Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A psicologia social: problemas atuais e perspectivas para o futuro* 1. Introdução AROLOO RODRIGUES" 1. Introdução; 2. Psicologia, ciência e ftlosofia; 3. A relevância da psicologia; 4. Urna experiência vivida da tendência à polarização e à rotulação em psico- logia; 5. Desenvolvimento técnico-cien- tífico e o papel da psicologia; 6. Con- clusão. o método de autoridade - o chamado magister dixit - não desfruta de bom conceito entre ftlósofos e cientistas. Dentre as formas de atingir-se a verdade, o método de autoridade se inclui, segundo a maioria das pessoas, entre os mais precários. Não raro se constata que afirmações feitas por pessoas de prestígio resultam falsas. Não obstante, eu, pessoalmente, acho que o método da autori- dade, embora logicamente falho, é psicologicamente compreensível. Se valori- zamos uma pessoa, dela esperamos posições merecedoras de crédito dentro de sua área de competência. Trata-se daquilo que French e Raven (16) denominaram expert power, ou poder de conhecimento ou de perícia e que, sem dúvida, é exercido por pessoas reconhecidas corno peritas sobre aquelas que assim as • Conferência proferida a convite no XV Congresso Interamericano de Psicologia. Bogotá, Colômbia, 14 a 19 de dezembro de 1974. . •• Da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Psicologia. Arq. bras. Psic. apL, Rio de Janeiro, 28 (1): 3-19, jan./mar. 1976 percebem, dentro, é claro, da área de especialização das que exercem tal tipo de influência social. Baseada no método da autoridade, a psicologia social e, por que não dizer, a psicologia tout court, está em crise, como veremos a seguir. Em artigo recente, Lipsey (28) inicia a apresentação de sua pesquisa de levantamento junto a professores e estudantes pós-graduados de psicologia citando McGuire, Schultz, Palermo e Deese. Todos estes autores referem-se ao estado de crise da psicologia contemporânea. Lipsey faz questão de frisar que as citações com que inicia seu trabalho são apenas algumas ilustrações de um sem-número de afirmações semelhantes. De fato, se percorrermos os últimos volumes da revista American Psychologist, não teremos dificuldades em encontrar artigos reveladores da preocupação com os problemas que afligem a psicologia de nossos dias - e.g., Silverman (39); Brewster Smith (6); Rogers (33); Farberow (11); Dember (9); Lipsey (28). E o que dizer dos comentários de Sigmund Koch, o editor da reno- mada série Psychology: A Study o[ a Science, que em seu artigo preparado para a revista Psychology Today diz, simplesmente, que "o esforço massivo de 100 anos para erigir uma disciplina dedicada ao estudo positivo do homem dificilmente pode ser contado como um triunfo"? No que diz respeito à psicologia social em particular, alguns trabalhos apare- cidos nos últimos dois ou 'três anos me impressionaram particularmente. Brewster Smith (5), ao rever os primeiros cinco volumes da série editada por Leonard Berkowitz intitulada Advances in Experimental Social Psychology, indaga se a psicologia social está realmente avançando e cita uma carta a ele dirigida pelo próprio Berkowitz, na qual se lê: "O princípio que me tem guiado é o de romper com o establishment que, a meu ver, tem encarcerado a psicologia social nos últimos anos, e de apresentar toda a grande amplitude de tópicos que psicólogos sociais dentro e fora do establishment estão estudando. De qualquer forma, parece-me que a psicologia social está atualmente num "estado de crise", no sentido utilizado por Kuhn em seu livro The structure o[ scientific revolutions. Parece que estamos um tanto perdidos no que tange a problemas importantes a serem investigados e modelos a serem utilizados em nossa pesquisa e em nossa teoria. Não há dúvida de que é hora de fazer um balanço para ver onde estamos e para onde devemos ir." (p. 86.) Phillip Shaver (36), ao comentar o livro de avaliação crítica da psicologia social editado na Europa por Israel e Tajfel, assim intitula seus comentários: "Perspectivas européias sobre a crise na psicologia social". Shaver conclui sua apreciação da obra citada dizendo que nenhuma prova de adiantamento científico é ali aduzida e que uma psicologia apresentada apenas em bases de análise concei- tual, sem prova empírica, é importante mas não suficiente. Em sua opinião, o livro não resolve a crise da psicologia social contemporânea. Gergen (18) considera a psicologia social não como ciência, mas como um conjunto de teorias que refletem determinado momento histórico, cambiáveis de acordo com as circunstâncias 4 A.B.P.A. 1/76 históricas prevalentes. Seu ponto de vista é violentamente combatido por Schenker (35), em seu artigo intitulado "Social psychology and science". Em que consiste, afmal, a crise da psicologia social de nossos dias? No meu entender, a crise aqui mencionada engloba, pelo menos, dois tipos de problemas: um deles nada mais é que a continuação daquilo que já se pode chamar de tradicional em psicologia, ou seja, o choque das posições antagônicas; o outro, embora não totalmente desvinculado do primeiro, decorre de características sui generis da época em que vivemos, singularizada pelo espetacular avanço técnico- científico das ciências da natureza e pela conscientização dos problemas sociais possibilitada por este mesmo avanço. Ambos os tipos de problemas requerem major explicitação mas, antes de fazê-lo, permitam-me que, para não ficar apenas no método da autoridade, lhes apresente algumas-provas concretas da crise por que passa a psicologia em nossos dias. Uma das perguntas constantes do q1,lestionário enviado 'a professores e estudantes pós-graduados de psicologia por Lipsey (28) foi a seguinte: "Em sua opinião, qúal é OI problema mais importante a desafiar a psicologia nos dias de hoje? " Dos que responderam ao questionário, 73% dividiram-se por três tipos de : problemas considerados cruciais para a psicologia contemporânea e assim grupados pelo autor da pesquisa: 1. Relevância social. 2. Pesquisa e teoria. 3. Terapia e humanismo. A diversidade dos pontos de vista e o extremismo das posições reve- lados em perguntas subseqüentes, evidenciaram que a amostra de psicólogos entre- vistados consideram como o problema mais importante a ser enfrentado pela psicologia contemporânea tópicos bastante diversos e, até mesmo, apostos diame- tralmente. A constatação de tendências bem distintas verificadas nesta pesquisa constitui, a meu ver, uma demonstração da problemática com que se debate a psicologia de nossos dias. Não nego que houve épocas em que muitos fatores seriam necessários para explicar a variância das posições assumidas pelos psicó- logos; parece-me difícil negar porém que, pelo menos no âmbito da psicologia social, houve épocas de maior consenso no que diz respeito aos métodos, às fmalidades e ao enfoque geral dado aos problemas com que a disciplina se confronta. Curioso também é verificarmos em toda parte - nas revistas especializadas, nos departamentos de psicologia, nos interesses de estudantes e professores, no~ encontros e conferências nacionais e internacionais - a grande polarização de atitudes e valores dentre os que optaram por fazer da psicologia seu mister quoti- diano. Consultem, por exemplo, os artigos de Carl Rogers (33 e 34) e os textos de Skinner (37 e 38), por exemplo; as posições conflitantes de Festinger e de Skinner; os pronunciamentos dos aficcionados da relevância social em psicologia, em detrimento de qualquer enfoque da pesquisa básica - Korten, Cook e La- cey (26) -, e as posições contrárias - Silverman (39) -, ou intermediárias - Rodri- gues (31 e 32), Varela (41) -, sem falar na já tradicional rivalidade entre os que valorizam a quantificação e os métodos atuários e os que veementemente se opõem a esta posição, rivalidade que remonta aos tempos de Sarbin e de AllportPsicologia socüzl 5 na célebre questão do nomotético contra o ideográfico, e no não menos tradi- cional antagonismo entre a posição dos behavioristas em geral e a dos psicanalistas, a dos cognitivistas e a dos humanistas. O próprio editor da série Psicologia: Um Estudo de uma Ciência, propõe agora que se substitua o nome psicologia por estudos psicológicos, e julga ser a psicologia incapaz de tomar-se uma verdadeira ciência. O resultado deste estado de coisas é, indubitavelmente, uma situação de verdadeiro caos na psicologia contemporânea. 2. Psicologia, ciência e fIlosofia Parece-me que a totalidade dos psicólogos tende a considerar a psicologia uma ciência. Uma ciência passa por crises periodicamente, como é o caso das grandes transformações e mudanças de paradigmas verificados nas ciências naturais, tal como observa Kuhn (27). Por ocasião da mudança de paradigma, as ciências entram em crise. Em psicologia, porém, o que a mim particularmente me preo- cupa, é o fato de esta ciência viver em crise, com efêmeros e raros momentos de relativa tranqüilidade. Tomemos, por exemplo, o caso da física. Esta ciência passou, sem dúvida, por crises de maior ou menor intensidade por ocasião das mudanças de paradigma: do pré-aristotélico para o aristotélico, deste para a física experimental de Galileu e, principalmente, de Newton, do modelo newtoniano para os acréscimos a ele feitos pela teoria da relatividade de Einstein e pela física quântica de Planck. Notam-se aí poucas mudanças de paradigmas em mais de 20 séculos!· E a psicologia? Quase que poderíamos dizer que esta ciência - per- doem-me a irreverência - muda de paradigma como se muda de roupa, ou talvez, que nenhum paradigma foi ainda prevalentemente aceito em psicologia. Uma das conseqüências desagradáveis desta crise da psicologia é o desvario que se verifica em certos departamentos, onde o sectarismo doutrinário domina inteiramente, impedindo a formação adequada dos alunos. Daí se segue o desvario profissional, com os psicólogos concentrando-se em uma única e tendenciosa faceta do spectrum psicológico e valorizando-o em detrimento de todas as demais. Cabe aqui uma pergunta: verifica-se esta enorme divergência de pontos de vista em fIlosofia? Sim, sem dúvida. Mas isto faz parte essencial da fIlosofia, que não é uma ciência empírica, mas sim um setor indispensável do conhecimento humano, encarregado de levantar problemas, sugerir metodologias, fiscalizar a coerência lógica das proposições teóricas das ciências, rever posições face a novas contin- gências, procurar uma visão global do cosmos e do homem, enfim, incentivar o raciocínio e a busca da verdade e fiscalizar os que procuram, por diferentes caminhos, a descoberta da realidade. Em ciência, porém, a situação é bem diversa. Claro que não podemos prescindir da fIlosofia; mas igualmente claro é que não podemos fIlosofar constantemente em ciência. Uma ciência tem que apresentar certos princípios gerais, tem que ser capaz de fazer predições específicas, e tem que substanciar estas predições com provas empíricas. Que vez por outra o 6 A.B.P.A. 1/76 paradigma fundamental que serve de base à atividade teórica e experimental se modifique, nada há a objetar; mas que, num período continuado de tempo (não só nos de crise) cientistas estejam baseando suas atividades em premissas antagônicas, nos leva, inevitavelmente, a um estado de grave apreensão acerca do status desta "ciência" . Quando se defrontam um skinneariano e um rogeriano, um cientista de laboratório e um destinado à cura dos inúmeros males da sociedade contem- porânea, um humanista e um experimentalista, um de orientação quantitativa e um de. orientação clínica dinâmica e globalista, e vários outros rótulos opostos, freqüentemente a divergência é chocante, entristecedora, prejudicial e, por que não dizer, incompatível com o pretendido estágio de ciência proclamado pela maioria dos psicólogos. Outro grave inconveniente deste estado de coisas é que os esforços dos psicólogos, por não se somarem, resultam em tentativas esparsas, muitas delas meritórias, mas de conseqüências menos abrangentes e profundas do que as resultantes dos esforços aditivos das ciências naturais de onde, a pouco e pouco, vai emergindo um produto resultante dos esforços de um com base nos de outros. Aí estão os prodígios da eletrônica, por exemplo, a deixar-nos realmente estupefatos. Os computadores de grande porte, os sofisticados aparelhos audio- visuais, os computadores em miniatura, as façanhas espaciais. Tudo isto mostra claramente os resultados de uma atividade derivada de um somatório de esforços, oriundos de cientistas que se fundamentam em princípios científicos de compro- vação clara e insofisrnável. Muito poderia alongar-me em tomo desse assunto. Limitações de tempo e de paciência dos ouvintes, todavia, compelem-me a passar para o ponto central desta palestra, ou seja, as características principais da crise dominante na psicologia social. 3. A "relevância" da psicologia Como disse anteriormente, a história da psicologia é pródiga em exemplos de posições conflitivas. Ao estruturalismo de Titchener seguiram-se o funcionalismo de Dewey e Angell e o beh;aviorismo de Watson, os dois últimos, embora por razões diversas, diametralmente opostos à psicologia da estrutura elementarista da consciência de Titchener. Também opostos ao estruturalismo titcheneriano e ao behaviorismo watsoniano, o gestaltismo de Ehrenfells, Kobler, Koffka e Wer- theimer, bem como a psicanálise de Freud, opuseram-se, cada um ,a seu modo, a estes sistemas dominantes no início do século XX, na psicologia chamada cien- tífica. Daí por diante, parece-me que um período de relativa tranqüilidade teve lugar em psicologia, desaparecendo com Lewin a tendência aos grandes sistemas abrangentes, e o surgimento da tendência à elaboração de teorias nitidamente ancoradas em um ou outro dos sistemas anteriormente prevalentes, mas destinados a integrar um conjunto limitado de achados experimentais e a fazer predições Psicololda socüzl 7 relativas a certos aspectos do comportamento humano, sob determinadas condi- ções. Para ficarmos apenas no campo da psicologia social, citaremos como exemplo as teorias de Festinger, de 1950, 1954 e 1957, a de Hovland e seus colaboradores, de 1953. As teorias inspiradas por Fritz Heider - Newcomb (30), Jones e Davis (23), Kelley (24), Cartwright e Harary (8), Abelson (1) - e vários outros; o trabalho teórico de Deutsch (10) sobre cooperação e competição, a teoria de troca de Thibaut e Kelley (40) e de Homans (21) e outras com estas características. Neste período que, pessoalmente, considero de relativa tranqüilidade em psicologia social e que, no tempo, se estende de 1945 a 1965 aproximadamente, notamos uma predominância nítida da influência de Kurt Lewin e, no que tange especificamente à metodologia, uma aceitação mais ou menos tranqüila do método experimental de laboratório como o instrumento mais indicado para as incursões dos psicólogos sociais nos meandros da complexidade do comporta- mento social humano. No fmal da década de 60, testemunhamos o aparecimento meteórico de forte oposição ao status quo em psicologia social. Trata-se do anseio por uma psicologia social relevante, isto significando uma psicologia social destinada à solu- ção dos inúmeros e cada vez maiores problemas sociais do mundo contemporâneo. Vejamos 9s indicadores dessa revolução em direção à "relevância" e em oposição, velada por vezes e declarada por outras, aos trabalhos do cientista de laboratório, preocupado ainda em estabelecer relações de dependência entre variáveis sob as condições ideais de controle fornecidas pelo laboratório. Em abril de 1969, Donald Campbell publicou no American Psychologist o seu influente artigo intitulado Reform as experiments, no qual se vê,claramente, o anseio de colocar os conhecimentos da psicologia a serviço da solução dos proble- mas sociais contemporâneos. Neste mesmo ano, o último número desta mesma revista publicou os discursos presidenciais de George Miller e Morton Deutsch, ambos dedicados à relevância social da psicologia e à necessidade de os psicólogos se conscientizarem da missão que têm a desempenhar na resolução dos problemas sociais de nossa época. Em 1970, uma publicação da American Psychological Association intitulada Psychology and the problems of society foi totalmente dedicada ao problema de relevância social da psicologia. Neste volume encontramos artigos, como o de Bemard Baurim, por exemplo, que asseveram ser imoral um trabalho de pesquisa cuja relevância social não seja inequívoca. Em 1971, Irvin Silverman declarou o seguinte: "Se a tendência dos anos 70 continuar, esta era, nas ciências sociais e em outras mais, poderá ser denominada a idade da relevância." Em 1972, um grupo de psicólogos sociais europeus procurou apresentar uma análise crítica da disciplina, ressaltando, entre outros tópicos, "a relevância e significado dos resultados da ciência psicológica". 8 A.B.P.A. 1/76 Em 1973, Brewster Smith diz que "relevância" e "novas prioridades" tornaram-se clichês e, em seu artigo sobre a relevância da psicologia para novas prioridades, salienta muitas das partes aqui mencionadas anteriormente, quando procurei indicar.o pot-pourri de posições conflitivas na história da psicologia. Em 1974, Lipsey publica os resultados de sua pesquisa com professores e estudantes pós-graduados de psicologia, e mostra que relevância social foi o tema mais freqüentemente citado pelos entrevistados como constituindo um dos proble- mas principais da psicologia de hoje. Vejamos os prós e os contras da ênfase na relevância social, bem como aquilo que, em minha opinião, deu ensejo a esta tendência nítida da psicologia social contemporânea e se constituiu num dos importantes pontos de discórdia entre os proftssionais. É difícil negar-se a importância de orientar o trabalho do psicólogo para a promoção do bem-estar humano e 'solução dos problemas que afligem a sociedade em que vivemos. Parece-me que quanto à importância e necessidade de o psicólogo assim proceder há quase unanimidade de opiniões. A controvérsia surge quando se defende a relevância social do trabalho do psicólogo em. detrlmento de qualquer outra atividade que não seja direta e inequivocamente relacionada com a solução dos problemas sociais. Como disse anteriormente, alguns, como Baurim (4), por exemplo, consideram imoral qualquer atividade científtca que não tenha direta implicação social. Neste ponto parece-me que entramos na esfera do extremismo, do radicalismo, de intransigência, do exagero, da polarização de posições, enftm, da atitude não-científtca. Silverman (39), num artigo intitulado "Crise em psico- logia social: a relevância da relevância", salienta que o fato de a psicologia social sentir-se, não raro, impotente para lidar com os problemas que nos afligem atual- mente, não decorre da negligência dos psicólogos sociais em estudarem tópicos socialmente relevantes; de fato, se consultamos os livros e revistas sobre a disci- plina veriftcamos que "aflição, agressão, atitudes e mudanças de atitudé, comuni- cação, competição, conformismo, tomada de decisão, dinâmica de grupo, forma- ção de impressão, relações grupais, liderança, negociação, persuasão, preconceito, poder social, socialização", aos quais poderíamos ainda acrescentar atração inter- pessoal, relações internacionais, conflitos, altruísmo etc., são tópicos obviamente relevantes aos problemas sociais da atualidade e que têm merecido intenso estudo por parte dos especialistas. Se respostas adequadas à solução dos problemas sociais de nossa época não foram totalmente encontradas, não se pode atribuir esta falha à falta de interesse por tais tópicos mas, provavelmente, à complexidade dos problemas e/ou à deftciência da metodologia utilizada. Quanto a esse último ponto, é conhecida a crítica feita à psicologia social experimental, baseada na impossibilidade de generalização dos achados obtidos na situação artiftcial do laboratório para os problemas concretos da vida real. Muito se tem dito sobre isso e não me parece valer a pena alongar-me sobre o assunto. Apenas gostaria de dizer, em consonância com o ponto aqui abordado, que segundo estatística recente - Fried, Gumper e Allen (17) -, as principais revistas Psicologia social 9 especializadas de psicologia social continuam mostrando amplo domínio dos expe- rimentos de laboratório sobre as outras modalidades de pesquisa em psicologia social, tais como experimento e estudos de campo e pesquisas de levantamento. A proposição de Campbell (7) a que já me referi parece alternativa promissora, de vez que combina o rigor da experimentação com a aplicabilidade dos achados e situações sociais concretas de vida real. Sua exeqüibilidade, porém, suscita apreen- sões, pelo menos em certas estruturas socioculturais, além de ser difícil de ser posto em prática o tipo de experimentação proposto, tal como se vê, por exemplo, na experiência narrada por Goodwin (19). O fanatismo pela relevância social da atividade do pesquisador pode, freqüentemente, levar os investigadores sociais a misturar ciência com política, utilizando-se dos conhecimentos científicos que possuem para obter transformações sociais orientadas por ideologias desta ou daquela natureza. O extremismo de posições é, no caso, conseqüência pratica- mente inevitável e nefasta. Um dos indicadores da crise de psicologia social contemporânea é, precisa- mente, o dilema decorrente da enorme necessidade de intervenção social para a melhoria das relações e das condições humanas de um lado, e a tendência a buscar-se o rigor da metodologia experimental de laboratório, de outro. Na pesquisa de opinião efetuada por Lipsey (28), quatro tipos de psicólogos foram identificados: os preocupados com a relevância social de suas pesquisas e com a necessidade de experimentação; os preocupados com a relevância social, porém despreocupados com experimentação; os despreocupados com a relevância social de suas investigações e pró-experimentação e os despreocupados com a relevância social e contra a experimentação. Conforme o enquadramento de professores e estudantes nessas quatro categorias, determinados autores eram mais citados como produtores de trabalhos que mereciam maior respeito. Freud, Rogers, Skinner, Festinger, Allport, Piaget, Pavlov, George Miller, Neal Miller. Esses, Meehl e Gibson apareceram entre os mais citados, variando a indicação conforme o grupo em que se enquadravam os entrevistados de acordo com a classificação em cada uma das categorias derivadas dos fatores ortogonais identificados: preocupação com a relevância social e ausência desta preocupação; e a favor da experimentação e contra a experimentação. 4. Uma experiência vivida da tendência à polarização e à rotulação em psico- logia Olhando em retrospecto a minha própria atividade em psicologia, vejo com ciareza como os psicólogos estão habituados à polarização de posições e como suas percepções são influenciadas por seus preconceitos. Comecei minha atividade em psicologia como psicólogo clínico. Freqüentava hospitais psiquiátricos onde aplicava vários testes, principalmente projetivos, e passava horas a estudar as mani- festações comportamentais das pessoas enquadradas nos vários síndromes clínicos 10 A.B.P.A. 1/76 existentes. Durante dois anos dei aulas de técnicas projetivas. Exerci, também, as funções de orientador vocacional, abandonando-as pela ansiedade que me trazia o fato de sentir que podia influir decisivamente no destino de um cliente baseado em técnicas e instrumentos que se me afiguravam precários. A partir desetembro de 1962, quando iniciei o meu curso de doutorado na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, mudei significativamente de orientação e de interesse: dedi- quei-me à psicologia social experimental e comecei a valorizar, cada vez mais, o método experimental em psicologia, bem como a reconhecer a importância da quantificação e a utilidade dos métodos estatísticos como auxiliares do trabalho de pesquisa básica do investigador. Lembro-me que minha formação humanista, fortemente influenciada pela psicologia cognitiva de Fritz Heider, com quem estudei no meu curso de mestrado, fez com que eu resistisse bastante ao pragmatismo e ao behaviorismo americanos. Penso, todavia, que esta sucessão de tipo de atividades e de influência rece- bidas resultaram num ponto positivo: sempre evitei os extremismos em psicologia, procurando tirar de cada orientação básica aquilo que, a meu ver, ela possuía de contribuição concreta ao entendimento do comportamento humano e de suas motivações conscientes ou inconscientes. Regressando ao Brasil em 1966 voltei ao Departamento de Psicologia da PUC do Rio de Janeiro. Como professor e pesquisador, continuei pautando as minhas atividades numa visão polivalente da psicologia, com predominância da escola gestaltista e das teorias de Lewin e Heider, na valorização da pesquisa básica, na necessidade de aprimoramento das técnicas de medida e no reconheci- mento da importância da quantificação dos fenômenos psicológicos. De 22 traba- lhos de pesquisa por mim publicados nos últimos 10 anos, 14 são experimentos de laboratório sem direta relevância a um problema social específico; os outros oito apresentam aspectos aplicados e se referem a estereótipos, preconceitos, tipos de influência social etc. Curioso é confessar, dentro do contexto do tema central desta palestra, as minhas percepções das reações que se seguiram ao meu engajamento em tal tipo de atividade no Brasil. Apesar de ter tido inúmeros alunos de graduação e pós- graduação, conto nos dedos os que mostraram simpatia por minha atividade teórico-experimental. Pelo que ouço aqui e ali, consegui despertar mais interesse pela psicologia social experimental através de meu livro-texto publicado em 1972 e cuja quarta edição se encontra atualmente no prelo, do que em contato direto com meus alunos. Se fora só isto, concluir-se-ia, sem muito esforço, que sou um péssimo professor e, possivelmente, um escritor menos ruim. Acontece, porém, que meu entusiasmo pela pesquisa pura e pela quantificação em psicologia suscitou interessante fenômeno psicossocial. Principalmente na universidade onde ensino, mas também nos centros psicológicos da área geográfica circunvizinha, estereótipos os mais variados surgiram (e continuam surgindo) em relação às minhas posições psicológicas. Primeiramente foi amplamente difundido que eu era um anticlínico por excelência. Esse estereótipo teve seu componente cognitivo Psicologia social 11 gravemente abalado em 1973, quando na qualidade de presidente da Associação Brasileira de Psicologia Aplicada, defendi com determinação e energia a frustrada tentativa de um pequeno grupo de psiquiatras no sentido de impedir o psicólogo clínico de fazer atendimento psicoterápico. Juntamente com o estereótipo de anticlínico, foi-me também atribuído o de contrário à psicologia aplicada. Minha estreita associação com Jacobo Varela, a quem fui apresentado por intermédio de Leon Festinger em 1968, ratificada por convites a ele por mim dirigidos para proferir conferências e núnistrar uma disciplina de pós-graduação no Departa- mento de Psicologia onde trabalho, fez com que esse estereótipo também dinú- nuísse de intensidade. Nos últimos anos tem vigorado entre razoável parte de alunos e mesmo entre alguns professores do departamento a que pertenço, a crença de que eu sou anti teórico, adversário incondicional da ftlosofia, um experi- mentalista de orientação behaviorista e um inveterado manipulador de comporta- mentos à la Skinner ... É óbvio que essas pessoas jamais leram qualquer coisa que eu tenha escrito, onde facilmente ressaltam, dentro da tônica de aproveitamento do que cada corrente tem de bom, claras inclinações por uma psicologia cognitiva, e firme convicção na necessidade de teorias em psicologia e na importância da ftlosofia em qualquer atividade humana. Contei-lhes estes aspectos de núnha vida profissional e as percepções que tenho das respostas a núnha atividade, para ilustrar a tendência à polarização de posições e a rotulações que predonúnam em psicologia e que, a meu ver, constitui um dos principais obstáculos ao desenvolvimento desta ciência e, conseqüente- mente, um dos maiores problemas da psicologia, social ou de outro tipo, e que embora não seja novo, mantém uma atualidade incrível. Notem que o objeto da polarização de atitudes varia um pouco através dos tempos, por exemplo: estru- turalismo versus funcionalismo, e associacionismo versus globalismo, no fmal do século passado e princípios deste; psicologia dinâmica versus psicologia comporta- mentista, em várias décadas deste século; posição ideográfica versus posição nomo- tética de 40; enfoque clínico versus enfoque estatístico, prevalente durante os últimos 50 anos e magistralmente focalizado por Paul Meehl (29), em sua conhe- cida obra Clinicai versus statistical prediction; skinnerianismo versus psicologia humanista e cognitiva, nas últimas décadas; pesquisa pura versus pesquisa aplicada, uma dicotomia que assoma renitelÍtemente de tempos em tempos, apesar da sábia posição de Kurt Lewin que tão bem conciliava esses dois aspectos de atividade do investigador; e, mais recentemente, relevância versus irrelevância. Nessa lista de dicotomias rivais, lista esta apenas exemplificativa e não exaustiva, ressalta com inquestionável clareza a tendência dos psicólogos e atitudes polarizadas. Qual será a causa e que fazer acerca disto? A polarização de atitudes em psicologia e suas maléficas conseqüências parece poder ser parcialmente explicada através da consideração do fenômeno social de distorção perceptiva. O estudo do processo de percepção social nos mostra que a intemalização do estímulo distante sofre a interferência de condi- ções me9iadoras entre o estímulo distante e o estímulo próximo e de processos 12 A.B.P.A. 1/76 psicológicos (estereótipos, necessidades, interesses, tendenciosidades cognitivas, valores, atitudes, processos de atribuição etc.), entre o estímulo próximo e o percepto. Como já foi claramente demonstrado por Asch (3), um mesmo texto atribuído a autores diversos e sobre os quais o percebedor tem poSições distintas, influi marcadamente na interpretação atribuída ao texto percebido. O fenômeno é perfeitamente normal, compreensível e explicável. Sou de opinião, todavia, que os psicólogos deviam ser mais atentos aos ensinamentos oriundos dos estudos sobre percepção social a ftm de nos situarmos a cavaleiro das distorções a que somos naturalmente impelidos. Despir-se, pois, de qualquer preconceito e avaliar o dado em si mesmo, como recomendava Claude Bernard, é a atitude que se impõe. Penso também que a psicologia já atingiu estágio suftciente de desenvolvi- mento para poder passar a somar os conhecimentos adquiridos, aproveitando o que há de inquestionavelmente verdadeiro nas várias posições em litígio. O traba- lho de Varela (41) constitui, a meu ver, excelente ponto de partida para essa síntese integradora. Ao propor uma tecnologia social capaz de transformar as descobertas de pesquisas puras e aplicadas em produtos socialmente úteis, Varela se mostra totalmente despido de preconceitos teóricos e doutrinários, e se baseia nos resultados evidenciados pelos investigadores e nos sucessos e fracassos de sua integração dos resultados para a obtenção de fms específtcos. Pode-se dizer que Varela se adiantou a Campbell, sebem que este salienta mais os aspectos formais de experimentação, ao propor a realização de reformas como experimento. Acho ainda que o estudo da história das outras ciências nos ensina que, enquanto não se pode demonstrar algo experimentalmente, posições divergentes surgem em profusão e depois se tornam anacrônicas. Enquanto estivermos (ou se sempre tivermos que permanecer) num estágio pré-experimental como estão vários campos da psicologia, pelo menos devemos ser menos radicais em nossas posições. 5. Desenvolvi~to técnico-científico e o papel da psicologia Finalmente, mister se faz ressaltar outro aspecto dominante na realidade de nossos dias, em minha opinião, parcialmente responsável pela crise da psicologia e direta- mente ligado ao problema da relevância das pesquisas em psicologia social. O desenvolvimento espetacular das ciências naturais e de tecnologia não-social, ao mesmo tempo que trouxe enormes benefícios à humanidade, criou também pro- blemas sociais sérios. A televisão, por exemplo, juntamente com os demais meios de comunicação de massa, tornaram o mundo uma aldeia global, como disse McLuhan. Participamos de tudo o que nela acontece. O assédio de informações, gratiftcante sob muitos aspectos, traz inevitavelmente conseqüências psicológicas nem sempre benéftcas. E o que dizer-se dos aviões a jato, que nos permitem mudar rapidamente de ambientes e fusos horários, exigindo um esforço adaptativo psico- fISiológico severo? E os Jumbos, transportando 400 passageiros com grande hicologia social 13 conforto, mas gerando um pandemônio nos períodos pré e pós-embarque? E assim por diante. Ninguém terá dificuldades em verificar as vantagens do adianta- mento técnico-científico e também em apontar os subprodutos negativos deste adiantamento, repercutindo estes últimos de forma nítida na capacidade adapta- tiva da pessoa. A psicologia social, entre outros setores das ciências sociais, é solicitada a apresentar soluções aos problemas indiretamente decorrentes do progresso técnico-científico, do aumento populacional, das migrações internas para as grandes cidades, e das tensões inevitáveis que o mundo que construímos provoca na maioria de nós, principalmente, por paradoxal que pareça, nas regiões mais civilizadas. A impotência da psicologia (ou dos psicólogos ... ) em apresentar soluções a inúmeros problemas que nos afligem quotidianamente, conduz o setor a desenfreada busca de relevância social; além disso, a magnitude dos problemas e a insistência com que a psicologia é solicitada a propor soluções para os mesmos faz com que um estado de crise momentânea seja inevitável. Acredito que gradualmente superaremos a crise. Elliot Aronson (2), numa obra magistral de clareza, precisão, moderação e competência - The social animal - apresenta, entre outras, as seguintes razões por ter escrito o livro: "A finalidade deste volume é a de apresentar, sem constrangimento (mas com alguma hesitação) a relevância que a pesquisa em psicologia social pode ter para alguns dos proble- mas que aturdem a sociedade contemporânea. A maioria dos dados discutidos neste volume são baseados em exprimentos; a maior parte das ilustrações e exemplos, todavia, derivam de problemas sociais atuais - neles se incluindo preconceito, propaganda, guerra, alienação, agressão, insatisfação e revoltas . políticas. Esta dualidade, continua Aronson, "reflete duas de minhas tenden- ciosidades - tendenciosidades estas que eu prezo. A primeira é a de que' o método experimental é a melhor maneira de compreender-se um fenômeno complexo. É um ponto incontroverso em ciência que o único meio de se compreender de fato o mundo é o de reconstruí-lo, isto é, a fim de entender realmente o que causa o quê, devemos fazer mais do que simplesmente observar; mais do que isto, devemos ser responsaveis por produzir o primeiro 'o quê' de forma a podermos estar seguros de que ele realmente causou o segundo 'o quê'. Minha segunda tendenciosidade é que a única forma de nos certificarmos se as relações causais descobertas nos experi- mentos são válidas é trazê-las para fora do laboratório e inseri-las no mundo real. Assim, -como cientista, eu gosto de trabalhar no laboratório; como cidadão, entre- tanto, eu gosto de ter janelas pelas quais eu possa observar o mundo. Janelas, naturalmente, funcionam em ambas as direções: freqüentemente derivamos hipó- teses de observação da vida quotidiana. A melhor maneira de testá-las é sob as condições estéreis do laboratório; e, a fim de evitar que nossas idéias se tornem estéreis, nós tentamos levar os nossos achados de laboratório de volta pela mesma janela, a fim de verificar se eles se mantêm na situação da vida real. Implícito em tud'o isto, continua ainda Aronson, "está a minha crença de que a psicologia social é extremamente importante, de que os psicólogos sociais 14 A.B.P.A. 1/76 podem desempenhar um papel crucial na tentiva de tomar este mundo um lugar melhor para se viver. De fato, nos meus momentos de maior entusiasmo, eu entretenho uma convicção secreta de que os psicólogos sociais estão numa condição singular no sentido de produzir um impacto profundo e benéfico em nossas vidas, através do fornecimento de uma crescente compreensão de fenô- menos importantes tais como conformismo, persuasão, preconceito, amor e agressão." (p. xü e xili). Também outro grande psicólogo social contemporâneo, Jacobo, Varela, encara com otimismo o futuro das ciências sociais, propondo o que denominou de tecnologia social. Para mim, a grande atratividade da posição de Varela é que ela concilia a dicotomia ciência pura versus ciência aplicada e o problema da relevância versus irrelevância. Para Varela, todas as descobertas da verdade são relevantes, e cabe ao tecnólogo social organizá-las e aplicá-las de forma que surja um produto de utilidade social. Inúmeros são os exemplos por ele apresentados de sucesso da tecnologia social em seu livro Psychological solutions to social problems. Aliás, o conhecimento do trabalho desenvolvido por Varela, quando fui a ele apresentado por Leon Festinger, que de há muito conhecia e valorizava sua atividade de psicólogo social aplicado no Uruguay, constituiu um dos eventos mais importantes de minha atividade profissional. Lembro-me que estava, na época, ainda sob o forte impacto da frustração da pouca ressonância que tinha meu enfoque valorizador da pesquisa pura em psicologia junto a meus estudantes e a meus colegas. Eu reconhecia que minhas investigações não tinham relevância social direta - não resolviam o problema dos favelados da cidade do Rio de Janeiro, não diminuíam a agressão e a violência das grandes cidades, não afetavam os preconceitos raciais, religiosos etc. - enfim, não faziam a sociedade tomar-se melhor. Faltou-me o gênio criador de Jacobo Varela para verificar que estas pequenas descobertas poderiam ser engenhosa- mente utilizadas pelo tecnólogo social. O meu encontro com esse homem de raro brilho intelectual e de genuína preocupação com a resolução dos problemas sociais, e o entendimento de sua fIlosofia de a5ão, foi para mim como que um verdadeiro grito de Arquimedes dentro de mim mesmo. Dali por diante, coloquei em ordem as minhas idéias no que concerne às dicotomias referidas. Por ter aprendido com Varela a superá-las, é que tão veementemente me insurjo contra a tentativa de tantos em perpetuar discussões e polarizações de atitudes total- mente estéreis e prejudiciais. Acredito também que a psicologia social comunitária que, juntamente com outros setores das ciências sociais, concentra seus esforços no melhor ajuntamento do homem à comunidade onde vive, realiza esta integração leviana e vareliana de ciência pura e ciência aplicada. Parece-me que esse setor irá, progressivamente, capturando o interesse dos psicólogos sociais no futuro, ao mesmo tempo em queserão incrementadas as pesquisas e trabalhos de campo interdisciplinares, como o exige a natureza do objeto material desse setor da psicologia social. Psicologia social 15 6. Conclusão ResullÚndo as principais idéias desenvolvidas nesta conferência, parece-me que os pontos centrais aqui ressaltados foram: 1. A psicologia contemporânea está em crise; ela busca um certo consenso no que tange às suas prellÚssas filosóficas e à sua metodologia mais adequada. 2. A história da psicologia é caracterizada pelas freqüentes dicotollÚas e pola- rizações de atitudes, o que revela a imaturidade da ciência psicológica, buscando ainda, como a física, um Galileu e um Newton. 3. Na psicologia social, a polarização mais recente e a mais discutida é a de relevância versus irrelevância de pesquisas sociais. 4. Um exame introspectivo de minha própria vivência como psicólogo social revelou-me a tendência de muitos psicólogos e estudantes de psicologia a rotu- larem seus colegas e professores de forma radical, confirmando a tendência "à polarização e isolamento em grupos fechados, ao invés de estimular a soma de esforços e a tentativa de conciliação de posições que deveria predominar entre os que exercem a mesma atividade e, pelo menos teoricamente, visam o mesmo fim. 5. O fenômeno de percepção social deveria ser mais levado em conta pelos psicólogos a fim de tomarem consciência dos fatores que facilitam a deformação do estímulo distante, acarretando sua pequena correspondência à internalização mental do mesmo. 6. O desenvolvimento técnico-científico trouxe concollÚtantes sociais preju- diciais ao ajustamento social, exigindo da psicologia esforço no sentido de cola- borar para a erradicação dos subprodutos nocivos ao avanço material. 7. A tecnologia social proposta por Varela constitui-se num poderoso instru- mento à disposição dos psicólogos, no sentido de ajudarem a promover o bem-estar humano. 8. A psicologia social comunitária deverá merecer atenção crescente dos psicó- logos, os quais procurarão contribuir para o ajustamento e crescimento da pessoa em sua comunidade, em trabalho conjunto com outros setores das ciências sociais. Diante de llÚnha percepção da problemática atual da psicologia e da psico- logia social, dentro das limitações impostas por uma comunicação desta natureza, ouso especular que o restante da década de 70 e, muito provavelmente toda a década de 80, será caracterizado por uma busca séria, determinada e incessante de resolver os principais problemas epistemológicos que aturdem a psicologia de hoje. Juntamente com esse esforço, espero que a polarização de atitudes tenda a diminuir e que a atjvidade psicológica atinja um grau de maturidade que dificil- mente se poderá generalizar à maioria dos psicólogos de hoje. Acho também que a 16 A. B.P. A. 1/76 orientação seguida por Lewin em sua atividade de pesquisa empírica amparada por teoria e dirigida à solução de problemas concretos voltará a constituir-se em modelo principal a orientar nossos trabalhos. Nessa linha de ação, a tecnologia social proposta por Varela e a psicologia social comunitária constituem-se em iniciativas das mais promissoras para a psicologia social do futuro. Acredito, todavia, que o método experimental em psicologia social atingiu tal grau de sofisticação e de reconhecimento pela maioria dos psicólogos que, a não ser que se verifique profundo corte epistemológico em psicologia num futuro próximo, esta forma de reconstruir a realidade há de prevalecer ainda por várias décadas na psicologia social. Tivera eu posições radicais em psicologia, terminaria dizendo que, ou se verificam sérias mudanças nas atitudes da maioria dos psicólogos e um esforço redobrado no sentido de clarificação epistemológica em psicologia, nos próximos 15 anos, ou este setor converte-se-á numa atividade lúdica a entreter os que se comprazem com as especulações acerca do comportamento humano. Como não sou profeta, nem dado a radicalismos em ciência, prefiro dizer simplesmente que, a permanecer por muito mais tempo o status quo, a psicologia continuará a ser preterida nas prioridades governamentais, continuará a encontrar resistência junto a leigos e outros profissionais e, pior que tudo isto, retardará por mais tempo a ampla difusão dos muitos benefícios que tem capacidade de trazer a tantas pessoas deles necessitadas. Mudanças, quer de atitudes quer de paradigmas, se impõem na psicologia em geral, e na psicologia social em particular. O que já aprendemos através da própria psicologia nos fornece subsídios valiosos para iniciarmos algumas destas mudanças. Outras estão a requerer o brilho dos gênios e o esforço tenaz e consciente de todos. Esperemos confiantes a verificação destas mudanças num futuro próximo, quando então, metaforicamente falando, entraremos na fase pós-newtoniana da psicologia. Referências bibliográficas 1. Abelson, R. P. & Rosenberg, M. J. Modes of resolution of belief dilemas. Conflict resolution. 1969. n. 3, p. 343-52. 2. Aronson, E. The social animal. New York, The Vildng Press, 1973. 3. Asch, S. E. Social psychology. New York, Prentice-Hall, 1952. 4. Baurim, B. H. The immorality of irrelevance - the social role of science. Psychology and the problems of society. Washington, AP A, 1970. 5. Brewster Smith, M. Is social psychology advancing? Contemporary psychology, 1972. 6. ___ o Is psychology relevant to new priorities? American psychologist. n. 28, p. 463-71,1973. 7. Campbell, D. Reforms as experiments. American Psychologist. n. 24, p. 409-29, 1969. Psicologia social 17 8. Cartwright, D. & Harary, F. Structural balance: a generalization of Heider's theory. Psychological Review, p. 277-93, 1956/63. 9. Dember, W. N. Motivation and the cognitive resolution. American Psychologist, n. 29, p.161-8,1974. 10. Deutsch, M. The resolution of conflict. New Haven, Vale University Press, 1973. 11. Farberow, N. L. The crisis is cronic. American Psychologist, n. 28, p. 388-94, 1973. 12. Festinger, L. Informal social communication. Psychological Review, n. 57, p. 271-82, 1950. 13. ___ o A theory of social comparison processes. Human Relations, n. 7, p. 117-40, 1954. 14. ___ o A theory of cognitive dissonance. Evanston, IlL, Row, Peterson, 1957. 15. ___ & Skinner, B. F. Mechanisms of moral development. Entrevista gravada em 4.11.73. 16. French, J. & Raven, B. H. The bases of social power. In: Cartwright, D. ed. Studies in social power. Ann Arbor, Institute for Social Research, 1969. p. 150-67. 17. Fried, S. B. et alii. Ten years of social psychology. Is there a growing commitment to field research? American Psychologist, n. 28, p. 155-56. 1973. 18. Gergen, K. J. Social psychology as history. Joumal of Personality and Social Psy- chology, n. 26, p. 309-20, 1973. 19. Goodwin, L. On making social research relevant to public policy and national problem solving. American Psychologist, n. 26, p. 431-442,1971. 20. Heider, F. Attitudes and cognitive organization. Journal of Psychology, n. 21, p. 107-12, 1946. 21. Homans, G. C. Social behavior. lts elementary forms. New York, Harcourt, Brace and World, 1961. 22. Hovland, C. r., Janis, r. L. & Kelley, H. H. Communication and persuasion. New Haven, Vale University Press, 1953. 23. Jones, E. E. & Davis, K. E. From acts to dispositions: the attribution process in person perception. In: Berkowitz, L. ed. Advances in experimental social psychology. New York, Academic Press, 1965. V. 2, p. 219-66. 24. Kelley, H. H. Attribution theory in social psychology. In: Lewine, K. ed. Nebraska Symposium on Motivation. Lincoln, University of Nebraska Press, 1967. p. 192·238. 25. Koch, S. Psychology cannot be a coherent science. Psychology today, 1973. 26. Korten, F. F. et alii. Psychology and the problems of society. Washington, D.C., AmericanPsychological Association, 1970. 27. Kuhn, T. The Structure of scientific revolutions. Chicago, The University of Chicago Press, 1962. 28. Upsey, M. W. Research and relevance: A survey of gradua te students and faculty in psychology. American Psychologist, n. 29, p. 541-53, 1974. 29. Meehl, P. Qinical versus statistical prediction. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1J 54. . 30. Newcob, T. M. An approach to the study of communicative acts. Psychological Review, n. 60, p. 393-404, 1953. 18 A.B.P.A. 1/76 31. Rodrigues, A. A survey study on balance theory. Trabalho apresentado no XIII Con- gresso Interamericano de Psicologia, Panama City, 197!. 32. . Psicologia sociaL Petrópolis, Vozes, 1972. 33. Rogers, C. Some new challenges. American Psychologist, n. 28, p. 379-87, 1973. 34. . In retrospect: Forty-six years. American Psychologist, n. 29, p. 115-23, 1974. 35. Schenker, B. R. Social psychology and science. Joumal of Personality and Social Psychology, n. 29, p. 1-15, 1974. 36. Shaver, P. European perspectives on the crisis in social psychology. Contemporany Psychology, n. 19, p. 356-58, 1974. 37. Skinner, B. F. Walden Two. New York, 1948. 38. ___ o Beyond freedom and dignity. New York, Alfred Knopf, 1972. 39. Silverman, I. Crisis in social psychology: The relcvance of relevance. American Psy- chologist, n. 26, p. 583-4, 197!. 40. Thibaut, J. & Kelley, H. H. Thesocial psychology ofgroups. New York, Wilcy, 1959. 41. Varela, J. Psychological solutions to social problems. New York, Academic Press, 1971. ú" MAIOR CATEGORIA f ti, ~ -O ~ O CORREIO DA UNESCO C ~ CONJUNtuRA ECONÔMICA (CE) O REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBUCA (RAP) CXJ REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO (RDA) r- CJ') REVISTA DE CIÊNCbf POLÍTICA (RCP) -~ REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS (IUE) n ~ ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOLOGIA APUCÃDA' (ABPA) ........... r- CÚRRlCULUM (CUR) til' CJ') REVISTA BRASILEIRA DE ECONOMIA (RBE) '0 ~ ~~Cl· cc: SVaVZI1VI::>3dS3 ':) Psicologia social 19
Compartilhar