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25 in o v a ç ã o e m p au ta – M ai o/ Ju nh o/ Ju lh o 20 12 a r t i g o Os Desafios Atuais e Futuros da Engenharia de Projeto Joel Weisz* A opinião pública v iu recentemente estam-padas na imprensa denúncias de obras superfatu- radas ou de empreendimentos que, em decorrência de suces- sivos “aditivos” acabam por Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e se defronta com a necessidade de empreender investimentos ainda maiores para preparar o País para grandes eventos internacionais, esses questionamentos se tornam ainda mais prementes. Este cenário suscita ainda a questão sobre o setor de engenharia consultiva que, após um período de pujança, na fase de crescimento da economia, até os anos 1980, se des- mobilizou, perdendo-se a capacitação e parte da memória técnica que já tinham sido acumuladas. ter seus preços aumentados mais do que seria razoável. O dano à sociedade é agravado pelo fato de que os inves- timentos acabam sendo mal feitos quando não simples- mente interrompidos no meio, deixando, como legado, mais esqueletos de obras inacabadas. O bom senso leva a indagar se e como seria possível coibir tais aberrações com o dinheiro público. Neste momento em que o Brasil se torna alvo de aten- ções ao receber a Conferência das Nações Unidas sobre 26 in o v a ç ã o e m p au ta – N úm er o 13 Importância Parece evidente que preceder as licitações públicas para investimentos de planejamento e estudos, bem como de trabalhos de enge- nharia que permitam reduzir imprevistos e prever melhor como transcorrerá a implan- tação atenuaria o problema, além de inibir os desvios cometidos deliberadamente. Prover o País com uma capacitação sólida em engenharia de projeto poderá também resultar na incorporação de com- ponentes de maior conteúdo tecnológico às atividades produtivas no País, aproveitar o poder de arraste da engenharia de projeto na especificação e definição de bens e serviços que serão usados nos investimentos, além de, evidentemente, assegurar maior racio- nalidade, maior observância dos preceitos de desenvolvimento sustentável e menores gastos nos investimentos públicos. Os grandes investimentos previstos devem ser implantados com base em estudos e plane- jamento, além de engenharia básica e executiva formuladas com o empenho que o montante dos recursos envolvidos exige. No entanto, o que se observa é que a tomada de decisões relativas aos investimentos é procrastinada, até que seja demasiado tarde, para então, em função da urgência na execução, se adotarem medidas excepcionais como dispensa de licita- ção ou o chamado “Regime Diferenciado de Contratação” que permite o desrespeito à sequência engenharia básica, engenharia executiva e implantação, conforme estipula a Lei de Licitações. A importância da engenharia de projeto transcende os limites do setor de engenharia consultiva e é maior do que sua participação relativa no PIB do País. Ainda que se trate de um setor importante para a economia, por seu papel como repositório do conhecimento e da competência técnica, sua importância reside nos impactos da engenharia de projeto no próprio desenvolvimento do País. Entre os impactos positivos do setor de engenharia cabe mencionar, por um lado, o fato de que quem faz engenharia básica influi na definição de fornece- dores de equipamento e de construção civil e, por outro lado, trará maior controle sobre os grandes investimentos públicos. Antecedentes O setor de engenharia de projeto vinha experimentando um grande desenvolvimento nos anos de crescimento acelera- do da economia, que se estendeu até o começo dos anos oitenta. Nessa fase, embora o modelo de substituição de importação nem sempre tenha sido muito favorável à absorção e fixação do conhecimento tecnológico relativo aos fatores de produção então implantados, o setor de engenharia, especialmente o setor de engenharia consultiva, passou, naquele período, por um forte crescimento e absorção de competência. Empresas que, nas primeiras fases de expansão do setor siderúrgico, hidroelétrico ou petroquímico, se limitavam ao trabalho de engenharia de detalhe, já na década de setenta ofereciam trabalhos de engenharia básica, engenharia con- ceitual, gerenciamento de projetos e estudos de viabilidade. Empresas de engenharia contavam seus profissionais aos milhares. Se é verdade que uma parte destes profissionais seria hoje desnecessária devido aos avanços da tecnologia (ex.: Autocad), o fato é que o setor absorvia os melhores quadros com altos salários. Nos anos oitenta, a redução na demanda por parte do Estado com a desaceleração da economia, além da grave inadimplência de algumas entidades estatais, forçaram várias “É fazendo engenharia que as equipes aprendem e ganham experiência” 27 in o v a ç ã o e m p au ta – M ai o/ Ju nh o/ Ju lh o 20 12 das empresas de engenharia consultiva a demitirem e redu- zirem o seu tamanho. Várias dessas empresas simplesmente não existem mais ou sobreviveram com outras atividades. Com a dispersão das equipes, perdeu-se uma com- petência que já tinha sido acumulada. O conhecimento destas empresas não se consubstancia apenas em manuais, softwares, blueprints ou outras formas de conhecimento codificado. Tampouco esse conhecimento pode ser locali- zado em indivíduos. As equipes de engenharia representam o repositório do conhecimento técnico amealhado e sua dispersão significa a perda de valioso acervo. Mais do que isso, este conhecimento deve ser constantemente usado em novos projetos para ser preservado e atualizado. A falta de trabalho, mais do que ensejar a dispersão das equipes, leva à obsolescência do conhecimento. Recomendações O que assegura ao País um setor de engenharia forte e di- nâmico é a demanda. É fazendo engenharia de projeto que as equipes aprendem e ganham experiência. Esse conhecimento não está nos livros ou em desenhos, nem em indivíduos, mas nas equipes. Só o contínuo exercício da prestação de serviços de engenharia de projetos é que mantém as equipes de enge- nharia coesas, mobilizadas e atualizadas. O poder de compra dos governos foi, e ainda é, para economias emergentes, muito importante para fortalecer e/ou proteger empreendimentos nacionais, especialmente aqueles que implicam em preservação da memória técnica. Não por outra razão, o subsídio ao investimento em tecnologia está excluído do rol de governos passíveis de ações, no âmbito da OMC, por práticas desleais de comércio internacional. A Lei 12.349/2010 permite que, nos processos de licitação, seja estabelecida margem de preferência para produtos manufaturados e para serviços nacionais, quando houver desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País. É importante que esta Lei seja posta em prática, para que não se torne letra morta. O pré-investimento para uma obra de porte médio re- presenta um gasto de 7,5% do investimento total enquanto numa obra de grande porte este percentual cai para cerca de 3,5%, segundo a Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE). Isso significa que um gasto relativa- mente reduzido em estudos, planejamento, planos mestres, inventários, engenharia básica e engenharia executiva deve resultar em economias sensivelmente maiores ao tornar mais racional o investimento físico e os dispêndios nele envolvidos. É com base nesta constatação que entidades, como o Clube de Engenharia, em diversas ocasiões, propuseram uma iniciativa que ainda não se concretizou: a criação de um banco de projetos. Um banco de projetos cumpriria uma dupla fun- ção. Por um lado, representaria um fluxo de demanda para o setor de engenharia consultiva, o que evitaria acontinua- ção na dispersão e a desatualização técnica de equipes. Por outro lado, ainda mais importante, representaria um acervo que propiciaria uma tomada mais racional de decisões de investimento, segundo prioridades nacionais, além de maior eficiência nos gastos públicos. **Joel Weisz é engenheiro eletricista pela UFMG e mestre em Engenharia de Produção pela New York University. Atuou em diferentes indústrias e empresas de engenharia, implantou e chefiou o Departamento de Engenharia Industrial na Eletromar – Westinghouse, foi coordenador de Planejamento e Estudos Econômicos na Esso Química e superintendente Financeiro da Rio Doce Engenharia e Planejamento. Também professor na FGV em análise de investimentos e em gestão da tecnologia, chefiou várias áreas na FINEP. Autor dos livros “Mecanismos de Apoio à Inovação Tecnológica” e “Projetos de Inovação Tecnológica”, é hoje dirigente da Cognética, Consultoria de Empreendimentos Ltda.
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