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1 * A N A I S * IV Seminário Integrado de Pesquisa “A Pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios” 9 a 11 de novembro de 2015 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS - CLCH 2 * A N A I S * ISSN IV Seminário Integrado de Pesquisa “A Pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios” 1a Edição Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Londrina 2015 Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) S471a Seminário Integrado de Pesquisa (4. : 2015 : Londrina, PR). Anais [do] IV Seminário Integrado de Pesquisa [livro eletrônico] / [editor chefe: Giovanni Cirino]. – Londrina : UEL, 2015. 1 Livro digital : il. Tema central: A pesquisa em ciências sociais : avanços e desafios. Inclui bibliografia. Disponível em: http://goo.gl/TfFGLN ISSN 2448-0177 1. Ciências sociais – Pesquisa – Congressos. 2. Estado e movimentos sociais – Congressos. 3. Mobilidade social – Congressos. 4. Identidade – Congressos. 5. Sociologia – Estudo e ensino – Congressos. I. Cirino, Giovanni. II. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título. CDU 301.08 4 Ficha Técnica Universidade Estadual de Londrina - UEL Reitora: Berenice Quinzani Jordão Centro de Letras e Ciências Humanas - CLCH Diretor de Centro: Ronaldo Baltar Departamento de Ciências Sociais Chefa: Silvana Mariano Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Coordenadora: Simone Wolff Anais do IV Seminário Integrado de Pesquisa. “A Pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios” Editor chefe dos Anais: Giovanni Cirino Corpo editorial e comissão científica: Carla Delgado de Souza, Cristiano Desconsi, Fernando Kulaitis, Francesco Romizi, Leila Sollberger Jeolás e Simone Wolff. Comissão organizadora do evento: Andréia Cristina Cruz, Carla Delgado de Souza, Cristiano Desconsi, Diogo Pablos Florian, Fernando Kulaitis, Francesco Romizi, Gabriel Marques de Almeida, José Wilson Assis Neves Júnior, Pedro Vinícius N. M. F. Rossi, Taynara Freitas Batista de Souza e Thaysa de Oliveira. Coordenadores dos GTs: Celso Vianna Bezerra de Menezes, Cristiano Desconsi, Eliel Machado, Fernando Kulaitis, Francesco Romizi, Ileizi Fiorelli, Maria José de Rezende e Silvana Mariano. Coordenadores da Oficina de "Ética e pesquisa em Ciências Sociais e Humanas": Luiz Antonio de Castro Santos e Leila Sollberger Jeolás. Parceiros: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES; Fundação Araucária, Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UEL; Departamento de Ciências Sociais da UEL; Laboratório de Pesquisa em Ciências Sociais - LAPECS/UEL. 5 Sumário O Evento .............................................................................................................. 9 Grupos de Trabalho - GTs ................................................................................ 10 Programação do Evento ................................................................................... 11 Apresentação .................................................................................................... 13 Oficina: Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais ..................... 16 Carla Delgado de Souza: Para além do sistema CEP/CONEP: o que é ética na pesquisa em ciências humanas e sociais? .................................. 17 Letícia Figueira Moutinho Kulaitis: Gestão de políticas públicas e produção acadêmica: fronteiras e questões éticas na atuação profissional do sociólogo ............................................................................. 24 Luiz Fernando Pereira: Autoridade etnográfica: refletindo as dimensões éticas e políticas na representação das culturas ....................................... 36 GT 1 Estado e Movimentos Sociais ................................................................. 60 Camila Pierobon: Rumores: Conflitos e ilegibilidades: encontros e desentendimentos entre Estado, movimentos sociais, tráfico de drogas e moradores de uma ocupação popular ......................................................... 61 Diogo Pablos Florian: As tensões entre segurança internacional e segurança humana: avanços na proteção a vida ....................................... 82 Lucas Silveira Andrade Martins: A eliminação da negação-da-negação em Louis Althusser ........................................................................................... 101 Márcio Roberto Vieira Ramos: A profissão de sociólogo: uma abordagem sobre a formação do futuro cientista social enquanto aluno e estagiário, relacionando a atuação do profissional em instituições públicas como Cohab-LD e Prefeitura de Londrina ........................................................... 117 Mariana de Oliveira Lopes: A análise de classes nos movimentos sociais contemporâneo ............................................................................................ 135 Ricardo Gonçalves Severo: Análise da formação militante: estudo de caso em uma rádio comunitária ................................................................. 154 Sandra Cristina Lima Vieira Santana de Farias Rosilda das Neves Alves: Evolução das Políticas Sociais e do sistema de saúde e a longa 6 caminhada para a construção da agenda política que culminou no SUS (Sistema Único de Saúde ............................................................................ 169 Simone Maria Boeira: Os relatórios do desenvolvimento das Nações Unidas, suas recomendações de combate à corrupção e as ações postas em andamento pelo Brasil .......................................................................... 188 Taynara Freitas Batista de Souza: Organização política-ideológica do MTST nos governos PT (2003-2014) .......................................................... 201 Thayza de Oliveira: Meritocracia e políticas de ações afirmativas de cotas nas universidades estaduais paulistas (USP e UNICAMP) e paranaenses (UEM e UEL): uma análise da reação ideológica da classe média .......... 216 Vanessa Vilela Berbel: A imunização de conflitos pelos movimentos sociais: análise a partir da perspectiva de Niklas Luhmann ................... 234 Vinicius Ramos Lanças: De Usuário a Ativista, a Marcha da Maconha no Brasil............................................................................................................. 247 Wilson Sanches: Micro, pequenas e medias empresas na cadeia de valor de software: um estudo sobre as empresas de Londrina ........................ 266 GT 2 Desigualdade e Mobilidade Social ................................................... 285 Claudio Francisco Galdino: Racismo e violência: os homicídios da população negra na cidade de Londrina de 2005 até 2014 ...................... 286 Franceline Priscila Gusmão: O processo de internacionalização das representações sociais dos adolescentes em conflito com a lei sobre a criminalidade: uma reflexão teórica........................................................... 306 José Wilson Assis Neves Junior: Transformações na Igreja Católica paulistana e suas relações com os processos de modernização conservadora brasileira: estudos sobre o posicionamento contra hegemônicono semanário católico O São Paulo ..................................... 321 Lilian Chirnev: A reprodução da desigualdade socioespacial no processo de integração da RMM ................................................................................. 342 Maria Angélica Lacerda Marin: Políticas públicas de segurança e desigualdade social: sistema penal e perspectiva no Brasil ................... 360 Maria Graziele Bernardi: igração Boliviana: um olhar através das redes sociais .......................................................................................................... 377 Marinês dos Santos: Levantamento e tratamento de dados nas transmissões gratuitas de patrimônio, para embasamento de estudo da ocupação do espaço urbano e combate às desigualdades sociais........ 394 7 GT 3 Identidades e Alteridades: entre o local e o global ............................ 409 Ana Claudia Rodrigues de Oliveira: Aspectos quantitativos e qualitativos da diversidade religiosa e familiar no ambiente escolar .......................... 410 Árife Amaral Melo: A racionalização da morte e seu contexto sociológico: as mudanças tumulares como forma de secularização ........................... 413 Carlos Roberto de Melo Almeida: A Grande Guerra (1914-1918) e os Boletins Semanais de Júlio Mesquita ........................................................ 431 Celso de Brito: Uma etnografia da transnacionalização da Capoeira Angola europeia: de esporte branco à arte mística negra ....................... 447 Eliane Cristina Godoy: Culturas juvenis: os usos, apropriações das tecnologias informacionais, e as expressões comunicativas e estéticas entre os jovens ............................................................................................ 464 Élvis Christian Madureira Ramos: A prática sócio-espacial dos roles dos jovens das periferias em cidades medias ................................................. 482 Franciele Rodrigues: O mito da secularização e a reprodução da moral religiosa no Brasil: um desafio para as escolas públicas? ..................... 501 Josieli Soares dos Santos Antônio Cavalcante de Almeida: Aspectos socioculturais e históricos da terra indígena São Jerônimo da Serra – Paraná........................................................................................................... 519 Luiz Ernesto Guimarães: Câmara Municipal de Londrina: análise da relação entre religião e política .................................................................. 538 Maria Raquel da Cruz Duran: Os Kadiwéu e a arte: relações entre si, com os outros e com os próprios desenhos ..................................................... 557 Maryana Marcondes: Juventudes e Mercado religioso, uma análise das práticas da igreja Bola de Neve Londrina ................................................. 560 Miriã Anacleto: Esporte e modernidade: a construção de identidades para a juventude na modernidade ...................................................................... 577 Pedro Vinicius N. M. F. Rossi: A religiosidade e as contradições do contemporâneo: secularização, dessecularização e Contrassecularização ...................................................................................................................... 593 GT 4 Políticas Públicas e Ensino de Sociologia ........................................ 612 Alexandre Jeronimo Correia Lima: Entre o currículo e a prática escolar no ensino de Sociologia: análise da difusão dos saberes sociológicos no sistema educacional paranaense ............................................................... 613 Aline Oliveira Gomes da Silva: A Universidade e a Identidade de Gênero: O uso do nome social nas universidades estaduais do Paraná ............. 616 8 Helaine Christina Oliveira de Souza: A formação profissional do trabalhador: uma análise dos documentos oficiais que regulamentam o ensino profissional e técnico do Instituto Federal do Paraná (IFPR) ..... 633 Meire Ellen Moreno: Feminismos e Antifeminismos na política brasileira: o caso do Plano Nacional de Educação 2014 ........................................... 636 Samira do Prado Silva: As interseccionalidades entre gênero, raça/etnia, classe e geração nos livros didáticos de sociologia................................ 639 Samuel Pereira Pavan: Ensino de Sociologia: uma perspectiva histórico- crítica na formação de sujeitos em cursos da educação profissional subsequente ......................................................... Erro! Indicador não definido. Tainan Rotter Begara Gomes: O currículo de sociologia nos cursos de educação profissional técnica de nível médio .......................................... 658 Thayara Rocha Silva: As condições das universidades estaduais do Paraná na garantia de acesso e permanência dos estudantes com necessidades especiais .............................................................................. 673 9 O Evento O Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais é um evento de âmbito nacional, organizado com o objetivo de tornar-se um espaço para a circulação e discussão da produção acadêmica discente de Pós- Graduação em Ciências Sociais e áreas afins. Neste ano, elege o tema “A pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios” como inspiração para reflexões sobre a ética, o plágio e as condições de produção e disseminação da pesquisa em Ciências Sociais no Brasil. Oficina Ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais Esta Oficina tem como objetivo debater os limites e impasses da regulamentação formal da ética em pesquisa no Brasil (sistema CEP/Conep) para a avaliação das pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (CHS). Objetiva igualmente discutir as especificidades e os aspectos teórico-metodológicos da ética em pesquisa nas CHS: a produção do conhecimento; a relação pesquisador-pesquisado; e a reflexividade sobre as condições e a condução da pesquisa. 10 Grupos de Trabalho - GTs 1) Estado e Movimentos Sociais Este GT dedica-se ao debate contemporâneo sobre os movimentos sociais e suas interfaces com o Estado a partir de diferentes vertentes teórico- metodológicas. Contempla temas como: direitos trabalhistas, terceirização e políticas públicas de geração de trabalho e renda; lutas por direitos humanos e reconhecimento; a construção da cidadania e do espaço público; formas de participação e controle social; as manifestações e os novos sujeitos políticos. 2) Desigualdade e Mobilidade Social Este GT objetiva debater a dinâmica da mobilidade social por meio das variáveis que influenciam a reprodução ou a mitigação das desigualdades sociais. Há particular interesse em pesquisas que analisam a dimensão relacional da hierarquia social, cujos fatores explicativos se encontram em: gênero, pertencimento étnico-racial, trabalho, educação, estratificação urbana, processos migratórios, projetos políticos e modelos de desenvolvimento social e econômico, dentre outras variáveis possíveis. 3) Identidades e Alteridades: entre o local e o global Este GT pretende promover um debate sobre os processos de produção e de transformação das identidades – como a étnico-racial, a religiosa, a de gênero e a de classe, entre outras – e das alteridades, em diferentes âmbitos, espaços (públicos e privados) e situações da vida social. Objetiva-se também discutir as dinâmicas políticas e sociais geradas a partir destas formas de (auto)reconhecimento. 4) Políticas Públicas e Ensino de Sociologia Este GT tem como objetivo debater estudossobre as dimensões sociais, políticas e culturais dos processos de ensino e da matriz curricular em ciências sociais/sociologia. Os temas se voltam para a formação de professores, os conteúdos, as metodologias e epistemologias do ensino. Além disso, busca discutir trabalhos sobre a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas de educação, de saúde, de segurança, dentre outras, destinadas à redução das desigualdades sociais. 11 Programação do Evento 09/11/2015 - SEGUNDA-FEIRA 19.30hs - Anfiteatro Maior/CCH MESA DE ABERTURA: Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais: o contexto brasileiro. A pesquisa e sua ética, o poder e sua norma - Luiz Antonio de Castro Santos (IMS/UERJ-Professor visitante da UFSB/Porto Seguro) Duas décadas de difícil diálogo entre as ciências biomédicas e as ciências humanas: o sistema CEP/Conep - Leila Jeolás (UEL) 10/11/2015 - TERÇA-FEIRA 9 às 12hs - GTs 14 às 18hs - GTs 18hs - Anfiteatro Maior/CCH LANÇAMENTOS: Dossiê Comitês de Ética em Pesquisa: caminhos e descaminhos teórico- metodológicos da Revista da SBS (v. 3, n. 05: jan. jun. 2015) Livro Plágio: palavras escondidas. Débora Diniz; Ana Terra. Brasília: Letras Livres; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2014. 12 19.30hs - Anfiteatro Maior/CCH MESA: O Plágio e as instituições acadêmico-científicas brasileiras Desafios éticos na escrita acadêmica e plágio - Ana Terra (Anis - Instituto de Bioética) Plágio na produção acadêmica e na produção científica - Martha Ramírez- Gálvez (UEL) 11/11/2015 - QUARTA-FEIRA 9 às 12hs - Minicurso: Análise de dados qualitativos com auxílio de software (Cléber Silva Lopes, UEL) 14 às 18hs – GTs 13 Apresentação Os textos apresentados nestes Anais são resultado do IV Seminário Integrado de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL). O evento tem âmbito nacional e seu objetivo é criar um espaço para a circulação e discussão da produção acadêmica discente de Pós-Graduação em Ciências Sociais e áreas afins. O tema de sua quarta edição A pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios buscou ressaltar, sobretudo, as reflexões atuais e urgentes da discussão nacional sobre ética, plágio e condições de produção e disseminação da pesquisa em Ciências Sociais no Brasil. As duas Mesas-Redondas focaram essa discussão. A primeira, Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais: o contexto brasileiro, contou com a participação de Luiz Antonio de Castro Santos, professor aposentado do IMS/UERJ e atualmente professor visitante da UFSB/Porto Seguro, e de Leila Jeolás professora aposentada da UEL. A segunda mesa, O plágio e as instituições acadêmico-científicas brasileiras, contou com a apresentação da pesquisadora Ana Terra do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e da professora Martha Ramiréz Galvéz da UEL. A coordenação dos Grupos de Trabalho foi realizada por professores do departamento e foram organizados de modo a abarcar trabalhos de diferentes linhas de pesquisa, tais como: Estado e movimentos sociais; Desigualdade e Mobilidade Social; Identidades e alteridades: entre o local e o global; Políticas públicas e ensino de sociologia; Ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais. O tema da primeira Mesa-Redonda sobre Ética em Pesquisa nas Ciências Sociais e Humanas ganhou espaço nos eventos científicos das várias áreas de humanidades, em razão dos limites e impasses enfrentados na regulamentação formal da ética em pesquisa no Brasil. Tal regulamentação é realizada através do sistema dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) atrelados à Coordenação Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e, ligados por sua vez, ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS). Esse sistema se organizou a partir da resolução 196 de 1996 do CNS/MS e há consenso entre os pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais (CHS) sobre sua importância como marco histórico contra os abusos da ciência, principalmente a experimental, e sobre o fato de ser sido resultado de amplas discussões pautadas em tratados éticos internacionais. 14 Entretanto, a extrapolação de sua lógica para as pesquisas envolvendo seres humanos, em todas as áreas do conhecimento, de forma generalizada e padronizada, trouxe controvérsias, conflitos e dificuldades de diálogo que já dura quase duas décadas no contexto nacional. Essas dificuldades foram delineadas na primeira Mesa-Redonda que retraçou o debate iniciado no final da década de 1990 entre antropólogos que desenvolvem pesquisa em áreas indígenas e pesquisadores cujos trabalhos têm interface com a área da saúde coletiva e/ou se pautam em abordagem qualitativa de pesquisa. Abordou igualmente a necessidade de regulamentação da pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais (CHS), mas, ressaltando sua natureza diferente daquela própria das áreas (bio)médicas, não podendo responder, portanto, ao formato/padrão do sistema CEP/Conep. As dificuldades se iniciaram na experiência de pesquisadores como representantes dos CEPs ou na submissão de seus projetos de pesquisas. Eles passaram a apontar os limites do sistema para avaliação das pesquisas em suas áreas, sendo que os primeiros pontos de conflito e de discordância foram a exigência automática e padronizada do TCLE e a exigência do desenvolvimento do “projeto conforme delineado”, ou seja, com definição a priori do número de pessoas a serem entrevistadas, do roteiro de questões definidas, dentre outros pontos. Isso mostra o desconhecimento (e a resistência à escuta) com relação às implicações epistemológicas na construção e formulação do problema de pesquisa, bem como das implicações da natureza da relação pesquisador- pesquisado, que é objeto de reflexão e da construção do conhecimento nas abordagens metodológicas das CHS. Atualmente são muitas “vozes”, publicações, participação em eventos e moções que tentam mostrar a disposição em dialogar alternativas com a Conep às especificidades das pesquisas realizadas com seres humanos nas CHS, cujas exigências são distintas daquelas próprias das pesquisas experimentais em seres humanos. A segunda mesa sobre Plágio nas Instituições Acadêmico-Científicas também tratou de um tema pungente à pesquisa científica realizada na atualidade. E, de certa forma, discutiu a ética em pesquisa a partir de outra perspectiva: aquela que diz respeito à própria circulação e publicização do saber científico em uma época onde a produtividade acadêmica é chave não apenas para conferir prestígio aos cientistas, mas é um item fundamental para o próprio financiamento de algumas pesquisas em detrimento de outras. Nessa chave de entendimento, Ana Terra expôs em sua fala como pode ser possível lidar com o tema do plágio sem nos rendermos exclusivamente à esfera punitiva, já cabível na legislação. Nesse sentido, os ouvintes da mesa puderam aprender um pouco mais sobre plágio e autoplágio, constatando as diferenças existentes entre citação, inspiração teórica, recriação de ideias e o plágio propriamente dito. Com isso, foi enfatizada a necessidade de as instituições também trabalharem de forma a criar um ambiente que ensine seus estudantes e pesquisadores a não cometerem plágio. Foi significativo, nesse sentido, que 15 Martha Ramírez-Gálvez também integrasse a mesa, uma vez que esta professora esteve a frente do periódico científico “Mediações – Revista de Ciências Sociais” até o ano de 2013. A experiência de Martha Ramírez-Gálvez como editora chefe de um importante periódico científico ajudou a esclarecer pontos importantesno debate sobre plágio e sua fala, inspirada nos modelos de boas práticas científicas formulados pelo CNPq e pela FAPESP, muito contribuiu para a discussão. Analisamos, assim, que o IV Seminário Integrado de Pesquisa em Ciências Sociais foi um sucesso e teve um grande impacto na vida acadêmica daqueles que participaram deste evento. Como forma de contribuir ainda mais para o debate acadêmico, que nunca se encerra nos dias dedicados à realização do próprio evento científico, resolvemos publicar os Anais do evento, que conta com textos escritos de quase todas as apresentações. Esperamos, com isso, promover ainda mais o diálogo intelectual que é a força motriz das atividades de pesquisa em Ciências Sociais. Boa leitura! Comissão organizadora do IV Seminário Integrado da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. 16 Oficina: Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais 17 Proposta de comunicação oral para o: IV SEMINÁRIO INTEGRADO DE PESQUISA: A PESQUISA NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS GT 05 – Ética na pesquisa em Ciências Humanas e Sociais Carla Delgado de Souza: Para além do sistema CEP/CONEP: o que é ética na pesquisa em ciências humanas e sociais? (Professora do Departamento de Ciências Sociais/UEL) delgadodesouza@gmail.com 2015 18 RESUMO: O sistema CEP/CONEP, em voga com bastante força no Brasil desde 1996, tem, de acordo com suas resoluções o intuito de regulamentar as pesquisas realizadas em seres humanos no Brasil. A ideia original do projeto era submeter as pesquisas das áreas biomédicas a análises que pudessem averiguar se abusos em nome da ciência estavam sendo cometidos contra os seres humanos que dela participavam. Verifica-se, no discurso escrito nas resoluções, a tentativa de iluminar que pesquisas em seres humanos lidavam com sujeitos, e não objetos, de pesquisa. Obviamente, o sucesso dessa empreitada dependeria de uma transformação de cunho epistemológico, na medida em que a alteração provocada quando entendemos o ser humano participante da pesquisa como um sujeito deveria surtir efeitos e questionamentos significativos quanto à própria realização das pesquisas científicas. Tal fato por si só poderia conferir um adensamento sensível das discussões sobre as práticas científicas, seus objetivos e valores. A participação de profissionais das áreas de ciências humanas e sociais, que aos poucos adentraram o espaço dos comitês de ética (ainda hoje majoritariamente composto por profissionais das áreas médicas) talvez tivesse o papel de promover uma interlocução de saberes e práticas. Afinal, não é novidade para ninguém que a própria noção de ética é historicamente construída e tem suas raízes fincadas na Filosofia, remetendo aos seus primórdios na Grécia antiga. No entanto, nada disso parece ter ocorrido. A despeito dos pequenos progressos realizados por alguns profissionais das ciências humanas que militaram em prol de um alargamento da própria concepção de ciência dentro dos comitês, temos acompanhado vários casos em que intelectuais inicialmente dispostos a realizar uma discussão sobre ética em pesquisa voltaram-se contra o formato atual dos comitês de ética e acabaram-se desvinculando-se desses. Sem ter sido um nome atuante na militância em prol da construção de um diálogo interdisciplinar nos comitês de ética, meu intuito, nessa comunicação, é refletir, com base em minha experiência pessoal como membro do CEP da Universidade Estadual de Londrina durante apenas treze meses (no período de maio de 2013 a junho de 2014) sobre a ausência de diálogo instaurada na base do próprio sistema, que exerce o biopoder como forma de normalização de práticas científicas de maneira crua e literal. Quando eu não mais conseguia exercer sequer as atividades 19 burocráticas, que constituem o cerne da prática do CEP/UEL, saí do mesmo, fazendo desta saída uma atitude (micro)política, por meio da elaboração de uma carta- 20 justificativa dos argumentos que me faziam declinar da participação do comitê. Em tempo, tal atitude só foi possível porque contei com o apoio dos demais professores de antropologia do Departamento de Ciências Sociais da UEL, que decidiram redigir e assinar conjuntamente a carta-justificativa, que também se tornou uma espécie de manifesto. O processo de desencantamento com o CEP/UEL tomou ainda maiores proporções quando, após a divulgação do documento, tive acesso a narrativas de colegas que também sofriam com as imposições e as leituras “duras” das resoluções que regem a regulamentação das pesquisas envolvendo seres humanos. A ideia de que os comitês de ética em pesquisa estariam atuando como uma forma de policiamento das atividades intelectuais ganhou uma dimensão mais completa e me fez perceber toda a falência do sistema CEP/CONEP. Assim, após mais de um ano afastada destas atividades, e em consonância com as afirmativas dos artigos que compõem o dossiê: “Comitês de ética em pesquisa: caminhos e descaminhos teórico-metodológicos”, recém publicado na Revista Brasileira de Sociologia, pretendo analisar eventos da minha trajetória nesse comitê, entendendo alguns episódios como dados de um trabalho de campo antropológico. Além disso, pretendo fazer uma discussão paralela de como as questões éticas vem sendo tratadas no escopo das abordagens antropológicas na atualidade. Bibliografia de suporte/interlocução para a elaboração do paper: ALMEIDA, M. “A etnografia em tempos de guerra: contextos temporais e nacionais do objeto da antropologia”. In: PEIXOTO, F. A; PONTES, H & SCHWARCZ, L. M. (Orgs). Antropologias, histórias, experiências. Belo Horizonte: UFMG/Humanitas, 2004. ALMEIDA, M. “As Ciências Sociais e seu compromisso com a verdade e com a justiça”. In: Mediações – Revista de Ciências Sociais, vol. 20, n°01, 2015. DUARTE, L. F. D. “A ética em pesquisa em ciências humanas e o imperialismo bioético no Brasil”. In: Revista Brasileira de Sociologia, vol. 03, n°05, 2015. FOUCAULT, M. Os anormais. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2002. JEOLÁS, L & SANTOS, L. A. C. “Apresentação: a pesquisa e sua ética, o poder e sua norma”. In: Revista Brasileira de Sociologia, vol. 03, n°05, 2015. JEOLÁS, L & SANTOS, L. A. C. “Uma comissão nacional de ética em pesquisa, as ciências biomédicas e humanas: trespassing à brasileira”. In: Revista Brasileira de Sociologia, vol. 03, n°05, 2015. MISKOLCI, R. “Reflexões sobre normalidade e desvio social”. In: Estudos de Sociologia, vol. 13/14, 2002/2003. SARTI, C. “A ética em pesquisa transfigurada em campo de poder: notas sobre o sistema CEP/CONEP”. In: Revista Brasileira de Sociologia, vol. 03, n°05, 2015. 21 Universidade Estadual de Londrina IV Seminário Integrado de Pesquisa GT Ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais Letícia Figueira Moutinho Kulaitis Gestão de políticas públicas e produção acadêmica: fronteiras e questões éticas na atuação profissional do sociólogo Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Universidade Federal do Paraná Londrina 2015 22 O exercício da imaginação sociológica é, para C. Wright Mills (1972), o ponto de partidado ofício de sociólogo. Ao situar-se socialmente, o pesquisador torna-se capaz de compreender sociologicamente o contexto no qual está inserido. A formação deste olhar sociológico possibilita, portanto, uma nova interpretação das questões suscitadas pela experiência em sociedade. Trata-se, como aponta José de Souza Martins (2013), da transformação da informação bruta em dado sociológico, investigado e analisado por meio da pesquisa sociológica como atividade própria de um artesanato intelectual. A ruptura da Sociologia com o senso comum relaciona-se, na definição do ofício de sociólogo como proposta por Pierre Bourdieu (1999), com a construção do objeto como prática epistemológica. Para Bourdieu é necessário evidenciar as pré-noções que constituem a experiência do próprio sociólogo para que se possa construir um objeto de pesquisa. Para além da Academia, a profissão do sociólogo tem sido exercida em outros espaços como órgãos e agências governamentais, organizações da sociedade civil e empresas privadas. Este exercício estabelece novas questões éticas e propicia a aproximação do pesquisador de suas das fontes de pesquisa (desde o acesso a documentos até o contato com os agentes). O presente artigo exemplifica esta aproximação dos sociólogos de um campo profissional definido por Michael Burawoy (2009) como Sociologia para Políticas Públicas e pretende apontar de que modo esta aproximação possibilitou a realização de uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. O ponto de partida dessa pesquisa foi a contratação, no ano de 2009, em processo seletivo simplificado para o exercício de atividades técnicas especializadas do Ministério da Justiça por tempo determinado. Os profissionais foram contratados para atuarem na sede do Ministério em Brasília e em 11 estados e suas atividades foram direcionadas para o acompanhamento da execução do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), lançado pelo Governo Federal em julho de 2007. Após a contratação, os profissionais participaram, por um período de 15 dias, de capacitação para exercício de suas funções na sede do Ministério da Justiça. Em palestra que inaugurava o curso de formação, o Ministro da Justiça Tarso Genro afirmou que os jovens brasileiros são, dentre toda a população, os que mais matam e morrem e sendo assim, o PRONASCI foi idealizado para oferecer um novo caminho por meio da profissionalização, do pagamento de bolsas e de uma repressão policial „qualificada‟ nos territórios em que viviam estes jovens. 23 De início, destacava-se, na apresentação do Programa pelo Ministro, o fato de os jovens ora serem apresentados como vítimas da criminalidade e da violência, ora como vitimizadores, potenciais ameaças à sociedade. Tal fato despertou a atenção para a percepção de que a associação entre juventude, violência e pobreza se fazia presente nos documentos oficiais produzidos para a divulgação do Programa e parecia estabelecer que a atividade criminosa está ou estará presente na trajetória de jovens pobres, moradores das áreas de periferia dos grandes centros urbanos e era preciso, portanto, atender a demanda social e política por retirar os jovens brasileiros da rota da criminalidade e da violência. A atuação como Profissional de nível superior – nível III - Ciências Sociais – com lotação no Estado do Paraná no período compreendido entre janeiro de 2009 e maio de 2014, por fim, suscitou um conjunto de questões que foram levadas ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná em seleção realizada no ano de 2012. São elas: Como as construções oficiais da juventude e da violência pelas políticas públicas difundidas pela SENASP se articulam com as práticas de gestão da segurança pública? E quais os resultados dessa articulação para a definição do peso dos processos de vitimização e de criminalização do jovem? A descrição do percurso de pesquisa tem por objetivo identificar as fronteiras entre a atuação do sociólogo como gestor de políticas públicas e pesquisador apontando para uma reflexão sobre as limitações éticas que perpassam a produção acadêmica. REFERÊNCIAS BECKER, Howard S. Segredos e truques da pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude e PASSERON, Jean-Claude. A profissão de sociólogo. Preliminares epistemológicas. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999. BURAWOY, Michael. Cultivando Sociologias Públicas nos Terrenos Nacional, Regional e Global. Revista Sociologia Política. V. 17, n. 34. Curitiba: out, 2009. p. 219-230. MARTINS, José de Souza. O artesanto intelectual na sociologia. Revista Brasileira de Sociologia. V. 1, n.02. Sergipe: jul.dez, 2013. p. 13-48. MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 24 Letícia Figueira Moutinho Kulaitis: Gestão de políticas públicas e produção acadêmica: fronteiras e questões éticas na atuação profissional do sociólogo IV SEMINÁRIO INTEGRADO DE PESQUISA “A Pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios” Universidade Estadual de Londrina OFICINA “ÉTICA EM PESQUISA NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS” Gestão de Políticas Públicas e produção acadêmica: Fronteiras e questões éticas na atuação profissional do sociólogo Letícia Figueira Moutinho Kulaitis (UFPR) leticia.kulaitis@gmail.com Resumo: O exercício da imaginação sociológica é, para C. Wright Mills (1972), o ponto de partida do ofício de sociólogo. Ao situar-se socialmente, o pesquisador torna-se capaz de compreender sociologicamente o contexto no qual está inserido. A formação deste olhar sociológico possibilita, portanto, uma nova interpretação das questões suscitadas pela experiência em sociedade. Para além da academia, a profissão do sociólogo tem sido exercida em outros espaços como órgãos e agências governamentais, organizações da sociedade civil e empresas privadas. Este exercício estabelece novas questões éticas e propicia a aproximação do pesquisador de suas fontes de pesquisa ( facilitando desde o acesso a documentos até o contato com os agentes). O presente artigo exemplifica esta aproximação dos sociólogos de um campo profissional definido por Michael Burawoy (2009) como Sociologia para Políticas Públicas e pretende apontar de que modo esta aproximação possibilitou a realização de uma pesquisa no Programa de Pós- Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. 2015 25 Sobre a profissão do sociólogo O exercício da imaginação sociológica é, para C. Wright Mills (1972), o ponto de partida do ofício de sociólogo. Ao situar-se socialmente, o pesquisador torna-se capaz de compreender sociologicamente o contexto no qual está inserido. A formação deste olhar sociológico possibilita, portanto, uma nova interpretação das questões suscitadas pela experiência em sociedade, ou seja, uma compreensão do cotidiano que sobreleva o senso comum imediato. Trata-se, como aponta José de Souza Martins (2013), da transformação da informação bruta em dado sociológico, investigado e analisado por meio da pesquisa sociológica como atividade própria de um artesanato intelectual. Nas palavras de Martins (2013. p. 34), a imaginação sociológica: É uma forma de utilizar a própria memória, as próprias lembranças e esquecimentos como fontes de dados sociológicos, para que um autor se situe socialmente e compreenda sociologicamente sua circunstância e desse modo se capacite para observar o outro e o social. A observação do social produzida pelo sociólogo, produto do ofício de sociólogo como definidopor Bourdieu; Chamboredon e Passeron (1999), engedra a ruptura da Sociologia com o senso comum por meio da construção do objeto como prática epistemológica. Para os autores, é necessário evidenciar as pré-noções que constituem a experiência do próprio sociólogo para que se possa construir um objeto de pesquisa. Para além da academia, lócus do campo científico, a profissão do sociólogo tem sido exercida em outros espaços como órgãos e agências governamentais, organizações da sociedade civil e empresas privadas. Ao mesmo tempo em que este exercício propicia a aproximação do pesquisador de suas das fontes de pesquisa (desde o acesso a documentos até o contato com os agentes) também estabelece novas questões éticas. O presente artigo exemplifica esta aproximação dos sociólogos de um campo profissional definido por Michael Burawoy (2009) como Sociologia para Políticas Públicas 1 e pretende apontar de que modo esta aproximação possibilitou a 1 A Sociologia para Políticas Públicas [policy Sociology] é definida por Burawoy (2009, p. 221) como uma área da Sociologia “que procura oferecer soluções para problemas definidos por um cliente, por 26 realização de uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. Burawoy discute a posição do sociólogo e dos cientistas sociais como “intelectuais”, cuja inserção política e institucional é variada, podendo ser profissional, crítica, pública ou voltada para políticas públicas. Para autor, os cientistas sociais podem adotar apenas uma dessas dimensões de cada vez, mas reconhece que as trocas entre os gêneros da prática sociológica integram, de maneira positiva, a sua dinâmica profissional (BURAWOY, 2009, p. 219). Entretanto, se retomarmos a posição de Wright Mills (1972) e José de Souza Martins (2013) e compreendermos a profissão do sociólogo pela lógica da formação de um olhar sociológico, entenderemos que a separação entre essas dimensões não se constitui como barreiras intransponíveis, mas sim como fronteiras pelas quais o sociólogo transita e as articula. Ainda que exerça uma função de gestão pública, o sociólogo tomará sua atividade profissional como uma questão sociológica, refletindo de modo crítico sobre sua prática. É na fronteira entre o exercício profissional da Sociologia e a prática da pesquisa que o sociológo encontrará espaço para a produção de conhecimento científico acerca dos temas com os quais se defronta em seu cotidiano. Ao analisar a tipologia proposta por Burawoy, Simon Schwartzman (2009, p.12) trata destas fronteiras e indica que: Os principais campos de trabalho para os sociólogos brasileiros hoje são as organizações não governamentais da sociedade civil, o trabalho na administração pública, e a carreira acadêmica. Diferente de Burawoy, acredito que é no mundo acadêmico, da liberdade de pesquisa e do rigor científico, que deveria estar a âncora que desse ao sociólogo a liberdade de trabalhar com autonomia e independência intelectual nos outros setores. A questão que se coloca é se esta âncora realmente funciona, ou se, ao contrário, são as agendas das organizações da sociedade civil e das burocracias públicas, assim como dos partidos e movimentos políticos que permeiam as instituições, que acabam determinando o que ocorre no âmbito da pesquisa acadêmica e profissional (SCHWARTZMAN, 2009, p. 12). Ao transitar por estas fronteiras, ou seja ao exercer as funções de pesquisador e gestor/técnico de políticas públicas, o sociólogo deverá observar os um patrão; Aqui o sociólogo é o especialista que vende seu conhecimento especializado para certo cliente e para determinada tarefa”. 27 limites éticos que se impõem à realização destas atividades 2 . Por um lado, na atividade profissional, os limites são impostos pelos vínculos institucionais. Embora seja possível a formação de um espaço para avaliação crítica desta atividade, de qualquer modo, ao ser contratado para avaliar ou acompanhar uma determinada política pública, o sociólogo compromete-se com esta política e suas críticas e reflexões, por vezes, não encontram ressonância naqueles que o contrataram. A sociologia, desde a sua constituição como disciplina autônoma, suscita críticas. Estas se referem à afirmação da necessidade de múltiplas rupturas:com as outras disciplinas científicas que têm a vocação de estudar o social, com os discursos do senso comum, com todas as instituições ou organizações que não têm interesse no trabalho de objetivação (BONNEWITZ, 2005, p. 27). Há, portanto, que se compreender que o exercício da função pública impõe limites à autonomia e independência do pesquisador. Ainda que, por meio da imaginação sociológica, o pesquisador reflita sobre sua atividade profissional é, somente, ao realizar a construção de um objeto de pesquisa que possibilita desvelar o conteúdo das políticas públicas. Na seção seguinte, a descrição do percurso da pesquisa tem por objetivo exemplificar de que modo a prática profissional pode contribuir para a delimitação de um objeto sociológico. Gestão de políticas públicas e produção acadêmica: Delimitando um objeto sociológico O ponto de partida da pesquisa em andamento 3 foi a contratação, no ano de 2009, em processo seletivo simplificado para o exercício de atividades técnicas especializadas do Ministério da Justiça por tempo determinado. Os profissionais foram contratados para atuarem na sede do Ministério em Brasília e em 11 estados (Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, São Paulo e Rio Grande do Sul) e suas atividades foram direcionadas 2 É importante ressaltar que não se trata da discussão dos limites éticos nos termos propostos pela Comissão de Ética em Pesquisa (CONEP). Trata-se do rigor metodológico próprio da atividade de pesquisa nas Ciências Sociais. 3 Tese de Doutorado denominada Entre a vitimização e a criminalização: juventude, segurança pública e controle social perverso realizada no Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH), sob orientação do Prof. Dr. Pedro R. Bodê de Moraes, do Programa de Pós- Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná, com previsão de defesa para março de 2016. 28 para o acompanhamento da execução do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), lançado pelo Governo Federal em julho de 2007. Após a contratação, os profissionais participaram, por um período de 15 dias, de capacitação para exercício de suas funções na sede do Ministério da Justiça. Em palestra que inaugurava o curso de formação, o Ministro da Justiça Tarso Genro afirmou que os jovens brasileiros são, dentre toda a população, os que mais matam e morrem e sendo assim, o PRONASCI foi idealizado para oferecer um novo caminho por meio da profissionalização, do pagamento de bolsas e de uma repressão policial „qualificada‟ nos territórios em que viviam estes jovens. Nas palavras do ministro, se fosse possível salvar apenas um jovem, o programa teria cumprido sua missão. De início, destacava-se, na apresentação do Programa pelo Ministro, o fato de os jovens ora serem apresentados como vítimas da criminalidade e da violência, ora como vitimizadores, potenciais ameaças à sociedade. Tal fato despertou a atenção para a percepção de que a associação entre juventude, violência e pobreza se fazia presente nos documentos oficiais produzidos para a divulgação do Programa e parecia estabelecer que a atividade criminosa está ou estará presente na trajetória de jovens pobres, moradores das áreas de periferiados grandes centros urbanos e era preciso, portanto, atender a demanda social e política por retirar os jovens brasileiros da rota da criminalidade e da violência. A atuação como Profissional de nível superior – nível III - Ciências Sociais – com lotação no Estado do Paraná no período compreendido entre janeiro de 2009 e maio de 2014, por fim, suscitou um conjunto de questões que foram levadas ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná na seleção realizada no ano de 2012. São elas: Como as construções oficiais da juventude e da violência pelas políticas públicas difundidas pela SENASP se articulam com as práticas de gestão da segurança pública? E quais os resultados dessa articulação para a definição do peso dos processos de vitimização e de criminalização do jovem? Inicialmente a preocupação descrita no Projeto de Tese era compreender de que modo a oscilação em apontar os jovens como vítimas ou criminosos se refletia nas políticas de segurança pública executadas por estados, municípios e pela União. No entanto, a experiência como gestora destas políticas e a busca pela literatura 29 que trata do tema indicou como fundamental a análise da formulação das políticas. Isso porque o resultado desta análise permite compreender o modo como os indivíduos a quem estas políticas se destinam são caracterizados. Dito de outra forma, são os documentos produzidos pelo Ministério da Justiça e os programas de financiamento disponibilizados a estados e municípios que determinam os rumos a serem tomados na condução da política de segurança pública. A execução dos projetos e programas atende, portanto, aos pressupostos definidos pela União e expressam, in loco, a apropriação e/ou reprodução destes pressupostos por estados e municípios. No caso da juventude, esta expressão oscila, como dito anteriormente, entre a vitimização e a criminalização desse segmento da população. Na prática, as políticas públicas de segurança, orientadas e financiadas pelo Ministério da Justiça, expressam a percepção da juventude pobre, moradora das áreas de periferia dos grandes centros urbanos, como uma potencial ameaça à ordem social. Tais políticas buscam manter os jovens pobres ocupados e isolados do seu próprio grupo. Sendo assim, formulou-se a hipótese de que estas políticas reforçam a dinâmica de marginalização que pretendem combater e lançam sobre essa população um estigma de grupo e de território, ou seja, de uma área marcada pela violência e habitada por criminosos e ou futuros criminosos. Portanto, a pesquisa, no PPGS-UFPR, dedicou-se à análise de como a vitimização e criminalização da juventude foi apresentada e inserida como pauta da política nacional de segurança pública e sua expressão nas políticas públicas elaboradas pelo Ministério da Justiça e executadas pela União, estados e municípios no período compreendido entre 1997 e 2012. O marco inicial deste recorte de tempo é a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), em 1997, órgão integrante do Ministério da Justiça. Responsável pela definição, difusão e financiamento das políticas nacionais de segurança, a SENASP situou a juventude como pauta da segurança pública. Já o marco final refere-se à execução do PRONASCI entre os anos de 2007 e 2012. O PRONASCI consolidou o foco etário da política nacional de segurança proposta pela SENASP. O programa teve suas ações dirigidas para jovens entre 15 30 e 24 anos, identificados como aqueles que já cometeram ou que, segundo o Ministério da Justiça, cometerão crimes. Para compreender como são construídas e difundidas pelo Ministério da Justiça as categorias juventude e violência juvenil e por fim, como estas categorias informam as políticas nacionais de segurança públicas foram descritas as variáveis que possibilitam a compreensão da noção de juventude em seu sentido sócio- histórico. Em seguida, foram apresentados os elementos que condicionam a experiência juvenil no contexto brasileiro e as políticas públicas direcionadas a esse segmento social no período correspondente aos anos 1995 a 2010. Considerando que a juventude ou as juventudes são formadas por um conjunto heterogêneo de indivíduos, com diferentes aspirações, experiências de vida e de acesso ao poder, a condição juvenil 4 é vivida pelos jovens, de acordo, com sua situação de classe, de gênero, de etnia, de renda, entre outras variáveis. Portanto, da condição juvenil, modo como uma sociedade forma e atribui significado a esse momento do ciclo de vida, define-se uma situação juvenil, o modo como esse momento é vivido em um determinado contexto social. A discussão dos dados referentes à ocupação da população jovem se mostra relevante para a compreensão da situação juvenil pois, atualmente, os marcos de transição da juventude para a vida adulta como a entrada no mundo do trabalho e a constituição de uma nova família, no Brasil, tornaram se processos ainda mais complexos No caso brasileiro, há uma variável fundamental para a compreensão da situação juvenil. Trata-se da violência a que a juventude brasileira está exposta em suas diversas manifestações. Por conta dos altos índices de agressões e homicídios sofridos pelos jovens brasileiros, o país despertou o interesse de diferentes organismos internacionais que se dedicaram a avaliar tal situação. Integrados como conteúdo das políticas nacionais de segurança pública, os jovens são identificados como parte de um trinômio que se completa por sua associação aos termos pobreza e violência. Estes jovens ora são apresentados como vítimas da criminalidade e da violência, ora como vitimizadores, potenciais ameaças à sociedade. 4 A juventude, compreendida como uma condição, define-se como um momento do ciclo de vida em que o indivíduo passa a integrar outras dimensões da vida social como, por exemplo, o mercado do trabalho. 31 No contexto destas políticas é possível perceber que mesmo quando o jovem é reduzido a vítima, a atenção que se volta para ele é constituída pela noção de que, por conta das características socialmente atribuídas a condição juvenil e de sua situação de marginalidade social, este caminharia numa linha tênue entre a prática concreta da criminalidade e a possibilidade efetiva de realizá-la. Ou seja, de modo geral, a juventude é representada como um caso de polícia. Partindo da hipótese de que para compreender a inserção da juventude como questão de segurança pública julgou-se necessário apresentar como se estruturaram e se desenvolveram as atividades da Secretaria Nacional de Segurança de Pública no período compreendido entre 1997 e 2007. Ao longo da trajetória da Secretaria, a juventude foi apontada como autora e vítima da violência e é deste modo que se torna, a partir dos anos 2000, pauta dos projetos e programas de segurança pública executados pela União, estados e municípios. No ano 2000, a juventude começa a tomar forma como integrante do campo da segurança pública na elaboração do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP). No Plano, os compromissos que faziam referências a questão da adolescência e/ou da juventude eram aqueles voltados para a regulação dos meios de comunicação com vistas a impedir a exposição de crianças e adolescentes à violência e na inibição da atuação de gangues. Criado com o objetivo de apoiar projetos na área de segurança pública e de prevenção à violência enquadrados nas diretrizes do plano de segurança pública do Governo Federal, o Fundo Nacional de Segurança Pública financiou, entre 2003 e 2010, 118 projetos que continham, emseus objetos, menção a adolescentes e jovens como destinatários de suas ações. A análise destes convênios firmados com a SENASP apontou a presença dos profissionais de segurança pública como executores de projetos sociais para juventude. Esta presença é justificada, tanto por estados e município quanto pelo Ministério da Justiça, em virtude da necessidade de afastar os jovens da atividade criminosa. O pressuposto que orienta estes projetos é que a atividade criminosa está ou estará presente na trajetória de jovens pobres, moradores das áreas de periferia dos grandes centros urbanos e é necessário, portanto, atender a demanda social e política por retirar estes jovens da rota da criminalidade e da violência. 32 Por outro lado, o que estes convênios explicitam é que os policiais, bombeiros e guardas municipais envolvidos na execução dos mesmos serão responsáveis por formar e acompanhar os jovens e adolescentes em atividades escolares, culturais e esportivas. Portanto, executarão políticas públicas estaduais ou municipais voltadas a juventude e adolescência. Tal fato se configura como um processo de policialização destas políticas públicas. Observa-se que o foco da política nacional de segurança pública estabelecido pela SENASP não se limita à questão etária pois a juventude a quem se destina essa política é aquela que reside num local também estabelecido como foco da repressão à violência. Sendo assim, a política delimita uma faixa etária e um território como responsáveis pela violência vivenciada nos municípios. É no contexto deste debate sobre a vulnerabilidade social dos jovens e da suposta escalada dos homicídios cometidos por essa faixa que é criado, em 2007, no âmbito do Ministério da Justiça, o PRONASCI. Lançado, pelo Ministério da Justiça, em agosto de 2007, o programa teve suas ações dirigidas para jovens entre 15 e 24 anos, identificados como aqueles em situação infracional ou no caminho de situação infracional: adolescentes em conflito com a lei, jovens oriundos do serviço militar obrigatório, jovens presos, jovens egressos do sistema penitenciário e jovens em situação de descontrole familiar grave (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2008, p.5). Estes jovens não estariam integrados aos demais programas sociais do governo federal e seriam moradores das periferias dos grandes centros urbanos do Brasil. Os pressupostos que orientaram a construção do Programa e sua estrutura são apresentados neste capítulo. Ao todo o Programa reuniu 94 ações divididas em ações estruturais e ações dos programas locais. As ações estruturais visavam modernizar as polícias e o sistema prisional, valorizar os profissionais do setor, enfrentar a corrupção policial e o crime. Os programas locais, integrantes do PRONASCI, compreendiam as chamadas ações de prevenção destinadas “a retirar o jovem da rota criminal e inseri- lo nos programas governamentais já existentes, recuperando-os para a cidadania” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2008a, p.5). Ao apontar para a necessidade de pacificação desses espaços por meio da “mobilização policial”, o modelo de ocupação dos territórios, proposto pelo Programa, assenta-se na instituição de um processo de criminalização da pobreza, 33 como indicado por Coelho (2005). Ainda que, no caso do PRONASCI, a vinculação da “mobilização policial” à “mobilização social” seja apontada como uma mudança do modelo de ocupação destes territórios, a denotação dos locais selecionados pelo Programa como territórios não-pacificados acaba por reforçar a dinâmica da marginalização que objetivavam combater. A policialização dos projetos previamente executados por outros ministérios e secretarias especiais do governo federal tem como ponto de partida a noção de que nas localidades identificadas como “Território PRONASCI” ou ainda “Território de Paz” tais ações podem se concretizar apenas com o acompanhamento prévio e permanente das forças municipais e ou estaduais de segurança pois são estas as regiões que concentram a violência, a criminalidade e a descoesão social. A análise dos dados referentes à execução orçamentária do PRONASCI apresentou-se como uma relevante ferramenta para a compreensão da instrumentalização dos princípios que orientaram a elaboração do Programa e dos efeitos produzidos por esta política nacional de segurança pública. São examinados 783 convênios e 23 termos de parceria no âmbito do PRONASCI entre os anos de 2008 e 2012. O processo de policialização das políticas, como expressão de um controle social do tipo perverso, e sua expressão nas políticas públicas voltadas para a juventude destacou-se como importante elemento para a compreensão do objeto proposto. A discussão proposta se estrutura a partir da seguinte definição: Sabendo -se que a ordem e a organização dela derivada é inerente a qualquer sociedade, pode -se afirmar que não existe sociedade que não a produza e reproduza por intermédio de dinâmicas de controle social. A intenção de manutenção da ordem e da organização social encontra- se presente na formulação e na operacionalização das políticas públicas, e constituem um mecanismo de controle social por intermédio da produção da integração e do bem estar. No entanto, aquém daquele modelo de controle social observamos em muitos casos, entre os quais algumas políticas públicas implementadas no Brasil, outro tipo de controle social que nominaremos como perverso por ter uma forma e conteúdo policialesco e que tem na policialização das políticas públicas sua forma mais acabada, uma vez que sob a justificativa da inclusão e proteção social e que assim é percebida por inúmeros atores sociais, acabam, na prática, por produzir ou intensificar a segregação e criminalização das populações e indivíduos que são os destinatários das políticas públicas (MORAES; KULAITIS, 2013, p. 1). 34 Assim, o PRONASCI foi analisado como um caso exemplar da policialização das políticas públicas e expressão dos mecanismos e tipos de controle social que estas políticas acabam por realizar. Como complemento à análise proposta foram elaborados 7 apêndices que apresentam os dados levantados para realização desta pesquisa. O APÊNDICE 1 lista os convênios firmados no âmbito do Fundo Nacional de Segurança que se dirigem à adolescência e juventude. Nos APÊNDICES 2 e 3 são relacionados os estados, municípios e consórcios de segurança pública que integraram o PRONASCI. A descrição das 94 ações que compõem o Programa é o objeto do APÊNDICE 4. Os APÊNDICES 5, 6 e 7 tratam dos convênios firmados pelo Ministério da Justiça com estados, municípios e organizações da sociedade civil de interesse público. É importante ressaltar que a experiência como profissional de nível superior foi de fundamental importância para a identificação das questões que nortearam a pesquisa e o conhecimento adquirido sobre a estrutura operacional e os programas instituídos pelo Ministério da Justiça facilitou sobremaneira a realização deste trabalho. Sendo assim, a oportunidade de exercer a imaginação sociologica a partir da prática profissional impulsiona o sociólogo a ir além dos limites impostos pelos deveres do exercício de uma função pública e de forma autonôma e independente produzir um conhecimento que reflete e objetiva essa prática. As fronteiras entre a chamada Sociologia para Políticas Públicas e a Sociologia como produção acadêmica abrem, portanto, novos caminhos para a produção sociológica e ao transitar por estas fronteiras, os sociólogos exercitam o artesanato que lhes é próprio. 35 REFERÊNCIAS BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a Sociologiade P. Bourdieu. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2005. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude e PASSERON, Jean-Claude. A profissão de sociólogo. Preliminares epistemológicas. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999. BURAWOY, Michael. Cultivando Sociologias Públicas nos Terrenos Nacional, Regional e Global. Revista Sociologia Política. V. 17, n. 34. Curitiba: out, 2009. p. 219-230. MARTINS, José de Souza. O artesanto intelectual na sociologia. Revista Brasileira de Sociologia. V. 1, n.02. Sergipe: jul.dez, 2013. p. 13-48. MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. MORAES, Pedro R. B; KULAITIS, Letícia F.M. Controle social perverso e a policialização das políticas públicas: o caso da Segurança com Cidadania. In: Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes,1, 2013. Araquara. Anais Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes. Disponível em: <http://goo.gl/4kxH8T>. Acesso em: 12 mar. 2015. SCHWARTZMAN, Simon. A sociologia como profissão pública no Brasil. Conferência preparada para o 14º Congresso Brasileiro de Sociologia, Rio de Janeiro, 31 de julho de 2009. Disponível em: http://goo.gl/aePBVd. Acesso em 02 de novembro de 2015. 36 Luiz Fernando Pereira: Autoridade etnográfica: refletindo as dimensões éticas e políticas na representação das culturas GT: Ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais Autoridade etnográfica: refletindo as dimensões éticas e políticas na representação das culturas Luiz Fernando Pereira Mestrando em Ciências Sociais pela UEL – Universidade Estadual de Londrina. 37 O presente trabalho visa colocar em debate a figura do antropólogo (a) e sua responsabilidade enquanto sujeito privilegiado no que diz respeito à representação de culturas e a necessidade de que este exerça em sua prática (trabalho de campo, pesquisa documental, etc.) uma postura ética. Contudo, a fronteira entre o que é ou não permitido não é ainda um consenso: na sua tentativa de observar tais parâmetros éticos em Antropologia e outras Ciências Humanas o profissional esbarra por vezes em regulações que lhe são arbitrárias: o sistema CEP/Conep é um exemplo, sendo alvo de críticas por não ser compatível com técnicas e metodologias das Ciências Humanas uma vez que tal sistema teve por referencial o campo biomédico (ver DINIZ, 2007), colocando obstáculos ou inviabilizando a realização de pesquisas em Ciências Humanas. Para a presente discussão foram utilizados os artigos e livros citados nas referências, sendo este um trabalho de teor teórico e bibliográfico. Conforme argumenta Clifford (1986), a Antropologia vem ganhando cada vez mais um caráter multidisciplinar, de modo que sua autoridade e retórica se espalharam por diversos campos onde a cultura torna-se um objeto de descrição e/ou crítica. Tal fato é perceptível no contexto brasileiro, por exemplo, quando o Poder Judiciário recorre a laudos antropológicos para se resolver litígios referentes a terras indígenas. Assim, propõe-se um debate sobre a representação de culturas por meio da etnografia, em um contexto onde discurso do antropólogo ganha relevância em outras esferas como a política. Um dos casos mais emblemáticos foi o estudo de Napoleon Chagnon (1968) junto aos Yanonami, que causou escândalo dentro da disciplina pela maneira como Chagnon descreveu este povo (uma sociedade neolítica intocada na Amazônia, violentos, em constante beligerância) e a maneira antiética como muitas informações foram obtidas em campo. A abordagem próxima da sociobiologia e do darwinismo fez de Chagnon uma figura controversa dentro da disciplina, onde a Antropologia Cultural é o referencial mais adotado entre os antropólogos (Borofsky, 2005, p.08) O escândalo não ficou restrito ao plano da teoria antropológica, uma contenda entre o antropólogo e seus pares da disciplina frente às denúncias de procedimentos 38 antiéticos na pesquisa: a alegada “selvageria” dos Yanonami presente na obra de Chagnon – contestada por antropólogos brasileiros nos anos 70 e 80, embora o escândalo só ter ganho publicidade nos anos 2000 – foi utilizada no final dos anos 80 como argumento por políticos brasileiro contra a criação de uma grande reserva para os yanonami, sugerindo a separação desta população em diversas pequenas reservas a fim de se evitar conflitos (e não coincidentemente propiciando que mais áreas para mineração de ouro estivessem disponíveis). Segundo Borofsky (2005, p.08) Chagnon condenou o uso deturpado de sua obra – mas o fez por meio da imprensa de língua inglesa, não no Brasil e em português onde haveria a possibilidade de alguma repercussão. Concluindo, espera-se que haja um debate permanente sobre a ética nos trabalhos antropológicos, que ganham credibilidade e projeção para além do âmbito acadêmico. No atual contexto político brasileiro, onde setores religiosos ou ligados ao agronegócio ou indústria bélica articulam seus interesses na esfera política, tal projeção é também uma faca de dois gumes: a retórica e discurso antropológico podem ser base para defesa dos interesses destes grupos, ou mesmo pesquisas sem a devida atenção aos procedimentos éticos podem agravar a situação de um grupo já socialmente e/ou historicamente marginalizado (como o exemplo supracitado dos yanonami), mas também as o discurso antropológico também pode fazer frente aos interesses particulares dos referidos grupos, até mesmo corroborando para a pertinência de estudos na área do Direito, Economia, Serviço Social, entre outras. BIBLIOGRAFIA BOROFSKY, R. Yanonami: the fierce controversy and what we can learn about it. Berkeley: University of California Press, 2005. CHAGNON, N. Yanonamö: the fierce people. New York: Holt, Hinehart and Winston, 1968. 39 CLIFFORD, James. “Introduction: Partial Truths”. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George (orgs.). Writing Culture: The Poetics and Politics of Ethnography. Berkeley: University of California Press, 1986 40 DINIZ, Débora. Avaliação ética em pesquisa social: o caso do sangue Yanonami. Revista Bioética 2007 15 (2). P.284-97. 41 IV SEMINÁRIO INTEGRADO DE PESQUISA “A pesquisa em Ciências Sociais: avanços e desafios” Universidade Estadual de Londrina OFICINA “ÉTICA EM PESQUISA NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS” Autoridade etnográfica: refletindo as dimensões éticas e políticas na representação das culturas Luiz Fernando Pereira (UEL), lfpkiko@hotmail.com Resumo: O presente trabalho visa colocar em debate a figura do antropólogo (a) e sua responsabilidade enquanto sujeito privilegiado no que diz respeito à representação de culturas ea necessidade de que este exerça em sua prática (trabalho de campo, pesquisa documental, etc.) uma postura ética. A polêmica dentro da antropologia envolvendo o antropólogo Napoleon Chagnon e seu trabalho junto aos Yanonami é aqui revisitada por ser um exemplo de pesquisa onde diversas práticas são apontadas como antiéticas por outros antropólogos e pela utilização da obra de Chagnon como justificativa para a separação dos Yanonami em diversos pequenos territórios com a justificativa de se evitar conflitos. Assim, busca-se assinalar a importância da condução ética de trabalhos antropológicos, uma vez que os mesmos podem ser voltados contra os interesses das populações pesquisadas. Assinala-setambém como o uso e retórica da antropologia não se restringe ao espaço acadêmico, adentrando também na esfera política na defesa de interesses (coletivos ou individuais). Palavras-chave: antropologia; etnografia; ética. 2015 42 Introdução O presente texto busca colocar em evidência alguns aspectos do fazer antropológico que até podem estar sendo levados em consideração, mas que precisam ser mais amplamente debatidos: as dimensões éticas e políticas que envolvem a representação de culturas por meio da etnografia. Para tornar mais claro a preocupação aqui presente: há uma preocupação ou problematização com aspectos éticos e políticos na elaboração e realização de trabalhos etnográficos tanto quantohá uma preocupaçãoem relação a que autores ou teorias utilizar, orçamento, tempo para realização, etc.? E a relação pesquisador- pesquisados, resume-se só ao consentimento do grupo quanto ao estudo? A abordagem acerca da autoridade etnográfica e as relações de poder vêm sendo intensificadas desde os anos 1960 na antropologia, em um contexto de descolonização dos impérios e influências do marxismo e do feminismo na antropologia e, posteriormente, da influência do pós-estruturalismo. O “fio condutor” selecionado para trazer à tona tais discussões é a polêmica que envolve o nome do antropólogo Napoleon Chagnon e seus estudos junto aos índios Yanonami 1 , que vivem em aldeias em ambos os lados da fronteira entre Brasil e Venezuela. Pelo seu livro Yanonamö: the fierce people (1968) 2 Chagon tornou os Yanonami ao mesmo tempo famosos e infames: famosos porquese tornaram um dos grupos indígenas amazônicos mais conhecidos internacionalmente, figurando como texto introdutório em muitos cursos de antropologia de instituições americanas; Infames pela forma desvirtuada como foram descritos (traduzindo o subtítulo, “the fierce people” equivale a “o povo feroz, selvagem”), como veremos adiante. Borofsky (2005, p.04) comenta que dentro da antropologia - fragmentada ao longo das décadas por diferentes abordagens e estudos de vários tipos de sociedades – os Yanonami tornaram-se um ponto de referência comum dentro da disciplina, tal como também são os Nuer, os Trobriandeses, Navajos e outras sociedades. 1 Na literatura o grupo indígena é referido como Yanonamö, Yanonama ou Yanonami. Tecnicamente não há algo que saliente uma ou outra forma como certa ou errada, mas Borofsky (2005, p.04) assinala que pode haver uma conotação política na adoção de um ou outro termo: Chagnon sempre usou o termo Yanonamö, e seus defensores costumam utilizar este mesmo termo, enquanto outros autores contrários ou neutros em relação à Chagnon utilizam os termos Yanonama e Yanonami. 2 Notei, ao encontrar na Internet parte de uma edição recente desta mesma obra (Chagnon,2013), que o subtítulo “the fierce people” (o povo feroz) parece não mais constar nas edições mais recentes da obra; Contudo, os criticados procedimentos de campo ainda constam no corpo do texto. 43 Chagnon também realizou filmagens 3 junto aos Yanonami, que ajudaram a tornar conhecida a imagem do povo Yanonami. Borofsky também comenta que estas filmagens receberam prêmios em festivais de cinema e deram visibilidade ao livro Yanonamö:The fierce people e tornando-o um Best-seller 4 , algo raro de se ver tratando-se de uma obra antropológica. Quanto à infâmia, esta já se nota na clara generalização no subtítulo do famoso livro: o nível de violência é exagerado pelo autor na obra e os Yanonami são apresentados por Chagnon como um dos povos mais primitivos da Terra, vivendo em um clima de crônica beligerância. Conforme explica Ramos (2004, p.03), a caracterização feita por Chagnon repercutiu não só nos meios acadêmicos, mas nos meios de comunicação de massa com uma matéria na Time Magazine em 1976, onde modo de vida dos Yanonami é apresentado como animalesco, comparável ao de bandos de babuínos. Ao que parece, o status de Best seller alcançado por Yanonamö não parece algo a ser celebrado, como uma obra etnográfica cujo sucesso não se restringiu ao meio acadêmico. Para Ramos (2005, p.03) o “estilo Chagnon de escrever” – ágil, cômico, até arrogante e desrespeitoso 5 – não passa pelo filtro da seriedade acadêmica, mas foi bem assimilado por um público leigo e ávido por exotismos. Em 1988 Chagnon publica um artigo na revista Science (Chagnon, 1988) onde se intensifica a polêmica ao dar contornos estatísticos e sociobiológicos ao que até então vinha relatando nas obras anteriores, e sobre o referido artigo Ramos comenta: Chagnon valeu-se de quadros estatísticos para dar legitimidade à sua interpretação segundo a qual mais de 40% dos homens adultos Yanomami são matadores e, por terem matado e provado sua bravura, fazem-se atraentes às mulheres e assim semeiam seus genes com mais eficácia do que os pusilânimes da tribo. Em suma, quanto mais mortes, mais sexo, 3 Segundo Borofsky (2005, p.11-12) uma das acusações de Patrick Tierney em seu livro Darkness in El Dorado é a de que as filmagens de Chagnon não seriam o que parecem – comportamentos espontâneos habilmente capturados pelas câmeras – mas sim uma encenação, com os Yanonami desempenhando papéis preestabelecidos. 4 Yanonamö: the fierce people conta com mais de três milhões de exemplares vendidos (segundo DINIZ, 2007) e rendeu mais de um milhão de dólares em royalties para Chagnon, levantando-se a questão se não seria justo Chagnon compartilhar os royalties com os yanonami – sem os quais Chagnon não teria escrito sua obra (Borofsky, 2005, p.13). 5 Em um dos relatos sobre o trabalho de campo Chagnon (2013) fala da praticidade de se levar nas longas caminhadas acompanhando os Yanonami bolachas e manteiga de amendoim para se alimentar, uma vez que era segundo ele de fácil preparo e uma das poucas coisas que se podia comer em paz (queixa freqüente de Chagnon). Ele percebeu que os Yanonami suspeitavam que a manteiga de amendoim fosse fezes de animal devido à sua aparência, e Chagnon não hesitou em dar por verdade a suspeita, cessando os pedidos de comida. 44 quanto mais sexo, mais prole. Como se no mundo real não existisse qualquer consideração de cunho simbólico, essa redução etnográfica atrela cruamente a necessidade de violência ao imperativo da reprodução da sociedade.(RAMOS,2005, p.04) Diniz (2007) também comenta sobre a maneira como Chagnon descreve a sociedade Yanonami, enfatizando o discurso próximo da sociobiologia no livro Yanonamö: the fierce people e a colaboração de Chagnon com o geneticista James Neel: O argumento do livro [...] é o de que a violência ocupa papel central nas sociedades yanomamis. Em parceria com Neel, Chagnon defendeu a tese de que o comportamento violento teria fundamento genético: os yanomamis seriam geneticamente propensos à violência. Essa caracterização do povo yanomami como povo selvagem tinha duplo apelo: por um lado, era referência à idéia, ainda vigente na época, de que as sociedades indígenas eram grupos primitivos que representariam parte de um processo evolutivo da humanidade e, por outro, de que os yanomamis eram selvagens pela violência estrutural. A selvageria seria, portanto, resultado de propensão genética ao uso da força física, mas também expressão do processo evolutivo das sociedades indígenas.(DINIZ, 2007, p.286) Chagnon e Neel foram acusados de várias práticas antiéticas 6 em seus trabalhos junto aos yanonami, como provocar deliberadamente uma epidemia de sarampo (acusação da qual foram inocentados); obter por meio de práticas questionáveis as genealogias dos grupos yanonami, dando presentes em troca de informações ou
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