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Seção 4 - Humanismo Renascentista Caro aluno, bem vindos a nossa seção 04. O objetivo da nossa aula será mostrar uma forma de pensamento que conseguiu unir o melhor de dois mundos, ou seja, o pensamento científico (ainda distante do rigor da modernidade) com a sensibilidade das artes. Dessa junção surge um dos pensamentos mais significativos da história da humanidade: A Renascença. Mas o que foi esse período? O que ele representou para o desenvolvimento do ocidente? Como ele continua a ser uma referência para o nosso modelo de Cultura? A arquitetura intelectual da Renascença foi moldada pelos movimentos filosóficos e literários do humanismo, que elevam as aptidões individuais a um grau desconhecido até então. Ela apresenta uma atitude secular ao priorizar o intelecto e a individualidade. O espírito humanista se expressa através do estudo dos clássicos, que apresentam aos artistas à diversidade de ideias filosóficas gregas e romanas que estimulam o pensamento crítico e a individualidade. Na Florença do século XV, tanto os filósofos, como os artistas, estadistas e mercadores buscavam se tornar “universais”, ou seja, ter uma abertura do intelecto as mais diversas áreas do conhecimento humano: artes, literatura, ciência, arquitetura, engenharia, anatomia. A história da filosofia tradicionalmente não reconhece a importância da Renascença do ponto de vista filosófico, creditando a ela apenas um período de transição entre a Idade Média e a Modernidade. Contudo, ocorreu uma redescoberta desse período a partir da obra do historiador Jacob Burckhardt, “A Cultura do renascimento na Itália”. Nessa obra, Burckhardt define o Renascimento em termos de desenvolvimento do indivíduo e de descoberta do mundo e do homem. O Renascimento valoriza e retorna aos clássicos gregos e romanos, buscando seu lema em Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”. Essa forma de pensar rompe com o período Medieval e todo o seu teor teológico. Podemos dizer que a Renascença começa com a doutrina da dignidade do homem. Através desse novo olhar, o homem ganha uma dimensão de protagonista na natureza através da sua razão e sensibilidade. Com a razão ele pode olhar, criar e transformar o mundo; com a sensibilidade, ele se reconhece como parte da natureza e do mundo. Pico della Mirandola (1463-1494) enxerga o homem como um milagre em sua dimensão física e metafísica. Todas as criaturas possuem uma essência que determinam aquilo que são e não outra coisa. No entanto, o homem é a única criatura que se encontra no limite de dois mundos. “A teologia não nega a filosofia natural, antes a completa, assim como Platão completa Aristóteles: o homem não pode renunciar nem a conhecer a natureza nem a transcendê-la.” (ABBAGNANO, 2000, p. 75) A liberdade e não a natureza predeterminada é a característica do homem. Pico era um homem religioso, alguns aspectos de sua natureza estão presentes em sua filosofia. O renascimento se realiza através de vários graus de sabedoria, culminando no grau mais elevado que é a sabedoria teológica. O Renascimento é um regresso aos antigos naquilo que eles tinham de melhor: o valor da sabedoria. Giovanni Reale cita Pico della Mirandola em sua História da Filosofia, apresentando o discurso que Deus teria dirigido ao homem “recém-criado”: Eu não te dei, Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto próprio, nem qualquer prerrogativa só tua, para que obtenhas e conserves o aspecto e as prerrogativas que desejares, segundo a tua vontade e os teus motivos. A natureza limitada dos astros está contida dentro das leis por mim prescritas. Mas tu determinarás a tua sem estar constrito a nenhuma barreira, segundo o teu arbítrio, a cujo poder eu te entreguei. Pus-te no meio do mundo para que, daí, tu percebesses tudo o que existe no mundo. Não te fiz celeste nem terreno, mortal nem imortal, para que, como livre e soberano artífice, tu mesmo te esculpisses e te plasmasses na forma que tiveres escolhido. Tu poderás degenerar nas coisas inferiores, que são brutas, e poderás, segundo o teu querer, regenerar-te nas coisas superiores, que são divinas. (REALE/ANTISERI, 1990, p.82) O Humanismo Renascentista O humanismo renascentista retoma a herança Greco-romana como base de um modelo de pensamento que se pretende construir. O Renascimento, com o seu valor artístico e cultural, surge no século XV na cidade de Florença, uma das mais ricas cidades da Europa. Uma cidade de artesãos e banqueiros que construíram suas riquezas no comercio e que, desejando investir no desenvolvimento intelectual da cidade, aplicavam na literatura, nas artes plásticas e na filosofia. Como escreveu Burckhardt: Antes disso, são dignos de nossa atenção aqueles cidadãos que, principalmente em Florença, fizeram do interesse pela Antiguidade uma das metas principais de suas vidas, tornando-se eles próprios grandes eruditos, ou grandes diletantes a dar apoio aos primeiros. Eles foram de grande importância para o período de transição, no princípio do século XV, porque é neles que, pela primeira vez, o humanismo manifesta-se, na prática, como um elemento necessário da vida cotidiana. Foi somente depois deles que príncipes e papas dedicaram-se a cultivá-lo. (BURCKHARDT, 2009, p. 208) A cidade de Florença foi o berço da Renascença; o apoio dado pelos humanistas ao aprendizado e às descobertas deu início a um novo ideal humano, ou seja, homo universale (homem universal/polímata). Mas o que seria esse homem? Era o homem instruído em todos os ramos do conhecimento e com uma grande capacidade de inovação. Eles buscavam aprender grego, latim, a filosofia de Aristóteles, além dos tratados clássicos de história natural, geografia, arquitetura e engenharia. A noção que esses indivíduos tinham do conhecimento estava distante da concepção sistemática que viria a ser uma característica da modernidade. Acredito que estivesse mais próximo de uma experiência orgânica do conhecimento; ou seja, razão e sensibilidade estavam unidas de tal forma que a experiência do conhecimento deveria passar pelas emoções. A pergunta que se apresenta é: o que é o humanismo renascentista? O humanismo significa um novo sentido de homem e de seus problemas. É um novo sentido que encontra expressões multiformes e, por vezes, até opostas, mas sempre ricas e originais. É uma aquisição de sentido de sua própria individualidade que encontra nos seus atos a razão para a construção de uma autonomia regida pela força da razão, pela sensibilidade e pelo maravilhamento diante da natureza. Observações de Nicola Abbagnano Nicola Abbagnano (2000, p.11 e 12) observa três contribuições significativas do Renascimento e do humanismo que dele deriva, são elas: 1. a descoberta da historicidade do mundo humano; 2. a descoberta do valor do homem e da sua natureza mundana (natural e histórica); 3. a tolerância religiosa. 1 O humanismo renascentista não consiste apenas no amor e no estudo da sabedoria clássica e na demonstração da sua concordância fundamental com a verdade cristã, mas sim e antes de tudo na vontade de reconstruir tal sabedoria na sua forma autêntica,procurando compreendê-la na sua realidade histórica efetiva. É com o humanismo que surge pela primeira vez a exigência do reconhecimento da dimensão histórica dos acontecimentos. 2 Quando se diz que o humanismo renascentista descobriu ou redescobriu o valor do homem, se quer com isso dizer que reconheceu o valor do homem como ser terreno ou mundano, inserido no mundo da natureza e da história, capaz de nele forjar o próprio destino. 3 Faz parte também do humanismo renascentista a concepção civil da religião e o conceito de tolerância religiosa. A função civil da religião é reconhecida com fundamento da relação entre cidade celeste e cidade terrena: a cidade terrena deverá, na medida do possível, realizar a harmonia e a felicidade que são características da cidade celeste. A harmonia e a felicidade pressupõem, por sua vez, a paz religiosa. As Artes Os artistas da Alta Renascença compartilhavam da filosofia humanista que colocava o homem e suas realizações no centro de tudo. Essa visão é exemplificada pelos estudos de Leonardo da Vinci (1452-1519), principalmente pelo desenho Proporções da imagem do homem (Segundo Vetruvius), comumente chamado de O homem vitruviano. Leonardo antecipou em cem anos o método de abordagem empírica de Galileu Galilei e Francis Bacon, ao desenvolver sozinho uma abordagem empírica da ciência, que valorizava a observação sistemática da natureza, o pensamento lógico e a linguagem matemática. Leonardo foi uma figura singular, um daqueles gênios que a humanidade conhece de tempo em tempo. Dotado de excepcionais poderes de observação e memória visual, um homem capaz de desenhar com perfeição desde o movimento das águas, dos vôos dos pássaros, à anatomia do corpo humano, à engrenagens de engenharia mecânica. Sua abordagem do conhecimento científico era visual, ou seja, a observação era o ponto de partida no processo do conhecimento: A descoberta da perspectiva histórica está para o tempo como a descoberta da perspectiva visual, conseguida pela pintura do Renascimento, está para o espaço: consiste na possibilidade de nos apercebermos da distância que vai de um objeto a outro e de qualquer deles ao observador. É, por conseguinte, a possibilidade de os entendermos na sua real localização, na sua diferença relativamente aos demais e na sua individualidade autêntica. O significado da personalidade humana, como centro original e autônomo de organização dos vários aspectos da vida, é condicionado pela perspectiva, nesta acepção. A importância que o mundo moderno atribui à personalidade humana é o resultado de um propósito atingido pela primeira vez pelo humanismo renascentista. (ABBAGNANO, 2000, p. 12) A descoberta da perspectiva pela renascença foi algo extraordinário. O método científico de Leonardo não se baseava apenas na observação cuidadosa e sistemática da natureza, mas também incluía uma análise detalhada e abrangente do processo de observação de si. Como podemos ler em A Ciência de Leonardo da Vinci: Como artista e cientista, sua abordagem visual predominava, e iniciou suas investigações da ‘ciência da pintura’ com o estudo da perspectiva: pesquisando como distância, luz e condições atmosféricas influenciam a aparência dos objetos. A partir da perspectiva, prosseguiu em duas direções opostas – para fora e para dentro, conforme o caso. Investigou a geometria dos raios de luz, a interação de luz e sombra e a própria natureza da luz; também estudou a anatomia do olho, a fisiologia da visão e a trajetória das impressões sensoriais ao longo dos nervos até a ‘sede da alma’. (CAPRA, 2008, p.225) A ciência da perspectiva A ciência da perspectiva de Leonardo tinha interesses não apenas nos caminhos externos dos raios de luz, junto com outros fenômenos ópticos, mas também no papel do olho humano. Naquele período, artistas e filósofos debatiam sobre a localização exata da ponta da pirâmide visual no olho. A estrutura dos olhos e o processo da visão eram para Leonardo prodígios da natureza. Não admira que Leonardo passou mais de vinte anos investigando a anatomia e a fisiologia do olho humano. No Tratado de Pintura, ele escreve: Não vê que o olho abarca a beleza de todo o mundo? Ele é o mestre da astronomia, pratica a cosmografia, aconselha e corrige todas as artes humanas; transporta o homem a diferentes partes do mundo. [O olho] é o príncipe das matemáticas; suas ciências são muito exatas. Mediu as alturas e dimensões das estrelas, descobriu os elementos e suas localizações (...). Criou a arquitetura, a perspectiva e a pintura divina (...) [O olho] é a janela do corpo humano, pela qual [a alma] contempla e desfruta a beleza do mundo. (Apud. Capra, 2008, p. 245) Para uma melhor elaboração do seu pensamento, Leonardo fazia uso do desenho. O desenho é o conceito chave do seu pensamento, a ferramenta que permite a construção de uma teoria do conhecimento, rica em detalhes, se apresentar de forma mais eficiente. Para ele, o desenho era um instrumento de estudo e de análise da realidade, uma ferramenta de comunicação eficaz. Alguns críticos da sua obra afirmam que o ‘desenho’ foi a sua invenção mais notável, capaz de expressar perfeitamente a complexidade do seu pensamento, sua capacidade de passar de um campo de estudo e de representação para outro, o estreito vínculo entre a arte e a ciência. Leonardo não desenha o que vê, mas o que entende a partir do que vê. Era o caso, também, de lançar luz sobre o percurso e as etapas da sua formação que o levou de uma abordagem pragmática, típica do conhecimento politécnico da bottega renascentista, adaptada à resolução de problemas concretos através de uma metodologia do passo a passo, à apreensão dos problemas de forma cada vez mais orgânica e globalizante, à qual se entrega. Em outras palavras, o especialista em máquinas se torna teórico da grande engrenagem do mundo. Esta matematização progressiva da relação com o mundo incita Leonardo da Vinci a buscar leis que governam os fenômenos e as interações entre as múltiplas manifestações da natureza. (BOUCHERON/GIORGIONE, 2014, p.15) A contribuição do pensamento de Leonardo da Vinci é fundamental para a nossa disciplina, pois é um pensamento da abertura, um pensamento que, antes de ser sistemático, compreende o valor do movimento e da natureza para o processo do conhecimento. A representação visual do processo do conhecimento, como ele fazia, antecipou a fotografia e, mais tarde, as tecnologias digitais da informação em nível do 3D. Você pode se perguntar como Leonardo pode contribuir para a sua vida acadêmica e profissional hoje. Eu diria que a maior relevância desse pensador está no campo da interpretação da realidade. Ele não faz a separação dicotômica entre sujeito e objeto, mas compreende o valor da experiência orgânica do conhecimento, uma experiência em que o indivíduo que analisa a realidade parte da sua própria experiência. A sua capacidade de observação inata e sua educação pictórica rendeu à humanidade uma das obras mais significativas em campos que vãoda mecânica, das artes plásticas, às análises dos movimentos dos pássaros. Sua metodologia do desenho continua a fazer escola até os nossos dias. Leonardo representa o modelo de homem completo (polímata), modelo em que razão, sensibilidade, observação e determinação são fundamentais para a construção de um mundo mais prático, com isso, melhor. Ele compreendeu como poucos que tecnologia e arte são dois lados da mesma moeda, e foi o único a sintetizar de forma tão harmoniosa o talento do artista com o gênio da ciência. Outros gênios da Renascença Outros gênios da Renascença ● Michelangelo (1475-1564): Michelangelo Buonarroti foi aprendiz de Domenico Ghirlandaio, que lhe ensinou a arte da pintura de afrescos e escultura com Bertoldo di Giovanni. Michelangelo viajou para Roma, onde esculpiu Baco e a Pietà. Ele voltou a Florença para trabalhar no Davi, concluído em 1504. Depois ele foi contratado para criar a tumba do papa Júlio II, que deveria conter 40 imagens em tamanho natural; o projeto não foi realizado porque em 1508 ele começou a trabalhar no teto da Capela Sistina (1516-1564). É contratado pelo papa Leão X para criar a tumba papal. Em 1534, ele voltou à Capela Sistina para pintar O Juízo Final, na parede do altar. Posteriormente, ele projetou o domo da Basílica de São Pedro, no Vaticano. ● Rafael (1483-1520): Raffaello Sanzio da Urbino, era filho de Giovanni Santi, pintor da corte de Urbino. Com a morte de seu pai, em 1494, ele se tornou aprendiz de Pietro Perugino, antes de se mudar para Florença, a fim de estudar as obras de Michelangelo e Leonardo da Vinci. Rafael foi chamado a Roma em 1508, pelo papa Júlio II, para decorar os seus aposentos no Palácio Apostólico. O papa Leão X de Medici, contratou Rafael para decorar com afrescos a Stanza dell´Incendio. Ele é nomeado diretor das obras arquitetônicas do Vaticano em 1514. Em 1515 é nomeado curador das antiguidades romanas. ● Donatello (1386-1466) Donato di Nicolò di Betto Bardi, nasceu em Florença, filho de Nicoló di Betto Bardi. Foi um escultor talentoso. Assim como os personagens da antiguidade, suas esculturas eram às vezes de personagens nus. ● Obs. Informações retiradas do livro “Tudo sobre arte: Os movimentos e as obras importantes de todos os tempos”. Conclusão O nosso objetivo ao apresentar o pensamento renascentista foi mostrar que, na história da humanidade, a produção do conhecimento pode se superar a cada momento. O desenvolvimento econômico possibilitou que a Renascença se tornasse uma realidade; a Renascença apontou para um modelo de cultura e de homem apresentado pelos gregos; a descoberta desse modelo reconstruiu a realidade da Europa, a começar por Florença. A necessidade do conhecimento, aliada à sensibilidade artística, nos legou as mais extraordinárias obras de arte. Mas, acima de tudo, atesta que o homem nasceu para o conhecimento e a cultura. O homem que a Renascença desejava formar é o resultado de uma experiência de observação, sensibilidade e racionalização do mundo real. Pensar a partir das transformações de uma Europa que logo descobriria a Modernidade, ainda marcada pela herança Medieval, foi algo singular. A fé descobre o poder da observação, que antes havia descoberto a razão e, dessa soma, surge algo completamente novo. O homem que se desejava formar foi a junção de razão, sensibilidade, determinação e fé. Fé na razão, determinação para transformar a realidade, sensibilidade para enxergar os detalhes na natureza e confiança na capacidade humana para transformar a natureza.
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