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ANTONIO ABREU MENDES UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS CIVIL E MILITAR: UM ESTUDO ACERCA DOS PROJETOS E DISCUSSÕES PARA A SUA CONSECUÇÃO. Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Especialista em Ciências Jurídicas, no Curso “Lato Sensu” oferecido pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC - São Miguel do Oeste. Julho/1998 2 À Ana Vitória, minha estrela guia; À minha esposa, minha alma gêmea. 3 SUMÁRIO SUMÁRIO 3 INTRODUÇÃO 5 1. A SOCIEDADE BRASILEIRA 9 1.1 A Violência Social 9 2. ASPECTOS HISTÓRICOS DAS POLÍCIAS CIVIL E MILITAR BRASILEIRAS 13 2.1 A Polícia Militar Brasileira: Sua Criação e Evolução 13 2.2 A Polícia Civil Brasileira e sua Evolução Histórica 15 2.3 As dificuldades de entrosamento entre as duas Corporações 16 3. PROPOSTAS DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS PARA A UNIFICAÇÃO: UM ESTUDO CRÍTICO 21 3.1 A proposta de Mário Covas 21 3.2 A proposta do governo 26 3.3 O Projeto ILANUD 29 3.4 O projeto do Congresso Nacional 32 3.5 UNIFICAÇÃO: Necessidade de debate com a comunidade 33 3.6 A diminuição dos custos com a unificação 35 4. A FUNÇÃO MEDIADORA DA POLÍCIA: ATIVIDADE JUDICANTE? 37 4.1 Lei 9.099/95: Proposta de desafogo do Judiciário 38 4.2 O relacionamento polícia-cidadão na proposta de unificação 41 5. A POLÍCIA IDEAL: A REALIDADE EMPÍRICA COMO IMPULSO À SUA CONSECUÇÃO 43 5.1 A realidade brasileira 43 5.2 A realidade alienígena 47 5.2.1 A polícia inglesa 48 4 5.2.2 A polícia norte-americana 48 5.2.3 A polícia francesa 50 5.2.4 A polícia soviética 50 5.2.5 A polícia italiana 51 5.2.6 A polícia argentina 51 5.2.7 A polícia boliviana 52 5.3 A realidade que se almeja com a unificação 52 CONSIDERAÇÕES FINAIS 57 BIBLIOGRAFIA 60 5 INTRODUÇÃO A nossa Lei Maior disciplina, em seu artigo 144, as funções dos órgãos que compõem a estrutura da segurança pública no Brasil. A atual Carta Política fez permanecer, como vinha há muito ocorrendo, a separação estrutural das polícias civil e militar. Essa manutenção vem sendo alvo de críticas e movimentos que visam à unificação das duas polícias e uma total reestruturação do sistema de segurança pública brasileiro, objetivo de estudo primacial deste trabalho. Fator importante a legitimar essa preocupação é que, em nosso direito moderno, já não cabem mais as atrocidades e o desrespeito ao ser humano que no passado se observava. Portanto, a ideologia militar e a prepotência que reveste as ações das polícias já não se coadunam com as garantias constitucionais destinadas ao cidadão com a promulgação da Constituição de 88 e que, no decorrer do trabalho se verá, ainda acontecem com freqüência assustadora no nosso meio. A observância das garantias fundamentais, com efeito, virá a resultar em confiança no sistema, por parte do cidadão que, por óbvio, além de eventual parte na investigação policial, poderá vir a ser o maior colaborador em tal tarefa, tudo isso tendo-se em mente que não só a polícia, mas também o cidadão, são responsáveis solidários na tarefa do zelo pela segurança pública, situação esta que fica clara nas exposições pertinentes. Não se pode passar ao largo da violência que assola o país e que tem se disseminado muito nos últimos tempos requerendo, por parte dos poderes constituídos, uma nova mentalidade na condução da segurança pública no país. O desemprego e a fome são, sem embargos, as maiores fontes de propensão à criminalidade e, se não as combatem tais poderes, na área social, há que se garantir segurança através dos meios de repressão da criminalidade, isto é, os órgãos de segurança pública que devem ser estruturados de forma a, sem o uso desnecessário de violência, garantirem-na ao cidadão, entendimento este esposado neste trabalho e comprovado como o mais eficiente nos países considerados de “primeiro mundo”. 6 Outro problema de relevo que enfrenta o sistema atual de segurança é o relacionamento entre as duas corporações que, num universo de problemas, se torna o maior visto que dele decorrem outros inúmeros, tendo-se em mente que os mesmos se vêem apenas como instituição e não com ente subjetivo, vale dizer, os policiais, nas tarefas que realizam visando objetivos comuns, se encaram não como colaboradores entre si, mas como instituições dicotômicas que se devem combater para a sustentação do poder de uma sobre outra. Essas rivalidades comprovaram ser, além de inúteis para a auto-afirmação das instituições, prejudiciais ao bom andamento dos trabalhos assecuratórios de segurança pública, mormente com o descompasso de informações e atuações paralelas em investigações que, por serem conexas, poderiam vir a ser facilmente aclaradas com trabalho em conjunto. Visando ao fim de pôr fim a essa dicotomia estrutural e, principalmente com isso prestar serviços de qualidade, vários segmentos da sociedade se manifestaram, através de projetos de emenda constitucional. São projetos, alguns deles audaciosos, eis que os militares ainda têm aquela mentalidade do período ditatorial, vendo no policial militar o ente assecuratório da segurança nacional e, perdê-los e colocá-los à mercê de ideologia de caráter civil pode, a seu ver, comprometer o esquema de segurança interno. Além disso, tais incursões pretendem, com a territorialização dos comandos de polícia e a junção do material humano nessas unidades, direcionar os trabalhos policiais a pequenas comunidades, visando, com tal desiderato, humanizar a particularizar tais tarefas, evitando, desta forma, conflitos de competência, descompasso informativo e, acima de tudo, a rivalidade policial. Esses movimentos políticos, conquanto já se tenham efetivado através dos projetos mencionados, suscitam necessidade de debates com a sociedade, pois ela, e somente ela, poderá aferir acerca de qual o sistema de segurança pública que mais lhe apraz. Não se olvide, a população tem garantido a sua segurança através de empresas particulares, tamanha a insegurança que sente. Isso é sintomático de um problema estatal que vem se mostrando irresolúvel sem a tomada de medidas de relevo na área da segurança, como efeito da violência e, principalmente, na área social, causa deste mesmo problema. Ela, a sociedade, não se ateve apenas em esvurmar a estrutura de segurança pública, ela se armou para garantir a sua própria defesa e isso é assustador, eis que, no momento em que se particulariza a segurança, se legitima toda sorte de prepotências e a 7 criminalidade, que se quer diminuir, de revestrés, aumenta ao tornar o indivíduo que se arma para garantia de segurança pessoal, um potencial cometedor de delitos. Essa necessidade sentida hoje pela população vai de encontro ao programa estatal de desarmamento do cidadão. Com efeito, como pode o indivíduo se desarmar, conquanto tal ato seja pernicioso, se não lhe é garantido nenhum direito à segurança de forma efetiva? Não se quer aqui fazer apologia ao uso de armas, e sim, remeter discussão ao ponto central, vale dizer, que a função de segurança pública é precípua do Estado, seja ele em âmbito federal, estadual ou municipal e eles devem-na garantir ao cidadão. Tenha-se presente, e isso é inarredável, a nova estrutura da polícia, com a sua unificação vai diminuir custos e gastos por parte do Estado, conduta que modernamente muito se propaga, vale dizer, maior volume de prestação de serviços com menor custo operacional para o Estado. Com efeito, a diminuição da estrutura física e a convergência do material humano para apenas um centro administrativo, ali reunindo informações e esforços comuns, vão trazer economia para o erário público além de maior eficiência na consecução das tarefas policiais. Antes da instituição da Lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais de Causas Cíveis e Criminais, a polícia tinha papel importantíssimo comomediadora de pequenos conflitos interpessoais que sequer eram remetidos à apreciação do Poder Judiciário, conquanto ainda hodierno se observe resquícios desta atividade, como forma de desafogo do predito Poder. Com a unificação, que pretende integrar a polícia com a comunidade, essa função mediadora se mostra necessária e até salutar, eis que, com maior integração entre polícia e cidadão, as pequenas pendengas poderiam, com muita propriedade, ser resolvidas ali mesmo, na delegacia, sem a interferência morosa e, por vezes, desnecessária do Poder Judiciário. É de sabença, o empirismo reveste e determina grande parte das nossas condutas e, com base nele se buscou, neste trabalho, per lustrar os experimentos externos como forma de impulsionar a busca da nossa própria realidade almejada. Em verdade, o que se viu, foram experiências interessantes, substancialmente com a realidade norte-americana, onde o sistema de segurança pública se apresentou extremamente fragmentado, convergente a pequenos grupos humanos e, conquanto esta fragmentação poderia representar pouca sintonia entre tais comandos, de revestrés, é uma rede de comunicações extremamente organizada, de forma a garantir intercâmbio de todas as modalidades entre as unidades. 8 Não se poderia olvidar, também, de um assunto que deveria ensejar novas buscas para a classe policial, vale dizer, a criação de uma Lei Orgânica da Polícia, tudo com o escopo de, fixando diretrizes e bases para a categoria, determinar os limites de atuação e toda a estruturação do sistema a fim de sanar as irregularidades que hodierno se observam. Como remate, o que se pretende, com o presente trabalho, é a busca de uma nova mentalidade, paralelamente a uma nova realidade estrutural, vale dizer, a conscientização, tanto do policial, quanto da população, de que segurança é questão a ser assegurada em conjunto, tendo esses dois segmentos como colaboradores e não combatentes entre si. Além disso, uma estruturação física mais racional, compactada e apta a dar ao policial o apoio material de que necessita para o combate à criminalidade permitirão que, essas duas forças, psicológica e física, reunidas, possam, de verdade, dar efetiva segurança à população. 9 1. A SOCIEDADE BRASILEIRA 1.1 A Violência Social A nossa sociedade, desde seu berço, viveu a violência, como não poderia deixar de ser com uma colônia que foi tomada para satisfazer necessidades imperiais alienígenas. A primeira violência foi a imposta aos nativos desta colônia, ao serem tomados como escravos e desnaturados em seu convívio original. De lá para cá, a história tem sido diferente em aspectos diversos da violência, porém, no tocante a ela, a história não teve modificações: as conquistas se perfectibilizaram tendo-a como ingrediente necessário, buscando legitimá-la com a importância do objetivo a ser alcançado, ou seja, a produção da riqueza, com a conseqüente produção da pobreza. Hodierno, a violência que preocupa, não são as oriundas de defesas ideológicas ou conquistas territoriais e, sim, precisamente a violência decorrente da convivência social, notadamente, a urbana, que tem aspecto de exclusão de classes, o que, em nosso país, tem raízes seculares que divide a riqueza branca da pobreza negra. Ao se pensar em violência, não se a pode ter como ente isolado, descasado com questões sociais, de revestrés, há que se ligá-la, de forma direta, aos acontecimentos e estados que a determinam, sejam eles imediatos ou remotos, afetos à fome, ou à impotência, ou à etnia, etc. Em verdade, a violência é fruto da revolta de uma parcela de esquecidos pelo Estado, em nome do que este chama de crescimento econômico, que marginaliza os que estão inseridos nas camadas mais baixas da população, tudo com o fim de nos fazer parecer, de forma pretensiosa diante dos países de primeiro mundo, como país em desenvolvimento e moderno. Ela, no entanto, já não é típica de tais camadas, tendo se alastrado, também, para a classe média, podendo-se, daí, obter certeza de que não é somente a pobreza que a determina, mas, sim, questões bem mais profundas, afetas à própria essência do se humano. 10 Em verdade a violência parece legitimar outra reação violenta, vale dizer, se um cidadão sofre qualquer tipo de violência, sua reação lhe parece legítima, pois, em seu íntimo, ele sabe que a violência sofrida é injusta, arvorando-se em julgador e aplicando a pena. É, de fato, preocupante, eis que o cidadão assim se comporta em razão, muitas vezes, da certeza da inércia estatal, da impossibilidade de punição estatal do ato do delinqüente, perfectibilizando, então, a vingança privada, instituto já há muito extirpado. Cumpre salientar que é por demais humilhante saber que os marginais cometem seus delitos e o Estado não tem aparato necessário para reprimi-los, surgindo, então, daí, a necessidade, por parte do cidadão, de fazer justiça com as próprias mãos: “olho por olho, dente por dente”. De outra banda, além do Estado ser inoperante no ataque aos delinqüentes, é, igualmente, inertes no ataque às causas deste problema social tão grave que são, com efeito, as grandes causadoras do desvio de conduta e da marginalização desta parcela populacional. Segundo JURANDIR FREIRE COSTA: [...] Ao expor as pessoas a constantes ataques à sua integridade física e moral, a violência começa a gerar expectativas, a fornecer padrões e respostas. Episódios truculentos e situações-limite passam a ser imaginados e repetidos com o fim de caucionar a idéia de que só a força resolve conflitos. A violência torna-se um item obrigatório na visão de mundo que nos é transmitida. O problema, então, é entender como chegamos a este ponto. Como e porque estamos nos familiarizando com a violência, tornando-a nosso cotidiano [...].1 Como já apontado, a inércia estatal é causa determinante na geração da violência, tanto no tocante à sua incapacidade de reprimir a criminalidade com seu aparelho repressor (polícia), quanto na sua incompetência para, através de efetivo programa de caráter social, dar condições de vida decentes aos cidadãos das camadas mais baixas da população. Não é dizer, com efeito, que a criminalidade se situe apenas nesta parcela da população, como gizado acima, mas, que a pobreza na qual está inserida aquela massa populacional, seja a grande causa da violência oriunda da mesma. 11 Importante gizar, neste sentido: [...] Em primeiro lugar é preciso que a violência se torne corriqueira para que a lei deixe de ser concebida como instrumento de escolha na aplicação da justiça. Sua proliferação indiscriminada mostra que as leis perderam o poder normativo e meios legais de coerção, a força que deveriam ter. Nesse vácuo, grupos e indivíduos passam a arbitrar o que é justo, segundo decisões privadas, dissociadas de princípios éticos válidos para todos. O crime é, assim, relativizado em seu valor de infração. Os criminosos agem com consciências infelizes. Não se julgam fora da lei ou da moral, pois se conduzem de acordo com o que estipulam ser o preceito correto. A imoralidade da cultura da violência consiste justamente na disseminação de sistemas morais particularizados e irredutíveis a ideais comuns, condição prévia para que qualquer atitude criminosa possa ser justificada e legítima [...].2 Diante da realidade vivenciar de cada indivíduo, a sua consciência decide agregar, ou não, os valores morais e éticos observáveis na comunidade e extensivos a todos, como senso comum. Com a disseminação da violência, sua conduta é desviada para a legitimação da violência como forma garantidora de sobrevivência ou vingança contra o Estado. Há entre o bem e o mal, então, a criação de um imenso abismo, no qual agressor faz pouco do agredido e este passa a ver legítima a vingança pessoal como forma de reequilíbrio de forças antagônicase díspares. Aponta, ainda, o autor supra citado, que, na realidade moderna, confunde-se, perigosamente, o risco potencial com o real, fazendo com que potencial vítima, se arme de forma a se tornar, de fato, agressor. Daí se pode obter pequena idéia da impotência estatal no combate à criminalidade, vale dizer, o desvio de conduta de cidadãos observadores da moral e ética que se vêem obrigados a se armar para garantir, falsamente, a idéia de segurança, dado à incapacidade de o Estado provê-los da mesma, função, aliás, precípua deste, a partir do momento em que avocou para si, o direito de punir e julgar. No entanto, não a está sendo capaz de garantir, mormente com um modelo de segurança pública falido, com aspecto de dualidade, totalmente ineficaz e, diversamente de sua substância, tão violento quanto os violentos. Gize-se, eis que imprescindível, a fome, o desrespeito e a ignorância se sobrelevam à moral, à ética e ao senso de justiça, e estes últimos somente existem no ser que 1 (Veja 25 anos: Reflexões para o Futuro, 1993 p. 83/84). 2 (opus citatum, p. 84). 12 reconhece neles a possibilidade de feitura de justiça de forma a não sublimar direitos de um em detrimento de outros. A violência se constrói sobre dados estatísticos, que geram medo sobre realidades mentais realizadas sob o manto do pavor imaginário. Cite-se, pois, a lição do medievalista francês GEORGES DUBI: [...] Nessas representações mentais, na insidiosa ansiedade que alimentam, enraízam-se todas as formas, conscientes ou não, de se proteger, o medo do outro, seja ele quem for, julgado delinqüente a priori, e que deve ser contido, impedido de prejudicar [...].3 E mais: [...] Entre os dilemas que nos atormentam ao se aproximar o ano 2000, este é com certeza o mais nocivo. Ele mina em profundidade nosso sistema de valores. Envenena nossa civilização. Enfraquece-a. Para pesar com serenidade os meios capazes de confrontar os problemas que o fizeram surgir, vale voltar-se para o passado [...].4 Eis, pois, a representação fática da dupla inércia governamental, que, de um lado se provou incapaz de prover o cidadão das condições de vida básicos e, de outro, sublimar a revolta do mesmo com seus aparelhos de repressão e prevenção que são, substancialmente, objetos deste estudo e que estão, modernamente, à mercê do caos institucional. 3 (Veja 25 anos: Reflexões para o Futuro, p. 229) 4 (obra citada, p. 229/230). 13 2. ASPECTOS HISTÓRICOS DAS POLÍCIAS CIVIL E MILITAR BRASILEIRAS Não se pode prescindir, na busca de uma compreensão menos perfunctória do que a hodierno se tem, de fazer pequena digressão histórica sobre a polícia que tivemos alhures. Em nosso país, a instituição teve como berço o processo colonizador, que exigia, por óbvio, a manutenção da ordem interna da colônia. Com tal desiderato, o primeiro administrador da terra recém descoberta, Martin Afonso de Souza, tinha total poder jurisdicional sobre aos habitantes da nova terra. A partir de então ocorreu um aperfeiçoamento da instituição, mormente com a chegada da Família Real, momento em que se criou o cargo de Intendente Geral de Polícia, que detinha totais poderes de polícia sobre seus jurisdicionados. 2.1 A Polícia Militar Brasileira: Sua Criação e Evolução É, também, do período colonial, a criação da Polícia Militar a quem cabia, então, o exercício de repressão dos párias da sociedade da época, grande parte da população da colônia, eis que, como consabido, nossa sociedade foi formada, em sua maioria, pelos degredados da terra-mãe Portugal. Sua estrutura era formada por três linhas de tropas, com funções distintas, graduadas pela importância funcional e origem do recrutamento. Visando funções policiais da República, foram criados, então, os Corpos de Guardas Nacionais, sendo-lhes intrínseco, no entanto, o aspecto militar, residindo neles a origem da atual Polícia Militar, mais especificamente reconhecido como reserva atual do exército. Com a Proclamação da República veio o direito de os governos estaduais organizarem suas guardas, por vezes, de tão poderosas, se sobrelevavam à própria guarda federal. 14 Correto é afirmar que a militarização da polícia militar tem raiz na eclosão do golpe de 64, quando passaram a praticar, além de suas funções precípuas, aquelas primaciais da função policial. Nesse passo, inarredável fazer distinção entre segurança interna e segurança pública: aquela faz referência à soberania nacional, enquanto que esta se relaciona à ordem e segurança internas. Com efeito, os movimentos ideológicos, oriundos de pequenos grupos, que no passado poderiam, e eram, efetivamente, ser chamados de subversivos, são sempre insuflados pela Polícia Militar. Ora, se tais movimentos atentam contra a soberania nacional, e são repelidos pela polícia de antes citada, se torna evidente a intromissão da polícia militar na seara de atuação específica das forças armadas, combatendo o chamado “inimigo interno”. A doutrina das polícias militares é militarizada, sua disciplina guarda relação estreita com as práticas do exército e é essa aprendizagem que elas aplicam nas atividades para a qual são erroneamente designadas, vale dizer, vêem o delinqüente como o antes nominado “inimigo interno”, desviando sobremodo o ofício de garantidor da segurança pública. Vale fazer digressão à prática de tortura, cabendo, à época do período ditatorial, à polícia militar, prática esta aprendida dos americanos que enviaram ao Brasil, equipe objetivando a garantia da derrocada dos movimentos subversivos. Era crime grave, à época, a subversão e a lei só citavam o tipo penal, deixando de fazer menção à sua significação, o que possibilitava ao Estado toda forma de arbitrariedades, legitimadas por uma palavra que sequer se sabia o alcance. Cabia, especialmente à polícia militar, então, o insuflamento de tais práticas, tendentes a atentar contra a soberania nacional fazendo uso de sua discricionariedade para a identificação de tais movimentos como tais. 15 2.2 A Polícia Civil Brasileira e sua Evolução Histórica Conquanto não se possa olvidar que a polícia brasileira é considerada uma das mais violentas do mundo e, ela é formada, também, pela polícia civil, é certo que sua estrutura é bem menos rigorosa do que a militar. Os tipos de treinamento a que se submete, a hierarquia nela existente passam longe daquelas praticadas pela polícia militar. Poderia-se dizer, sem embargos, que ela desempenha, realmente, a função que lhe é inerente, vale dizer, a de combate à criminalidade, enquanto que a militar figura subsidiariamente nesta tarefa, como uma intrusa, usando de sua discricionariedade em fatos que não lhe competem. Isso gera, sem dúvida, uma reação desproporcional com a ação, pois a doutrina que aprende o policial militar está impregnado de militarismo e é com essa concepção, como gizado alhures, que ele buscará repreender o criminoso. Ora, desde a criação, em 1841, dos cargos de Chefe de Polícia, Delegado e Subdelegado, muito se propagou a teoria da segurança para a sociedade boa, rechaçando-se, da defesa policial, os indivíduos que estavam, por alguma razão social, política, ou financeira, à margem daquela sociedade. Quando a polícia adquiriu duplo caráter, é dizer, repressivo e preventivo, em 1871, com a separação da polícia da magistratura, seguindo o exemplo francês, o primeiro coube precipuamente, à polícia militar, enquanto que o segundo, à policia civil. Foi uma necessidade a criação da polícia civil, ou investigativa, eis que, devendo adquirir aptidões específicas, para a investigação criminal e a perfectibilização da instrução processual, deveria, com todo o aparato, efetivar tal desiderato. O que ocorreu, no entanto, foi o desvirtuamento da função, especificamente com a agregaçãoda doutrina militar, desviando do objetivo primacial. Ademais, tal ideologia, absorvida pela polícia civil, se prestou mais como forma de reafirmação do poder estatal, asseverando e reprimindo as camadas mais baixas da população, do que como forma protetiva da sociedade em geral. O que parece legitimar essa postura é a crença de que o criminoso merece punição pelo seu ato, ainda que não se tenha apurado a sua real participação, suprimindo toda a fase inquisitória e instrução processual, e ladeando qualquer direito de defesa. 16 E o instrumento legal no qual se verificam essas arbitrariedades é o inquérito policial. Não se quer significar que ele seja prescindível ou pernicioso e, sim, que ele merece maior atenção do Ministério Público, como forma de garantir ao cidadão, seus direitos constitucionais. Paralelamente à busca de reafirmação de sua imagem, anda aquela a desacredita profundamente, dado à violência que emprega com o intuito de “garantir a ordem”. Do que não se pode ter dúvidas é que as duas, polícia militar e civil, comungam de práticas sinônimas e que pouca efetividade têm demonstrado na busca da segurança social. 2.3 As dificuldades de entrosamento entre as duas Corporações As dificuldades de relacionamento entre as duas polícias, civil e militar, são explícitas e, acima de tudo, prejudiciais ao bom andamento dos trabalhos que deveriam, em conjunto, efetivar. Em verdade, essa emulação entre as duas polícias foi, no passado, avalizada pela natureza impertinente que a polícia militar insistia em se dar, arvorando-se em autoridade e impedindo qualquer ligação entre o corpo civil e o seu. Segundo EDMUNDO JOSÉ BASTOS JÚNIOR: [...] O problema praticamente inexistiu enquanto a organização policial brasileira era incipiente e rudimentar, e o pessoal civil não passava de uns poucos funcionários de cúpula e de alguns delegados de polícia, carentes de qualquer qualificação específica para a função que lhes permitisse ir além das tarefas mais elementares e rotineiras. Nessas condições, mesmo sendo reduzido o número de destacamentos policiais ou às voltas com os constantes movimentos revolucionários - a farda miliciana era, com freqüência, o único símbolo de autoridade visível às populações do interior, e o cabo ou o sargento de polícia o próprio representante do poder [...].5 5 (A Organização Policial e o Combate à Criminalidade, p. 131). 17 Esse pequeno relato histórico já nos permite, sem muita parcimônia, ter idéia do porquê destes filigranas entre as duas corporações, vale dizer, a prepotência e o corporativismo da polícia militar, o que, modernamente, persiste. No entanto, a polícia civil deixou de ter aspecto de apêndice da segurança pública, adquirindo foros de importância, em razão de uma estruturação que se desenvolvia no aspecto de prestação de serviços, passando a comandar a segurança pública local dos municípios o que, sem embargos, deflagrou atritos ainda de maior relevo, face à insubordinação dos policiais militares a um comando civil. O que se buscou, então, foi o fracionamento das atividades policiais no sentido da delimitação precisa das atividades de uma e de outra, buscando limitar a competência de uma em relação à outra. No entanto, como é de se dessas sumir, é impossível tal fração, em razão de as atividades inerentes às duas polícias serem decorrentes, conseqüentes, indissociáveis. Ora, não se poderia exigir, verbi gratia que, um policial com atividade policial ostensiva, ao se deparar com situação de perigo que possa vir a causar perigo a alguém, seja impedido de efetuar prisão, investigação, e todos os atos que, por competência convencional, seriam da polícia civil, assim como a apresentação das viaturas civis se caracteriza como atividade policial preventiva. É essa dualidade de competência, que sempre suscita conflito, tanto por parte dos policiais como por parte da população o que, com efeito tem resultado em impossibilidade de pacífica convivência entre as duas polícias, ponto chave da nossa discussão atual. O decreto-lei 667, que acabou com a dualidade de comandos entre a duas polícias, determinando que todo o aparato policial ficaria sujeito ao comando da autoridade responsável pela segurança de determinado território foi o estopim para a deflagração deste problema que até hodierno se observa na segurança pública. Neste sentido, corroborando o assunto: “As dificuldades de entrosamento das duas corporações são, com efeito, agravadas pelas diferenças de perfil profissional de seus integrantes. Do policial civil espera-se que desenvolva aptidões pessoais de iniciativa, criatividade e decisão. Tais aptidões aparecem como qualidade inerentes à natureza do trabalho que exerce, sendo 18 úteis para a identificação de criminosos e para o discernimento, no calor da ação, entre simples conflitos arbitráveis informalmente e delitos que requerem processamento formal”. Daí se vê que o policial civil está mais apto a lidar com situações que requerem maior empenho psicológico do que simplesmente força física. O tipo de casos nos quais está envolvido diariamente o condiciona a sopesar as situações de forma a identificar, como salientou o autor, conflitos resolúveis com persuasão racional e os que necessitam de maiores preocupações. “Já o perfil profissional do policial militar favorece o desenvolvimento de comportamentos grupais, obtidos na ênfase da disciplina, da obediência e da hierarquia militares, na força e na destreza, nos rituais de ordem unida, nas relações unidirecionais de comando e subordinação. O policial militar, com todo o treinamento que recebe, direcionado para o combate de situações que envolvem multidões, ações estas dosadas com certo nível de violência não está, de fato, inserido na nova necessidade de respeito às garantias constitucionais vigentes. [...] Estas aptidões, devidamente dosadas e assumidas, deveriam complementar-se positivamente em benefício da maior eficiência do sistema como um todo. Elas são, ao contrário, exploradas negativamente por cada organização em relação à outra, constituindo- se em fator psicológico de aprofundamento do fosso que as separa. A Polícia Civil considera inadequados a formação e o treinamento recebidos pelo policial militar. Este, condicionado pela ‘ordem superior’, revelar-se-ia, não raro, incapaz de definir uma situação a partir de dados e critérios dedutíveis da natureza da ocorrência. Denuncia também a energia e o tempo gastos com atividades burocráticas e rituais próprios à corporação, em detrimento de um presença efetiva no patrulhamento das ruas. A Polícia Militar, por seu lado, recrimina a Polícia Civil, pela indisciplina, desorganização, morosidade, arriscada proximidade ao mundo da contravenção, pelo envolvimento com interesses político-partidários e tráfico de influência. Tais acusações mútuas traduzem de fato uma situação objetivamente conflitante, agravada por sabotagens recíprocas, por sonegação ou manipulação de informações, e por outros fatores que contribuem para alimentar um falso espírito de corpo, desgastando parte do potencial comum de energia a ser investida no atendimento da demanda social de segurança pública [...].6 6 (Os Serviços Policiais no Brasil, JOSÉ RAMOS DE ALENCAR, apud LUIZ ANTÔNIO PAIXÃO, p. 18). 19 Para que se tenha êxito nesta tarefa de unificação, deve-se, sem embargos, arrostar tal problema para que se achane, de vez por todas, a rivalidade entre as corporações que só vem em prejuízo do trabalho policial e, conseqüentemente, à segurança populacional, o que, aliás, é objetivo mor das duas facções. O problema tem sido objeto de calorosas discussões, até mesmo de juristas, substancialmente a partir dos episódios grevistas que ensejaram o confronto das duas organizações em 1997 que repercutiram até mesmo no estrangeiro, notadamente com umdocumento oficial do Departamento de Estado americano fazendo alerta aos norte-americanos que vivem no Brasil para que tomassem cuidado com as manifestações de rua e a crescente criminalidade em razão das lutas entre polícia e exército o que deixava a população a descoberto contra a marginalidade. À luz de tão expressivas e sintomáticas representações, irrefutável que a efetividade do trabalho de segurança pública passa, necessariamente, pelo sepultamento definitivo das rixas que se encerram no sistema atual, eis que, a despeito de no passado ter tido a polícia militar elevada responsabilidade e poder de segurança, ao passo que a polícia civil estava assaz desestruturada, hoje esta realidade já não mais se aceita, mormente com as garantias constitucionais insertas na nossa atual Carta Política e o fato de que a atividade policial investigativa não se coaduna com a ideologia apregoada para a polícia militar. Neste passo, sapiente manifestação do jurista CELSO DE MELLO: [...] A segurança pública, exercida pelas polícias é atividade essencialmente civil, como igualmente é defendido por vários outros estudiosos. Com efeito, a dicotomia - Polícia Civil e Polícia Militar - se é que se justificou em algum momento da história, hoje é uma irracionalidade. Não há mais espaço para tal. O constituinte de 1988, inegavelmente, perdeu uma grande oportunidade para unificação, mas ainda é tempo para fazê-la. A hora é agora [...]. 7 Com efeito, a unificação, como repisado, vai acabar, conquanto não de inopino, com as competições entre as duas polícias mas, gradativamente, substancialmente com a transferência total da atividade policial para um caráter civil e respeitador das garantias constitucionais, o que muito se alardeia mas não nos é garantido. 7 (Tribuna do Direito, p. 8). 20 A unificação, frise-se, vai soterrar, também, os conflitos de competência que ocorrem entre as polícias civil e militar, posto que o cidadão, como gizado alhures, ao se dirigir à delegacia, não tem certeza quanto a quem é competente para a apreciação inicial do fato a ser exposto, além da resolução de inumeráveis outros problemas já tratados em fase outra do trabalho. Do que não se pode olvidar é que conquanto existam conflitos entre as duas corporações, eles só vêm em prejuízo das investigações, pois as informações são desencontradas, maculadas e até mesmo sonegadas entre as mesmas, e principalmente em prejuízo da população que, nada alheia a tudo isso, assiste a derrocada do sistema de segurança e se arma para fazer sua própria defesa, vendo no policial, sim, um oponente a ser, por vezes, abatido. 21 3. PROPOSTAS DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS PARA A UNIFICAÇÃO: Um estudo crítico Expor essa noção preliminar, em breve trecho, acerca da história das duas polícias, objeto deste estudo, se afigura sobremodo importante discorrer sobre as propostas de emendas constitucionais que buscam a modernização da segurança pública no Brasil. No momento atual, existem vários projetos tramitando, prevendo emendas à Constituição visando, não só à unificação das polícias civil e militar, mas, também, uma nova estruturação da segurança pública, tudo com vistas a uma melhoria assistencial que se afigura urgente e necessária. 3.1 A proposta de Mário Covas Tal proposta foi apresentada pelo governador Mário Covas, buscando, não propriamente a unificação das duas polícias, e, sim, a centralização do comando das duas num só órgão, num comando único. Assim se manifestou, em sua justificativa, o Secretário da Segurança Pública, preparador da proposta: [...] No novo sistema, com tudo sob a direção, planejamento e responsabilidade do delegado titular da unidade territorial, será possível que se tenha uniformidade de atuação e de responsabilidade e a população poderá saber quem é o responsável pela segurança daquela área [...]. 8 Essa unificação do comando das duas polícias pretende uniformizar, agilizar e centralizar toda a atividade policial em um único comando, trazendo, em seu bojo, maior efetividade do relevante serviço prestado ao cidadão. 8 (Notícias do Dia - Gabinete do Governador Mário Covas). 22 É, pois, o que se extrata do documento citado: [...] É importante ressaltar que o que será unificado caso a presente proposta seja aprovada são as funções policiais de combate à criminalidade, que passarão a ser desempenhadas estritamente por civis, e não a organização policial. À PM caberão as atividades da manutenção da ordem social e de segurança interna dos Estados [...]. 9 Daí se dessume que o projeto não busca com efeito, a supressão da polícia militar e, sim, a aglutinação de comando das duas polícias. Justifica, ainda, que, com a delimitação exata das atividades de cada instituição, e no projeto cabe à polícia militar a função de polícia ostensiva e preventiva, enquanto que à civil a de combate à criminalidade, se rechaçará, de uma vez por todas, a falta de informação do cidadão quanto à competência sobre determinado fato. Do que não se pode olvidar é que a intromissão, por vezes involuntária, de uma polícia em atividade da outra, e isso se dá primacialmente em razão da estrutura dúbia à qual são subordinadas, gera conflitos entre as duas instituições e dúvidas no cidadão, o que, com efeito, é de todo pernicioso, eis que ele é o destinatário do serviço e, sobre ele, deve estar informado. Então, por tal projeto, cada instituição tem o seu campo de ação estritamente delimitado, territorializando o comando de ação e execução das polícias dentro da acepção de polícia comunitária. Tenha-se em mente que, nessa nova estruturação, não cabe mais lugar à duplicidade de meios de comunicação e informação, eis que, consabido, prejudicam de forma assintosa o efetivo combate à criminalidade. Hodierno a polícia militar tem como fonte informativa o COPOM, ao passo que a civil se escora no CEPOL. Com efeito, a existência de dois meios de detenção de informações gera descompasso e desencontros em investigações que podem ser conexas, podendo gerar toda sorte de imprecisões imagináveis e muito mais gastos para o erário público. À mais das vezes, convém ressaltar que, com a estruturação do crime organizado, que se recicla a todo tempo, tanto em termos bélicos quanto humanos, um aparelhamento e entrosamento das polícias é necessidade inescondível se o que se quer é o desmantelamento de tais quadrilhas e a conseqüente segurança pública, problema que se agrava a cada dia. 9 (In Notícias do Dia - Gabinete do Gov. Mário Covas). 23 E foi com este escopo que tal projeto altera os parágrafos 3º do artigo 125 e 144 da Carta Maior, tema que nos interessa especificamente. Assim, pois, prescrevendo o artigo 144 do projeto: “Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - Polícia Federal II - Polícia Rodoviária Federal III - Polícia Ferroviária Federal IV - Polícias civis V - Polícias militares e corpos de bombeiros militares”. Já no parágrafo 1º, inciso I, ocorre a primeira alteração, quando dá, à polícia federal, competência para apurar crimes contra os direito humanos: “I - apurar infrações penais contra a ordem pública e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, incluindo os crimes contra os direitos humanos, segundo se dispuser em lei”. É louvável tal inclusão, eis que os crimes praticados contra os direitos humanos, que sempre se propagam além-fronteira e que têm repercussão quase sempre desastrosa, merecem, pois, intervenção de órgão federal na efetivação de seu combatee/ou apuração. Os incisos II, III, IV; parágrafo 2º 3 3º vigoram com a mesma redação, observando-se, adiante alteração no par. 4º, que exclui a observação referente à direção da mesma por Delegado de Polícia de Carreira e inclui a expressão “polícia investigativa” e “polícia preventiva uniformizada”, sendo que, a esta última, se destina competência no parágrafo 5º, lhe cabendo funções de polícia preventiva, com atuação de um corpo uniformizado, dependendo de lei estadual. 24 O Parágrafo 6º do projeto de emenda é bastante elucidativo: “§ 6º - Cada unidade territorial da polícia civil, sob a direção e responsabilidade de um delegado de polícia, contará, nos termos da lei estadual, com equipes de polícia judiciária e de investigação e com uma sub-unidade do corpo uniformizado da polícia civil, destinado ao policiamento preventivo da respectiva área”. Desse parágrafo se pode perllustrar boa parte da mecânica da instituição almejada com o projeto, setorializando a atuação da polícia civil, juntando as ações investigativas e preventivas. Quanto às polícias militares, sua atuação ficou explicitada no § 7º do projeto, lhe cabendo a efetivação da segurança pública e interna: “§ 7º (...) I - o exercício de polícia de eventos e de execução de decisão judicial para a prevenção e repressão de perturbação da ordem pública; II - o exercício de polícia rodoviária e de trânsito; III - o exercício de polícia florestal e de mananciais; IV - o exercício de assessorias militares; V - a segurança escolar; VI - a segurança externa dos presídios e a escolta de presidiários; VII - as atividades de prevenção, extinção de incêndio e de defesa civil”. Do ponto de vista prática, é uma considerável cisão entre as duas polícias, diga-se melhor, entre as atividades das mesmas, eis que suas tarefas estão, no projeto, determinadas de forma clara e objetiva, ainda que se as reúna num mesmo comando. Consoante trecho extraditado da justificativa apresentada para o projeto: [...] propiciar relacionamento comunitário permanente, pois só assim se pode chegar à formação da tão almejada polícia comunitária, em que o policial seja entrosado com os habitantes da área de atuação e a população conheça os agentes policiais incumbidos de sua segurança [...]. 10 25 Depreende-se de tal assertiva, a preocupação especial repousada na população, destinatária do serviço, buscando, com ela maior entrosamento, evitando a confusão de competência e incutir-lhe, com trabalho efetivo, a crença no trabalho policial. E mais, ainda fazendo referência ao projeto em comento: [...] Foi um erro, que se vem comprovando dia a dia, a separação, em organismos distintos, da polícia judiciária e investigativa e da polícia ostensivo-preventiva. Embora a polícia ostensiva tenha que se apresentar nas ruas com características especiais, de modo a ser reconhecida de longe, não pode ser ela, contudo, apartada da relação com a polícia judiciária e investigativa, pois, a rigor, nada mais é do que componente imediatamente visível e complementar daquelas [...]. 11 Em consonância com o entendimento supra, é imprescindível apontar que tal desiderato só será alcançado com a unificação, tendo-se em mente, substancialmente, ao caráter de unicidade dos objetivos, tanto de uma polícia quanto de outra, vale dizer, a segurança da população, hoje, seriamente abalada. Caberia aos municípios, então, a instituição das chamadas guardas municipais, subordinadas à direção do delegado de polícia, no policiamento de prevenção e, quanto ao policiamento de trânsito e escola, subordinadas à polícia militar. O projeto prevê, ao demais, a inclusão, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o art. 74, dando prazo de carência de um ano para a adequação das Estados à ideologia do projeto, versando, a seguir, em seus parágrafos, acerca da estruturação das instituições. Posta assim a questão, observa-se que o projeto defende a junção, em um único corpo de direção, a polícia judiciária, investigativa, preventiva e ostensiva, consubstanciada na polícia civil, distribuídas em unidade territoriais, buscando unidade informativa e ativa Registre-se, ainda, eis que importante: [...] Não se extingue a polícia militar. Seria uma leviandade tal proposta, pois ela é imprescindível na manutenção da ordem pública e da segurança interna dos Estados, Distrito Federal e Territórios, assim como no policiamento rodoviário., florestal, como trânsito e segurança dos presídios e das escolas, que exigem formação especial, como força pública de dissuasão de rebeliões, movimentos sociais agressivos e outras medidas não de polícia criminal [...]. 12 10 (Notícias do Dia - Gabinete do Governador Mário Covas). 11 (Notícias do Dia - Gabinete do Governador Mário Covas). 12 (Notícias do Dia - Gabinete do Governador Mário Covas). 26 Nesse passo, tem-se como inefastável a idéia da conservação da polícia militar, mas não como polícia investigativa ou judiciária, mas como mantenedora da ordem quando da ocorrência de movimentos de massa, para cuja tarefa se exige características especiais do agente policial, como treinamento psicológicos, táticos e físicos específicos. O que não se pode mais aceitar é que, com o treinamento e ideologia hoje aplicados aos policiais militares, se os coloque na execução de tarefas pertinentes à polícia combatente da criminalidade comum. É uma desmensuração entre ação do criminoso e a reação do policial militar, posto que, como sabido e consabido, tal policial vê o criminoso como o inimigo a ser combatido, o que se deve debitar à formação institucional que adquiriu. 3.2 A proposta do governo Como se verá a seguir, não é apenas a população que está sentindo a ineficiência do trabalho e da estrutura policiais. O próprio governo os tem visto com preocupação eis que, a segurança pública, componente sempre presente nos discursos políticos, é preocupação constante, até como reafirmação do poder estatal e também como um “termômetro” para se medir a administração do país. Foi, pois, com tal escopo que o governo elaborou proposta de emenda à Constituição, em razão da quase total ineficácia das ações policiais no combate à criminalidade. Na verdade, tal projeto foi elaborado sob o calor dos conflitos ocorridos em 97, entre as polícias militar e civil, quando aquela tentava, com todo o seu aparato, insuflar o movimento de greve desta, na busca de melhores salários e condições de trabalho. Na verdade, a nossa legislação está sempre à mercê das emergências casuístas, é dizer, se a muda ou se cria tendo como justificativa a existência de situação preocupante, votada e criada de forma passional e pouco cautelosa. Segundo o Ministro Iris Rezende, nenhuma reivindicação salarial, por justa que fosse, poderia legitimar o conflito entre agentes civis e militares (Veja, 1997). 27 É uma preocupação salutar, a do Ministro eis que, se cabe a tais agentes medidas assecuratórias da segurança populacional, totalmente pernicioso e perigoso tal confronto. Ladeando-se, por momentos, a questão técnica que margeia tal discussão, não se pode olvidar, porém, que, se tais conflitos se efetivaram, é porque algo não a anda bem na segurança pública. Com efeito, instituições que buscam o mesmo fim, a segurança pública, não deveriam, “a priori”, engalfinhar-se entre si, em razão de movimento postulatório de melhores condições de vida e trabalho. Aos olhos da população, tais ocorrências só trazem certeza de impunidade, insegurança e total desconfiança no sistema. Revela o Ministro, ademais, preocupação com relação às constantes reivindicações da população no sentido de se empregar o uso das Forças Armadas no desmantelamento das quadrilhas criminosas, especialmente aquelas que se aquartelam nos morros das grandes cidades. Isso, em se tendo uma visão menos tecnicista, é medidaaté executável, ao se ter em conta que a polícia, frente ao armamento pesado usado pelos criminosos, não ficaria, como de fato não fica, incólume à potência dos mesmos. Entretanto, seria afrontoso à própria função das Forças Armadas, a quem cabe a defesa da soberania nacional, ou seja, a segurança interna. Para que tal disparate não se faça necessário, é inescondível, portanto, uma nova estruturação das polícias a quem incumbe, precipuamente, o resguardo da segurança pública. A proposta em comento altera, por conseguinte, as redações dos artigos 21, 22, 30, 32 e 144 da Carta Maior. As alterações dos artigos 21 e 22 parecem desmerecer maior detenção, posto que não introduzem mudanças de relevo, ao contrários do artigo 30, ao qual se acresce o inciso X, que dá aos municípios competência para a criação das guardas municipais, ampliando sua competência atributiva, eis que já prevista na Constituição Federal. Já o artigo 32 deixa apenas de fazer alusão a cada instituição de forma específica, generalizando a menção como órgão de segurança pública. Em verdade, alteração de relevo é a que se observa no artigo 144, eis que ali se assenta toda a estrutura da segurança pública. Já no “caput” do artigo da proposta em apreço, se observa que o que se busca é a efetivação da vivência da cidadania e dos direitos inerentes ao homem, através dos órgãos da segurança pública. A eles cabe a defesa de tais princípios e a 28 sua observância na atividade que visa à sua garantia, é dizer, o policial deve, na sua atividade de defensor dos princípios constitucionais, observar estes últimos ao efetivá-la. Neste sentido cabe apontar que, até hoje, o atuar da polícia sempre dependeu do bom senso de seus agentes, cabendo a estes, obtemperar acerca dos limites de sua atuação, não estando ligados a qualquer princípio norteador de sua discricionariedade, nenhum código no qual possa espelhar sua conduta. Oportuno se torna dizer, nesse passo, que, em não respeitando a lei, a própria polícia, como poderá ela fazer com que o cidadão a respeite? À guisa de exemplo podemos, entre inumeráveis outros, citar o episódio ocorrido em São Paulo onde policiais, sob o pretenso motivo de fazer a aplicação da observância legal, espancaram e até mataram, tudo assistido em rede nacional de televisão, em horário nobre. Com efeito, justo a quem cabia a garantia de segurança do cidadão, o espanca e o assevandija de forma a ladear toda e qualquer espécie de respeito e dignidade do ser humano. O projeto é feliz neste sentido, pois não há mais lugar, em tempos modernos para episódio como aquele, verdadeiro absurdo, prova da imperfeição do sistema atual de segurança pública. No § 1º do artigo 144, pela proposta governamental, fica instituída a União, através da polícia federal, para exercer as funções de segurança pública, elencadas nos incisos seguintes. No inciso I se vê, a exemplo da proposta Covas, a inserção da expressão “crimes contra os direitos humanos” como exemplificação das infrações crimes a serem apuradas pela polícia federal, fazendo, a seguir, o arrolamento de toda a competência ativa da mesma. Dá, no parágrafo 2º, competência aos Estados, após fixação em lei estadual, para apuração de infrações penais, preservação da ordem pública, defesa civil, serviços penitenciários e bombeiros. Devolve, no parágrafo 3º, competência original da polícia militar, como mantenedora da ordem pública e defesa interna. Disciplina questões administrativas da carreira policial no parágrafo 4º, inovação legal, eis que não se observa qualquer menção anterior na nossa legislação. Proíbe a greve, a sindicalizaçao, a atividade política partidária no parágrafo 5º o que fere, frontalmente, direito constitucional, estatuído no art. 9º da Constituição. Ora, conquanto exista lei regulando a matéria (lei 7.783 de 28.06.89 - Lei de Greve), não se pode esquecer que o direito à greve é princípio constitucional, isto é, que se 29 sobreleva a qualquer lei, ordinária, ou complementar, tudo com espeque na máxima do direito que diz que todos são iguais perante a lei. Demais das vezes, não pode qualquer classe se calar ao ver-se esquecida como asseguradora da segurança civil, colocando a vida em risco a cada minuto, sem as devidas láureas pecuniárias. O projeto confere ainda, ao Presidente da República, a possibilidade de criar órgão não permanente que vise integração de órgãos da segurança pública para, em locais específicos, combaterem ameaça à paz pública. Revoga, ainda, o inciso XVI do art. 24 eis que, pelo projeto, caberá aos Estados tal incumbência. Ademais, segundo ele, deixam de existir os parágrafos 3º e 4º do artigo 125, posto que, o que se quer é a desmilitarização, não apenas da polícia, mas, também, do julgamento dos policiais militares nos crimes por eles praticados, deixando, assim, de ter foro privilegiado, remetendo-se à apreciação pelo Poder Judiciário. Em epítome, a nosso pensar, o projeto, prevendo a supressão das expressões “polícia militar” e “polícia civil” quer atuação colaborativa entre as mesmas, não esquecendo das funções precípuas de cada uma: as polícias militares como mantenedoras da soberania nacional e as civis como combatentes da criminalidade e, residualmente, como atuante na defesa civil. 3.3 O Projeto ILANUD Corroborando a necessidade de reformulação da estrutura da segurança pública, vem o ILANUD - Instituto Latino Americano das Nações Unidas, apresentar o seu projeto visando a tal desiderato. Segundo a justificativa apresentada para alicerçar a proposta, a dificuldade que hodierno se vislumbra para a efetividade do trabalho da polícia é o constante aperfeiçoamento da criminalidade em nosso país, sendo que tal lapidação não alcançou o aparelho que a reprime. 30 Se de um lado os índices de criminalidade oferecem medo e insegurança à população, de outro, a inoperância da polícia oferece assaz tranqüilidade à consecução dos delitos. À guisa de exemplos podemos trazer à baila os episódios da Candelária, Vigário Geral e Carandiru, observação que ora se transcreve: [...] Por outro lado, casos como o de Diadema, Cidade de Deus, Candelária, Vigário Geral, Nova Friburgo, Corumbiara, Carajás e Carandiru demonstram que as polícias brasileiras, além de deficientes no combate à criminalidade, não foram capazes de se adequar aos imperativos do Estado Democrático de Direito, instituído a partir da Constituição de 1998. Neste sentido qualquer proposta responsável de modernização das polícias brasileiras deve obrigatoriamente atentar para as questões de controle e eficiência do aparato policial, questões, aliás, diretamente conectadas [...]. 13 Verdade seja, esta é a representação fática da atual realidade da nossa segurança pública. Se, de um lado sua inoperância gera impunidade, por vezes, sua efetiva atuação, oportuniza catástrofes inenarráveis, como as alhures citadas. Com efeito, como saliência à assertiva acima transcrita, não há mais espaço, ao menos na nossa legislação, para incidentes como esses ocorridos, nos quais a prepotência ladeia a importância da vida, como forma de reafirmação de um poder que, com efeito não nos prova competência. E é com tal escopo, vale dizer, a segurança pública, que o projeto prevê a modernização da mesma, eis que, com a confiança depositada, pela população, na polícia, sendo aquela verdadeira fonte de informações, o trabalho desta última poderá se efetivar sempre respeitando as garantias constitucionais. Mister as fez ressaltar, nesta seara, que a militarização, como bem frisado no projeto, constitui verdadeira fonte de desmandos, tenso em conta que os policiais são, eles próprios, subordinados a regime que suprime seus próprios direitos constitucionais, isso sem se falar no treinamento animalesco a que são submetidos. Com efeito, tal treinamentoos prepara para o combate numa verdadeira guerra gerando, nas ruas, reações desmedidas no combate à criminalidade simples, quando o que deveria ocorrer é o contrário, vale dizer, a garantia ao cidadão de seus direitos fundamentais, ainda que agente de crime ou suspeito deste. 13 (Projeto ILANUD). 31 O que se quer, então, é a desmilitarização de toda a polícia militar, fundamentando toda segurança pública no caráter civil e no respeito aos direitos fundamentais. O projeto, no entanto, não faz apologia à polícia civil, entendendo ser ela, paralelamente à polícia militar, alvo de necessárias e profundas mudanças, visto estar tão deficitária, tanto em termos estruturais, quanto pessoais. Aponta, ademais, a falta de controle da polícia pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, posto que a falta de estruturação tem levado a práticas ilegais, violentas e, por vezes, não comprováveis através de auto de exame de corpo de delito, recheando os autos indiciários de inconstitucionalidades. Segundo trecho extratável do projeto: [...] Além das dificuldades específicas de cada corporação policial, o fato de agirem de forma absolutamente desvinculada operacionalmente amplia as já enormes dificuldades de avalizar um combate consistente ao crime [...]. E mais: [...] Assim, as propostas ora apresentadas buscam estabelecer mecanismos de cooperação entre as polícias que viabilizem o intercâmbio de informações, a otimização de recursos, a atuação conjunta nos planos estratégico, tático e educacional [...]. 14 Aqui, a opinião se alarga, salientando a necessidade de unificação das ações policiais, modernamente totalmente particularizadas em cada órgão, o que dá azo, como já assaz repisado, a toda sorte de desencontros informativos. O projeto, a nosso ver, se sobreleva aos demais, apontando, de forma objetiva, a criação de um código de conduta, regrador da atuação dos policiais, que estariam, ainda, sujeitos a uma corregedoria única. Registre-se, ainda, especialmente na polícia militar, existe a agravante do excesso de graduação, o que, com efeito, distancia os agentes de forma a apenas piorar as relações internas da instituição e dificultar a integração. Inserindo, agora, a discussão nas mudanças específicas, remetemo-nos ao artigo 144, onde ocorre a inclusão da polícia judiciária estadual, polícia uniformizada estadual e das guardas municipais. 14 (Projeto INALUD). 32 Muda, ainda, o parágrafo 4º, nele incluindo a expressão “preservação dos direitos fundamentais” e a exclusão da expressão “polícia civil”. O parágrafo 5º faz alusão às polícias uniformizadas estaduais, a quem cabe a ação preventiva e ostensiva na defesa da paz pública e garantias fundamentais. A seguir, faz explicitação pertinente às mudanças desejadas nos parágrafos 6º, 7º e 8º. 3.4 O projeto do Congresso Nacional O próprio Congresso Nacional apresentou sua proposta de emenda constitucional, tendo como relatora a Deputada Zulaiê Cobra, com o objetivo de reformulação da estrutura de segurança pública, alterando, desde logo, o art. 21, no qual retirou da esfera de competência da União o dever de manter e organizar as polícias civil, militar, corpo de bombeiro militar, eis que, com a unificação das duas polícias, essa dúplice observação seria desnecessária. Com a alteração proposta no art. 22, a União deverá ter competência para legislar sobre a lei orgânica das Polícias Estaduais, leis esta que deverá ser criada, e sobre a competência da Polícia Federal. No par. 4º do art. 32, suprime as expressões polícia militar e civil e corpo de bombeiros militar, falando que somente Lei Federal poderá dispor acerca utilização, pelo governo Federal, da Polícia do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal. Cria, ainda, a sessão III do capítulo, que versa acerca dos servidores do sistema de segurança, disciplinando sua abrangência ativa, garantias, vedações, atribuições, etc. Faz alteração, ainda, no art. 144, reestruturando todo o sistema de segurança pública, acrescentando, de forma bastante relevante, artigos no ADCT, regulando, ali, toda a novel disciplinação dantes mencionada. Existe, ademais, outro projeto em tramitação, é falar, a PEC 514/97, que pretende desconstitucionalizar o sistema de segurança pública, remetendo, para os estados, a responsabilidade de estruturar e manter as polícias. Em recente edição, o Jornal da ADEPOL publicou matéria atacando e pugnando pela retirada de tal projeto da discussão legislativa, propagando a idéia de que tal projeto, se 33 aprovado, trará mais problemas do que soluções eis que, com a transferência da responsabilidade da segurança para os Estados, a marginalidade cresceria de forma assintosa. Assim se manifestou, pois, o presidente da ADEPOL: [...] Essa PEC é uma violência... desorganiza todo o sistema nacional de segurança pública, retrocedendo em mais de 100 anos na história da polícia brasileira [...]. 15 De fato, conquanto seja de extrema proficuidade a convergência da estrutura policial em pontos mais específicos e unitários, a transferência da responsabilidade estrutural e de manutenção para os Estados parece ser perniciosa, tendo-se em conta que segurança é questão de interesse nacional e não se poderia correr os riscos inerentes a uma minoração da sua importância. O que se quer dizer, ainda, é que a segurança pública no Brasil não pode estar à mercê de desmandos político-econômicos, o que fatalmente ocorreria com uma descentralização de tal atividade. Uma subordinação estadual seria fatal para que isso ocorresse. Não se pode permitir que a polícia trabalhe com medo, insegura, pois se ela o estiver, mensure-se o que poderia ocorrer com a população. Em remate, malgrado as diferenciações conceituais inseridas nos projetos, o fito com o qual foram elaboradas, e isso é opinião unívoca, foi o de dar maior agilidade à segurança pública, unindo os esforços de todos os órgãos que a formam, tudo isso visando à segurança e tranqüilidade do cidadão, dando-lhe a certeza de que seus direitos e garantias constitucionais serão observados, tanto quando colaborados da polícia, quanto quando infrator. 3.5 UNIFICAÇÃO: Necessidade de debate com a comunidade Tendo-se em mente que a população é a destinatária de todo o aparato policial e somente ela é capaz de avaliar objetivamente os seus efeitos, não se poderia esquecer que seria de todo profícuo sua inserção nessa discussão que parece levar a um único fim:, a sua segurança. 34 De fato, a legitimidade que reveste a população é dada, desde logo, pelo aspecto empírico da relação que tem com a polícia. Nessa vereda é inegável que a realidade, especialmente nos centros maiores, não é das melhores. Em verdade, a grande filigrana da questão é a massificação de atendimento, vale dizer, o policial, antes de tudo, por demais atarefado, passa a tratar o cidadão como “apenas mais um“ entre milhares de outros problemas, esquecendo-se do aspecto subjetivo que inseriu o sujeito em aquela situação. De igual forma, estando o agente público inserto num sistema burocrático, atravancado, que sequer lhe observa os direitos básicos, como garantia de salário condizente com a função, dele não se pode esperar tranqüilidade suficiente para tratar com o cidadão que nele busca a solução do seu problema. Inobstante isso, em comunidades menores, o problema se achana, eis que o policial, embora a realidade não seja de todo louvável, ainda consegue particularizar o atendimento, em razão de conhecer e ser conhecido na sociedade local. É óbvio, pois, que o cidadão, já tendo contato anterior, seja de qualquer natureza, verá no policial o agente de segurança capaz de, coerentemente, auxiliá-lo na resolução da questão. Cai a lanço notar, ainda, que o sentimento de impotência sentido no policial,e isso se deve ao crescente aperfeiçoamento marginal, o leva, por vezes, à exaustão psicológica, como não raro se tem conhecimento. Convém ponderar, antes de tudo, que o policial não é uma máquina. Suas ações são todas determinadas pela sua vivência empírica, sua bagagem psicológica e, com efeito, com a realidade que lhe é peculiar, é dizer, violência, medo, revolta, impotência, não se o pode obstar da possibilidade de quedar diante de tanta rudeza. Diversamente de outras profissões, a sua está afeta à vida humana, e não só a do outro mas, também, a sua própria, por conseguinte, tem ele o dever de cuidado com a vida alheia, sem esquecer da sua. Por outro enfoque, o cidadão procura, no policial, a resposta imediata e efetiva para a sua questão, buscando se tratado de forma personalizada. Para ele, não existe outro problema maior que justifique a dispersão do policial, pois a sua realidade vivenciar está em jogo. 15 (Jornal da ADEPOL/BRASIL, junho, 1998, p. 05). 35 Não é raro, e tal realidade é observável especialmente nas comunidades mais carentes, que se veja no agente policial o mediador entre as partes conflitantes e não como a via para uma pendenga judicial. Essa forma de apaziguamento de conflitos será estudada em capítulo próprio, adiante. Como vimos de ver, a comunidade não pode ficar alheia ao processo de mudança que se quer efetivar, sob pena de, como amiúde acontece neste país, legislar-se à revelia do povo, olvidando o fim social da lei, minimizando-lhe a importância e maximizando os interesses escusos da classe dominante. É à população que servem os órgãos de segurança pública. Pois, então, que se a ouça, que se busque nela subsídios para que seja factível organizar e estruturar uma polícia que seja compatível com a esperança comunitária. 3.6 A diminuição dos custos com a unificação Neste momento se afigura importante trazer à superfície as vantagens de caráter monetário que advirão desta possível unificação das duas polícias. Nesta esteira não se pode esquecer cada estrutura da segurança pública tem todo o seu aparato particular. Cada órgão conta com administração, apoio logístico e estrutura física próprios. Do exposto se pode idear, ainda que perfunctoriamente, os custos que deve gerar todo esse monstro em funcionamento. É óbvio, pois, que a centralização da atuação policial em unidades territoriais, resumindo instalações físicas, equipamentos e unindo material humano nesta unidade, os custos cairiam de forma importante. O serviço público no Brasil é, por excelência, dispendioso e ineficaz. O Estado gasta, para a sua garantia, somas que não o justificam e, modernamente, a ordem é gastar menos com o máximo de eficácia possível. A experiência nos tem demonstrado que é possível se profligar os gastos excessivos de forma a, ainda assim, prestar serviços de relevância e qualidade. Neste sentido: [...] Na medida em que essas estruturas concentrem-se em um só, os meios à disposição, quer materiais, quer humanos, serão colocados a 36 serviço daqueles fins, de forma mais racional e, com efeito, mais eficiente [...]. 16 Ademais, nesta mesma seara: [...] Tenho que a unificação traz dois pontos altamente positivos e necessários para a resolução dos problemas da segurança pública: de um lado, a desmilitarização e, de outro, uma maior racionalização da estrutura policial. Isso em função de uma polícia mais preparada sob todos os aspectos e que, efetivamente, compatibilize a rigidez inerente à atividade com a garantia e o respeito aos direitos de cidadania [...] 17 Ainda nessa vereda: [...] A segurança pública, em especial sob o ponto de vista material, tem custo considerável aos cofres públicos. Por isso o fato de que a sociedade paga preço altíssimo sem a contraprestação devida. O cidadão está, atualmente, à deriva, sem qualquer segurança. É praticamente inútil recorrer aos órgãos policiais: primeiro, porque raramente se consegue completar a ligação telefônica - quando a repartição tem telefones [...]. 18 Em consonância com o asseverado acima: [...] Com efeito, é incompreensível e até mesmo inadmissível, como tive oportunidade de afirmar, “que um país carente de segurança pública, como é o Brasil, com seus estados-membros falidos, ensino deficitário, saúde e saneamento básico inexistentes, estradas esburacadas - quando há estradas - dê-se ao luxo de manter duas estruturas policiais absolutamente autônomas, com comandos e filosofias de atuação diferentes, porém, com o único propósito de dar segurança e tranqüilidade à população e que, lamentavelmente, não atinge nem uma, nem outra [...]. 19 Por conseguinte, a redefinição geográfica da atividade policial, substancialmente com sua convergência territorial e o conseqüente agrupamento dos agente dantes dispersos, aliada à junção das unidades informativa trará, em síntese, economia para o Estado e efetividade na prestação de serviços de segurança. 16 (Boletim IBCCrim nº 56, p. 16). 17 (Boletim IBCCrim, idem). 18 (obra citada). 19 (Boletim IBCCrim, 1997, p. 16). 37 4. A FUNÇÃO MEDIADORA DA POLÍCIA: Atividade Judicante? Como já gizado alhures, a polícia, por vezes, se torna, muito longe de seu objetivo primacial, pacificadora de conflitos, arvorando-se em entidade judicante, legitimada pela confiança que as pessoas, geralmente de caráter mais humilde, nela depositam. Não se quer significar que toda a polícia assim o seja. Na verdade, trata-se de figura pouco conhecida na nossa realidade, eis que tais conflitos ficam sempre na seara familiar ou restritos a pequenos grupos, porém, bastante em comunidades onde a polícia ainda detém certo poder de persuasão racional. Cuida-se de uma forma conciliatória entre contendores, cujo objetivo é o apaziguamento de tensões entre si existentes, sob a orientação de um terceiro, justamente, o mediador. É ele quem vai exercer o papel de conciliador, de árbitro das partes envolvidas em pequenos delitos, vale dizer, de menor potencial ofensivo. Parafraseando Dünkel, assim se pode perllustrar a figura mencionada: [...] reparação de danos, conciliação delinqüente-vítima, reconciliação e regulação de conflitos apesar de abarcar parcialmente conteúdos de dimensões diversas. Os conceitos mais altos sãos os de reconciliação e regulação de conflitos, por se tratar de uma ampla reconstrução da paz social, ou, no caso, de apaziguamento de conflito gerado pelo delito ou por causa dele [...]. 20 O que verdadeiramente se objetiva com essa mediação são as contendas de aspecto interpessoal, mormente os originados entre pessoas próximas, cujo escopo é a conscientização acerca do problema e o aprendizado de como enfrentá-lo. Bom é dizer que, conquanto o Poder Judiciário não possa permitir eximir-se de apreciação de qualquer conflito, essa mediação, totalmente dele distanciada, lhe permite maior detenção em lides que dele a exijam. Cumpre obtemperar, todavia, que a significância da expressão “delitos de menor potencial ofensivo” é muito relativa, eis que de aspecto visivelmente subjetivo, o pode ser para uns, e não para outros. 20 (1991, p. 48). 38 Verdade seja, esta figura da mediação pode, e deve, ser usada quando o profissional incumbido esteja apto a discernir sobre sua conveniência ou não. Impende observar que, com o advento da Lei 9.099/95, que visa especificamente à conciliação desses pequenos delitos, o papel mediador da polícia se houve com nítida diminuição, remetendo sua apreciação para a esfera judicial. Não quer significar que a polícia deixou de exercer tal função e, sim, que a mesma faz a chamada triagem dos conflitos que lhe são postos à apreciação. No dizer expressivo de OLIVEIRA (1984, p. 171), o Delegado de Polícia, geralmente o mediador das partes propõe o acordo usando de subterfúgios como a retórica, figura usada pelo mesmo para ressaltar valoresmorais e éticos; admoestação, usada para a repressão mais contundente, impondo autoridade para achanar os ânimos dos conte4ndortes; ameaça de burocracia, utilizada como forma de coagir as partes para o fim almejado, com a ameaça de inseri-las no sistema penal e, finalmente, a violência que é a instauração de caderno indiciário ou a prisão. Destarte, e não olvidando que a polícia não pode exercer função jurisdicional, o que poderia se tornar caderno indiciário preparatório, “verbi gratia”, para um procedimento penal, nasce e morre na delegacia, o que, muitas vezes, vai de encontro à norma legal, e, no entanto, vai ao encontro do interesse das partes litigantes, aliás, o que se quer, para a perfectibilização da paz social, fim mor da lei. 4.1 Lei 9.099/95: Proposta de desafogo do Judiciário Como já gizado dantes, a criação dos Juizados Especiais Criminais pretendia desafogar o judiciário. A eles cabe a apreciação de todos os delitos assim considerados de menor potencial ofensivo, visando a dar maior possibilidade de atenção aos delitos mais importantes. Com a lei posta em prática, o policial deixou, mas não totalmente de exercer o papel de mediador de conflitos intra-sociais e interpessoais. Na verdade, passou a ser uma espécie de “distribuidor” dos casos que lhe são postos à apreciação. É que, conquanto a lei preveja a remessa dos delitos de menor potencial ofensivo à apreciação do judiciário, aqueles 39 conflitos interpessoais salientados em comentário anterior, ainda estão sendo resolvidos na esfera policial. Ao se quer dizer que não possam ser objeto de procedimento judicial, e, sim, que comumente tais pendengas se limitam à esfera familiar ou do grupo comunitário, ou são resolúveis ali mesmo, na delegacia, prescindindo de apreciação pelo órgão judiciário local. Verdade seja, além de ser discutível a expressão, como grifado alhures, “delitos de menor potencial ofensivo”, por ser de caráter extremamente subjetivo, a lei tem comprovado ser um encargo a mais para o judiciário, malgrado sua criação se tenha efetivado visando ao contrário, é dizer, dar maior efetividade e informalidade na apreciação de tais delitos. Tenha-se presente que os casos que agora são remetidos ao órgão judiciário eram resolvidos na esfera policial, através da figura da mediação. Ao que parece, a lei se confunde com a figura mencionada, posto que os princípios que as margeiam são, praticamente, os mesmos. A informalidade com que se efetiva o trabalho de mediação, a celeridade e o fim a alcançar, que é a conciliação, entre outros pontos em comum, como ausência de antecedentes (no caso de aceitação da transação penal proposta pelo agente do Ministério Público) são atinentes aos dois procedimentos, e muito mais na esfera policial, tendo-se em mente a ausência de qualquer formalidade, a despeito do procedimento judiciário, que exige, para a perfectibilização da audiência preliminar, a existência de autos comprobatórios relativos ao delito e a presença de defensor ao réu. A bem da verdade, dissemina-se, com essa massificação de acordos e a despersonalização da apreciação do delito, a idéia da impunidade. É uma adição a mais na descrença na Justiça, pelo cidadão, eis que, não é raro se ouvir dizer que o cidadão tem certeza de que, cometendo um dos delitos alcançáveis pela lei, não terá maiores conseqüências, que não pecuniárias ou laborais. É profligar, de forma perigosa, o caráter preventivo da pena, que visa à coação moral do cidadão para o não cometimento de ilícitos penais. Se o ponto culminante da lei é a despenalização, ladeou um ponto importante da mediação policial, ou seja, a ausência completa de pena. Saber, a Lei 9.099/95, visando à despenalização, não deixa de aplicar pena, enquanto que, no papel da mediação policial, esta não cabe, dado o seu caráter informal, fazendo brotar, sem qualquer aparato burocrático, a paz social. 40 Corroborando o assentado: [...] é possível à polícia tratar desses conflitos de um modo informal, à base da retórica, e dispensando a burocracia e a violência porque, antes de serem classistas, eles são pequenos delitos interpessoais e intra-classes [...]. 21 Com efeito, se de um lado a lei pretendia dar vasão rápida aos procedimentos abarcados pela mesma, com informalidade, oralidade, conciliação e despenalização, de outro aumentou, e muito, o volume de trabalho remetido ao judiciário, eis que, dantes, ele era feito pelo mediador na esfera policial, como forma de desinstitucionalizar o delito cometido. E mais, segundo LUIZ FLÁVIO GOMES: [...] Nota-se, assim, dentro do âmbito penal, o retorno do “contratualismo”, que entendemos ser salutar, porque atende aos interesses da vítima (reparação civil), da comunidade (menos custo), do infrator (favorecendo sua ressocialização), da própria Justiça (agilização), etc., mas desde que não alcance níveis extremados, a ponto de transformar a Justiça Criminal num market system [...]. (grifos do subscritor). 22 O grifado é, justamente, para salientar a preocupação do jurista, no sentido de se evitar que a Justiça se transforme num comércio. Na verdade, e releve-se isto, a pena pecuniária, ainda que se faça sentir pelo infrator, não tem provado eficácia no sentido preventivo do cometimento de delitos. A vítima, sabendo ser factível a arrecadação de verba pecuniária, proveniente de possível acordo proposto em juízo, faz com que se avolume, de forma substancial, os procedimentos remetidos para o judiciário, o que não ocorreria, se continuasse a permitira a mediação policial. Com efeito, se o que se quer é uma polícia integrada com os problemas comunitários, grande passo é deixar a seu encargo os pequenos conflitos de ordem interpessoal, remetendo-se ao judiciário, os delitos não passíveis de mediação. 21 (OLIVEIRA, 1984, p. 162). 22 (In Suspensão Condicional do Processo Penal, p. 100). 41 4.2 O relacionamento polícia-cidadão na proposta de unificação Consoante noção cediça expedida por ZAFFARONI (1991, P. 15), o que reúne polícia e cidadão são, invariavelmente, situações conflituosas. E tais situações os põem, em sua quase totalidade, como opositores: a polícia como aparelho repressor e o cidadão como seus destinatário. Segundo este mesmo autor, as relações interpessoais são sempre verticalizadas, vale dizer, há sempre opressor e oprimido, o que não é diferente entre polícia e cidadão, realidade antagônica ao que se almeja. Não se deve esquecer da dualidade de expectativas, tanto da polícia em relação ao cidadão, quanto deste em relação àquela. É que, como dito, o policial vê, no meio dos cidadãos que estão sob sua tutela, a massa de delinqüentes sociais e, ainda assim, presta serviços à comunidade na qual tais meliantes estão inseridos, visando à sua proteção. De outra banda, o cidadão vê, no policial, tanto oposição, representável quando usa de seu poder opressor, quanto proteção, quando se vale deste mesmo poder para buscar amparo. Tendo-se em mente tal realidade, inescondível que a renovação de relacionamento entre essas duas partes e, com efeito, a inserção, na nossa realidade, de uma polícia substancialmente comunitária seria, senão a solução do problema, um importante passo na busca de tal finalidade. Em verdade, essa novel realidade parra, inafastavelmente, pela territorialização da polícia em unidades comunitárias, nas quais se insiram seus agentes. Uma maior aproximação entre o cidadão e o responsável direto pela sua segurança, como já repisado, fará o primeiro mais seguro, eis que o objetivo do segundo é a sua segurança e a conscientização acerca dos limites de atuação da polícia. Releve-se, é, por vezes, difícil explicitar ao cidadão, de forma que este compreenda os mecanismos legais, que o policial tem competência limitada pela lei, não se podendo intrometer em assunto que não
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