Renascentista (400-1400 d.C.), é o período de contemplação do raro, do maravilhoso e do milagroso. É o período que abrange a Idade Média e onde a Igreja Católica exercia forte influência, sendo aceito como conhecimento basicamente o que constava na Bíblia e na visão aristotélica do mundo. Neste período iniciam-se pequenos acúmulos de objetos, animais e vegetais, normalmente por interesse pessoal ou religioso. Com as grandes navegações e a descoberta das Américas e seus novos povos, animais e vegetais, inicia-se o Período Renascentista (1400-1600 d.C.). Este é o período do renascimento das ciências e das artes, praticamente proibidas ou restritas durante a Idade Média. Neste período surgem os Gabinetes de Curiosidades, que são o "embriões dos museus modernos". Os gabinetes constituíam um armário ou sala com objetos científicos, minerais, animais e vegetais de interesse do proprietário. Com o passar do tempo a posse destes objetos, sua quantidade, variedade e raridade passaram a conferir um status social à seu proprietário. Nesta época desenvolveu-se a cultura do colecionismo e procurou-se preservar os acervos para a posteridade através de um cuidado maior com os itens e seu registro. No Período Pré-Linneano (1600-1750 d.C.) os Gabinetes de Curiosidades crescem e chegam a ocupar prédios inteiros. Surgem neste momento os Museus em um formato parecido com o que conhecemos hoje, com caráter científico e um registro mais rigoroso dos itens que compõem seu acervo. Com novas técnicas de preservação em álcool e taxidermia, os itens passam a ter melhor qualidade de fixação e preservação. III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 59 A partir da publicação do "Systema Naturae" de Carl Von Linné em 1735 as coleções passam a ser organizadas segundo uma classificação hierárquica, sendo este período chamado de Linneano (1750-1850 d.C.). Nesta época surgem os grandes museus de história natural, ainda existentes hoje, e as coleções deixam de ter um caráter particular para assumir um papel público. Os acervos passaram a receber então grande cuidado e eram muito valorizados por seu cunho científico, mas a documentação relacionada à mesma ainda era parca. A era Moderna das coleções científicas (1850 d.C. a atualidade) mantém várias características do período anterior, mas é marcado por uma nova visão e ganha novo significado a partir da publicação da teoria da evolução por Charles Darwin e Alfred R. Wallace em 1858 e da obra de Darwin de 1859, "A origem das espécies por meio da seleção natural". A partir deste momento as coleções zoológicas e botânicas visam também fornecer evidências sobre a evolução, e passam a apresentar vasta documentação associada ao acervo, assumindo um papel importante na tomada de decisões político-públicas. Coleções Zoológicas Hoje. Atualmente as coleções biológicas em geral visam refletir a diversidade biológica de uma determinada área no tempo; fornecer subsídios para medidas de conservação das espécies e áreas naturais; servir de testemunho de estudos científicos realizados; fornecer um estoque de material biológico para pesquisas futuras; exibição pública e uso didático em diferentes áreas do ensino; e representar, até certo ponto, a herança cultural das comunidades humanas. Papavero (1994) classifica as coleções científicas zoológicas em cinco categorias distintas: Didáticas (utilizadas em aulas práticas), de Pesquisa (que visam a realização de pesquisa científica, sejam particulares ou privadas, comumente abrangendo grandes áreas geográficas), Regionais (que tem seu acervo proveniente de áreas geográficas restritas), Especiais (provenientes de material biológico de interesse econômico ou de testemunho de levantamentos faunísticos), e de Identificação (acervo reduzido destinado à material comparativo para realização de identificações taxonômicas). Já o governo brasileiro reconhece cinco tipos de coleções distintas através da Instrução Normativa Nº160 de 27 de abril de 2007. São elas: Científica, Didática, de Serviço (cultura de micro-organismos para industria farmacêutica e de produção), Segurança Nacional (relacionadas à área de saúde pública e patógenos em geral, que afetem a produção econômica ou o bem estar das pessoas), e Particular (que não pertence à instituições científicas, podendo ser constituída por animais, plantas e micro-organismos vivos). 60 INGENITO: CURADORIA DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS No Brasil, esta classificação, junto com praticamente toda a legislação regulatória referente às Coleções Biológicas baseia-se na Medida Provisória Nº 2.186-16 de 23 de agosto de 2001 e na IN Nº 160. A MP supracitada institui o Conselho de Gestão de Patrimônio Genético (CGEN) e regulamenta o acesso e controle do patrimônio genético (instituições fiéis depositárias de material genético) baseado-se em uma série de exigências relativas à capacidade das instituições em receber e manter o acervo de suas coleções. Já a IN Nº160 deveria instituir o Cadastro Nacionais das Coleções Biológicas (CCBIO), que realizaria o cadastro de todas as coleções biológicas brasileiras, independente do acesso ao patrimônio genético. Contudo, a cisão de parte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em um novo instituto (Instituto Chico Mendes de Conservação do Meio Ambiente - ICMBio) adiou por tempo indeterminado a formação do CCBIO e cadastramento das coleções científicas brasileiras, permanecendo válido apenas o cadastro regulamentado pela MP Nº 2.186-16. Preceitos Éticos e Funcionalidade. Uma coleção de qualquer tipo deve seguir uma série de procedimentos éticos e organizacionais. No caso das coleções biológicas, em especial nas zoológicas, deve-se considerar que todo exemplar é único e insubstituível, independente de sua abundância na natureza, devendo, por tanto, ser tratado e conservado com muita atenção, respeito e responsabilidade. Deve-se levar em consideração que o animal presente no acervo da coleção foi retirado da natureza para um propósito específico que é a pesquisa científica e, por vezes o ensino de biologia, podendo algumas vezes ser realmente um representante único de determinada espécie. Apesar disto, alguns autores indicam que pode-se aplicar diferentes níveis de importância para os itens presentes nas coleções biológicas. Williams & Hawks (2003) reconhecem seis categorias de importância dentro das coleções científicas: 1) exemplares tipo; 2) exemplares raros, ameaçados de extinção ou extintos; 3) voucher de estudos científicos e exemplares de importância histórica; 4) exemplares raros em coleções; 5) exemplares que representam a existência de um taxa em um local ou tempo; 6) exemplares coletados a partir de ação destrutiva ou programas de levantamento. Esta hierarquização não visa denegrir ou tirar a importância de parte da coleção mais sim priorizar o material a ser salvo no caso de um acidente ou no momento de organizar a coleção. O nível de importância varia de acordo com seu valor científico, histórico e possibilidade de se replicar a amostragem Para fins de organização e responsabilidade, as coleções em geral apresentam três níveis hierárquicos de responsabilidade com funções que muitas vezes parecem se sobrepor, embora não devessem (U. S. National Park Service, 2006). O primeiro destes níveis é III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 61 representado pelo Curador da coleção, que é a pessoa legalmente responsável por ela e que tem o papel de interpretar academicamente o seu acervo. Além disto, o Curador também é a pessoa que desenvolve os protocolos e faz o planejamento para o adequado funcionamento e conservação da coleção. Outro cargo dentro das coleções é o de Auxiliar Técnico, que é a pessoa que lida diretamente com a coleção de forma prática, acessando o acervo no dia-a-dia. Por último, há o Gerente da coleção, que é a ponte entre o Curador e o Auxiliar. Esta é a pessoa que organiza a coleção, permite seu acesso, fornece informações sobre ela e põe em prática os protocolos desenvolvidos pelo Curador. Infelizmente, na atualidade na maioria das coleções zoológicas, ao menos no Brasil, todos os papéis, ou pelo menos o papel de Curador e Gerente, são realizados por uma única pessoa. Uma vez que a maioria das coleções zoológicas brasileiras estão ligadas à Instituições de Ensino Superior, este papel é assumido por um professor que se responsabiliza em manter a coleção, com o mínimo de ônus direto para a instituição,além de manter suas atividades rotineiras de docência. É função das pessoas responsáveis pelas coleções zoológicas zelar pela conservação do acervo e tomar medidas para o restauro das peças danificadas. O curador da coleção também deve atentar para a procedência do material que recebe em sua instituição (coleta, doação, permuta, etc), seguindo a legislação vigente e o código de ética dos profissionais biólogos (Resolução CFBio Nº 2 de 5 de março de 2002). Da mesma forma deve seguir preceitos éticos quanto a correta destinação do material sob sua guarda no caso de doação ou permuta, visando sempre a melhor destinação para o material. O curador deve sempre ter em mente os objetivos e função da sua coleção (tipo de coleção), focando seus esforços de amostragem e conservação neste sentido. Desta forma, torna-se possível garantir um cuidado maior para com o acervo e otimizar o uso dos recursos disponíveis e necessários. Além disto, a coleção deve ser considerada um bem da União e da humanidade como um todo sob guarda de uma determinada instituição, sendo dever do curador garantir o acesso ao acervo à qualquer pessoa devidamente capacitada para sua manipulação e análise, sempre dentro dos preceitos éticos. Organização. A organização das coleções é sem dúvida um dos maiores desafios de um curador, podendo ser considerada uma eterna luta contra o caos. Segundo Simons & Muñoz-Saba (2003) o gerenciamento de uma coleção baseia-se nas relações entre três fatores: crescimento, organização e conservação. Uma coleção ideal é aquela que consegue incrementar seu acervo mantendo uma organização rigorosa e com exemplares bem 62 INGENITO: CURADORIA DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS preservados. Contudo, muitas vezes, por questões logísticas, por falta de pessoal suficiente ou falta de recursos, torna-se difícil manter a organização ou dar a devida atenção a todos os lotes da coleção com um incremento frequente ou rápido do acervo. Além disto, deve-se levar em consideração a deterioração natural dos lotes da coleção, que deve ser sempre prevenida e remediada através de técnicas específicas para cada tipo de coleção. Por isto é extremamente necessário que as coleções possuam um bom planejamento logístico e financeiro, o que deve ser realizado pelo curador da coleção segundo as informações repassadas por seu gerente e observadas pelos técnicos. O planejamento logístico da coleção dá-se através de sua organização propriamente dita dentro de um espaço físico e todos os recursos materiais necessários para sua manutenção e crescimento. A organização física de uma coleção zoológica pode dar-se de diferentes formas, sendo as mais comumente utilizadas a por meio de classificação de hierarquias taxonômicas (Classes, Ordens, Famílias, etc); as baseadas em classificações filogenéticas dos grupos representados; a classificação por ordem alfabética de táxons; a organização numérica (por número de tombamento); por distribuição geográfica (biomas ou regiões); e a classificação por material tipo (versus material não tipo). Também é comum o emprego da combinação destes tipos de classificação, como por exemplo a organizaçãopor classificações a nível familiar baseadas em estudos filogenéticos, dos gêneros e espécies por ordem alfabética e dentro de cada espécie a utilização da ordem numérica. O modo pelo qual a coleção será organizada deve ser planejada pelo curador e levar em consideração a disponibilidade de espaço físico e recursos financeiros para a obtenção de estantes, armários ou refrigeradores. Cada tipo de organização tem suas vantagens e desvantagens e o balanço ideal entre os prós e os contras devem ser levados em conta pelo curador no momento de iniciar ou realizar a reforma de sua coleção. O planejamento financeiro consiste em estimar os custos necessários para a manutenção do acervo existente na coleção e para sua ampliação. Com estas informações o curador deve procurar recursos junto à sua instituição e à órgãos de apoio financeiro através de projetos de pesquisa. Conservação e Manutenção. Segundo Romero-Sierra & Webb (1983) a conservação de materiais biológicos consiste na utilização de métodos físicos e químicos que levem à estabilização dos tecidos e suas estruturas, de forma a deixá-los o mais próximo possível de sua aparência em vida. Para isso a metodologia empregada deve bloquear a ação de enzimas autolíticas, o enrugamento, dilatações e dissoluções dos tecidos. O ideal é que as III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 63 substâncias utilizadas sejam bactericidas, resistentes à luz e raios ultravioleta, insolúvel, não tóxico e não inflamável, o que se torna um paradoxo, uma vez que não existe substância química com este conjunto completo de propriedades. Diante disto, deve-se utilizar as técnicas que melhor preservem os exemplares com o menor número de desvantagens. Para cada tipo de coleção zoológica (em meio líquido, seca e resfriada) existem substâncias que cumprem melhor a maioria destes requisitos, sendo necessário que o Curador tenha experiência em sua área e procure na literatura e junto à outros Curadores as melhores alternativas para a preservação do acervo sob sua responsabilidade. Além da fixação e conservação dos exemplares em si, deve-se levar em conta os desafios inerentes para que o estado de conservação seja mantido na coleção (manutenção). Williams & Hawks, 2003) listam um conjunto de fatores que podem afetar negativamente coleções zoológicas e devem ser previstos e mitigados por seu corpo de curadoria. São eles: a incidência de luz e raios ultravioleta, que degradam células, em especial as de pigmento; a temperatura, que deve ser ideal e constante para cada tipo de acervo (em via seca ou úmida); umidade relativa, que está ligada à temperatura e ao tipo de acervo; a presença de contaminantes e poluentes (como venenos e substâncias voláteis), que podem danificar não só o acervo em si, mas também contaminar seus usuários; pragas (mofo e ataques por insetos ao acervo e ao mobiliário da coleção); fogo e água (prevenção e contenção de incêndios e enchentes); forças físicas, como a o subdimensionamento de carga de estantes e armários; atividade criminosa, como o uso inadequado da coleção e vandalismo; e negligência, que constitui a falta de cuidado do corpo de curadoria e da própria instituição, podendo tornar-se o mais perigoso de todos os fatores ao unificá-los. No que tange a forma de conservação dos acervos, as coleções zoológicas podem ser divididas em três categorias: coleção em via seca, em via úmida, ou resfriada. Cada tipo de coleção tem suas próprias necessidades e características, o que irá determinar as condições ambientais e cuidados a serem tomados com o acervo. As coleções em via seca são as mais tradicionais e são constituídas por peles em postura natural ou científica, esqueletos e suas partes, insetos alfinetados ou em envelopes, e laminários. Este material costuma ser armazenado vitrines, gavetas, caixas e armários apropriados normalmente feitos sob encomenda e sob medida. As condições ambientais da área da coleção e cuidados de limpeza e manutenção variam para cada tipo de material e grupo taxonômico presente no acervo, fazendo-se necessário que o curador realize uma pesquisa aprofundada sobre as condições ideais e técnicas para cada grupo. Contudo, é possível chegar à uma condição média de umidade relativa (em torno de 50% RH) e 64 INGENITO: CURADORIA DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS temperatura (aproximadamente 19°C) que atenda a maioria das coleções (U. S. National Park Service, 2006; Simmons & Muñoz-Saba, 2005). Níveis de umidade muito elevados podem causar distensão de tecidos e peles, além de favorecer o aparecimento e proliferação de mofo, enquanto que níveis demasiadamente baixos de umidade causam o enrugamento e rompimento de peles e tecidos. A umidade relativa do ar está diretamente ligada à temperatura, de forma que um fator influencia o outro. Assim, níveis baixos de temperatura podem levar ao ressecamento excessivo de peles e tecidos e ao seu consequente rompimento, enquanto que níveis elevados de temperatura também favorecem o crescimento e proliferação de mofo, além de beneficiar fisiologicamente a ação de insetos e outras pragas. As coleções em via seca são as que requerem mais manutenção e maior cuidado, sendo necessário que sejam realizadas inspeções constantes em seu acervo a procura de mofo, pragas (como ataque de insetos) e falhas nos métodos de fixação e preservação. Como as peles podem conter venenos poderosos (como arsênico) e substâncias tóxicas voláteis (como naftalina, também utilizada em coleções entomológicas), as mesmas devem ser manuseadas com uso de equipamento de segurança , como luvas e máscaras, e em ambiente com boa circulação de ar. A limpeza deve seguir técnicas específicas para cada grupo animal (vertebrados ou insetos), como uso de pincéis e escovas macias para retirada de poeira e inspeção a procura de pragas. Deve-se evitar o uso de água para limpeza de itens da coleção seca, podendo a mesma distender tecidos ou favorecer a proliferação de mofo. As coleções em via úmida são constituídas por animais normalmente conservados em álcool etílico 70° GL dentro de potes de vidro, glicerina em potes de vidro ou plástico (para animais clareados e corados), e bombonas de plástico de alta densidade. Os potes de vidro e plástico ficam dispostos em estantes reforçadas de aço ou madeira, podendo ser móveis (armários compactadores móveis) ou fixas. Este tipo de acervo possui uma manutenção relativamente simples em comparação à de via seca. Os principais cuidados a serem tomados estão relacionados à evaporação do meio líquido preservante. A conservação da coleção se dá através da adequada vedação dos potes, que devem conter disco e/ou película vedante entre o pote e tampa, e a manutenção da umidade relativa do ar (inferior a 65% RH) e temperatura (cerca de 18,3°C) no ambiente da coleção (National Park Service, 2006; Simmons & Muñoz-Saba, 2005). Temperaturas elevadas ou umidade relativa do ar muito baixa incrementam a taxa de evaporação do meio conservante, podendo expor os exemplares. Temperaturas elevadas ou umidade relativa elevadas III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 65 favorecem a formação e proliferação de mofo que podem atacar o mobiliário, potes e os exemplares do acervo, caso haja falha de vedação nos potes. Temperaturas muito baixas podem contrair os tecidos dos exemplares e rompê-los ou deformá-los. O fator mais preocupante com relação às condições ambientais na área da coleção úmida está relacionado a oscilação constante da temperatura, que pode aumentar a pressão dentro dos potes de vidro através da contração e dilatação do meio conservante e da tampa, fazendo com que a mesma se abrade deixe os exemplares expostos as intempéries, ataque de mofo ou desidratação. A inspeção da coleção deve se realizada periodicamente, mas com menos frequência do que é realizada nas coleções em via seca, para verificar o nível e a qualidade/graduação do líquido conservante dos lotes. As coleções em meio refrigerado (resfriamento ou congelamento) são pouco usuais, sendo mais utilizados para alguns grupos de insetos (que são mantidos em meio líquido dentro de tubos de vidro armazenados em congeladores), peixes (método pouco usual, mas que pode ser utilizado, principalmente para grupos marinhos em que características relativas a coloração são importantes na identificação) e amostras de tecidos para análise de DNA (que são armazenados em microtubos organizados em caixas apropriadas). Este tipo de acervo fica armazenado em frízeres e congeladores com temperatura variando de 0°C a - 80°C. A manutenção deste tipo de material baseia-se unicamente no fornecimento ininterrupto de energia elétrica (que deve contar com um gerador de emergência) e na boa vedação das tampas dos frízeres. Tombamento. O tombamento da coleção é o registro ordenado dos lotes presentes em seu acervo, com as informações que servem de base para a construção do conhecimento científico. O tombamento, ou registro dos dados, pode ser realizado em um livro, chamado livro tombo, ou em um banco de dados digital. Existem softwares próprios para tombamento de coleções zoológicas, como o MUSE (produzido pela Cornell University na década de 1990 e descontinuado na virada do milênio, amplamente utilizado na época) e o Specify (produzido pelo United States National Science Foundation em associação com a University of Kansas em substituição ao MUSE, atualmente predominante). Vários Museus e instituições de pesquisa também desenvolveram softwares próprios para uso interno (distribuição e uso restrito). O tombamento também pode ser realizado através softwares de produção de bancos de dados (como o Microsoft Access), editores de planilhas (como o Microsoft Excell), ou editores de texto (como o Microsoft Word). No caso dos softwares de banco de dados baseados em Microsoft Access, podem ser 66 INGENITO: CURADORIA DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS construídas interfaces amigáveis e personalizadas para a coleção ou tipo de coleção, como é o caso do The Artedian (http://artedi.nrm.se/fishbase_se/software/artedian/), produzido para coleções ictiológicas, mas adaptado para outros grupos zoológicos. Uma vez informatizado, o acervo das coleções pode ser disponibilizado na internet para consulta pública por pesquisadores de todo o mundo, seja na página da coleção ou em sites globais de biodiversidade, como o SpeciesLink (www.splink.org.br). Seja qual for o método de tombamento escolhido, é fundamental que ele seja bem organizado e que contenha, minimamente, os seguintes dados: número de tombo (número de catálogo dentro da coleção), identificação (nome do gênero e espécie), dados de coleta (localidade precisa e completa acompanhada do nome dos coletores e data de coleta) e número de exemplares. Adicionalmente aconselha-se a indicar o nome do identificador e data de identificação, o que pode indicar a longo prazo a precisão da identificação. Todos estes dados devem ser o mais fidedignos possíveis, pois influenciam na produção dos dados científicos baseados na coleção. Os exemplares ou lotes da coleção (cada número de catálogo) devem ser devidamente identificados para que possam ser relacionados com os dados presentes no livro tombo ou banco de dados. Para isto, os lotes devem ter etiquetas afixadas de forma adequada contendo, pelo menos, seu número de catálogo, podendo também ser incluídas informações adicionais relativas à localidade e outras informações do registro. A etiquetas pode ser de diversos tipos, sendo as mais comuns as de papel de alta gramatura impressas ou escritas com tinta a base de carbono (grafite ou tinta nanquim) ou plásticas em relevo. Para vertebrados em via seca as etiquetas devem ser amarradas no membro posterior direito com auxílio de linha tipo Urso ou equivalente. Para coleções entomológicas a etiqueta é afixada no alfinete do inseto. Para animais em via úmida as etiquetas e tintas utilizadas devem ser resistentes à álcool e/ou a formaldeído, existindo no mercado papéis e tintas de impressora especiais específicas para este fim. Para a confecção de etiquetas manuais em meio líquido também pode-se utilizar papel de desenho Canson 140g/m² ou vegetal de alta gramatura (90g/m² ou superior) e canetas a base de tinta nanquim ou grafite. Etiquetas de papel vegetal confeccionadas em impressoras a laser devem ser passadas a ferro quente do lado do avesso para segurar o pigmento, o qual mesmo assim pode eventualmente desprender-se do papel. É aconselhável manter também etiquetas plásticas gravadas em relevo em rotuladores/etiquetadores manuais dentro dos potes com exemplares em via úmida, para evitar a perda de dados no caso de fragmentação das etiquetas de papel. Neste III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 67 caso, somente o número de catálogo da coleção é informação suficiente para a etiqueta plástica. Conclusões A curadoria de coleções zoológicas é um trabalho árduo e constante, que visa a preservação de animais mortos para dois fins específicos: a pesquisa científica e o ensino. Todas as atitudes tomadas pelo curador e equipe de curadoria deve ser realizadas da forma mais ética e responsável possível, tratando cada exemplar como único e insubstituível, independente de seu valor econômico. O trabalho nas coleções zoológicas deve ser realizado sempre de forma planejada, organizada e com perspectivas, pois deverá estar acessível não só para os pesquisadores atuais, mas também os das gerações futuras. Agradecimentos Agradeço aos organizadores do III SIMBIOMA pelo convite e a oportunidade de ministrar o minicurso que deu originou o presente manuscrito, em especial aos colegas Dra. Luisa Maria Sarmento-Soares, Ronaldo F. Martins-Pinheiro e Juliana P. da Silva (MBML). Também sou grato ao Dr. Marcelo Ribeiro de Britto pelas discussões sobre curadoria ao longo da última década e por fornecer informações e bibliografias. O presente estudo contou com apoio financeiro da Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa do Estado do Espírito Santo (FAPES, processo nº 53132203/2011, bolsa DCR) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo nº 350672/2011-3, bolsa DCR). Literatura Citada Williams, S. & Hawks, C. 2003. Appendix T: preventive conservation for biological collections, p. 1-109. In: United States National Park Service. Museum Handbook, Part 1. Washington, DC: U-.S. Govermment Printing Office. 1254p. Mendoza, C. A. L. 2005. Por que hacemos colecciones? Episteme, 20(suplemento especial): 217-228.7 U. S. National Park Service. 2006. Museum Handbook: with quick referencde. U. S. Govermment Printing Office, Washington, DC, 2499p. Papavero, N. 1994. Fundamentos práticos de taxonomia zoológica: coleções, bibliografia, nomenclatura. 2ª Edição. Editora da Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 285p. 68 INGENITO: CURADORIA DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS Ribeiro, C. V. 2005. O colecionismo e a sobrevivência do Homo sapiens. Episteme, 22: 69-78. Romero-Sierra, C. & Webb, J. C. 1983. The potentials of diatirology, p. 21-28. In: D. J. Faber (Ed.). Proceedings of the 1981 workshop on care and maintenance of natural history collections. Ontario: National Museum of Natural History. 196p. Simons, J. E. & Muñoz-Saba, Y. 2003. The theoretical bases of collections management. CollectionForum, 18(1-2): 38-49. Simons, J. E. & Muñoz-Saba, Y (Eds.). 2005. Cuidado, manejo y conservación de las colecciones biológicas. Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, 288p. Whitehead, P. J. P. 1970. Museums in the history of zoology (Part I). Museums Journal 70(2): 50-57. Whitehead, P. J. P. 1971. Museums in the history of zoology (Part II). Museums Journal 70(4): 155-160. View publication statsView publication stats
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