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POSSÍVEIS TEMAS DE REDAÇÃO PRF_2021

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A necessidade de racionar recursos e a indignação mundial diante de abusos policiais são oportunidades para investir em inteligência, em detrimento do uso da força
Discutir segurança pública e seus desafios em tempos de pandemia remete a alguns aspectos centrais. Por um lado, a redução sem precedentes da circulação de pessoas nas ruas, decorrente das medidas de isolamento social, levanta dúvidas sobre como serão afetados os índices de criminalidade — dentro e fora do ambiente doméstico. Por outro, cabe avaliar como a atuação policial tem se adaptado aos novos riscos representados pela exposição ao vírus. Afinal, trata-se de um serviço essencial que não pode parar.
Infelizmente, não existe informação em nível nacional que consolide dados dos estados brasileiros sobre a quantidade de policiais contaminados, afastados e vítimas fatais da covid-19. Há apenas informações fragmentadas. Por exemplo, dados do estado de São Paulo das três últimas semanas do mês de maio indicam que o número de policiais infectados saltou de 800 para 3.000, e o número de mortes chegou a 10 no mês, o dobro de meses anteriores. Já no Ceará, informações dão conta de 2.000 policiais civis e militares afastados em maio. Não é pouca coisa.
Pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública entrevistou mais de 1.500 policiais no país e identificou que, em São Paulo, cerca de 60% afirmaram sentir medo de contrair ou ter algum familiar contaminado pelo novo coronavírus. Em outros estados, o número chega a quase 70%. Somente cerca de metade dos policiais em São Paulo (46%) acredita ter recebido EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) adequados para desenvolver seu trabalho, enquanto em outros estados essa cifra cai para apenas 32,1%.
Quanto ao treinamento para trabalhar na pandemia, em São Paulo, apenas 34% afirmam ter recebido diretrizes objetivas de como atuar, e nos outros estados 84,6% alegaram não ter recebido nenhum tipo de orientação. É uma tropa com medo e pouca estrutura e preparo para lidar com a crise. Discursos de muitas autoridades da área afirmam que estão sendo providenciados os equipamentos e condições de trabalho aos agentes de segurança pública, mas o fato é que há poucas informações precisas e pouco esforço coordenado por parte do governo federal para fazer chegar auxílio financeiro aos estados e municípios para aquisição de EPIs, o que deixa os policiais extremamente vulneráveis ao vírus. Isso deveria ser uma prioridade, mas não parece estar no foco das autoridades.
A REDUÇÃO DOS CRIMES PATRIMONIAIS TRAZ UM CONTEXTO IDEAL PARA QUE O REDUZIDO EFETIVO POLICIAL SEJA DIRECIONADO PARA AÇÕES MAIS INTELIGENTES
Em relação ao comportamento da violência e criminalidade, um aspecto já esperado, pois foi visto em outros países antes de a pandemia chegar ao Brasil, foi o aumento da violência doméstica e intrafamiliar. O aumento da convivência em ambiente doméstico, decorrente das medidas de isolamento social, intensifica o contato com o agressor nos casos em que há violência instalada. A limitação de sair de casa dificulta que o abuso seja identificado no caso de crianças e adolescentes, e dificulta a denúncia e rompimento do ciclo violento, no caso das mulheres. Dados do Disque 180, canal do governo federal, mostraram um aumento de 40% nas denúncias de violência doméstica em abril de 2020 comparado com o mesmo mês de 2019. Análise do Instituto Sou da Paz aponta que abril de 2020 foi o mês com segundo maior número de ocorrências de feminicídios nos últimos 16 meses no estado de São Paulo.
Já os crimes patrimoniais tendem a cair. De fato, roubos e furtos de veículos caíram no período: em São Paulo, o mês de abril de 2020 foi o que apresentou o menor número dos últimos 16 meses, com redução em todas as grandes regiões, segundo análise do Instituto Sou da Paz. Há quem diga, no entanto, que esses números ainda são altos quando considerada a proporção reduzida de pessoas circulando.
DEBATE
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Governo aberto e encarceramento: uma conexão necessária
Por fim, chama a atenção o aumento dos homicídios. O dado nacional mais recente do Monitor da Violência registra 3.950 homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte em abril de 2020, um aumento de 8% em relação ao mesmo mês do ano passado. Já considerando o quadrimestre, foram 15.868 vítimas de assassinatos neste ano, uma diferença de 1.288 mortes a mais. Infelizmente, como boa parte desses homicídios não são investigados nem esclarecidos, não há informações sobre a causa e o contexto das mortes, razão pela qual não há explicações conclusivas sobre esse aumento. Há algumas hipóteses, como o aumento dos conflitos interpessoais ou a crise terem afetado também a economia do crime organizado, aumentando acerto de contas e outras mortes violentas. A falta de clareza torna ainda mais urgente que seja também uma prioridade dos governos entender por que os homicídios vêm crescendo, buscar solucioná-los e preveni-los.
Também tem se intensificado as ações violentas por parte das polícias. Num momento em que o mundo se mobiliza diante do assassinato brutal de George Floyd por um policial em Minneapolis, nos Estados Unidos, o Brasil segue acumulando mortes violentas e com viés racial por policiais. O menino João Pedro, de 14 anos, foi assassinado dentro de casa numa operação policial em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Ele era um garoto negro que brincava dentro de casa quando polícia entrou atirando. O número de mortes causadas por policiais no Rio de Janeiro nos primeiros cinco meses de 2020 foi o mais alto dos últimos 22 anos. Foram mortas 721 pessoas nesse período, sendo que, dessas vítimas, 78% eram pretas e pardas. Em São Paulo, a letalidade em ações policiais atingiu níveis dos mais altos em anos recentes, mesmo em tempos de distanciamento social.
Nesse sentido, vemos que a polícia perde uma importante oportunidade de rever e redirecionar sua atuação. A redução dos crimes patrimoniais e o aumento dos homicídios traz um contexto ideal para que o reduzido efetivo policial seja direcionado para ações mais inteligentes, planejadas e focadas na investigação e esclarecimento dos homicídios e nos casos de violência doméstica, por exemplo. Não se quer aqui dizer que não haverá outros crimes de oportunidade e aprofundamento do crime organizado, por exemplo. Mas justamente por conta da necessidade de se racionar os recursos da segurança pública imposta pela pandemia e pela indignação mundial diante dos abusos policiais, o país tem a oportunidade ímpar para investir em inteligência em detrimento do uso da força, que vem sendo empregada em excesso, tomando a forma de brutalidade policial.
Por fim, vale destacar a relação nefasta do governo federal com as políticas de segurança pública e seus diferentes agentes. Em plena pandemia, o governo Bolsonaro revogou importantes portarias do Exército brasileiro que fortaleciam o rastreamento de armas e a marcação de munições, mecanismos importantes para o esclarecimento de crimes. A revogação das portarias a pedido do presidente deixa clara a baixa prioridade que o governo dá a segurança pública, demonstrando seu compromisso com grupos organizados do lobby do armamento, além de uma ingerência direta da autonomia do Exército em sua atuação técnica sobre produtos controlados, como as armas e munições.
A falta de republicanismo por parte do governo federal em relação às polícias se manifestou também nas acusações de ingerência na Polícia Federal feitas por Sergio Moro em sua saída do Ministério da Justiça, além da influência do bolsonarismo nas polícias estaduais. Há uma importante discussão entre pesquisadores e policiais brasileiros sobre o risco relativo de que essas instituições, sobretudo as militares, sejam instrumentalizadas pelo presidente. Os termos do debate não apontam riscos de uma sublevação das polícias militares, mas de que deixem de atender aos comandos dos governadores, chefesdas polícias estaduais, por meio de greve branca, de aumento de violência policial e outras formas de boicote.
Esses aspectos representam um risco à democracia brasileira. A compreensão de que segurança pública serve para preservar vidas e garantir direitos de todas as pessoas é fundamental para superar esses arroubos antidemocráticos. Há também caminhos concretos a seguir, como direcionar esforços federais para estruturar as forças de segurança estaduais no enfrentamento da pandemia, priorizar a implantação de políticas de uso da força com procedimentos e princípios claros e o enfrentamento ao racismo, integrar políticas sociais às de segurança pública para lidar com a violência doméstica e intrafamiliar, priorizar a inteligência e o planejamento na atuação policial, investigar e esclarecer todos os homicídios e fortalecer uma política de controle de armas responsável. Boa parte destas medidas já foram experimentadas, de forma fragmentada, pelo país. Torná-las perenes e coordenadas é o pulo do gato para atravessarmos melhor a pandemia e fortalecermos nossa democracia.
Carolina Ricardo é diretora executiva do Instituto Sou da Paz, advogada e especialista em segurança pública.
O adoecimento dos profissionais de segurança pública durante a pandemia
É impossível, diante da maior crise sanitária já vivenciada no Brasil, não pensarmos sobre a saúde. Essa é a pauta dos jornais, dos sites de notícia, das conversas entre amigos. A possibilidade de ser contaminado por um novo vírus, ainda pouco conhecido, colocou na ordem do dia a necessidade de falarmos sobre o sistema de saúde, sobre a importância das pesquisas, e também sobre o medo do contágio e as medidas de prevenção. Se existe algo que a pandemia nos ensinou é que saúde é – ou deveria ser – uma pauta cotidiana. E com todos os cuidados voltados para ela, aprendemos, nesses últimos tempos, que mais do que a simples ausência de doenças, saúde refere-se a um completo bem-estar físico, social e psíquico – um tripé já defendido pela Organização Mundial da Saúde.
 	Dessa forma, saúde e qualidade de vida não podem ser tomadas de forma isolada. Assim como a saúde, a qualidade de vida também diz respeito ao bem-estar do indivíduo, englobando desde o seu bem-estar emocional, dos seus relacionamentos sociais, e até mesmo da sua condição espiritual. Tendo isso em vista, a OMS desenvolveu o modo de mensurar a percepção do indivíduo na sua posição na vida, no seu contexto cultural e no seu sistema de valores sob os quais vive – seja em relação aos seus objetivos, às suas expectativas, aos seus padrões e às suas preocupações – medindo, dessa forma, a qualidade de vida do indivíduo. E você pode estar se perguntando: mas qual a relação entre essa discussão e os profissionais de segurança pública?
 	Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2015), em 2015 o Brasil possuía 642.244 trabalhadores públicos integrando os efetivos das Polícias Militares, Polícias Civis e Guardas Municipais em todo o país. Cabe ainda lembrar que esta cifra não incorpora os trabalhadores do sistema prisional, que se tornaram integrantes do rol de profissionais de segurança pública apenas em 2019 com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 372/2017. Apesar da grandiosidade destes números e da relevância da questão da segurança pública na agenda nacional, a produção brasileira sobre a relação entre trabalho, saúde e qualidade de vida para esses profissionais ainda necessita de mais pesquisas.
 	Bom, quando consideramos os dois conceitos tratados anteriormente, pode-se afirmar que as condições, os ambientes e a organização do trabalho impactam fortemente na percepção que o indivíduo tem de sua qualidade de vida. Logo, o trabalho exercido possui impactos diretos na saúde de todo profissional. Quando pensamos sobre as profissões de segurança pública no Brasil, é quase impossível desconsiderar os efeitos que o ofício traz para a vida dos trabalhadores. Não é preciso horas exaustivas de conversa com policiais – militares, civis e penais – e guardas municipais, por exemplo, para ouvir relatos pessoais ou histórias sobre companheiros de profissão que adquiram níveis preocupantes de estresse, fadiga, ansiedade e depressão. Isso porque fatores inerentes à organização e às condições de trabalho afligem a qualidade de vida dos trabalhadores da segurança pública, fazendo com que eles apresentem inclusive problemas na interação social, no desempenho do trabalho, além de aumentar os riscos de acidentes e algumas doenças.
 	Estes agravos comprometem a esperança de vida desses profissionais, geram perdas de dias de trabalho, provocam aposentadorias precoces, prejudicam a qualidade do trabalho executado, e afetam diretamente a qualidade de vida como um todo. Estes fatos desafiam os gestores do sistema de segurança pública a identificarem as principais causas de morbidade (ou seja, adoecimento) e mortalidade dos trabalhadores, assim como os principais fatores de risco à qualidade de vida existentes no trabalho em segurança pública, de forma a implementar ações de proteção e promoção à saúde e à qualidade de vida consistentes, fundamentadas e que façam face às obrigações éticas e legais das instituições públicas.
 	Para ilustrar essa realidade, em 2018 no Brasil o número de policiais que cometeram suicídio foi maior que aqueles que morreram em confronto. Tendo uma taxa de suicídio na categoria de 23,9 enquanto na população em geral a taxa é de 5,8 por 100 mil habitantes. Só na cidade de São Paulo, oito guardas civis são afastados por dia por transtornos mentais. A realidade dos policiais penais também não é muito diferente. Considerada pela Organização Internacional do Trabalho a segunda profissão mais perigosa do mundo, diversas pesquisas acadêmicas demonstram o grande adoecimento psíquico e físico dos profissionais de custódia. Para se ter uma ideia, durante a pandemia, 73,7%, dos policiais penais respondentes da pesquisa do Grupo NEB (Núcleo de Estudos da Burocracia/FGV) relatou ter a saúde mental afetada pelo atual contexto, e apenas 5,1% teve algum apoio para lidar com essa situação. 
 	Assim como os policiais penais, certamente, outros profissionais de segurança pública sentiram os efeitos da pandemia em sua saúde, em decorrência das características do seu trabalho. Buscamos, assim, demonstrar quais são os motivos que levam a este maior adoecimento desses profissionais durante a chegada e a disseminação do coronavírus no Brasil.
 	
Em primeiro lugar é preciso considerar o trabalho em si, ou seja, em condições cotidianas para além da pandemia. O trabalho em segurança pública é considerado um trabalho altamente estressante. Isso em decorrência à repetida exposição a situações traumáticas que envolvem a segurança e a vida, a interações conflituosas com superiores, com a estrutura organizacional policial e com a própria comunidade. Esses fatores têm especial relevo nas grandes cidades brasileiras que concentram tanto o tráfico de drogas, como as altas taxas de homicídios. Tais contextos aumentam a letalidade não apenas da ação policial, como também o risco de agravos à saúde dos policiais.
 	A iminência da possibilidade da morte e de situações violentas faz com que os agentes de segurança pública se sintam não apenas mais estressados, como em constante tensão – tanto nos períodos de trabalho, como também fora dele. O estado de tensão se torna, portanto, constante na vivência de muitos desses profissionais. Acontece que agora, além da tensão da alta probabilidade de vitimização, há ainda a possibilidade de contaminação pela COVID-19, sendo esta ainda mais presente e possível para esses profissionais. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 68,8% dos policiais entrevistados sentem medo de alguém próximo ou de ele mesmo contrair o novo vírus.
 	E esse medo possui um grande respaldo no cenário atual, apesar da dificuldade de se encontrar dados nacionais ou estaduais que fazem esse levantamento. O número de profissionais da segurança pública afastados por suspeita – ou confirmação– de COVID-19 não para de crescer. Apesar da ausência de sistematização dos dados, a título de ilustração podemos citar que em junho já eram mais de três mil policiais em São Paulo afastados. Antes disso, em abril, eram 500 guardas civis municipais da cidade de São Paulo na mesma situação. Além disso, o CNJ em seu último levantamento, no dia 04 de novembro, apontou que já são 11.149 casos de servidores contaminados no sistema prisional. Essa realidade potencializa ainda mais o medo e a tensão que os profissionais afirmam sentir no exercício diário de suas profissões.
 	Em segundo lugar, e bastante relacionada com essa primeira justificativa, há a impossibilidade de fazer o isolamento e o distanciamento social. Os profissionais de segurança pública foram considerados “serviços essenciais”, ou seja, trabalhos considerados indispensáveis à população durante a pandemia da COVID-19. Nesse sentido, em nenhum momento desses oito meses de tentativa de isolamento social no país, os profissionais de segurança pública puderam se ausentar do trabalho, para cuidar da sua saúde física. Mais do que seguir trabalhando, estes profissionais atuam em áreas em que o contato e a proximidade física são corriqueiros, e qualquer tentativa de se manter distante se torna, no mínimo, um desafio. Outra questão importante a ser considerada é que muitos dos instrumentos de trabalho são compartilhados por esses profissionais no revezamento de turnos.
 
Além do permanente risco de se contaminarem, há também o medo de levar o vírus para casa, contaminando, assim, parte de seus familiares. Isso porque o trânsito entre o trabalho e a casa precisa de uma sistemática higienização, e mesmo quando é possível de serem tomados alguns cuidados, a possibilidade de contágio é ainda presente, e a tensão é contínua. Se pensarmos na realidade dos policiais penais, a responsabilidade é ainda mais assustadora, uma vez que a contaminação de um guarda de custódia pode levar o vírus para um pavilhão inteiro. E como já discutimos nesta coluna, a situação dos cárceres brasileiros é favorável à proliferação do vírus. Assim, o medo real de contaminação, soma-se à tensão e à necessidade de constante atenção nas suas ações – já presente em seus ofícios – trazendo assim mais ansiedade e estresse para os profissionais que já conviviam com essa realidade.
 	Mais um possível motivo para o aumento do adoecimento dos servidores possui relação com essa maior exposição ao novo vírus, que não é apenas pela continuidade de atuação ou pelas características inerentes ao trabalho, mas também pelas novas atribuições que os trabalhadores adquiriram em meio à pandemia. São os profissionais de segurança de pública, principalmente os guardas municipais, os atuais responsáveis por fiscalizar as medidas adotadas para conter a expansão do vírus nas cidades. Desta maneira, eles devem lidar diariamente com as infrações cometidas que colocam em risco a saúde da população. Ou seja, além do alto risco contágio ser uma realidade a ser considerada em ações que já aconteciam, ela é o foco de novas ações destinadas a estes profissionais. Já que são os guardas municipais que devem fiscalizar a implementação das medidas de contenção do novo coronavírus, as ações por eles efetuadas os colocam em risco pela simples necessidade de cumprir este papel – uma vez que ao realizarem esse tipo de ação, alguma norma muito provavelmente está sendo descumprida e a possibilidade do contágio está presente.
 	Em último lugar, voltamos a considerar a realidade anterior do trabalho do profissional de segurança pública. Parte considerável das reclamações destes profissionais sobre o que coloca em risco a sua vida ou o que dificulta sua atuação diz respeito às condições estruturais de trabalho – na maioria das vezes precárias – ofertadas: como o mau condicionamento de viaturas e dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), ou seja, a inadequação e a insuficiência dos itens essenciais para o exercício do trabalho. Com isso, estes profissionais reclamam que há um abandono do Estado que não investe nem na infraestrutura necessária para o desempenho de suas funções, nem em políticas públicas de apoio e atenção aos servidores que adoecem cada vez mais no exercício da profissão.
 	Acontece que trabalhar sem apoio é algo que os profissionais de segurança pública já estavam condicionados, e não foi diferente em meio à pandemia: 68,4% de policiais civis e militares se sentem despreparados para trabalhar diante deste cenário, o mesmo acontece com os policiais penais, em que apenas 9,3% afirmaram que receberam treinamento especifico para trabalhar nas penitenciárias durante a crise sanitária. Tanto o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, como a Fundação Getúlio Vargas demonstram ainda que o despreparo é conjugado com a falta de apoio do governo que não fornece Equipamentos de Proteção Individual – como máscaras e luvas – suficientes para cobrir o contingente profissional.
 
O que temos, nesse sentido, são algumas cartilhas que foram veiculadas a esses grupos, demonstrando aos profissionais não apenas como proceder em uma atuação, mas também como se deve higienizar o ambiente de trabalho, os equipamentos, o descarte e o armazenamento dos materiais e das roupas utilizados. Bom, o passo a passo com a ausência de insumos necessários se torna uma medida pouco – para não dizer completamente – ineficiente. Assim, a preocupação de saber como deveria ser feito os procedimentos de higienização, sem efetivamente ter subsídios para executar as medidas de segurança contra o contágio do vírus, transforma o medo em uma insegurança cotidiana que passa a permear o cotidiano dos profissionais. Se trabalhar despreparado e sem respaldo do Estado não é novidade para muitos destes profissionais, lidar com a alta taxa de contágio do vírus e uma letalidade ainda bastante preocupante se transforma em um estado de ansiedade e estresse contínuos. Isso tudo potencializado pelo fato de que todo profissional da segurança tem visto cada vez mais companheiros afastados por motivos de saúde, e familiares e amigos contaminados pela COVID-19.
 	Em suma, são inúmeros os fatores identificados pelas pesquisas apresentadas que comprometem a qualidade de vida de trabalhadores em geral e da segurança pública em particular. A literatura tende a destacar os fatores que impactam negativamente sobre a saúde e a satisfação no trabalho. Infelizmente, a utilização de diferentes instrumentos e escalas de mensuração para apreender o fenômeno da qualidade de vida no trabalho dificultam ranquear e comparar os escores de diferentes categorias profissionais. O que sabemos é que as ações de proteção à saúde têm importância inquestionável, e encontram apoio em políticas de outras esferas como do Sistema Único de Saúde, com também das ações da saúde suplementar (planos e seguros de saúde). Contudo, as ações já existentes ainda são muito focadas em em medidas paliativas e corretivas que tentariam minimizar a insatisfação ou efeitos sobre a saúde sem de fato mudar os processos e estrutura organizacional das instituições policiais que geram insatisfação.
 	E como podemos mudar esse cenário? Essa é uma pergunta que cientistas de todas as áreas ainda buscam responder. O Instituto Sou da Paz veiculou dez medidas para a segurança pública durante a pandemia. Entre elas destacamos as medidas balizares essenciais como: a disponibilidade de EPIs suficientes, o fortalecimento do trabalho dos servidores em uma colaboração federativa entre a União, Estados e Municípios, e o cumprimento das recomendações do Conselho Nacional de Justiça que defende a diminuição das prisões provisórias, e a preferência pela prisão domiciliar e por outras alternativas penais. Além, claro, de testagens constantes e da necessidade de reorientação das ações e do trabalho dos servidores da segurança.
 	Neste artigo objetivamos lançar luz nas questões de saúde, e por isso destacamos sobretudo a necessidade de valorizar, de defender e de utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS)! O SUS é uma conquista do povobrasileiro que lutou pelo direito garantido em Constituição ao acesso à saúde. Uma saúde integral, universal e gratuita que leva em consideração os prismas além da ausência de enfermidades. E é justamente pelo SUS que vários dos servidores do Estado, inclusive os profissionais de segurança pública, possuem acesso a tratamentos para os adoecimentos resultantes do trabalho. É, portanto, urgente considerarmos tanto os cuidados com a saúde na execução do trabalho, como o acesso a tratamentos de saúde de forma integrada e gratuita como direitos de todos os trabalhadores. E, como vimos, isso não deixa de ser uma questão importante da segurança pública, bastante séria apesar de pouco abordada, mesmo em tempos de pandemia.
Governo do Estado inaugura Divisão de Crimes Cibernéticos
O Governador João Doria inaugurou, nesta sexta-feira (18), a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER), uma superestrutura para combater os crimes cometidos por meios eletrônicos. A solenidade aconteceu virtualmente, diretamente do Palácio dos Bandeirantes e da sede da nova divisão.
“Inaugurada em tempo recorde, é a mais moderna e eficiente delegacia de crimes cibernéticos no Brasil. Ela já é a maior, a mais equipada e agora a mais bem instalada”, afirmou o Governador.
Criada por meio de um ato do governador João Doria em outubro, a unidade especializada iniciou suas atividades no último dia 2. A cerimônia marca a inauguração das instalações da divisão, que ocupa o 16º Andar do Palácio da Polícia Civil, no bairro da Luz, no centro da Capital.
Para receber a DCCIBER, o andar no qual ela está instalada passou por uma reforma que custou R$ 2,4 milhões. O investimento foi realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) como parte de um acordo de cooperação, sem ônus ao Estado.
Como resultado, as instalações da Divisão agora contam com mais de 40 salas operacionais, duas salas técnicas, duas salas para arquivo, quatro banheiros, uma copa, uma sala de custódia, um saguão de recepção, um saguão de plantão e um depósito para materiais de limpeza.
A criação da nova divisão integra o projeto de modernização da Polícia Civil de São Paulo. Além disso, estende para todo o território nacional as investigações dos cibercrimes, já que os delitos cometidos por meios eletrônicos utilizam a rede mundial de computadores, permitindo que os criminosos sediados em um estado façam vítimas em outras unidades federativas.
“A melhor eficiência da polícia é quando ela evita o crime, quando chega antes do que o criminoso e uma divisão de crimes cibernéticos como essa processa exatamente isso. Desde uma simples loja de armarinho na periferia até uma rede de bancos, todos podem sofrer ataques cibernéticos de toda ordem e essa divisão vai permitir um estudo apurado para identificação, investigação e solução desses crimes”, disse Doria.
Sobre a DCCIBER
A nova unidade especializada conta com 66 policiais civis entre delegados, escrivães, investigadores, agentes policiais, papiloscopista, auxiliar de papiloscopista e agentes de telecomunicações. As atividades são apoiadas por 12 viaturas e outros 20 veículos já foram adquiridos e serão entregues no primeiro semestre do ano que vem.
Todos os agentes selecionados para atuar na nova Divisão possuem expertise em investigação e combate ao cibercrime, inclusive com agentes formados nos cursos de “especialização em investigação e coleta de informações” e “técnicas de investigação de crimes cometidos por meio eletrônico”.
A DCCIBER está subordinada ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) e conta com quatro delegacias especializadas: 1ª Delegacia de Polícia sobre Fraudes contra Instituições Financeiras praticadas por meios Eletrônicos; 2ª Delegacia de Polícia sobre Fraudes contra Instituições de Comércio Eletrônico praticada por meios Eletrônicos; 3ª Delegacia de Polícia sobre Violação de Dispositivos Eletrônicos e Redes de Dados; 4ª Delegacia de Polícia de Lavagem e Ocultação de Ativos Ilícitos por Meios Eletrônicos; além de um Centro de Inteligência Cibernética (CIC) e um Laboratório Técnico de Análises Cibernéticas, (Lac-TAC).
Comandada pelo delegado-divisionário, Gaetano Vergine, a unidade especializada já registrou 93 boletins desde o início do seu funcionamento e atualmente possui 620 inquéritos policiais em andamento.
Com mais de 1,6 mil crimes cibernéticos registrados em 6 meses no AM, polícia vê relação direta com isolamento social
Ao longo do primeiro semestre deste ano, a Polícia Civil do Amazons registrou 1.675 crimes cibernéticos. Com picos de casos em maio e junho, a Delegacia Interativa observa uma relação direta entre os altos números com o período de isolamento devido à pandemia do coronavírus.
Em um levantamento divulgado, nos seis primeiros meses, os maiores destaques foram maio, que teve o primeiro pico ainda com 339 ocorrências registradas, e depois junho, com um total de 828 ocorrências.
A delegada Ana Cristina Braga, titular da DI afirma que a incidência desses casos, durante o primeiro semestre deste ano, está diretamente relacionada ao período de maior pico da Covid-19 no Amazonas, de abril ao mês de junho, quando as pessoas estavam em isolamento social, em casa, trabalhando em regime home office ou tendo aulas por meio das plataformas on-line.
Entre os crimes virtuais mais comuns estão: invasão de dispositivos eletrônicos (hackeamento de dados), falsa identidade, crimes contra a honra, divulgação de notícias falsas (as chamadas fake News), bem como a divulgação de material íntimo ou com teor sexual sem o consentimento das vítimas.
Crimes virtuais
Em 2013, passou a vigorar a Lei 12.737, que alterou o Código Penal e trouxe a tipificação criminal das condutas, que a própria lei denomina de delitos informáticos, que consistem em violar a segurança de dispositivos informáticos a fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do proprietário. A pena para o crime prevê detenção de três meses a um ano, além de multa.
“Outros crimes são tipificados, no Código Penal Brasileiro, como o artigo 218-C do CP, incluído pela Lei n° 13.718, de 2018, que responsabiliza quem disponibilizar, vender, publicar ou divulgar, por qualquer meio, fotos, vídeos que contenham cena de estupro que faça apologia à prática, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”, detalha a delegada.
Orientações
Ana Cristina orienta a população para algumas medidas que podem aumentar a segurança no ambiente virtual, como não acessar redes de internet desconhecidas ou públicas, em Wi-Fi, e sempre utilizar senhas complexas para as redes sociais, de bancos ou demais contas, além de não deixar o smartphone sem bloqueio de tela e senha, pois ajuda a inibir a prática criminosa.
“Jamais preencha algo que desconheça com os dados pessoais. E é necessário também instalar um bom antivírus no computador, e instalar somente aplicativos confiáveis, além de realizar a verificação de senhas em duas etapas. E nunca clicar em links desconhecidos recebidos por meio de grupos no WhatsApp, e-mail ou SMS”, alerta ela.
Em relação às crianças e aos adolescentes, os pais devem sempre supervisionar as redes sociais e quais sites os filhos acessam na internet. É necessário que haja uma troca de conversa, onde os pais alertem os filhos sobre os perigos que podem ser encontrados no ambiente virtual.
Denúncias
A delegada destaca que vítimas de crimes cibernéticos devem realizar o registro do Boletim de Ocorrência (BO), por meio do endereço eletrônico da Delegacia Interativa ou formalizar o BO pessoalmente na DI, que está situada nas dependências da Delegacia Geral, na avenida Pedro Teixeira, bairro Dom Pedro, zona centro-oeste de Manaus.
Segundo ela, após a vítima registrar a ocorrência, ela posteriormente será notificada a comparecer na delegacia, onde será ouvida e a equipe policial vai realizar os procedimentos cabíveis, como instaurar um Inquérito Policial (IPL) com o intuito de identificar a autoria do delito.
“As pessoas acham que a internet é um território livre e impune, onde o criminosonão será identificado, mas essa afirmação é inverídica. A polícia vem se adequando a essa nova realidade e a nossa equipe de investigação tem obtido êxito na elucidação de inúmeras autorias criminais, por isso, é importante que a vítima se encoraje e registre o BO”, finaliza.
DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA PÚBLICA: O PAPEL CONSTITUCIONAL DO ESTADO NA APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS AGENTES DA SEGURANÇA PÚBLICA
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RESUMO
Este artigo traz uma reflexão sobre Direitos Humanos, Estado e Polícia. Buscou-se fazer com que o leitor compreendesse que policial enquanto agente do Estado não deixa de ser um cidadão, dotado de deveres e, sobretudo de direitos. Relatou-se durante o trabalho a realidade desses profissionais, suas dificuldades, medos e também apresenta propostas de melhorias feitas pelo Estado, porém, com suas ressalvas, já que a maioria delas ainda são falhas. Concluiu-se que o Estado vem sendo negligente com seus agentes de segurança, o que implica diretamente na sociedade, pois, cada vez que um policial é assassinado ou suicida-se, o Estado perde um profissional e a sociedade tem sua proteção diminuída.
Palavras-Chaves: Polícia, Direitos Humanos, sociedade, Estado, segurança.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo demonstrar como o policial, ser humano e cidadão, é visto pela sociedade, imprensa e principalmente por aquele a quem ele representa: o Estado. Demonstrar ainda, que velhos paradigmas ainda estão presentes quando o assunto é Segurança Pública e Direitos Humanos.
Direitos Humanos é o conjunto de garantias inerentes a todos os seres humanos independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição, definição dada pela ONU (Organização das Nações Unidas). A partir dessa definição, conclui-se que Direitos Humanos é o conjunto de direitos a todo e qualquer ser humano, sem seletividade, sem segregação. Com isso busca-se neste artigo, entender o porquê do policial, quando vítima, muitas vezes não ser lembrado como um cidadão dotado desses direitos.
Ricardo Balestreri em seu livro : “Direitos Humanos: Coisa de Polícia” [2] cita:
“O policial é antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de paranoia, sequelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial.”
Com a Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou em seu ordenamento jurídico artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo hoje um país Democrático de Direito, que busca através de sua Carta Magna respeitar os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, tendo assim banido de seu texto as penas cruéis, degradantes e a de morte, repudiando a tortura e qualquer forma de violação à integridade física e à vida, o que também fez com que o Estado incluísse os Direitos Humanos como matéria obrigatória na formação dos agentes da Segurança Pública.
Atualmente, busca-se substituir a polícia tradicional, com formação rígida e não muito humanitária por uma polícia cidadã. Para uma maior eficiência desse tipo de polícia, precisaríamos mudar a sua estrutura que desde sua criação neste atual modelo, tem sido de muitas críticas, visto que sua criação na essência visava proteger ao Rei e não a sociedade.
Diante de um Estado legalista e signatário de tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos, vê-se neste cenário atual o assassinato de mais de uma centena de policiais na cidade do Rio de Janeiro no ano de 2017, em que a ONG Rio de Paz se posicionou em defesa da vida destes agentes cobrando providências das autoridades, chamando a atenção do poder público, da imprensa e da sociedade com uma homenagem na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde cada um desses trabalhadores assassinados tiveram suas fotos e suas histórias contadas.
Tenta-se ainda no decorrer do trabalho, mostrar como o medo e a insegurança assolam também estes profissionais que, muitas vezes se veem de mãos atadas diante de tamanha violência que atinge hoje todo o país, em especial o Estado do Rio de Janeiro.
Com condições precárias de infraestrutura, aparelhamentos quebrados ou inoperantes, armas que nem sempre funcionam, salários baixos e valorização quase zero do Estado, o policial é muitas vezes vítima do próprio sistema a que ele pertence, pois, antes dele se matar ou ser morto, o Estado já vinha lhe matando aos poucos com as condições subumanas de labor.
Espera-se, desmistificar a imagem de que o policial é um inimigo da sociedade por representar o Estado, que ele não tem sentimentos e que não carece de respeito e atenção tanto quanto qualquer outro cidadão que preze pela sua vida.
Para o desenvolvimento do presente artigo foram utilizadas pesquisas bibliográficas da área, bem como livros, jornais, sites confiáveis e institucionais, tratando sobre o tema, além de entrevistas a pessoas que têm ou tiveram de alguma forma relação com agentes da Segurança Pública.
2. A ORIGEM DA POLÍCIA NO BRASIL
2.1 CRIAÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA
A polícia no Brasil surge em 1530, com ideia de D. João III, que em 1500 para adotar o sistema de Capitanias Hereditárias, escreveu a Martim Afonso de Souza, onde pedia que se estabelecesse a administração, promovesse a justiça e organizasse o serviço de ordem pública de todas as terras que ele conquistasse. Era um modelo medieval português onde polícia e judicatura se completavam.
Importante aqui é falar sobre o Alvará Régio de 10 de maio de 1808, assinado pelo Príncipe Regente Dom João, o qual através dele foi criado cargo de Intendente Geral de Polícia da Corte e nomeou o Desembargador Paulo Fernandes Viana para exercer o cargo, iniciando assim, grandes modificações na estrutura da polícia, a qual tinha a incumbência de combater espiões, ações perniciosas e subversivas e garantir a integridade da família real.
No período de 1808 a 1827, havia acúmulo de função das polícias, sendo elas ao mesmo tempo forças de funções policiais e judiciárias. Já sua descentralização ocorreu com a promulgação do Código de Processo Criminal do Império. Houve a extinção da Intendência Geral de Polícia em 1841 e criou-se o cargo de Chefe de Polícia, ocupado até 1844 por Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso Câmara.
Em 03 de dezembro de 1841 uma lei proporcionou novamente uma grande mudança, desta vez bem radical de uma Chefatura de Polícia, onde o Chefe de Polícia tinha como auxiliares delegados e subdelegados de Polícia. Aos 31 de janeiro de 1842, o Regulamento nº. 120 criou a definição das funções de polícia administrativa e judiciária e colocou-as sob a chefia do Ministro da Justiça. A Lei nº. 2003 de setembro de 1871, que foi regulamentada pelo Decreto n.º 4824, de 22 de novembro do mesmo ano, reformou o sistema que havia sido adotado pela Lei n.º 261 e separou-se Justiça e Polícia, que pertenciam à mesma organização e implantou inovações e estruturas que encontramos até os dias de hoje.
2.2 CRIAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR
As Polícias Militares brasileiras originaram-se nas Forças Policiais, as quais foram criadas na época do Brasil Imperial. A primeira corporação a ser criada foi a Polícia Militar do Rio de Janeiro, cuja denominação de “Guarda Real de Polícia”, nasceu em 13 de maio de 1809, criadapor Dom João Príncipe Regente e através de um decreto deu-se o nascimento da primeira Polícia Militar no Brasil, a do Estado da Guanabara.
Com abdicação do trono de D. Pedro I para D. Pedro II, este menor de idade, ainda não podia exercer o poder, o Império passou a ser comandado por regentes e por não serem muito bem aceitos pelo povo, por não considerar sua legitimidade como governante, surgiram pelo país diversos movimentos revolucionários, que foram considerados movimentos ameaçadores para a estabilidade do Império e para a manutenção da ordem pública e com isso surgiu a ideia de uma Guarda Municipal, que foi criada em 10 de outubro de 1831 com a denominação de Corpo de Guardas do Rio de Janeiro.
A criação se deu através de um decreto regencial e através dele houve também a permissão para que todas as outras províncias brasileiras criassem suas guardas, ou seja, as suas próprias polícias. A partir então de 1831, vários estados passaram a criar as suas próprias polícias.
Com a Constituição Federal de 1946, as então Corporações dos Estados (as antigas guardas) receberam a denominação de POLÍCIA MILITAR, com exceção do Estado do Rio Grande do Sul, cuja denominação mantida até hoje é de Brigada Militar.
Segundo os historiadores, a mais antiga força policial militar seria a que surgiu em 1775, no Estado de Minas Gerais com a denominação de Regimento Regular de Cavalaria de Minas, criada em Vila Velha, onde hoje é a cidade de Ouro Preto. Essa força policial era paga pelos cofres públicos e tinha como função a manutenção da ordem pública, que estava nessa época ameaçada, por causa das descobertas de riquezas como o ouro no Estado de Minas Gerais.[3]
2.3 ESTRUTURA DAS POLÍCIAS BRASILEIRAS
A estrutura das polícias brasileiras como temos ainda hoje, remonta da época do Império, ou seja, quando criadas, a sua função não era a segurança pública e sim a proteção da família real.
A polícia como malha protetora do Estado e da sociedade só passou a ter essa função muito tempo depois de sua criação, porém, sua estrutura ainda permanece a para qual foi criada, com isso, deixando muito a desejar para que a sociedade tenha confiança e a veja como uma parceira e não como inimiga.
Existem muitas propostas para que se transforme a polícia “opressora” do Estado em polícia cidadã, transmissora dos Direitos Humanos, porém, ainda há muito que se fazer a começar pela valorização dos agentes pelo Estado e pela desmistificação de associar que polícia e direitos humanos são antônimos.
3. O POLICIAL COMO CIDADÃO
A melhor definição de policial como cidadão encontra-se no livro de Ricardo Balestreri, ex-presidente da Anistia Internacional – Seção Brasileira, ex-secretário Nacional de Segurança Pública.
Em seu Livro “Direitos Humanos: Coisa de Polícia”[4] cita:
“O policial é antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de paranoia, sequelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial.”
O autor neste trecho de seu livro, afirma o direito de cidadão do policial como qualquer outro ser humano e destaca a associação errônea que se tem, ainda hoje, sobre policial e sociedade, como se o primeiro não fizesse parte da segunda e que por isso não seja dotado de Direitos Humanos.
Em seu livro descreve inclusive muito de sua visão como amigo de policiais e também atuante dos Direitos Humanos, que lembrando mais uma vez são direitos a todos sem seletividade conforme Declaração Universal de 1948.[5]
3.1 FUNÇÕES DA POLÍCIA CONFORME CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A segurança pública, direito fundamental dos cidadãos brasileiros está assegurada no artigo 144 da Constituição Federal de 1988:[6]
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I -polícia federal;
II -polícia rodoviária federal;
III -polícia ferroviária federal;
IV -polícias civis;
V -polícias militares e corpos de bombeiros militares.
A função das polícias está discriminada na Carta Magna, nossa Constituição Federal, em seu artigo 144, parágrafos 1º ao 7º; já o parágrafo 8º fala das Guardas Municipais, que são constituídas pelos municípios.
Dentre suas funções estão: manter a ordem pública, defesa civil (Corpo de Bombeiros), investigar crimes, realizar diligências, apurar infrações penais, patrulhamento ostensivo de ruas e rodovias, combate ao tráfico de drogas ilícitas e afins, combate ao contrabando e ao descaminho, preservação de local de crime, perícia, emissão de documentos como R.G., passaporte, certidão de antecedentes criminais, necropsia em caso de morte violenta, etc.
Os incisos I ao V do artigo 144 da Constituição Federal de 1988 destacam os tipos e as funções de cada instituição e sua estrutura, portanto, a atividade policial é regulamentada pela Constituição Federal e deve seguir exatamente aquilo que nela encontra-se descrito, sob pena de abuso de autoridade e excesso.
3.2 COMO A SOCIEDADE VÊ A POLÍCIA BRASILEIRA
A sociedade tem certa desconfiança, medo e até mesmo uma repulsa pela figura do policial, que se propagou por aqueles que, de alguma forma sofreram algum tipo de violação de seus direitos por maus policiais, militantes políticos do período militar, pela imprensa que se mostra quase sempre contra a polícia e como formadora de opinião exerce grande influência social e também (ou principalmente) pelo fato da polícia representar o Estado.
Cada grupo de pessoas na sociedade tem o seu motivo para não acreditar nas instituições policiais e aqui estão descritos alguns deles:
Começando por aqueles, que de alguma forma passaram por situações de excesso ou abuso por parte de algum mau policial. Estes conheceram da face que a própria polícia abomina: o policial bandido ou o “bandido com farda de policial”. Ele não representa a instituição como um todo e sim a si próprio, pois, nas escolas e academias de polícia já se ressaltam a importância de agir de acordo com as leis e respeitando os Direitos Humanos seja em qual situação for.
Com atitudes arbitrárias e desproporcionais, alguns policiais cometem excessos, o que não representa nem de longe a grande maioria desses profissionais, porém, o erro sempre se destacará mais que os acertos, já que é sua função zelar pela segurança e a sociedade certamente cobrará por isso.
O segundo tipo, que se pode citar, encontra-se naqueles que em épocas de manifestações políticas contra o regime militar nos anos 70, o Exército, que comandava o país, tinha na polícia seu braço direito, principalmente na execução de ordens que acabavam em torturas e até morte, que para o governo militar, como qualquer outro governo autoritário, se justificava como “combate aos terroristas opositores”.
Sabemos que, muitos ainda hoje associam essa imagem de torturadores aos policiais militares, mesmo o regime militar tendo acabado há mais de trinta anos. Outros tempos, outros policiais, mas aqueles que sofreram com o governo militar e que de alguma forma foram presos por ele, torturados ou tiveram algum familiar que sofreu alguns desses tipos de tratamento cruel, ainda vivem por recriminar quem atua hojedentro da instituição, achando assim, que o policial não merece compaixão, respeito, dignidade ou mesmo ter direitos humanos a seu favor.
No Brasil tem-se ainda outro grupo capaz de manipular opiniões contra a polícia: a nossa imprensa, seja televisiva, radiográfica ou ainda as redes sociais, pois, sabe-se que o jornalismo bom ou ruim, sério ou não, influencia o público como formadores de opinião. Neste caso, quase sempre a polícia é o mau elemento, sempre se tenta colocar um julgamento contrário, mesmo antes de alguma investigação ter sido concluída, afinal a polícia é o Estado!
Citamos aqui os principais motivos da sociedade muitas vezes recusar em aceitar o policial como um aliado, mas claro que existem outros motivos, talvez não tão claros e repetitivos quanto estes.
4. PROBLEMAS ENFRENTADOS NA PROFISSÃO: PRECONCEITO E FALTA DE APOIO
O preconceito tem sido sem dúvidas, o maior empecilho para o diálogo entre uma sociedade receosa e uma polícia cidadã. Não raro hoje, vermos em nosso dia a dia o preconceito que policiais sofrem por estar em uma profissão que representa o Estado com seu poder de uso da força, caso necessário.
Esse comportamento da sociedade demonstra o quanto o Estado é mau visto pela população em geral, visto que a polícia atua para coibir atos de vandalismo, combater crimes, evitar o caos, mas ao mesmo tempo impor limites que o Estado determina.
Não são raros os policiais que enfrentam problemas psicológicos que atrapalham sua vida profissional e pessoal, ocasionando graves problemas de saúde como alcoolismo, drogas, depressão, pânico, que muitas vezes poderiam ser evitadas ou tratadas a tempo, assim evitar-se-iam os muitos casos de suicídio.
As instituições e o governo-patrão falham muitas vezes em não perceberem ou mesmo não darem atenção ao policial doente. Deve-se lembrar de que em suas mãos está a segurança da sociedade e se o policial não está bem, a sociedade paga o preço, afinal como confiar em um profissional que não tem o controle emocional adequado para executar sua função?
Os baixos salários, as condições precárias, as exigências de praxe e a falta de atenção à saúde de seus agentes levam os profissionais a atos extremos, a ponto de tirarem a própria vida, e isso não comove a sociedade ou mesmo ao Estado, simplesmente por causa da profissão que exercem. Exemplos recentes são os casos dos policiais militares Willian Ribas[7] de Praia Grande e Juliane Duarte de São Paulo[8]·, ambos vindo de periferia, pobres e fiéis à profissão, morreram de forma brutal, apenas por serem policiais. Willian, negro, pobre, ainda foi morto na frente de seu pai que é cadeirante. A soldado Juliane, mulher, homossexual, parda, de periferia, exemplar profissional. Ambos tiveram seus direitos humanos violados assim como tantos, todos os dias, em todo o país.
Muitos, em seus dias de folga, se arriscam nos chamados “bicos” (trabalho fora da polícia) para compensar a baixa remuneração, que serve como um complemento de salário, trocando seu dia de lazer por um dia de trabalho informal que lhe tira o descanso e o deixa ainda mais vulnerável, pois, a maioria de policiais assassinados estava em dia de folga.[9] Existem ainda relatos de assédio moral dentro da corporação e quando esse problema está dentro de uma instituição regrada, que tem por norma a hierarquia acima de tudo, a denúncia ou o combate a essa prática torna-se muito difícil.
A professora Dayse Miranda da Universidade Estadual do Rio de Janeiro desenvolveu um estudo sobre Suicídio e Risco Ocupacional no Rio de Janeiro, onde mostra a evolução de suicídios na PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), suas maiores causas e faz algumas recomendações, sendo uma delas a notificação obrigatória de manifestações suicidas nos atendimentos clínicos na Instituição para assim serem monitorados e tratados corretamente.[10]
A seguir mostramos gráficos de evolução de suicídio entre policiais no Estado de São Paulo entre 2006 e 2016, dados fornecidos pelas polícias civis e militares ao site VICE.[11]
4.1 PRECONCEITOS COM O POLICIAL E SEU REFLEXO NA SOCIEDADE
Quanto à sociedade, os problemas decorrentes do preconceito para com os policiais, sejam civis ou militares, são diversos, principalmente o de achar, que todo policial tem preconceito com negro, pobre e pessoas de periferia, mas aí voltemos lá atrás e veremos que o policial muitas vezes saiu da mesma comunidade que o condena, já que o salário de um policial não é nada atrativo, então é falácia dizer que policial tem preconceito com pobre.
Diante de uma sociedade com medo da polícia, o reflexo maior será o de aproximação de um poder paralelo ao do Estado. Com esse tipo de atitude perde o Estado e perde a sociedade, pois, o crime organizado tem ganhado espaço e apoio de pessoas que vivem em comunidade ao passar para elas a sensação de uma falsa segurança e apoio onde o Estado não atua.
Com uma polícia desacreditada e um poder paralelo dominando e muitas vezes coagindo os cidadãos, esse preconceito parece nunca ter fim.
4.2 COMO A FAMÍLIA DO POLICIAL É AFETADA COM DISCRIMINAÇÃO E FALTA DE APOIO
A família do policial é outra parte atora do preconceito para com a polícia. A profissão de policial hoje, é tida como um “pedido de pena de morte”, onde em alguns estados e cidades brasileiras, muitos não podem nem ao menos permitirem que vizinhos saibam qual profissão exercem, sob pena de perder sua vida ou pôr a de seus familiares em risco. [12]
Procurando por outra profissão, não foi encontrada nenhuma outra que o cidadão tenha de escondê-la, por conta do medo de ser morto ou pôr sua família em risco, isto demonstra o quanto é frágil ser um agente da segurança pública neste país, cuja denominação é Democrático de Direito.
Quando um policial, seja ele civil ou militar, é morto ou fica com sequelas permanentes, a caminhada para ter assistência é longa. Existem casos em que a família não conseguiu receber o seguro de vida, porque o Estado alega que o percurso do agente não era o de rotina quando morto ou ainda quando um fica inválido, as despesas que deveriam ser bancadas pelo Estado, são quase sempre pagas por colegas e amigos que se mobilizam e se comovem coma situação do agente e da família.[13]
4.3 AS ONGS DE DIREITOS HUMANOS, O ESTADO E SUAS ATUAÇÕES NOS CASOS QUE A VÍTIMA SEJA UM AGENTE DA SEGURANÇA PÚBLICA
O Estado, responsável pela defesa dos Direitos Fundamentais e Humanos previstos no artigo 5º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, muitas vezes é negligente com seus agentes. Diz a Constituição Federal:
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
O papel constitucional do Estado, em relação aos agentes da Segurança Pública tem sido falho. Em 2017 no Rio de Janeiro, conforme dados da ONG Rio de Paz foram executados cento e trinta e quatro policiais, o que quer dizer que a segurança pública está falhando com a sociedade e também com seus agentes.
Cabe aqui uma reflexão: O artigo 5º, caput e incisos seguintes com destaque nesse exemplo os incisos III e X, são praticamente os que mais têm sido violados ou simplesmente ignorados pelo Estado em relação a seus agentes. Não se dá atenção necessária para uma melhor proteção de seus policiais. A falta de segurança para os policiais é muita, pergunta-se: onde o Estado tem falhado?
Casos que podem ser encontrados descritos diariamente pelos jornais, TV e redes sociais dão-nos a visão de que em sua maioria, quando reconhecidos como policiais, esses agentes são executados imediatamente ou em muitos casos torturados e quase nunca os crimes que envolvem suas mortes sãoelucidados, assim como a maioria dos crimes hoje no país.
Numa ação legítima e dentro da legalidade jurídica, ou seja, dentro do estrito cumprimento do dever legal ou da legítima defesa, uma das funções do policial é agir coercitivamente ou até fatalmente, o que juridicamente lhe renderá muitos contratempos e dissabores.
Ao usar da força letal, o policial sofrerá antes de um julgamento nos tribunais, ataques por conta de agentes de ONGs de Direitos Humanos[14], que insistem que o policial primeiro deve ser alvejado para depois reagir, o que se sabe ser inviável, pois, criminoso não tem ética e atira para matar, mas também terá de constituir um advogado para sua defesa, responder processos em todas as esferas, perder muitas vezes seus direitos como licença prêmio ou promoção devido às sindicâncias derivadas dessas ocorrências.
E quando a vítima é o policial? Quem se manifesta? Quem luta para conseguir punir seu algoz? Quem lembra de que ele, antes de ser um representante do Estado, era antes de tudo, um ser humano, dotado de direitos e deveres tanto quanto qualquer outro cidadão, que neste país vive e que, portanto, tem direito à vida e à dignidade como pessoa humana que é?
Recentemente viu-se manifestação da ONG Rio de Paz [15] (Direitos Humanos), da cidade do Rio de Janeiro e a AMAPOL – Associação das Mães de Polícia[16] levantarem a bandeira de apoio àqueles que foram de alguma forma, vítimas da violência urbana e do Estado falho; esquecidos e virando apenas mais um número nas crescentes estatísticas de cada ano.
Portar uma carteira funcional policial é assinar um atestado de óbito!
5. A IMPORTÂNCIA DA POLÍCIA NA SOCIEDADE
A polícia é a guardiã das Leis Penais e alicerce da Justiça. Sem ela, não há ordem e nem respeito às regras para se viver em sociedade. Não existe democracia sem polícia!
Qualquer que seja o tipo de governo, a polícia está lá para apoiar e dar suporte ao chefe de Estado, preservar a ordem pública e proteger a sociedade. Podemos encontrar países que optaram por não ter Forças Armadas, mas nenhum que não tenha polícia.
A segurança pública como reza a Constituição Federal em seu artigo 144 caput, é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, não só apenas da polícia, por isso a sociedade precisa compreender que a instituição policial sozinha não tem como combater todos os crimes, nem estar em todo lugar ao mesmo tempo, já que temos nos estados, em sua maioria, um grande déficit de policiais por habitante.
Há que se lembrar de que nada adianta um policiamento ostensivo, se cada pessoa não tiver sua parcela de colaboração, atuando para sua segurança individual e ajudando a polícia através de meios, ainda que anônimos, como é o caso do Disque Denúncia (181), onde se pode realizar uma denúncia sem se identificar e que irá abrir uma investigação precedente para averiguar se a mesma procede.
São vários os aspectos onde a polícia precisa atuar, porém, não é possível muitas vezes a ação rápida, por depender de vários fatores que se tornam obstáculos para o sucesso de uma operação.
Exemplos desses obstáculos são: falta de aparelhamentos específicos, recursos humanos insuficientes, tecnologia falha (cite-se aqui exemplo das armas Taurus compradas pelo governo do Estado de São Paulo que apresentaram falhas diversas vezes, mas continua sendo objeto de licitação) conforme se pode confirmar nas reportagens mais diversas no meio eletrônico. [17] [18] [19] [20]
Muitas vezes a polícia se vê de mãos atadas, pois, para uma operação policial ocorrer de forma correta, sem acidentes e com a preservação dos Direitos Humanos, é necessário todo um procedimento, que são exaustivamente pensados e estudados para quando colocados em prática possam surtir o efeito esperado.
Nem sempre a sociedade vê com bons olhos uma blitz policial, por exemplo, mas não sabem, talvez por ignorância ou falta de conhecimento, o que uma operação dessas representa em questão de segurança para a sociedade.
O fato é que quando há uma operação de trânsito, seja ela onde for, a função do policial é descobrir irregularidades, verificar se a documentação do veículo e do motorista encontram-se dentro da Legislação de Trânsito (Código de Trânsito Brasileiro), recuperar veículos furtados ou roubados, capturar fugitivos, flagrar contrabandos, tráfico e até mesmo impedir um sequestro por exemplo. Portanto, em toda ação policial, há a garantia da lei atuando.
Não se pode generalizar uma corporação toda por causa de alguns, visto que na Segurança Pública, os bons profissionais ainda são a maioria e por isso deve-se apoiar quando existe uma ação para combater o tráfico de drogas e de pessoas, aliciação de crianças e mulheres para prostituição internacional ou mesmo interna. É dever de todos zelar pela segurança de nossa nação, sem distinção de cor, raça, sexo ou crença.
Antes do caos acontecer, lá estará a polícia; se o caos já se instalou, mas ainda pode ser controlado, lá estará a polícia, que também é um braço de apoio das Forças Armadas com a Polícia Militar quando a ordem estiver fora de controle.
5.1 O QUE O ESTADO TEM FEITO PARA CONTRIBUIR NA PROTEÇÃO DO POLICIAL ENQUANTO AGENTE DA SEGURANÇA PÚBLICA
O Estado tem tentado amenizar a situação caótica em que vive hoje a Segurança Pública e com isso tem adotado algumas políticas que até o momento não se tornaram totalmente eficazes, porém são atitudes consideradas positivas e que ao longo de alguns anos talvez, possa dar ao agente uma melhor condição de trabalho e vida.
Em 2013, o Governo de São Paulo sancionou a Lei nº 14.984/13[21] que dispõe sobre pagamento de indenização por morte ou invalidez e a contratação de seguro de vida em grupo para policiais, a crítica é a demora em os beneficiários receberem ou até mesmo terem de entrar na justiça para que tal benefício seja concedido.
Em 2014 foi promulgada a Lei nº 1.245/14[22] em São Paulo que estabeleceu bonificação por resultados aos policiais nas áreas que diminuíssem a criminalidade. O ponto negativo é que a lei não contempla a todos os policiais, ainda que lotados na mesma área onde a bonificação é paga, uns recebem e outros não, com isso se deduz que houve uma atitude infeliz e não reconhecida do Estado, gerando desmotivação ao policial que não recebe essa bonificação e visto que, ao invés disso poderia contemplar a todos ainda que os valores fossem menores.
No Rio de Janeiro em 11/12/2008 foi promulgada a Lei nº 5346/08[23] que dispõe sobre novo sistema de cotas nas vagas em universidades públicas estaduais, onde se incluiu como cotistas os filhos de policiais militares, civis e bombeiros mortos em serviço. A crítica veio de quem deveria incentivar, da diretora de Associação de Docentes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), [24] alegando que a lei veio de fora para dentro da instituição o que levou a alguns a concluírem a discriminação que se tem também com os familiares de policiais.
O Governo Federal com a sanção da Lei nº 13.142/15[25] alterou os artigos 121 e 129 do Código Penal e o artigo 1º da Lei 8.072/90 Lei dos Crimes Hediondos, ficando assim sendo considerado crime hediondo o homicídio contra os agentes da Segurança Pública, Força Nacional, Sistema Prisional e seus familiares consanguíneos até terceiro grau e cônjuges em função do exercício da profissão ou em decorrência dela.
O problema dessa lei é que mesmo três anos após sua promulgação, os números de ataques a essas pessoas só aumentam. Exemplo disso é o ano de 2017, com cento e trinta e quatro policiais mortos no Rio de Janeiro a dois anos da lei ter sido sancionada, o que mostra sua ineficiência como meio de proteção. Vale ressaltar que dificilmente a autoria do crime é descoberta, o que pode justificar a ineficácia da lei.
No Estado de São Paulo houve recentemente a promulgação da Lei nº 14.786/18[26]·, que determina que a Defensoria Pública dê assistência jurídica integral e gratuita aos policiais do Estado, uma decisão inédita, já que Defensoria e Polícia sempre estiveram em lados opostos.
Pode ser uma boa decisão, mas aí cabe a imparcialidadedo atendente da defensoria em ver o policial como cidadão, já que sua missão tem sido muitas vezes atender àqueles que são vítimas de policiais.
5.2 ATITUDES QUE PODERIAM SER TOMADAS PARA QUE O POLICIAL TIVESSE MELHOR CONDIÇÃO DE TRABALHO E SE SENTISSE UM VERDADEIRO CIDADÃO
As condições de trabalho muito influenciam no bom andamento do exercício da função. Por si só a função do agente da segurança pública é bastante estressante e está entre as piores profissões para se exercer.
A falta de aparelhagem necessária na realização de uma ocorrência ou perícia torna muito difícil manter um serviço de excelência, causando desmotivação ao agente e críticas por parte da sociedade.
Há que se ater ao quanto é desgastante a profissão em si e com isso dar condições para que ela se torne menos prejudicial à saúde do agente. Têm-se diversos estudos e vários relatos a respeito de doenças causadas pelo trabalho. Com isso caso o Estado deve observar a tempo a condição em que seu agente se encontra, com isso muitos problemas para ele e para o policial poderiam ser evitados.
Um bom plano de saúde e a exigência de check-ups periódicos poderiam diagnosticar com mais eficácia, por exemplo, doenças de diversos tipos aos quais todos os profissionais desta área estão suscetíveis, principalmente psicológicas e toxicômanas.
Incentivar o agente a realizar exercícios também seria uma boa alternativa. Algumas instituições como o Corpo de Bombeiros tem um melhor preparo físico com treinamentos rotineiros o que ajuda a eliminar o sedentarismo e dá uma condição física mais saudável.
Atividades que visem interação entre os policiais da instituição e suas famílias também são práticas bem vindas, já que sua profissão nem sempre lhes permite esse tipo de convivência.
Fiscalizar as corporações para que seus agentes sejam tratados com respeito pelos superiores e que sintam orgulho da profissão que exercem, evitando que isso seja o motivo da desordem na sua vida pessoal e profissional, afinal ser policial é uma honra e não uma vergonha.
Banir da corporação aqueles que estão desonrando a instituição e os colegas, evitando assim uma contaminação no sistema. Dentre outras, essas medidas seriam as principais, conforme pesquisado para este artigo.
6. CONCLUSÃO
Conclui-se após pesquisas e diversas leituras sobre o tema, que o Estado é o maior responsável pela não aplicação dos direitos humanos aos seus agentes de segurança pública, pois, a desvalorização da polícia deve-se principalmente a ele. Em um Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais devem ser garantidos a todos; a vida é o bem mais precioso tutelado pela Constituição Federal e nessa profissão, a vida é algo muito frágil, que é renunciado quando se toma posse e assume esse compromisso.
Não se devem abandonar aqueles que devem exercer sua profissão com motivação e dedicação, pois, um policial desmotivado não pode ser um bom guardião da ordem pública e da sociedade. Quando ele adoece, o Estado perde, a sociedade perde. Ninguém pode prestar um bom trabalho estando ele precisando de auxílio moral ou psicológico.
Deve-se incentivar o policial com melhores salários, planos de saúde ou pelo menos um atendimento médico e psicológico de boa qualidade, amparo jurídico quando se envolver em ocorrências complexas, bom treinamento, aparelhamentos eficientes e modernos, planos de carreira e valorização da profissão. Eliminar também os maus profissionais do meio é uma boa maneira de evitar contaminações ao quadro da corporação. Não se deve punir um todo por causa de uma minoria.
As corporações devem ter a serviço do policial, psicólogos ou terapeutas que acompanhem aquele profissional que está demonstrando saúde mental afetada, que haja acompanhamento por estes profissionais, visto que as ocorrências do dia-a-dia, quase sempre trágicas, fazem com que muitas vezes o seu psicológico e emocional fiquem abalados e nem sempre ele pedirá por socorro, o que tem mostrado o elevado número de suicídios dentro das polícias.
Os representantes das ONGs de Direitos Humanos, a exemplo da Rio de Paz, podem ser grandes aliados na garantia dos direitos fundamentais dos policiais. Onde o Estado se ausenta e se cala os Direitos Humanos através de seus voluntários, contribuem encaminhando o policial para atendimento psicológico, assistência social e jurídica e a seus familiares também com acompanhamento psicológico, jurídico, dando instruções quanto a seguros de vida, pensões pós mortem, assistência funeral e doações de cesta básica.
A sociedade passaria a valorizar mais a polícia se houvesse uma aproximação da população com programas sociais como, por exemplo, o PROERD, que ministra cursos para crianças sobre o combate às drogas e leva muita informação útil a elas. Atividades como doações de brinquedos em datas comemorativas como Dia das Crianças e Natal também tem sido rotina em muitas cidades do estado de São Paulo, mostrando o outro lado da polícia, que a população muitas vezes nem sabe que existe.
Conclui-se também que tanto as notícias disseminadas pela imprensa quase sempre contra a polícia e o preconceito da sociedade em geral, também são herança de um Estado opressor e autoritário, que faz com que as pessoas esqueçam que apesar de representar o Estado, o policial é um ser humano e como todo ser humano tem direito à dignidade da pessoa humana, direito de ir e vir, direito à liberdade, direito à proteção de sua família e de seu lar, direito à moradia, saúde, educação, lazer e principalmente à vida.
Diante de todo o trabalho exposto, reconhece-se a importância dos Direitos Humanos para a polícia, assim como a polícia para os Direitos Humanos, já que um não existe sem o outro, pois, a polícia existe hoje para proteger a sociedade e manter a ordem pública, fazendo valer os Direitos Humanos. Os Direitos Humanos existem para garantir que a polícia não abuse de seu poder violando direitos fundamentais das pessoas, incluindo aqui os próprios policiais, já que são pessoas humanas que representam o Estado e que muitas vezes são agredidas e até mortas por causa dele.
DIREITOS HUMANOS: COISA DE POLÍCIA
Treze reflexões sobre polícia e direitos humanos
 Durante muitos anos o tema “Direitos Humanos” foi considerado antagônico ao de Segurança Pública. Produto do autoritarismo vigente no país entre 1964 e 1984 e da manipulação, por ele, dos aparelhos policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu sociedade e  polícia, como se a última não fizesse parte da primeira.
Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos progressistas da sociedade, de forma equivocadamente conceitual, como necessariamente afeta à repressão anti-democrática, à truculência, ao conservadorismo. “Direitos Humanos” como militância, na outra ponta, passaram a ser vistos como ideologicamente filiados à esquerda, durante toda a vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do “socialismo real”, eram vistos como uma arma retórica e organizacional do capitalismo). No Brasil, em momento posterior da história, à partir da rearticulação democrática, agregou-se a seus ativistas a pecha de “defensores de bandidos” e da impunidade.
Evidentemente, ambas visões estão fortemente equivocadas e prejudicadas pelo preconceito.
Estamos há mais de um década construindo uma nova democracia e essa paralisia de paradigmas das “partes” (uma vez que assim ainda são vistas e assim se consideram), representa um forte impedimento à parceria para a edificação de uma sociedade mais civilizada.
Aproximar a policia das ONGs que atuam com Di-reitos Humanos, e vice-versa, é tarefa impostergável para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire “cultura de cidadania”. Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo dos Direitos Humanos, desarmemos as “minas ideológicas” das quais nos cercamos, em um primeiro momento, justificável , para nos defendermos da polícia, e que agora nos impedem de aproximar-nos. O mesmo vale para a polícia.
Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da mesmademocracia.
Nesse contexto, à partir de quase uma década de parceria no campo da educação para os direitos humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que gostaria de tecer as singelas treze considerações a seguir:
CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA
 1ª - O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se, assim, a todos os  membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria,  aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de paranóia, seqüelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial.
 
 
POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO
 2ª - O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: representa o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. Além disso, porta a singular permissão para o uso da força e das armas, no âmbito da lei, o que lhe confere natural e destacada autoridade para a construção social ou para sua devastação. O impacto sobre a vida de indivíduos e comunidades, exercido por esse cidadão qualificado é, pois, sempre um impacto extremado e simbolicamente referencial para o bem ou para o mal-estar da sociedade.
 POLICIAL: PEDAGOGO DA CIDADANIA
 3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões de suporte público, antecede as próprias especificidades  de sua especialidade.
Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado unicamente aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com primazia no rol pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo.
O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e legitimo educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função policial, quando conscientemente explicitada através de comportamentos e atitudes.
 
 
A IMPORTÂNCIA DA AUTO-ESTIMA  PESSOAL E INSTITUCIONAL
4ª - O reconhecimento dessa “dimensão pedagógica” é, seguramente, o caminho mais rápido e eficaz para a reconquista da abalada auto-estima policial. Note-se que os vínculos de respeito e solidariedade só podem constituir-se sobre uma boa base de auto-estima. A experiência primária do “querer-se bem” é fundamental para possibilitar o conhecimento de como chegar a “querer bem o outro”. Não podemos viver para fora o que não vivemos para dentro.
Em nível pessoal, é fundamental que o cidadão policial sinta-se motivado e orgulhoso de sua profissão. Isso só é alcançável à partir de um patamar de “sentido existen-cial”. Se a função policial for esvaziada desse sentido, transformando o homem e a mulher que a exercem em meros cumpridores de ordens sem um significado pessoalmente assumido como ideário, o resultado será uma auto-imagem denegrida e uma baixa auto-estima.
Resgatar, pois, o pedagogo que há em cada policial, é permitir a ressignificação da importância social da polícia, com a conseqüente consciência da nobreza e da dignidade dessa missão.
A elevação dos padrões de auto-estima pode ser o caminho mais seguro para uma boa prestação de serviços.
Só respeita o outro aquele que se dá respeito a si mesmo.
POLÍCIA E ‘SUPEREGO’  SOCIAL
 5ª - Essa “dimensão pedagógica”, evidentemente, não se confunde com “dimensão demagógica” e, portanto, não exime a polícia de sua função técnica de intervir preventivamente no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma vez que democracia nenhuma se sustenta sem a contenção do crime, sempre fundado sobre uma moralidade mal constituída  e hedonista, resultante de uma com-plexidade causal que vai do social ao psicológico.
Assim como nas famílias é preciso, em “ocasiões extremas”, que o adulto sustente, sem vacilar, limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens, também em nível macro é necessário que alguma instituição se encarregue da contenção da sociopatia.
A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que estaríamos expostos na absurda hipótese de sua inexistência. Possivelmente por isso não se conheça nenhuma sociedade contemporânea que não tenha assentamento, entre outros, no poder da polícia. Zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, pelo direito do cidadão de ir e vir, de não ser molestado, de não ser saqueado, de ter respeitada sua integridade física e moral, é dever da polícia, um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem ser garantidos à imensa maioria de cidadãos hones-tos e trabalhadores.
Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da força, quando necessário.
RIGOR versus VIOLÊNCIA
 6ª - O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com truculência.
  A fronteira entre a força e a violência é delimi-tada, no campo formal, pela lei, no campo racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve reger a metodologia de policiais e criminosos.
METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS
7ª - Dessa forma, mesmo ao reprimir, o policial oferece uma visualização pedagógica, ao antagonizar-se aos procedimentos do crime.
Em termos de inconsciente coletivo, o policial exerce função educativa arquetípica: deve ser “o mocinho”, com procedimentos e atitudes coerentes com a “firmeza moralmente reta”, oposta radicalmente aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe contrapõe: o bandido.
Ao olhar para uns e outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as diferenças metodológicas ou a “confusão arquetípica” intensificará sua crise de moralidade, incrementando a ciranda da violência. Isso significa que a violência policial é geradora de mais violência da qual, mui comumente, o próprio policial torna-se a vítima.
Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-sociais, hediondo com os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a sociedade para fazer o mesmo, à partir de seu patamar de visibilidade moral. Não se ensina a respeitar desrespeitando, não se pode educar para preservar a vida matando, não importa quem seja. O policial jamais pode esquecer que também o observa o inconsciente coletivo.
 
A ‘VISIBILIDADE MORAL’ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO EXEMPLO
 8ª - Essa dimensão “testemunhal”, exemplar, peda-gógica, que o policial carrega irrecusavelmente é, possivel-mente, mais marcante na vida da população do que a pró-pria intervenção do educador por ofício, o professor.
Esse fenômeno ocorre devido à gravidade do mo-mento em que normalmente o policial encontra o cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade emocional, que deixam os indivíduos ou a comunidade fortemente “abertos” ao impacto psicológico e moral da ação realizada.
Por essa razão é que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por anos ou até pela vida inteira, assim como a ação do “bom policial” será sempre lembrada com satisfação e conforto.
Curiosamente, um significativo número de policiais não consegue

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