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Brasília - DF. Educação e tecnologia Autores Carly MACHADO Fabio MAIA Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ..................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Aula 1 Tecnologia e sociedade .............................................................................................................................................. 7 Aula 2 Educação na sociedade da informação ...............................................................................................................24 Aula 3 Mídia impressa e Educação ...................................................................................................................................40 Aula O uso dos recursos audiovisuais na Educação ................................................................................................54 Aula 5 Uso dos recursos digitais na Educação ...............................................................................................................69 Aula 6 Educação a distância ................................................................................................................................................89 Referências .......................................................................................................................................................................108 4 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. 5 ORgAnIzAçãO dO CAdERnO dE ESTUdOS E PESqUISA Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução Atualmente, muitas novidades surgem no cenário educacional apontando para a relação entre educação e tecnologia: educação online, e-learning, teleconferências, diferentes inovações tecnológicas invadem os ambientes educacionais propondo novos contextos de aprendizagem dentro e fora das instituições educacionais tradicionais. No entanto, a relação entre educação e inovações tecnológicas não é uma novidade: o rádio, a TV, o cinema, os computadores pessoais, todos provocaram impactos na sociedade e nas práticas educativas. É nesse sentido que orientamos esta disciplina: neste curso, estudaremos a influência das tecnologias em nossa vida social e cultural e, em especial, na Educação. Falaremos sobre o papel das diferentes tecnologias no processo educativo (impresso, audiovisuais, informática e internet). Discutiremos o texto, a imagem, a multimídia, a informática, as redes de computadores e seus impactos na construção de conhecimento orientada pela escola. Analisaremos, ainda, a abertura de novos espaços de aprendizagem como o cenário contemporâneo da Educação a Distância. Orientando todo esse trabalho, refletiremos juntos sobre o papel do professor nesse contexto educacional e as novas competências profissionais que ele deve desenvolver. Espero que você goste deste estudo e se envolva com os temas que discutiremos no curso. Objetivos Este caderno de estudos tem como objetivos: » refletir criticamente sobre o papel da técnica na sociedade e a relação entre os seres humanos e as máquinas; » analisar o papel da educação na sociedade da informação e as potencialidades das novas tecnologias da informação e da comunicação no processo educativo neste contexto social informacional; » discutir sobre a importância do material impresso, dos recursos audiovisuais, dos recursos computacionais e digitais no contexto educacional e suas diferentes possibilidades de uso nas práticas pedagógicas; » refletir sobre a história da EAD, o perfil de cada uma de suas gerações, a influência desta história na atualidade da EAD e suas possibilidades educativas; » conceituar o Design Instrucional e analisar sua importância para o planejamento educativo. 7 Apresentação O que será que vem à nossa cabeça quando falamos de “tecnologia”? O propósito desta aula é definir com precisão o campo de estudos que estamos iniciando na disciplina Educação e Tecnologia, a partir de uma análise cuidadosa dos conceitos de “técnica” e “tecnologia”, e a relação destas ideias com as discussões básicas da vida social e cultural de todas as épocas. Procuraremos, também, apresentar um histórico das Tecnologias de Informação e Comunicação, indicando aquelas que são cruciais para o campo da educação, sempre lembrando que o “presente” está diretamente articulado a mudanças técnicas que se deram ao longo do tempo. Por fim, analisaremos a relação entre seres humanos e máquinas, discutindo sobre seu potencial e também seus limites e perigos. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: » refletir sobre o papel da técnica na cultura humana; » discutir o lugar dos objetos na técnica; » analisar cuidadosamente a função da tecnologia no aprimoramento das ações técnicas; » apresentar um histórico das inovações tecnológicas no campo da informação e da comunicação; » refletir criticamente acerca da relação seres humanos e máquinas; » comparar as perspectivas “utópicas” e “catastróficas” sobre a articulação entre pessoas e tecnologias. 1AulATECnOlOgIA E SOCIEdAdE 8 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE Cultura, Técnica e Tecnologia Quando falamos em tecnologia, usualmente, nossa imaginação remete-nos diretamente a um mundo de máquinas, em geral de aspecto futurista. Costumamos afirmar que o momento atual (início de século XXI) é um período da história marcado predominantementepor inovações tecnológicas. No entanto, para iniciarmos este estudo sobre as relações entre Tecnologia e Sociedade (visando à análise posterior mais específica da relação entre Tecnologia e Educação), precisamos entender melhor o que há de “novo” no campo das inovações tecnológicas e o que de “antigo” se faz também presente nesta discussão. Mas será que há tecnologia no passado? A vida humana sempre foi marcada por inovações técnicas e tecnológicas. Este é o primeiro ponto que gostaríamos de deixar claro para você nesta aula. A cultura humana, em qualquer tempo ou lugar, é caracterizada por um conjunto de elementos abstratos, o qual vamos chamar de simbólicos, e também por elementos concretos, materiais. No campo abstrato, identificamos um grupo cultural humano por sua língua, por exemplo. A língua é um elemento simbólico da cultura. Outro aspecto imaterial da cultura são as relações de parentesco. Os antropólogos se interessaram muito pelas diferenças nas relações de parentesco em diferentes grupos culturais, pois a formação das famílias e as relações entre seus membros na sociedade eram reveladoras de aspectos muito relevantes dessas culturas. Ainda no que diz respeito aos elementos simbólicos das culturas, percebemos que diferentes sociedades são caracterizadas, também, por diferentes religiões. Crenças são elementos imateriais da cultura. Por fim, como último exemplo, podemos falar ainda dos “valores” da cultura. Cada grupo cultural possui um código de valores próprio, a partir do qual avalia, julga, decide, faz escolhas e assim configura as relações humanas dentro de sua sociedade. Mas podemos dizer que esses aspectos “imateriais” da cultura são completamente abstratos? Se analisarmos mais de perto, percebemos que o simbolismo que caracteriza tais aspectos “abstratos” da cultura envolve também objetos concretos. As relações de parentesco, por exemplo, geralmente se estabelecem pela troca de presentes, como no caso dos casamentos até hoje. Os “bens” das famílias compõem sua estrutura. As famílias, em geral, são caracterizadas por objetos concretos, como sua casa e outros objetos que contam sua memória – livros, fotos, relógios, joias. Muitas vezes, a hierarquia entre os membros de uma família é revelada pela posse de um determinado objeto: “o irmão mais velho vai ficar com o relógio de parede”, por exemplo. Sugestão de estudo Para pensar mais sobre as culturas humanas, leia: LARAIA, R. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2005. 9 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 Dicas de leitura Joias de Família, de Zulmira Ribeiro Tavares. Ed. Companhia das Letras. Em Joias de Família (1990), a escritora Zulmira Ribeiro Tavares toma como metáfora da construção da tradição familiar a história arquitetada por um juiz em torno de um anel de rubi dado de presente de noivado à sua futura esposa. O referido anel passa a emblematizar o futuro núcleo familiar que ora começa a se formar. A família Munhoz passa a se identificar na joia e a ser identificada socialmente por ela. Vemos, portanto, que as tradições (principalmente as tradições familiares) são construções que garantem a continuidade do grupo. Continuidade essa possibilitada pela memória e seus objetos. No caso do romance em questão, esses objetos são corporificados, essencialmente, no rubi e em um cisne de Murano, ostentados pela família desde seu princípio. Em suma: as tradições são como as joias de família, que passam de geração a geração, cercadas de histórias. O mesmo podemos falar acerca das religiões: o sistema simbólico sagrado das religiões é marcado por objetos concretos: os textos sagrados, como a Bíblia e o Alcorão, por exemplo. Esses objetos são tratados de forma diferente e são, inclusive, imbuídos de certo “poder”, como na imagem da Bíblia aberta na sala como símbolo de proteção da casa. Os rituais religiosos são, também, marcados por objetos concretos: a cruz, a água benta, as oferendas, os animais, entre outros. Podemos concluir, portanto, que a cultura é um conjunto complexo de elementos abstratos e concretos que, juntos, compõem a totalidade de significados expressos em cada sociedade. No cotidiano da cultura, esses elementos abstratos e concretos são operacionalizados a fim de alcançar os resultados desejados pelos indivíduos, ou seja, a partir de suas intenções e suas necessidades, os indivíduos desenvolvem práticas sistemáticas para alcançar seus objetivos. Vamos analisar a necessidade de alimentação, por exemplo. A sociedade, para alimentar seus indivíduos e grupos, aprimorou gradativamente suas práticas voltadas para esse objetivo. A caça, a pesca, a agricultura e a pecuária mudaram muito ao longo da história do ser humano, não é verdade? A forma de caçar, por exemplo, transformou-se gradativamente e diversas estratégias foram criadas para tornar essa ação mais eficiente. Além de comportamentos diferentes, foram criados instrumentos inovadores para facilitar a caça e ampliar seu potencial. O arco e a flecha, as lanças e até as armas foram ferramentas muito importantes no desenvolvimento da caça. O mesmo poderíamos dizer sobre a pesca, a agricultura e a pecuária. Para cada uma delas, foram desenvolvidas estratégias de ação e também ferramentas (até a criação das máquinas) que aumentaram a eficiência e a eficácia de tais práticas. A caça, a pesca, a agricultura e a pecuária são exemplos de técnicas que compõem o cotidiano da cultura. Podemos agora, portanto, definir a ideia de Técnica (é o procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter determinado resultado, seja no campo da Ciência, da Tecnologia, das Artes ou em outra atividade). No ser humano, a técnica surge de sua relação com o meio e se caracteriza por ser consciente, reflexiva e inventiva, tendo como 10 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE objetivo central a transformação de uma dada realidade. A palavra técnica se origina do grego techné cuja tradução é arte. A técnica diz respeito ao “modo de fazer”, e o modo de fazer as coisas envolve procedimentos, métodos e objetos. Vamos pensar na culinária: a culinária é uma técnica, e cada grupo cultural utiliza procedimentos, ingredientes e objetos diferentes para alcançar seu resultado final. A dança é uma técnica corporal e também varia muito entre os diferentes grupos culturais. Educar é uma técnica, sendo também marcada por diferenças na história e nas diversas culturas. As técnicas, portanto, envolvem objetos, mas não se resumem aos objetos. Elas dizem respeito ao modo de fazer, aos métodos e procedimentos envolvidos nas ações. No entanto, como já foi possível perceber, as técnicas podem sempre ser aprimoradas por novos elementos. É aí que entra a Tecnologia. A palavra Tecnologia vem do grego τεχνη — “ofício” — e λογια — “estudo”, ou seja, é o estudo dos ofícios, das práticas, procurando aprimorá-las. Para aprimorar as práticas, esses estudos da “lógica do ofício”, ou seja, tecnológicos, podem desenvolver novas técnicas (novos modos de fazer) e/ou novas ferramentas e instrumentos (meios de fazer). Sendo assim, a Tecnologia é o campo de criação de formas e meios de aprimorar as técnicas humanas e ampliar a capacidade da sociedade de alcançar seus objetivos. Dependendo do contexto, a tecnologia pode ser1: 1. as ferramentas e as máquinas que ajudam a resolver problemas; 2. técnicas, conhecimentos, métodos, materiais, ferramentas e processos usados para resolver problemas ou ao menos facilitar a solução destes; 3. método ou processo de construção e trabalho (tal como a tecnologia de manufatura, a tecnologia de infraestrutura ou a tecnologia espacial); 4. aplicação de recursos para a resolução de problemas; 5. o termo tecnologia também pode ser usado para descrever o nível de conhecimento científico, matemático e técnico de determinada cultura; 6. naeconomia, a tecnologia é o estado atual de nosso conhecimento de como combinar recursos para produzir produtos desejados (e nosso conhecimento do que pode ser produzido). Isso posto, é possível concluir que as inovações tecnológicas não dizem respeito apenas à criação de máquinas, mas também à criação de modos de realizar as ações humanas de maneira mais eficiente e alcançando resultados mais eficazes. 1 <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnologia.html>. Data do acesso: 15/06/2008. 11 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 Tecnologias de Informação e Comunicação Como o foco específico deste nosso estudo é a relação entre tecnologia e educação, analisaremos um pouco mais de perto as inovações tecnológicas no campo de maior impacto no processo educativo: as tecnologias de informação e de comunicação. Os modos de armazenar informações e os meios de comunicação sempre fizeram parte de nossa história como técnicas importantes para a cultura humana. Os indivíduos sempre procuraram modos de registrar dados, desde as pinturas nas cavernas, o desenvolvimento da escrita, os pergaminhos e a tradição da história oral, contada de geração a geração para ser preservada. Os grupos culturais, também, sempre desenvolveram formas de comunicação, como no caso dos mensageiros humanos que levavam informações de um lugar a outro, as cartas, entre outras estratégias. O registro das informações visa a preservar o conteúdo próprio de uma cultura, e os modos de comunicação têm por foco a disseminação das informações entre indivíduos de uma mesma cultura, ou mesmo a possibilitar a troca de informações entre diferentes grupos culturais. Em termos gerais, podemos afirmar que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) têm por foco a coleta, a organização, a sistematização, o registro e a distribuição das informações. Hoje, falar nessas tecnologias remete diretamente ao computador e à internet, mas podemos começar analisando diferentes inovações no campo da informação que têm uma origem bem mais remota. A imprensa, criação de Johannes Gutenberg, foi uma das maiores revoluções tecnológicas na história da humanidade. A possibilidade de registrar e reproduzir documentos impressos conferiu um grau de durabilidade e um potencial de disseminação da informação até então impossível. Com a tecnologia do impresso, revolucionou- se o campo da informação. A possibilidade de registrar e reproduzir textos em grande escala fez com que a informação ganhasse durabilidade – ao ser gravada e poder ser reproduzida – e também acessibilidade – em função do número de cópias de um mesmo original que pode ser distribuído. A tecnologia do impresso originou, assim, diversos representantes, desde o livro ao jornal. Sabemos, por um lado, que as necessidades culturais exigem transformações tecnológicas. Johannes gutenberg Sugestão de estudo Sobre a transformação social e política produzida pelos livros e o acesso a eles, veja o filme O NOME DA ROSA. SINOPSE: Estranhas mortes começam a ocorrer em um mosteiro beneditino localizado na Itália durante a baixa Idade Média, onde as vítimas aparecem sempre com os dedos e a língua roxos. O mosteiro guarda uma imensa biblioteca, na qual poucos monges têm acesso às publicações sacras e profanas. A chegada de um monge franciscano (Sean Connery), incumbido de investigar os casos, mostrará o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribunal da santa inquisição. 12 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE Mas vale acentuar também que as inovações tecnológicas, na outra direção, provocam mudanças na cultura. A imprensa, por exemplo, transformou hábitos, criou novos elementos na sociedade e exigiu novas decisões políticas. No campo dos hábitos, a disponibilidade de textos impressos mexeu na cultura sugerindo a habilidade de ler como fundamental a todo cidadão. Antes, quando os livros eram raros e para poucos, ler também era uma competência rara e para poucos. À medida que a imprensa cresceu e iniciou a popularização do impresso, ler passou a ser uma via de acesso à informação que poderia ser exercida por todos, e não só por alguns. Essa mudança na sociedade não foi simples. “Acesso à informação” sempre implicou revoluções de hábitos, mas também transformações políticas. Assim, a tecnologia do impresso mexeu na cultura ampliando o poder pelo saber. A circulação de jornais nas cidades criava uma rede de informações jamais imaginada, e com ela a possibilidade de saber sobre diferentes assuntos, discutir sobre eles e formar opiniões. Criou-se, ainda, uma outra estrutura econômica: surgiram os donos de jornais, as editoras de livros, e também profissionais especializados nesses trabalhos. A regulação da profissão de jornalista, por exemplo, por muito tempo foi habilitada aos que tinham experiência na área, e não apenas àqueles com nível superior, afinal a formação superior em jornalismo surgiu exatamente para atender a uma demanda prática já existente e exercida por diversas pessoas que aprenderam na prática o ofício de jornalista. Com o exemplo da imprensa, podemos perceber que, por um lado, as inovações tecnológicas atendem às necessidades sociais, mas, por outro, transformam a própria sociedade em que elas surgem. Se a imprensa foi revolucionária, também o telégrafo no século XIX é uma inovação que não pode ser esquecida. A possibilidade de transmitir informações a longas distâncias transformou a sociedade e abriu possibilidades nunca antes imaginadas. Com efeito, a comunicação entre as pessoas sempre foi uma necessidade, mas a comunicação a distância apresentou problemas durante muito tempo2. Na Antiguidade, utilizavam-se métodos naturais, como acender fogueiras no cimo dos montes, para comunicar a distância. É também muito conhecida a utilização de um código de fumos pelos índios americanos, com a mesma finalidade de transmitir mensagens. Outros processos usados durante muito tempo utilizavam animais, como as carruagens a cavalo ou os cavaleiros, assim como navios e mais tarde o comboio. Outro processo visual foi desenvolvido nos princípios da década de 1790 pelo engenheiro francês Claude Chappe, que inventou a palavra telégrafo (do grego, “escrever a distância”. Tele – distância – e grafia – escrita). Consistia em transmitir letras, palavras e frases por meio de um 2 Disponível em: <http://br.geocities.com/jcc5001pt/museutelegrafo.htm>. Acesso em: 15 jun. 2017. 13 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 código visualizado a partir de três réguas de madeira articuladas colocadas na parte alta de um poste ou edifício Esses processos óticos de comunicação estavam obviamente dependentes das condições naturais de visibilidade. Só os processos elétricos vieram impulsionar de forma ímpar a velocidade e o alcance da transmissão de mensagens a distância. Um dos pioneiros foi o médico espanhol Francisco Salvá, de Barcelona. Em 1795, transmitiu mensagens por meio da descarga de um condensador. Depois de diferentes desenvolvimentos ao redor do mundo, realizados por vários inventores, foi nos Estados Unidos que o pintor Samuel Morse inventou um sistema mais prático, com um interruptor, um eletroímã e apenas um fio. Em 1838, Morse registrou uma patente com a descrição do seu telégrafo. Visto usar apenas um fio, foi necessário utilizar um código para cada letra constituído por pontos, traços e espaços. Os pontos correspondiam a uma ação breve sobre o eletroímã, o traço a uma ação mais longa e o espaço a uma pausa. Assim era a base do código Morse. Esse sistema de Morse permitiu um grande desenvolvimento do telégrafo. Em 1852, já havia 64.000 quilômetros de linhas telegráficas no mundo. A tecnologia de comunicação a distância, por via elétrica, através do telégrafo, é precursora dos demais desenvolvimentos tecnológicos marcantes no campo da comunicaçãocomo o telefone e a televisão. Percebe-se na história uma sequência gradativa do potencial da comunicação a distância: primeiro transmite-se o texto, depois o som e, por fim, a imagem. Vamos conhecer um pouco da história dessas tecnologias, continuando nossa trajetória, começamos com a imprensa e o telégrafo, agora é a vez do telefone. Inventado por volta de 1860, o telefone é um dispositivo de telecomunicações desenhado para transmitir sons por meio de sinais elétricos. É definido como um aparelho eletroacústico que permite a transformação, no ponto transmissor, de energia acústica em energia elétrica e, no ponto receptor, teremos a transformação da energia elétrica em acústica, permitindo, dessa forma, Saiba mais :: Energia elétrica: Uma forma de energia baseada na geração de diferenças de potencial elétrico entre dois pontos, que permitem estabelecer uma corrente elétrica entre ambos. Mediante a transformação adequada, é possível obter que tal energia mostre-se em outras formas finais de uso direto, em forma de luz, movimento ou calor, segundo os elementos da conservação da energia. É uma das formas de energia que o homem mais utiliza na atualidade, graças a sua facilidade de transporte, baixo índice de perda energética durante conversões. Saiba mais A invenção do telefone Oficialmente, Alexander Graham Bell é conhecido como inventor do telefone, mas permanece uma polêmica em torno desse acontecimento, já que muitos consideram Antonio Meucci, e não Graham Bell, o responsável por essa inovação. 14 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE a troca de informações entre dois ou mais assinantes. Para haver êxito nessa comunicação, os aparelhos necessitam estar ligados a vários equipamentos, que formam uma central telefônica3. A rede de comunicação criada por intermédio do telefone ampliou de maneira significativa o contato imediato entre pessoas em diferentes localizações geográficas. Ainda refletindo sobre a transmissão do som a distância, vamos ver um pouco da história do rádio. Consideram alguns que a primeira transmissão radiofônica do mundo foi realizada em 1906, nos EUA, por Lee de Forest, experimentalmente para testar a válvula tríodo. No Brasil, a primeira transmissão foi realizada no centenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1922, em que o presidente Epitácio Pessoa, acompanhado pelos reis da Bélgica, Alberto I e Isabel, abriu a Exposição do Centenário no Rio de Janeiro. O discurso de abertura de Epitácio Pessoa foi transmitido para receptores instalados em Niterói, Petrópolis e São Paulo. Era o começo da primeira estação de rádio do Brasil: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Fundada por Roquette-Pinto, a emissora foi doada ao governo em 1936 e existe até hoje, mas com o nome de RÁDIO MEC. O rádio inaugurou a difusão em massa do som. Radiodifusão é a transmissão de ondas de radiofrequência que, por sua vez, são moduladas e se propagam eletromagneticamente através do espaço. É um meio de comunicação ao qual a maioria da população tem acesso como ouvinte. O receptor de rádio, por se tratar de um instrumento de baixo custo, pequeno porte e programações diversificadas, exerce maior incidência na vida diária das pessoas, tanto em zonas urbanas quanto em rurais. Ele é rico em sugestão e sua capacidade de provocar a criação de imagens mentais, estabelecer laços afetivos e suscitar uma cálida sensação de intimidade com o ouvinte que recebe a mensagem em sua solidão facilita a adesão, a identificação afetiva – mais que intelectual – ao rádio. Até hoje, essa é a tecnologia de maior penetração no Brasil, sendo seguida pela televisão. A televisão é um sistema eletrônico de recepção de imagens e som de forma instantânea. Funciona a partir da análise e conversão da luz e do som em ondas eletromagnéticas e de sua reconversão em um aparelho - o televisor - que recebe também o mesmo nome do sistema ou pode ainda 3 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Telefone>. Acesso em: 15 jun. 2017. Saiba mais Os principais fins da rádio fundada por Roquette-Pinto eram sociais e científicos. Antropólogo, médico e educador, o fundador da rádio também foi o primeiro locutor e criou o seguinte tema para a emissora: “Pela cultura dos que vivem em nossa terra. Pelo progresso do Brasil”. Estimava-se que 70% das pessoas no Brasil eram analfabetas, a proposta da rádio era atingir a população com mensagens educativas. Saiba mais O primeiro computador eletromecânico foi construído por Konrad Zuse. Em 1936, esse engenheiro alemão construiu, a partir de relês que executavam os cálculos e dados lidos em fitas perfuradas, o Z1. Zuse tentou vender o computador ao governo alemão, que desprezou a oferta, já que não poderia auxiliar no esforço de guerra. Os projetos de Zuse ficariam parados durante a guerra, dando a chance aos americanos de desenvolver seus computadores. 15 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 ser chamado de aparelho de TV. O televisor ou aparelho de TV capta as ondas eletromagnéticas e, mediante seus componentes internos, converte-as novamente em imagem e som. A televisão surgiu na década de 20, e a TV em cores data da década de 504. A última grande revolução no cenário das tecnologias da informação foi, sem dúvida, a criação do computador e, posteriormente, a rede mundial de computadores, a internet. Denomina-se computador uma máquina capaz de variados tipos de tratamento automático de informações ou processamento de dados5. Um computador pode prover-se de inúmeros atributos, entre eles, armazenamento de dados, processamento de dados, cálculo em grande escala, desenho industrial, tratamento de imagens gráficas, realidade virtual, entretenimento e cultura. Foi na 2ª Guerra Mundial que realmente nasceram os computadores atuais. A Marinha americana, em conjunto com a Universidade de Harvard, desenvolveu o computador Harvard Mark I, projetado pelo professor Howard Aiken. O Mark I ocupava 120 m³ aproximadamente, conseguindo multiplicar dois números de dez dígitos em três segundos. Simultaneamente, e em segredo, o Exército Americano desenvolvia um projeto semelhante, cujo resultado foi o primeiro computador a válvulas, o Eletronic Numeric Integrator And Calculator (ENIAC), capaz de fazer quinhentas multiplicações por segundo. Tendo sido projetado para calcular trajetórias balísticas, o ENIAC foi mantido em segredo pelo governo americano até o final da guerra, quando foi anunciado ao mundo. Percebemos, na história do computador, a presença explícita de interesses militares. Toda inovação tecnológica atende a interesses políticos e econômicos. No campo da informação e da comunicação, muitos desenvolvimentos foram feitos no cenário das instituições militares com o objetivo de armazenar e controlar a informação, visando à segurança nacional. Não foi diferente no caso da Internet. :: Guerra Fria A Guerra Fria foi a designação atribuída ao conflito político-ideológico entre os Estados Unidos (EUA), defensores do capitalismo, e a União Soviética (URSS), defensora do socialismo, compreendendo o período entre o final da 2ª Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991). É chamada “fria” porque não houve qualquer combate físico, embora o mundo todo temesse a vinda de um novo conflito mundial, e por se tratar de duas superpotências com grande arsenal de armas nucleares. Norte-americanos e soviéticos travaram uma luta ideológica, política e econômica durante esse período. Se um governo socialista fosse implantado em algum país do Terceiro Mundo, o governo norte-americano via aí logo uma ameaça aos seus interesses; se um movimento popular combatesse um governo aliado aos EUA, logo receberia apoio soviético. 4 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Televisao>. Acesso em: 15 jun. 2017. 5 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Computador>.Acesso em: 15 jun. 2017. 16 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE A Internet surgiu por vias militares nos períodos áureos da Guerra Fria6. Na década de 60, quando dois blocos antagônicos política, social e economicamente exerciam enorme controle e influência no mundo, qualquer mecanismo, qualquer inovação, qualquer ferramenta nova poderia contribuir nessa disputa liderada pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Nessa perspectiva, o governo dos Estados Unidos temia um ataque às suas bases militares pela URSS. Acontece que, em caso de um ataque (deve-se levar em consideração o clima de tensão que permeia a década de 60), informações importantes e sigilosas poderiam ser perdidas, não oferecendo aos EUA condições de resistência e reação. Então, foi idealizado um modelo de troca e compartilhamento de informações que permitisse a descentralização destas. Assim, se o Pentágono fosse atingido, as informações armazenadas ali não estariam perdidas. Era preciso, portanto, criar uma rede, a ARPANET, desenvolvida pela ARPA, sigla para Advanced Research Projects Agency, e foi assim que se desenrolaram as primeiras estratégias de tráfego de informações entre diferentes localidades por meio de uma rede de computadores. Na década de 80, o interesse pela rede se ampliou e mais pesquisas foram realizadas. Em 1989, a contribuição do cientista Sir Tim Berners-Lee do CERN, Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares), muda definitivamente a face da Internet, até então uma rede fechada e com uma interface bastante diferente da que conhecemos hoje. Tim Berners-Lee foi o responsável pela criação da World Wide Web, um sistema que inicialmente interligava sistemas de pesquisas científicas e acadêmicas, conectando universidades. A rede coletiva ganhou maior divulgação pública a partir de 1990. Com o computador e a internet, a transmissão de texto, som e imagens finalmente foi integrada. A essa combinação chamamos de multimídia. Define-se multimídia a combinação, controlada por computador, de pelo menos um tipo de mídia estática (texto, fotografia, gráfico), com pelo menos um tipo de mídia dinâmica (vídeo, áudio, animação). Quando se afirma que a apresentação ou recuperação da informação se faz de maneira multissensorial, quer-se dizer que mais de um sentido humano está envolvido no processo, fato que pode exigir a utilização de meios de comunicação que, até há pouco tempo, raramente eram empregados de maneira coordenada. Seres humanos e máquinas: imagens do presente e do futuro Ao longo desta disciplina, teremos várias oportunidades de analisar cada uma das tecnologias de informação e comunicação (TICs) sucintamente apresentadas no tópico anterior. No entanto, a intenção desta aula é discutir a relação entre essas tecnologias e a vida em sociedade. 6 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Historia_da_Internet>. Acesso em: 15 jun. 2017. 17 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 As TICs fazem parte do cotidiano das pessoas. Quase todos os brasileiros usam livros, jornais, telefones e televisão em seu dia a dia, e um número significativo de pessoas faz uso do computador, seja em instituições públicas, de negócios e comércios ou em suas casas. Além das TICs (foco deste estudo), diversas outras tecnologias acompanham a vida de um indivíduo em sociedade: as evoluções tecnológicas no campo da saúde, por exemplo, têm exercido grande impacto em nossa cultura. Esse cenário da Biotecnologia é responsável por aprimoramento de medicamentos, criação de intervenções na cura de doenças e desenvolvimento de técnicas inovadoras no campo da vida e da morte, tais como as estratégias de reprodução assistida e as pesquisas sobre a clonagem. No entanto, o desenvolvimento tecnológico tem consequências éticas para a vida social. As intervenções desenvolvidas provocam mudanças na ordem política da sociedade e exigem reflexões e debates acerca não apenas das possibilidades, mas também dos limites da tecnologia. :: Comunicação de massa: Os meios de comunicação de massa são veículos, sistemas de comunicação em um único sentido (mesmo que disponham de vários feedbacks como índices de consumo ou de audiência, cartas dos leitores). Ou seja, a mensagem dos meios de comunicação de massa é emitida por um ponto (TV, rádio, etc.), chega até as pessoas, mas não permite que aquele que recebe a mensagem responda à informação recebida. Essa característica distingue-os da comunicação pessoal, na qual o comunicador conta com imediato e contínuo feedback da audiência, intencional ou não, e leva alguns teóricos da mídia a afirmar que aquilo que obtemos mediante os meios de comunicação de massa não é comunicação, pois esta é via de dois sentidos e, portanto, tais meios deveriam ser denominados veículos de massa. As tecnologias de comunicação de massa, por exemplo, ampliaram significativamente o acesso à informação, principalmente no campo das mídias de massa, mas trouxeram a reboque o debate acerca da “liberdade de expressão”. Eticamente falando, será que tudo pode ser dito para o público? A mídia deve estar aberta a qualquer tipo de difusão de informação? Essa questão não é nada simples, pois remete à ideia de regulação da liberdade, que pode chegar às raias do debate acerca da censura. Se, por um lado, o desenvolvimento da tecnologia abre possibilidades, por outro, inaugura questionamentos fundamentais acerca dos limites desses “mundos agora possíveis” a partir das inovações tecnológicas. Vamos ver outro exemplo: a televisão criou um mundo fascinante de imagens, sons, cores e conteúdos voltados aos mais diversos temas. No entanto, no cotidiano das pessoas, suscitou mudanças que provocaram impasses. Um dos grandes assuntos da década de 80 era “quantas horas as crianças devem passar em frente à televisão”. As críticas à “babá eletrônica” eram infindáveis. Além da educação das crianças, a televisão ameaçou, para alguns, a qualidade da informação. Começou-se a se falar nos “alienados” que assistem à televisão e, no Brasil, principalmente, às novelas. Mesmo hoje, “assistir à televisão” é um comportamento algumas vezes criticado por aqueles que veem essa mídia como um “instrumento de alienação”. 18 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE Por que alienação? O debate acerca das mídias de massa leva à pergunta sobre a origem da informação e da intenção da mensagem. O que lemos nos jornais e vemos na televisão são reportagens criadas por empresas de comunicação. Sendo assim, a questão da divulgação de uma informação tem, por um lado, um compromisso ético com a verdade, mas, por outro, tem ainda relações com diversos outros interesses e ideologias, tanto dos donos das empresas de comunicação quanto do mercado publicitário de anunciantes. Daí surge a pergunta: qual a qualidade da informação difundida na mídia de massa? Retomando a crítica às horas despendidas por crianças em frente à TV na década de 80, os anos 2000 foram marcados por outro tipo de “babá”, agora digital. Um discurso muito parecido apareceu junto à internet: quanto tempo as crianças passam hoje “em frente ao computador”. A tela mudou, mas a pergunta é quase a mesma, com uma diferença fundamental: as informações difundidas pela TV podem ser questionáveis, mas são mais facilmente mapeáveis do que as informações disponíveis na internet. É possível saber que programas estão sendo transmitidos nos diferentes canais da televisão, mas nunca será possível saber todos os sites disponíveis para navegação na internet. Novo problema: a “babá digital” abre um campo de possibilidades que assusta pais e educadores. Novamente surge a questão da regulação ou, mais especificamente, da censura: seria viável, possível e pertinente um controle das informações disponíveis online? Vale a pena investir em sistemas de controle que impeçam o acesso a determinados sites nos computadoresde crianças e adolescentes? Umberto Eco, em seu livro “Apocalípticos e Integrados”, de 1964, apresenta as duas principais tendências presentes na sociedade diante do impacto da mídia de massa. Para Eco, existem aqueles denominados “apocalípticos”, que consideram a mídia de massa um mal irremediável, um instrumento não da cultura, mas da decadência da cultura, e os “integrados”, que analisam os aspectos positivos desses veículos, os quais permitem a circulação dinâmica de informações: Apocalípticos e integrados. Conceitos genéricos e polêmicos criados por Umberto Eco, no início da década de 70, marcaram as discussões sobre a indústria cultural e a cultura de massa. Serviram para tipificar ao extremo as análises que se faziam na época: de um lado, os que viam a cultura de massa como a anticultura que se contrapõe à cultura num sentido aristocrático – sendo, portanto, um sinal de decadência; e, de outro, os que viam nesse fenômeno o alargamento da área cultural com a circulação de uma arte e de uma cultura popular consumidas por todas as camadas sociais. Uns recusavam, outros aceitavam. Confrontavam-se pessimistas e otimistas. O apocalíptico consolava o leitor porque o elevava acima da banalidade média. Era super-homem, segundo Eco, porque estava acima Para refletir No Brasil, a empresa de telecomunicação de maior porte e que é, por isso, alvo de muitos questionamentos é a Rede Globo. Diversas pessoas no dia a dia falam da “manipulação da Globo”, e têm aqueles que se recusam a assistir ao Jornal Nacional, por exemplo. Mas fica aqui um ponto para reflexão: independente das intenções ou não das empresas de comunicação em suas mensagens, o ideal é “não assistir” aos programas ou analisá-los criticamente? 19 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 da massa e dela não fazia parte. O integrado, por sua vez, convidava o leitor à passividade ao aceitar o consumo acrítico dos produtos da cultura de massa (ECO, 1964 apud BIANCO, s/d, s/p)7. De acordo com Bianco, os chamados “teóricos críticos” da Escola de Frankfurt (Adorno e Horkheimer) – nos anos 30 e 40 – viam na produção de bens culturais padronizados e estereotipados – a comunicação de massa – a capacidade de fornecer aos indivíduos meios imaginários de escape da dura realidade social, debilitando-os, portanto, de sua capacidade de pensar de forma crítica e autônoma. De inspiração marxista, essa corrente de análise entendia a comunicação de massa como um meio de ideologia, um mecanismo de difusão de ideias que promovia os interesses das classes dominantes. Esse grupo pode ser identificado como de postura apocalíptica. Entre os integrados, Bianco identifica uma outra explicação desenvolvida nos anos 50 e 60 pelos chamados “teóricos da mídia” (McLuhan e Innis), que identificavam na própria forma do meio de comunicação o poder de influenciar a sociedade. Argumentavam esses teóricos que o desenvolvimento da mídia eletrônica criava um novo ambiente cultural interacional e unificador, interligado em redes globais de comunicação instantânea denominado por McLuhan como “aldeia global”. :: Marshall Mcluhan: Teórico dos meios de comunicação, foi precursor dos estudos sobre a mídia. Seu foco de interesse não são os efeitos ideológicos dos meios de comunicação sobre as pessoas, mas a interferência deles nas sensações humanas, daí o conceito de “meios de comunicação como extensões do homem” (título de uma de suas obras) ou “prótese técnica”. Em outras palavras, a forma de um meio social tem a ver com as novas maneiras de percepção instauradas pelas tecnologias da informação. Os próprios meios são a causa e o motivo das estruturas sociais. A discussão da relação entre os seres humanos e as tecnologias vai além da questão da mídia de massa. A articulação entre homens e máquinas inquieta o imaginário da sociedade, esticando-o nas duas direções indicadas por Eco: de um lado, aqueles que veem as máquinas como uma extensão das potencialidades humanas, como instrumentos valiosos de ampliação das capacidades físicas e cognitivas do ser humano. Poderíamos chamar essa perspectiva de “integrada”, no vocabulário de Eco, ou de “utópica”. 7 BIANCO, Nélia R. Del. Elementos para pensar as tecnologias da informação na era da globalização. Disponível em: <http:// revcom2.portcom.intercom.org.br/index.php/rbcc/article/viewFile/731/517>. Data do acesso: 18/06/2008 Atenção Para Adorno, a atual civilização técnica, surgida do espírito do Iluminismo e do seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica paralelamente um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenômenos de barbárie moderna (fascismo e nazismo) não seriam outra coisa que não mostras, e talvez as piores manifestações, dessa atitude autoritária de domínio sobre o outro. 20 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE Os exemplos dessa extensão de possibilidades humanas são vários: o que um homem não é capaz de derrubar com a força de seu corpo, um trator destrói sem dificuldade. O que a memória humana não é capaz de armazenar, o computador registra. Se o ser humano não é capaz de voar, pelos limites de seu corpo, ele o faz através da invenção do avião. Sendo assim, nessa perspectiva utópica, as máquinas são grandes aliadas do ser humano e das expansões de sua vida social. Podemos destacar, nesse sentido, o livro Vida Digital (1995), de Nicholas Negroponte, um dos fundadores do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology. Negroponte desenvolve previsões sobre o futuro digital, delineando o perfil do mundo que vê pela frente: No início do próximo milênio, nossas abotoaduras ou brincos poderão comunicar- se entre si por intermédio de satélites de órbita baixa, e terão um poder de processamento superior ao dos atuais micros. Nossos telefones não tocarão indiscriminadamente; eles irão receber, classificar e talvez até mesmo responder às chamadas, como um experiente mordomo inglês. Os meios de comunicação de massa serão redefinidos por sistemas de transmissão e recepção de informações personalizada e entretenimento. As escolas vão mudar, parecendo-se mais com museus e playgrounds onde crianças poderão desenvolver ideias e se comunicar com outras crianças do mundo todo. O planeta digital será mais parecido com uma cabeça de alfinete, e assim as pessoas vão percebê-lo (NEGROPONTE, 1995, p. 12). Esse autor expressa em seu texto uma perspectiva extremamente otimista no que diz respeito à relação entre homens e máquinas no futuro, vislumbrando um cotidiano de intensas relações entre homens e máquinas de forma harmônica e sempre em benefício da vida social. Outro entusiasta acerca da relação homens e máquinas é PIERRE LÉVY. Especialmente no que tange à informática, Lévy indica uma articulação intrínseca e indispensável entre o ser humano e as tecnologias da informação. Um dos ícones desse cenário de debates, Pierre Lévy apresenta um cenário presente e uma perspectiva de futuro intensamente marcados pela íntima relação entre pessoas e computadores: Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturadas por uma informática cada vez mais avançada. (...) Sugestão de estudo Obras importantes de Pierre Lévy: - As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. - O que é o virtual? Cibercultura. - A Conexão Planetária: o mercado, o ciberespaço, a inteligência. - Ciberdemocracia. 21 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformaçãodo mundo humano por ele mesmo (LÉVY, 2002, p. 7). Negroponte, Lévy e outros somam-se a uma perspectiva otimista em relação ao presente e ao futuro da relação seres humanos e máquinas. No entanto, esse modo de encarar a relação humano-tecnológico tem sua outra face. O imaginário contemporâneo é marcado não apenas por otimistas, mas por aqueles que apontam suas preocupações acerca da relação entre pessoas e máquinas. Podemos chamá-los de “apocalípticos”, usando o vocabulário de Eco, ou “catastróficos”. :: Matrix: Matrix tem como tema a luta do ser humano, por volta do ano de 2200, para se livrar do domínio das máquinas que evoluíram após o advento da inteligência artificial. Em um recurso extremo para derrotar as máquinas, a humanidade cobriu a luz do sol para cortar o suprimento de energia elas, mas estas adotam uma solução radical: como cada ser humano produz, em média, 120 volts de energia elétrica, começam a cultivá- los em massa como fonte de energia. Para que o cultivo fosse eficiente, os seres humanos passaram a receber programas de realidade virtual, enquanto seus corpos reais permaneciam mergulhados em habitáculos nos campos de cultivo. Essa realidade virtual, que é um programa de computador ao qual todos são conectados, chama-se Matrix e simula a humanidade do final do Século XX. Os filmes de ficção científica retratam com muita força esse cenário catastrófico: 2001 – uma Odisseia no espaço, Blade Runner, O Exterminador do Futuro, Jurassic Park, e mais recentemente A. I. – Inteligência Artificial, Eu, Robô e, sobretudo, a trilogia MATRIX são exemplos de diferentes preocupações sobre o futuro da humanidade diante dos desenvolvimentos tecnológicos. “Quais serão os limites desse desenvolvimento?”: esta é a pergunta-chave. Quem domina quem? Haveria alguma possibilidade de as máquinas tornarem- se senhoras da humanidade? Estaria a liberdade humana em jogo? Será que é possível que a criatura (tecnologia) domine seu criador (o ser humano)? Como contraponto ao otimismo dos autores de perspectiva utópica, Jean Baudrillard dispara duras críticas a uma relação ingênua entre homens e máquinas: As máquinas só produzem máquinas. Isso é cada vez mais verdadeiro na medida do aperfeiçoamento das tecnologias virtuais. Num certo nível maquinal, de imersão na maquinaria virtual, não há mais distinção homem/máquina: a máquina situa-se dos dois lados da interface. Talvez não sejamos mais do que espaços pertencentes a ela – o homem transformado em realidade virtual da máquina, seu operador especular, o que corresponde à essência da tela (BAUDRILLARD, 1997, p. 147). Sobre a internet e sua suposta liberdade, afirma Baudrillard: Internet apenas simula um espaço de liberdade e de descoberta. Não oferece, em verdade, mais do que um espaço fragmentado, mas convencional, onde o operador Pôster do Filme Matrix 22 AulA 1 • TECnOlOgIA E SOCIEdAdE interage com elementos conhecidos, sites estabelecidos, códigos instituídos. Nada existe para além desses parâmetros de busca. Toda pergunta encontra-se atrelada a uma resposta preestabelecida (BAUDRILLARD, 1997, p. 148). A perspectiva “catastrófica” ajuda-nos a refletir sobre aspectos importantes dos impasses e mesmo dos perigos relacionados à relação humano-tecnológica. Seriam as máquinas ampliadoras das capacidades humanas ou, na verdade, veículos de restrição de seu potencial? A televisão informa ou aliena? A memória do computador nos ajuda ou nos torna mais preguiçosos? A internet abre campos de informação ou direciona interesses a partir de ideologias comerciais? Nosso objetivo com este estudo não é a adoção “total e irrestrita” a uma perspectiva ou outra, mas sim aprendermos a olhar a relação homens e máquinas por diferentes ângulos. Com os utópicos, aprendemos acerca dos potenciais das tecnologias, vislumbrando futuros possíveis de encantadora combinação entre pessoas e tecnologias. Com os catastróficos, acionamos nossa preocupação ética, questionando os limites do desenvolvimento e mantendo-nos alertas aos perigos que rondam a criação e a difusão das tecnologias na vida em sociedade. Resumo Vimos até agora: » todas as sociedades humanas, em diferentes épocas e lugares, sempre desenvolvem técnicas específicas; » técnicas são modos de fazer ações humanas, estruturadas de acordo com as intenções de cada sociedade; » as técnicas envolvem objetos que ganham sentido próprio dentro das culturas que são compostas de elementos imateriais (abstratos) articulados a elementos materiais (objetos); » a tecnologia consiste no estudo que permite o desenvolvimento e o aprimoramento das técnicas, tanto em seus modos de ação quanto nos instrumentos técnicos por elas utilizados; » as tecnologias de informação e de comunicação aprimoraram o contato entre os seres humanos ao longo da história a partir da transmissão de mensagens a distância; » a invenção da imprensa foi um marco na transformação da cultura humana no que diz respeito ao acesso à informação; » a transmissão de mensagens a distância foi inicialmente possível através do telégrafo e do uso de códigos para tal transmissão; 23 TECnOlOgIA E SOCIEdAdE • AulA 1 » a transmissão do som concretizou-se com a invenção do telefone e do rádio; » o rádio tem imensa penetração social e é um veículo importante até hoje em todos os países; » a televisão é um meio de transmissão de sons e imagens e revolucionou a vida social com sua presença dentro da casa das pessoas; » o desenvolvimento do computador e da internet está relacionado a interesses militares e da guerra fria; » a relação homens e máquinas é alvo de vários debates na sociedade contemporânea; » do ponto de vista utópico, as máquinas são responsáveis pela ampliação das capacidades e potencialidades humanas; » na perspectiva catastrófica, há um risco de as máquinas apresentarem perigos ao bem- estar da vida humana; » é preciso conhecermos os dois argumentos para aprendermos acerca do potencial, mas também dos limites do desenvolvimento tecnológico. 24 Apresentação A dinâmica das relações sociais é um processo de contínua transformação. O momento contemporâneo caracteriza-se pela intensificação dos fluxos informacionais, mediados por tecnologias da informação e comunicação em contínuo desenvolvimento. A esse novo perfil social dá-se o nome de Sociedade da Informação, termo de uso controverso, mas bastante disseminado. Nesta aula, discutiremos o conceito de Sociedade da Informação, analisando suas características para, por fim, analisarmos o papel da educação nesta sociedade e os desafios do processo educativo no contexto desafiador da sociedade da informação. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: » analisar o processo de transformação do modelo da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial e, por fim, a sociedade da informação; » identificar as características da sociedade da informação; » discutir criticamente os dilemas da sociedade da informação, como, por exemplo, a exclusão digital; » refletir sobre a importância da educação na sociedade da informação; » apresentar as possibilidades das novas tecnologias da informação e da comunicação no processo educativo no contexto da Sociedade da Informação. 2 AulA EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO 25 EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO • AulA 2 Sociedade da Informação Para contextualizarmos o debate contemporâneo acerca do conceito de “Sociedade da Informação”, precisamos refletir um pouco sobre as mudanças que nos conduziram ao presente momento. A Sociedade da Informação é marcada pela intensa presença das tecnologias de informação e comunicação na dinâmica da vida social em todos os seus setores: economia, produção, política, entretenimento, educação, entre outros. Comovimos na aula anterior, o desenvolvimento dessas tecnologias tem uma história, e sua presença no cotidiano das pessoas e da sociedade produziu mudanças significativas. Para alguns autores, tais mudanças foram tão importantes que transformaram o perfil dominante da vida social contemporânea: se antes a sociedade era marcadamente uma “sociedade industrial”, a segunda metade do século XX seria marcada por uma transformação na direção de um modelo “pós-industrial”, que nos conduz a uma nova forma social, a chamada “sociedade da informação” que teria superado a “sociedade industrial”. Mas vamos aos poucos. Quais as características da sociedade industrial? A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Inglaterra, em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Ao longo do processo, a era agrícola (pré-industrial) foi superada, a máquina foi suplantando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos. Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o liberalismo econômico, a acumulação de capital e uma série de invenções, tal como o motor a vapor. O capitalismo tornou-se o sistema econômico vigente. Percebemos, portanto, que as principais personagens desse período foram a máquina e a indústria. A mudança de um modelo econômico baseada na produção em pequena escala para o modelo industrial possível a partir da presença das máquinas na produção em larga escala trouxe importantes consequências para a vida social: » esse novo modelo de produção mudou a relação do homem com o trabalho: ele agora era um trabalhador em fábricas – um operário; Atenção :: Invenções: As invenções que revolucionaram a era industrial aconteceram no campo da produção da energia, que impulsionou o funcionamento das máquinas, tais como o motor a vapor e a bateria elétrica (século XVIII), embarcações e locomotivas a vapor (século XIX), assim como incrementos na produção de ferro e, principalmente, aço, também no século XIX. 26 AulA 2 • EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO » a máquina tornou-se figura central na produção, e a relação entre homens e máquinas inaugura-se como uma tensão: estaria a máquina abrindo novos postos de trabalho para o homem na sociedade industrial ou ela estaria “roubando” o trabalho deste homem?; » a relação entre os donos das máquinas e das indústrias com o trabalhador também inaugurou um impasse: quem deve ganhar mais? Aqueles que possuem as máquinas ou aqueles que trabalham nelas?;os trabalhadores passaram a morar perto das fábricas, e com isso o cenário das cidades mudou bastante. Tem início o processo de concentração urbana; » a produção em larga escala transformou a dinâmica econômica da sociedade, instaurando um novo modelo de comércio, lucratividade, circulação de mercadorias e consumo. Completa-se, assim, o cenário da sociedade industrial: grandes fábricas repletas de trabalhadores produzindo em larga escala, proprietários das indústrias vendendo seus produtos a um preço maior do que o custo de produção (bastante reduzido pelas máquinas e pelos baixos salários dos trabalhadores), visando a uma extensa margem de lucro, mercadorias chegando ao comércio para venda, consumidores ávidos pelas mercadorias que lhes conferem status e poder social. Contudo, se essas são as características de uma sociedade industrial, o que caracteriza a sociedade pós-industrial? De acordo com Kumar (1997), o proponente mais conhecido da ideia de uma teoria da sociedade pós-industrial foi Daniel Bell, em seu livro “The Coming of Post-Industrial Society” (1973). O conceito de sociedade pós-industrial assenta na constatação de que se tornou predominante uma economia de serviços, de que adquiriram preponderância as classes profissionais e técnicas, de que o crescimento se tornou a referência quase exclusiva das políticas da sociedade, de que o controle da inovação tecnológica é um dado estratégico e de que surge aquilo que se designa por nova Tecnologia Intelectual (Silva, s.d.). Na sociedade pós-industrial, os sistemas de informação tornaram-se elementos centrais do processo produtivo e econômico e o desenvolvimento tecnológico acompanhou esse perfil. Se nas sociedades pré-industriais a tecnologia tinha por objetivo central a obtenção de matéria- prima; na industrial, o de produzir energia; na pós-industrial, sua principal função é multiplicar os sistemas de comunicação. De acordo com Silva (s.d.), criou-se uma estratificação do poder nova, uma vez que o conhecimento tem agora o papel que a posse da terra tinha na sociedade pré-industrial, e o da maquinaria na industrial. Já é possível perceber como o modelo da Sociedade Pós-Industrial nos aproxima da concepção de uma teoria da sociedade da informação, visto Saiba mais Horas de trabalho por semana para trabalhadores adultos nas indústrias têxteis: 1780 - em torno de 80 horas por semana; 1820 - 67 horas por semana; 1860 - 53 horas por semana; 2007 - 46 horas por semana. 27 EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO • AulA 2 que a centralidade das máquinas na sociedade industrial é substituída pela da informação, na pós-industrial. Conforme Kumar (1997), a teoria da sociedade moderna como a “sociedade da informação” é uma continuidade evidente em relação à teoria pós-industrial anterior a ela. Daniel Bell foi, mais uma vez, seu expositor mais eminente. Sua tese sobre a sociedade pós-industrial já isolara o conhecimento como o aspecto mais importante – a fonte de valor, a fonte de crescimento – da sociedade do futuro. Em seus trabalhos posteriores, ele veio equiparar com mais firmeza ainda esse aspecto ao desenvolvimento da nova tecnologia da informação e sua aplicação potencial a todos os setores da sociedade. A nova sociedade é hoje definida, e rotulada, por seus novos métodos de acessar, processar e distribuir informação. Assim, a informação, como conceito central para a vida social contemporânea, é um requisito para nossa sobrevivência. Permite o necessário intercâmbio entre nós e o ambiente em que vivemos. Viver efetivamente é viver com informação adequada. A comunicação e o controle, portanto, são integrantes da essência da vida interior do homem, na mesma medida em que fazem parte de sua vida em sociedade (WIENER, apud KUMAR, 1997, p. 19). Wiener, o autor da citação acima, é o inventor da cibernética, a teoria da mensagem, e escreveu essas palavras em fins da década de 1940 e início da de 1950. A grande reivindicação em favor da informação teve origem em certos progressos revolucionários obtidos naquela época na tecnologia do controle e da comunicação – a “tecnologia da informação”, ou TI, como veio a ser chamada. O nascimento da informação não só como conceito, mas também como ideologia está inextricavelmente ligado ao desenvolvimento do computador durante os anos da guerra e no período imediatamente posterior, conforme já vimos na aula anterior (KUMAR, 1997). A ideia básica que marcava a teoria de Bell acerca da sociedade pós-industrial era a evolução para uma sociedade de serviços e o rápido crescimento de oportunidades de empregos para profissionais liberais e de nível técnico, como exposto acima. A ideia da informação fortaleceu-se gradativamente a partir talvez da avalanche de novos progressos técnicos em computadores e nas comunicações. Assim, a informação passou a designar hoje a sociedade pós-industrial. É o que a gera e sustenta. Atenção :: Cibernética: Cibernética (do grego Κυβερνήτης significando condutor, governador, piloto) é uma tentativa de compreender a comunicação e o controlede máquinas, seres vivos e grupos sociais através de analogias com as máquinas cibernéticas (homeostatos, servomecanismos). Essas analogias tornam-se possíveis, na Cibernética, por esta estudar o tratamento da informação no interior desses processos como codificação e decodificação, retroação ou realimentação (feedback), aprendizagem. Segundo Wiener (1968), do ponto de vista da transmissão da informação, a distinção entre máquinas e seres vivos, humanos ou não, é mera questão de semântica. 28 AulA 2 • EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO Minha premissa básica é que conhecimento e informação estão se tornando os recursos estratégicos e os agentes transformadores da sociedade pós-industrial, da mesma maneira que a combinação de energias, recursos e tecnologia mecânica foram os instrumentos transformadores da sociedade industrial (BELL, 1980 apud KUMAR, 1997, p. 21). A inovação tecnológica que marca a sociedade da informação é o computador. “A tecnologia do computador é para a era da informação o que a mecanização foi para a Revolução Industrial” (NAISBITT, 1984 apud KUMAR, 1997, p. 21). Consoante Bell (1980 apud KUMAR, 1997), o que gerou a sociedade da informação foi a convergência explosiva de computador e telecomunicações. A combinação de satélites, televisão, telefone, cabo de fibra óptica e microcomputadores enfeixou o mundo em um sistema unificado de conhecimento. “Agora pela primeira vez somos uma economia realmente global, porque, pela primeira vez, temos informações compartilhadas de forma instantânea” (NAISBITT, 1894 apud KUMAR, 1997, p. 22). A nova esfera da comunicação opera em um contexto global. Uma rede mundial de bibliotecas, de arquivos e de bancos de dados surgiu, teoricamente acessível a qualquer pessoa, em qualquer lugar e a qualquer momento. A revolução da tecnologia da informação comprime espaço e tempo em um novo ambiente mundial, orientado para o futuro. A relação espaço-tempo no modelo industrial era marcada por um espaço determinado do estado-nação (os países), ao mesmo tempo em que substituía os ritmos e os movimentos da natureza pelo ritmo da máquina. O relógio e os horários das estradas de ferro constituíam os símbolos da era industrial. Expressavam o tempo em horas, minutos, segundos. O computador, símbolo da era da informação, pensa em nanossegundos, em milhares de microssegundos. Junto à nova tecnologia das comunicações, ele introduz um marco espaço-tempo radicalmente novo na sociedade moderna (KUMAR, 1997). O que as mudanças no transporte e na comunicação – as infraestruturas da sociedade – representaram em anos recentes foi o fim da distância e o encurtamento do tempo, quase que a fusão dos dois. O espaço foi ampliado para cobrir todo o globo e está ligado quase que em “tempo real”. O senso de tempo, religiosa e culturalmente, que fora orientado para a continuidade e para o passado, agora, sociologicamente, tornou-se atrelado ao futuro (BELL, 1980 apud KUMAR, 1997, p. 23). A Sociedade da Informação, segundo seus teóricos, gera mudanças no nível mais fundamental da sociedade. Inicia um novo modo de produção. Muda a própria fonte da criação de riqueza e os fatores determinantes da produção. O trabalho e o capital, as variáveis básicas da sociedade industrial, são substituídos pela informação e pelo conhecimento. Toffler (1981 apud KUMAR, 1997) associa as mudanças na esfera da informação a mudanças na esfera técnica, na esfera social, na esfera de poder, na esfera biológica e na esfera psicológica. 29 EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO • AulA 2 Essas mudanças, na perspectiva desses teóricos, são analisadas em tom otimista, apontando para um novo estilo de vida completo, no qual a civilização pode ser tornada “mais sã, mais sensível e sustentável, mais decente e mais democrática do que tudo que até agora conhecemos” (TOFFLER, 1981 apud KUMAR, 1997, p. 26). Assim, o ponto de vista utópico predomina entre aqueles que apresentam a teoria da sociedade da informação. Esse novo modelo de vida social é apresentado como revolucionário e amplificador das potencialidades da vida humana. Assim, a sociedade da informação é apresentada como pacífica e democrática (pela acessibilidade da informação a todos), bem como uma era de abundância, na qual todos viverão uma vida de cultura e lazer. Para alguns autores como Masuda, a sociedade da informação assume um matiz quase místico (KUMAR, 1997). Masuda oferece uma visão da “computopia”: ela será uma sociedade de abundância universal, em que os homens, libertados quase inteiramente pela automação da necessidade de trabalhar, reunir-se-ão em sociedades voluntárias para a realização de variadas finalidades. A sociedade da informação se tornará uma sociedade sem classes, isenta de poder dominante, tendo como núcleo comunidades voluntárias. A tecnologia da comunicação por computadores tornará possível dispensar a política e o governo centralizados. Em vez disso, haverá democracia participativa e sistemas de administração local pelos cidadãos (MASUDA, 1985 apud KUMAR, 1997). Pensar a sociedade da informação, no entanto, implica uma necessidade de questionamentos éticos acerca desse novo modelo social que se instala. Longe de ser livre de problemas, a sociedade da informação traz novos vetores de exclusão social e dominação. No contraponto do sonho de liberdade de seus teóricos, a sociedade da informação impõe novos problemas ideológicos que remetem a estruturas computadorizadas de controle da vida do indivíduo em sociedade. Nesse mundo de poder, produção e mercadoria, o progresso traz consigo desemprego, exclusão, concentração de renda e subdesenvolvimento. O mundo da performance cultua o otimismo. Nada mais parece impossível. Por outro lado, cresce o sentimento de impotência diante dos impasses, da instabilidade, da precariedade das conquistas. A opacidade do futuro parece impenetrável (DUPAS, 2001, p. 17). A tecnologia, em vez de democratizada, corre o risco de incrementar a exclusão social, mantendo-se domínio de poucos. De acordo com Dupas, não se trata de ir contra o desenvolvimento tecnológico, adotando um posicionamento reacionário. A questão é bem outra: a tecnologia pode e deve se submeter a uma ética que seja libertadora a fim de contemplar o bem-estar de toda a sociedade, presente e futura, e não apenas colocar-se a serviço de minorias ou atender a necessidades imediatas. No que diz respeito ao trabalho na sociedade da informação, por exemplo, Dupas (2001) aponta como o capital vem utilizando as novas tecnologias flexíveis e abertas para aproveitar a diversidade do mercado de trabalho internacional em uma perspectiva exploradora. Dadas as possibilidades 30 AulA 2 • EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO de ampla fragmentação geográfica das cadeias produtivas permitidas pelas tecnologias da informação, é possível utilizar os grandes bolsões de mão de obra barata existentes nos países da periferia sem ter de arcar com suas infinitas demandas de bem-estar, qualidade de vida, e sua capacidade de gerar tensões sociais nos países centrais, caso esses tivessem de absorvê-las em seus territórios. Esses bolsões, afirma Dupas, acabam mantidos em seus países de origem e são os demais fatores de produção – capital, tecnologias materiais, todos cada vez mais móveis – que se deslocam, incorporando seu baixo custo a uma etapa específica de produção e, finalmente, ao produto final. Ainda de acordo com esse autor, o capital apossou-se por completo dos destinos da tecnologia, libertando-a de amarras metafísicas e orientando-a única e exclusivamente para a criação de valor econômico. A tecnologia, para Dupas, acabou se transformando basicamente em expressão da competição global. A internet é um exemplo desse impasse: ao lado do ideal da rede de computadores como um veículo público de socialização das informações,caminha seu inevitável e revolucionário uso comercial. Bernardo Sorj (2003) discute a forma de exclusão típica da sociedade da informação: a assim chamada “exclusão digital”. Nas sociedades modernas, afirma Sorj, as categorias de conectado e desconectado referem-se à desigual distribuição de acesso aos mais diversos meios de comunicação – livros, jornais, rádio, telefone, televisão e internet. Para esse autor, a exclusão digital possui forte correlação com as outras formas de desigualdade social, e, em geral, as taxas mais altas de exclusão digital encontram-se nos setores de menor renda. De acordo com Sorj (2003), a desigualdade social no campo das comunicações não se expressa somente no acesso ao bem material – rádio, telefone, televisão, internet –, mas, também, na capacidade do usuário de retirar, a partir de sua capacitação intelectual e profissional, o máximo proveito das potencialidades oferecidas por instrumento de comunicação e de informação. Para Sorj, exclusão digital e desigualdade social são temas indissociáveis, e seu debate é fundamental para uma reflexão eticamente comprometida acerca da Sociedade da Informação. Segundo Sorj (2003, p. 63), a exclusão digital depende de cinco fatores que determinam a maior ou menor universalização dos sistemas telemáticos: » a existência de infraestruturas físicas de transmissão; » a disponibilidade de equipamento/conexão de acesso (computador, modem linha de acesso); Saiba mais O Comitê para Democratização da Informática é uma organização não governamental sem fins lucrativos que, desde 1995, desenvolve o trabalho pioneiro de promover a inclusão social, utilizando a tecnologia da informação como um instrumento para a construção e o exercício da cidadania. 31 EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO • AulA 2 » treinamento no uso dos instrumentos do computador e da Internet; » capacitação intelectual e inserção social do usuário, produto da profissão do nível intelectual e de sua rede social, que determina o aproveitamento efetivo da informação e das necessidades de comunicação pela Internet; » a produção e o uso de conteúdos específicos adequados às necessidades dos diversos segmentos da população. Sendo assim, para minimizar a exclusão digital, percebemos que se fazem necessárias ações de infraestrutura de acesso (2 primeiros tópicos), bem como estratégias de capacitação intelectual do usuário (tópicos de 3 a 5). Esses dois vetores são fundamentais e não podem caminhar separados. Para que ambos se realizem, é preciso investimento financeiro e vontade política de que as mudanças possíveis aconteçam no cenário de uma sociedade da informação efetivamente democrática. Educação na Sociedade da Informação Dada a centralidade da informação na sociedade pós-industrial, a educação torna-se elemento crucial para o desenvolvimento social. A educação é o elemento-chave na construção de uma sociedade baseada na informação, no conhecimento e no aprendizado. Parte considerável do desnível entre indivíduos, organizações, regiões e países deve-se à desigualdade de oportunidades relativas ao desenvolvimento da capacidade de aprender e concretizar inovações (LIVRO VERDE, 2000). O manejo da informação e, sobretudo, a construção de conhecimento são ações que se baseiam no processo educativo e seus desdobramentos nos diversos níveis: educação superior e educação básica. No nível superior, o campo de desenvolvimento de pesquisas científicas é crucial para a dimensão de produção de saberes e inovações. Na educação básica, a disseminação dos saberes científicos assegura o fundamento das “tecnologias da inteligência”, nos termos de Lévy. Na escola, aprende-se não só o conteúdo da informação, mas, sobretudo, aprende-se a pensar a informação, tornando-a conhecimento. No entanto, educar na sociedade da informação exige uma atitude ética bem fundamentada. Pensar a educação na sociedade da informação exige considerar um leque de aspectos relativos às tecnologias de informação e comunicação, a começar pelo papel que elas desempenham na construção de uma sociedade que tenha a inclusão e a justiça social como uma das prioridades principais. Diante do cenário da exclusão informacional, o papel da educação é antes de tudo um papel político de conquista da igualdade e na construção da cidadania na sociedade da informação. 32 AulA 2 • EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO Ser cidadão na sociedade da informação implica acessos específicos à informação, domínio de seu manejo e também capacitação para a participação em sua construção e disseminação. Assim sendo, também na sociedade da informação, a educação é fundamental à construção da cidadania. A questão da exclusão digital já foi tratada no tópico anterior. Mas qual o papel da educação diante da exclusão digital? Desenvolver junto com os cidadãos estratégias de luta na busca pela igualdade de acesso às mídias digitais, a chamada “democracia digital” que envolve todos os atores da sociedade em um conjunto de relações mais eficazes e transparentes. Será que o papel da educação seria apenas a luta pelo acesso? De forma alguma, mesmo diante da desigualdade, a Educação tem por função criar estratégias de democratização da informação, e aí destaca-se o papel da escola. Por meio da instituição escolar, é possível democratizar o acesso a todas as formas de mídias e, assim, à informação: a escola cidadã na sociedade da informação deve ser equipada com bibliotecas, midiatecas, laboratórios de informática, sala de vídeos, enfim, todos os recursos que poderão ser disseminados e compartilhados coletivamente no ambiente escolar. Assim, a escola tem papel fundamental na democratização do acesso à informação. Já vimos, portanto, que a educação na sociedade da informação tem o papel de: » incentivar a luta pela igualdade de acesso à informação; » democratizar o acesso à informação mediante a instituição escolar. Mas não vamos parar por aí! Será que o acesso à informação basta? Claro que não. As pessoas precisam aprender a lidar com a informação, a compreendê-la de forma crítica e contextualizada. Sendo assim, a educação tem mais um papel na sociedade da informação: capacitar os indivíduos ao manejo crítico e consciente da informação. É nesse momento que a informação torna-se conhecimento. Além de compreender a informação, os indivíduos precisam também saber pesquisá-la: mais uma função da educação. Demo (1997) demonstra que o interesse está voltado a fundamentar a importância da pesquisa para a educação, querendo chegar até o ponto de tornar a pesquisa uma maneira própria de aprender. Nessa nova maneira de aprender, o aluno passa de objeto do ensino para parceiro de trabalho, assumindo- se sujeito do processo de aprender (BERTOLETTI; MORAES; COSTA, 2003, p. 1). Nesse sentido, Demo (1997 apud BERTOLETTI; MORAES; COSTA, 2003, p. 1) apresenta uma nova abordagem educacional, o educar pela pesquisa, que tem como base o questionamento reconstrutivo. No questionamento reconstrutivo, a construção do conhecimento se dá através de uma reformulação Saiba mais Pedro Demo é professor titular da Universidade de Brasília, no departamento de sociologia. Possui trabalhos importantes na área de Políticas Sociais discutindo Educação, Cidadania, Exclusão Social, Aprendizagem Reconstrutiva, entre outros. 33 EdUCAçãO nA SOCIEdAdE dA InFORMAçãO • AulA 2 de teorias e conhecimentos existentes. Ou seja, não basta construir o conhecimento, é preciso reconstruí-lo, reconquistá-lo, e isso só é possível através da pesquisa. A pesquisa é também competência fundamental na sociedade da informação pela necessidade constante de atualização que nela se impõe. Os saberes transformam-se velozmente e é importante que o cidadão informacional seja capaz de, pesquisando, atualizar-se. Vale frisar, assim, que a
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