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CONSERVADORISMO, REFORMISMO e RADICALISMO • INTRODUÇÃO Não é facil definir o que seja conservadorismo, antes um “estado de espirito” do que um sistema racionalmente fundado, o mesmo, aliás, sendo lícito dizer-se das das posições que lhe são opostas. Muitos autores já o estudaram e tentaram fixar em vários itens, descritivos da situação conservadora, mas que, dificilmente, fixam a devida posição. Se Hearnshaw aponta 12 itens na sua definição de conservadorismo, Kirk que escreveu todo um livro sobre o espírito conservador, fixa em 6 pontos a sua descrição do conservative mind: A) crença numa ordem divina para sociedade e para a consciência; B) valorização da variedade e colorido na vida tradicional; C) reconhecimento da legitimidade da existência de classes e hierarquias sociais; D) convicção de que propriedade e liberdade estão intimamente ligadas; E) tradicionalismo; F) distinção entre “mudança” e “reforma”, o, talvez, para ficarmos mais de acordo com o vocabulário brasileiro, entre “revolução” e “reforma”. Poderíamos definir conservadorismo do seguinte modo: é uma posição política que reconhece que a existência das comunidades está sujeita a determinadas condições e que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro. Podemos dizer que o traço mais característico da psicologia conservadora consiste, exatamente, no fato de que não considera viáveis as transformações e mudanças feitas sem o sentido da continuidade histórica, mas o conservador acha impraticáveis e condenadas ao suicídio todas as reformas fundadas unicamente na vontade humana, sem respeito às condições preexistentes. Podemos reformar – por meio de um processo de cautelosa adaptação do existente às novas condições - nunca o estabelecimento de algo radicalmente novo. • DESENVOLVIMENTO Antes de ser “ideologia” ou “doutrina”, a intenção é apresentar o conservadorismo como uma disposição - uma forma de ser e agir que levará o conservador a “usar e desfrutar aquilo que está disponível, em vez de desejar ou procurar outra coisa”. Naturalmente que o conservador sabe, ou pelo menos intui, que essa “outra coisa” pode ter virtudes apreciáveis. E, em teoria, é possível imaginar que tais virtudes possam suplantar os confortos do presente. Para Quintin Hogg, o conservadorismo é “uma força interior e constante” da natureza humana. No mesmo sentido, Fossey John Cobb Hearnshaw apresenta o conservadorismo como “um temperamento”. E Hugh Cecil, pronunciando a “disposição” de Oakeshott, entende que o conservadorismo seria mais bem entendido como “uma inclinação pura e natural da mente humana”. Enganam-se assim os que pensam que o conservadorismo não é uma ideologia. Para Hungtington, esse engano recorrente só poderá ser explicado se partirmos do pressuposto de que todas ideologias têm de ser obrigatoriamente “ideologias ideacionais”, ou seja, ideologias que procuram cumprir em sociedade um programa ou de ideário políticos. O fato de o conservadorismo, pela sua natureza reativa e posicional, não ser uma ideologia ideacional não significa que ele não é também uma ideologia. A reação de Burke – a reação conservadora de Burke - começa assim por se apresentar contra a radicalidade de quem procura destruir o presente para inscrever, sobre as suas ruínas, novas formas de organização política. Uma atitude revolucionária, e não apenas reformista, que convidaria sempre a renovados atos de destruição. Quando está em causa a perfeição da humanidade, faz parte do processo revolucionário não questionar a desmesura dos meios e a ferocidade com que eles são aplicados. O prêmio final é demasiado precioso para inspirar condutas de moderação. E além disso, “os meios criminosos, uma vez tolerados, são rapidamente os preferidos”. Nas suas Reflexões, Burke antecipada a lógica sinistra dessa violência “necessária” e “purificadora” que os movimentos totalitários do século XX levariam a outros extremos de desumanidade. A distinção entre conservadorismo e progressismo (em sua forma aguda, que é o revolucionarismo, que quer destruir tudo e começar de novo) torna-se mais clara se compararmos a posição respectiva em face das reformas. Já os progressistas e revolucionários nada querem conservar – o antigo é velho – o antigo é velho e feio- só o moderno presta. Certamente um automóvel de último tipo é melhor do que uma “cadeirinha” - mas pode acontecer que em Suárez tenhamos ideias mais exatas sobre as origens do Estado do que em qualquer autor do século XX. Ou que a Ética de Aristóteles seja superior à de lorde Bertrand Russel. Machado de Assis, que representa admiravelmente o verdadeiro espírito conservador, tem fases definitivas _ “O menino é o pai do homem’; “Feio, mas velho”. E outras, bem conhecidas. Como o conservador se coloca diante de reformas? O princípio central é: somente podemos conservar reformando. As reformas, em si mesmas são necessárias. Não convém precipitá-las, nem tomar a iniciativa delas. Os conservadores, habitualmente, não começam as reformas. Em casos especiais, quando uma reforma se impõe para evitar a revolução, o conservador pode tomar a iniciativa. Mas, de qualquer modo, feita a reforma, o conservador a aceita, adaptando-a às condições preexistentes, consagra-a. Certamente os conservadores não tomaram a iniciativa das reformas sociais ocorridas na Inglaterra desde a era vitoriana – mas consagraram-nas fazendo líderes sindicais barões e viscondes. As tradições são o ponto de partida de qualquer ação reformista consequente e prudente. Mas é possível também afirmar que a reforma é, ela própria, um importante mecanismo de conservação. “Um estado sem a possibilidade de alguma mudança é incapaz de se conservar” dirá Burke em uma das suas proclamações mais conhecidas. A reforma é necessária para se preservar (e melhorar) o que se encontra em risco – um imperativo que devia ter sido acautelado na França pré-revolucionária. A reforma, contudo, não deve penas partir das “circunstâncias” presentes ou passadas de determinada comunidade. A reforma conservadora, até pelo que já foi exposto, deve ser atempada, feita a tempo de evitar situações revolucionárias, que são o contrário de uma reforma prudente. As reformas atempadas, conforme escreveu Burke, são feitas “com o sangue frio”, e não precipitadas por “estados de inflamação” típicos da mentalidade revolucionária e destrutiva. Por último, e não menos importante, e ação reformista de um agente político conservador será sempre inseparável da consciência que ele terá do seu próprio conhecimento imperfeito- ou, para regressar ao início deste ensaio, da sua própria imperfeição intelectual. Uma tal asserção não deve ser vista como um convite ao imobilismo político - esse vício que, como diria Mary Wollstonecraft, transforma o ato de governar numa constante “inatividade gelada”. Trata-se, apenas, de um convite à humildade política, o que permitirá afastar o horizonte da espécie humana qualquer ambição perfectibilista ou utópica. Melhoramos o que podemos. Mas, retomando Burke, é importante também que cada reforma presente possa deixar espeço para novas e melhores reformas futuras. • CONCLUSÃO Ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica. O conservadorismo pode ser encarado, portanto, como uma ideologia. Mas não será uma ideologia ideacional e ativa como as restantes. Aceitando como princípio de análise a propostade Huntington, o conservadorismo será antes uma ideologia posicional e reativa: é perante uma ameaça concreta aos fundamentos institucionais da sociedade que a ideologia conservadora desperta, reage e se define. Mas a reforma conservadora não se limita a essa distinção. Tal como Oakeshott relembra, a reforma não procede de doutrinas abstratas que exigem aplicação direta sobre a comunidade estabelecida. “A ciência de construir uma comunidade, ou de renová-la”, já avisara Burke, “é, como qualquer outra ciência experimental, algo que não pode ser ensinado a priori.” Para voltar a águas já conhecidas, são as “circunstâncias” que determinam a natureza da ação reformista – uma ação que não apenas procurará responder a um problema específico como se fará por referência a uma tradição específica. O político conservador, antes de reformar, deve “ver” com seus próprios olhos, “tocar” com as suas próprias mãos. BIBLIOGRAFIA COUTINHO, JOÃO PEREIRA As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários - SÃO PAULO: TRÊS ESTRELAS, 2014 3° reimpr. Da 1° ed. De 2014 DE OLIVEIRA TORRES, JOÃO CAMILLO Os construtores do império - SÃO PAULO: COMPANHIA EDITORA NACIONAL, 1968 Volume 340 Dez notas para a definição de uma direita. In: João Pereira; Pondé, Luiz Felipe: Rosenfield, Denis. Porque virei à direita. Prefácio de Marcelo Consentino. São Paulo: Três Estrelas, 2012, pp. 24-49 POLÍTICA E PERFEIÇÃO: UM ESTUDO SOBRE O PLURALISMO POLÍTICO DE EDMUND BURKE E ISAIAH BERLIN, Lisboa, 2008. Tese de Doutoramento – Universidade Católica Portuguesa.