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PARECER REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

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Recife/PE, 22 de outubro de 2018. 
 
A/C. Profº .. (“Consulente”). 
 
EMENTA: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE, ESTATUTO DA 
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ATOS INFRACIONAIS. 
RELATÓRIO: Trata-se de consulta formulada pelo Profº .., que solicita parecer sobre a temática 
“Redução da maioridade penal”, assim como seus pontos favoráveis e desfavoráveis, a possibilidade 
de redução da criminalidade nacional, além da possível necessidade de reformulação no Estatuto da 
Criança e do Adolescente (ECA). 
É o relatório. 
FUNDAMENTAÇÃO 
A temática apresentada pelo consulente é hoje um tópico de discussão muito importante na 
sociedade brasileira. O tema leva ao extremo das paixões entre os prós e contras. 
Considerações iniciais. 
Antes de adentrarmos na análise do objeto, em uma apertada síntese faremos algumas 
observações: 
 
I. Maioridade penal é idade mínima que uma pessoa pode ser julgada criminalmente por seus 
atos como um adulto. 
II. No Brasil assim como em vários países do mundo, a maioridade penal começa a partir dos 
18 anos de idade. 
III. O Art. 27 do Código Penal estabelece (in verbes): art. 27 – os menores de 18 (dezoito) anos, 
são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos as normas estabelecidas na legislação especial. 
Por tanto, a lei estabeleceu uma presunção absoluta de inimputabilidade, decorrente da menor 
idade do autor do fato. Pouco importa se, de fato, ele possuía ou não condições mentais de 
compreender a ilicitude de sua conduta. 
Para nossa legislação, o autor do fato não pode ser punido na forma da lei penal. Com tudo, fica 
sujeito a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que lhe impõe 
medidas reeducativas, passiveis de aplicação ao menor infrator até os 21 anos de idade. Para 
exarar nossa opinião sobre a temática em discussão, consultamos uma matéria no blog A 
notícia que versa sobre a História de um adolescente infrator. 
 
 
 
 
 
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NARRATIVA DOS FATOS 
 
Assalto a mão armada - O caso ocorreu em maio 2014 na cidade de Joinville-SC, onde um jovem 
adolescente chamado Perdiz, acompanhado de um amigo (Jonas), vai até uma empresa a qual seu 
irmão trabalhava, e anuncia um assalto. Tudo o que ele queria naquele momento era pegar a grana 
e sair dali o mais rápido possível. Aquele dinheiro serviria para compra de alguns luxos, como 
roupas, tênis etc. O que ele não esperava é que naquele estabelecimento contaria com mais alguém 
armado, havia então um policial à paisana, que logo percebeu o movimento estranho sacou a arma e 
efetuou um disparo contra Perdiz, enquanto os jovens tentavam evacuar do local, foram ouvidos 
mais alguns disparos, e quando tentaram correr o dinheiro fruto do assalto ficou pelo chão. 
O nervosismo de Perdiz era tão grande, que fez o mesmo a cair. Na queda o braço fino do garoto 
não suportou o peso da arma, que acabou disparando acidentalmente. O mesmo conseguiu se 
levantar e correr sem ser atingido. Pulou muros, tentou se esconder na vegetação, mas não tinha 
jeito, pois haviam helicópteros da polícia rodeando a área, aquele seria o fim da linha para eles. 
Perdiz tinha 17 (dezessete) anos na época do fato ocorrido, havia começado a cometer atos 
inflacionais a pelo menos um ano, chegou a trabalhar vendendo peixes com o sogro, mas logo teve 
acesso fácil a primeira droga ilícita (maconha). Morador da periferia de Joinville, conheceu cedo os 
amigos que os ajudaram a ir para o mal caminho, onde logo já fazia parte do mundo da rua. 
Perdiz já havia praticado alguns furtos, mas este era o primeiro a mão armada, foi detido outras 
vezes e acreditava que por ser de menor não daria em nada. Fazia apenas três semanas que havia 
começado a cumprir a medida socioeducativa quando teve a ideia de assaltar a empresa que um dia 
deu o sustento ao irmão que tanto idolatrava. 
Perdiz antes de ser levado à Central de Polícia junto com o amigo de 16 anos levou uma surra dos 
policiais. O olho inchado e as marcas no rosto e nas costas de Perdiz não negam o relato. Desta vez, 
a "vida loca" (termo usado por eles) acabou e ele não voltou para casa. Apesar da vida agitada e 
regrada de luxos frutos de roubos, Perdiz não sofria repreensão firmes pelos pais contra as infrações 
cometidas. Não que a mãe aceitasse a vida criminosa do filho, mas sentia-se impotente para agir. 
Sem orientação e apoio, com mais três crianças pequenas para sustentar, ela deixou o tempo 
passar. Tentou aconselhar o filho com a sua voz mansa, mas o garoto não deu ouvidos. 
Perdiz ficará fechado pela primeira vez no centro de atendimento socioeducativo provisório por pelo 
menos 45 dias. No quarto existem pequenos buracos que servem para entrada de pouca luz e ar. No 
verão, o quarto, que pode ser comparado a uma cela, é quente e abafado. No inverno, úmido e 
frio. Logo na primeira semana de internação, Perdiz encontra um velho conhecido com quem 
arquiteta um plano de fuga. 
 
O pensamento de permanecer preso por tempo indeterminado e a distância do vício perturbam a 
mente dele. Perdiz quer sair dali a qualquer custo. Perdiz observa um pequeno ferro frouxo embaixo 
da mesa. Por dois ou três dias, ele se esforça para quebrar o objeto e, sem que ninguém perceba, o 
esconde entre o uniforme amarelo e o corpo magro. Durante a semana, o ferro é amolado na parede 
do quarto. O objeto se transforma numa arma pontiaguda. Naquela noite, já passa das 22 horas, 
 
 
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quando o colega de cela pede ao agente de plantão para levá-lo ao banheiro. Um agente 
acompanha o adolescente enquanto outro permanece de guarda na porta do quarto. Ao retornar e 
abrir a porta de aço, o carcereiro é atacado por Perdiz. O garoto é veloz, golpeia a cabeça do agente 
com o objeto. Porém, o físico magro não resiste à força do vigilante, que consegue se desvencilhar 
do ataque e imobilizar os adolescentes. 
 
A dupla planejou como sair da cela, mas não tinha ideia de como conseguiria burlar todas as grades 
de proteção do Casep até chegar à rua. A ideia frustrada de fuga se transformou num pesadelo para 
Perdiz, que não está acostumado ao cárcere e até então era habituado a voar rasteiro pelas ruas do 
seu bairro. 
 
Perdiz foi punido com um castigo. Ficou trancado por 30 dias em uma cela separada do convívio com 
os outros adolescentes sem sair para nenhuma atividade. Por 30 dias, ficou sentado sobre a cama 
de concreto por 16 horas diárias, pois o colchão era levado apenas à noite para dormir. Por 30 
longos dias, ficou ainda mais isolado do que já estava. Visita ou ligações da família, nem pensar. 
 
Foi aí que o jovem Perdiz se deu conta de que aquele era o seu novo lar e que deveria se acostumar 
com a rotina regrada. Sair da linha agora teria consequências. Obediência é o comportamento que 
deve adotar caso queira conviver com os demais, ainda que num espaço pequeno e fechado, longe 
das andanças da rua. 
 
As infrações cometidas por Perdiz são as mais comuns entre os adolescentes infratores. De acordo 
com os especialistas, o caminho percorrido por eles é muito parecido. Tudo começa com a liberdade 
da rua. É nela que inicia-se o contato com as drogas. Depois, vem a necessidade de vender droga 
para manter o vício até que o mundo do crime lhes é apresentado. Sem orientação, os adolescentes 
passam pelo portal que nem sempre tem um caminho de volta. A chance que Perdiz teve de 
repensar a vida e recomeçar, nem todos têm. Entre um crime e outro, há os que acabam mortos. 
PONTOS DESFAVORAVÉIS 
A redução damaioridade penal fere uma das cláusulas pétreas (aquelas que não podem ser 
modificadas por congressistas) da Constituição de 1988. O artigo 228 é claro: "São penalmente 
inimputáveis os menores de 18 anos"; A inclusão de jovens a partir de 16 anos no sistema prisional 
brasileiro não iria contribuir para a sua reinserção na sociedade. Relatórios de entidades nacionais e 
internacionais vêm criticando a qualidade do sistema prisional brasileiro; 
A pressão para a redução da maioridade penal está baseada em casos isolados, e não em dados 
estatísticos. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens entre 16 e 18 anos são 
responsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país. Se forem considerados os 
homicídios e tentativas de homicídio, esse número cai para 0,5%; Em vez de reduzir a maioridade 
penal, o governo deveria investir em educação e em políticas públicas para proteger os jovens e 
 
 
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diminuir a vulnerabilidade deles ao crime. No Brasil, segundo dados, mais da metade das crianças e 
adolescentes entre 5 a 17 anos trabalhavam em casa com cuidados de pessoas ou afazeres 
domésticos, segundo o módulo de Trabalho Infantil da Pnad contínua. A pesquisa mostrou que 20,1 
milhões de crianças dedicaram, em média, 8,4 horas semanais a essas atividades. 
Além do cuidado de pessoas e afazeres domésticos, o trabalho na produção para o próprio consumo 
também foi identificado pela pesquisa, e era realizado por 716 mil crianças, durante, em média, 7,5 
horas semanais. No quesito educação, o Brasil ainda tem 11,8 milhões de analfabetos com 15 anos 
de idade ou mais; 
A redução da maioridade penal iria afetar, preferencialmente, jovens negros, pobres e moradores de 
áreas periféricas do Brasil, na medida em que este é o perfil de boa parte da população carcerária 
brasileira. Estudo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) aponta que 72% da população 
carcerária brasileira é composta por negros. 
PONTOS FAVORAVÉIS 
A mudança do artigo 228 da Constituição de 1988 não seria inconstitucional. O artigo 60 da 
Constituição, no seu inciso 4º, estabelece que as PECs não podem extinguir direitos e garantias 
individuais. Defensores da PEC 171 afirmam que ela não acaba com direitos, apenas impõe novas 
regras; A impunidade gera mais violência. Os jovens "de hoje" têm consciência de que não podem 
ser presos e punidos como adultos. Por isso continuam a cometer crimes; 
A redução da maioridade penal iria proteger os jovens do aliciamento feito pelo crime organizado, 
que tem recrutado menores de 18 anos para atividades, sobretudo, relacionadas ao tráfico de 
drogas; O Brasil precisa alinhar a sua legislação à de países desenvolvidos com os Estados Unidos, 
onde, na maioria dos Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a 
processos judiciais da mesma forma que adultos; 
No início de 2018, com 84% dos entrevistados "do qual participaram 2.765 pessoas de 192 
municípios “ em um levantamento realizado pelo Datafolha e divulgado pelo jornal Folha de São 
Paulo, a maioria da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal. "O índice é 
menor em comparação ao resultado da última pesquisa do instituto sobre o tema, de 87%, veiculado 
em abril de 2015. " 
PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO ECA 
O ECA (estatuto da criança e do adolescente), completou 28 anos em 13 de julho de 2018 sob a lei 
8.069/90, e é uma norma essencial de proteção à criança e ao adolescente. Todavia, apesar ter sido 
publicado o há mais de duas décadas, o ECA tem sido alvo de críticas por parte da sociedade e do 
próprio legislador por conta das medidas socioeducativas aplicadas ao menor. 
Quanto a proposta de reformalização do ECA (estatuto da criança e do adolescente) perpassa pelos 
dois sentidos, tanto o favorável, uma vez que a sociedade se sente vulnerável a esses menores, por 
não haver uma efetiva segurança em prol da coletividade, todavia passamos também pelo presente 
fato, não se pode “fechar” os olhos quanto ao atual sistema prisional brasileiro. Nos encontramos na 
verdade sem saída. 
 
 
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A proposta para a referida mudança é o acréscimo de dois parágrafos ao art. 112 do ECA que 
enumera as medidas socioeducativas cabíveis contra o adolescente que pratica ato infracional: 
Art. 112 (...) 
§ 4º Os adolescentes que venham a ser responsabilizados pela morte intencional 
consumada ou tentada de alguma pessoa e que revelarem grave desvio de personalidade, 
constatado em laudo pericial fundamentado, estarão sujeitos a tratamento individual, especializado e 
multidisciplinar. 
§ 5º O tratamento previsto no parágrafo anterior terá duração máxima de dez anos, 
terminado antes desse prazo quando laudo médico, psicológico ou psiquiátrico, que deve ser 
renovado de ano em ano ou quando houver determinação judicial, atestar a cessação do grave 
desvio de personalidade. 
Além desta, há propostas pela separação dos menores infratores pela periculosidade, ou seja, de 
acordo com o crime praticado, evitando também, contato de réu primário com reincidente. Outro 
modo de separação se daria por preso que tiver integridade física moral ou psicológica ameaçada 
(propostas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania - CCJ - do Senado). 
CONCLUSÃO 
A necessidade de medidas mais rigorosas quanto ao combate à criminalidade é evidente e estas 
precisam ser aprovadas independentemente de uma nova grande comoção nacional provocada por 
mais um crime bárbaro. As novas medidas devem ser duras, porém adequadas, não levando a 
extremos, ajustadas à triste realidade do nosso país, ou seja, não devem ser cruéis nem desumanas, 
mas também não podem ser quase que fictícias. 
Diante disso, é possível concluir que a gravidade do delito é mais importante do que a idade do autor 
e, por isso considero o ECA equívoco ao prever as mesmas penalidades para crimes como furto 
(roubo desarmado), por exemplo, e morte dolosa (intencional). Há necessidade de uma ponderação 
entre as penas para que não sejam ineficazes. Porém, não se podem esquecer as péssimas 
condições em que vivem os jovens no Brasil sem acesso à cultura, educação, lazer e emprego. 
Sendo assim, entendo também necessária a redução da maioridade penal, mas somente nos casos 
de crimes hediondos e equiparados (tráfico, tortura e terrorismo), já que a pobreza não justifica a 
prática de tais crimes. Além de ser fundamental a supracitada alteração no limite de internação para 
os menores infratores. 
Ante o Exposto o nosso parecer é no sentido de que, "a mudança do ECA não é suficiente para 
solucionar a violência que se expande em nosso país, faltam investimentos e decisões políticos e 
sociais para proporcionar ao jovem pautas de valores aceitáveis" e, é por isso, que não é justo e 
viável se recorrer a extremos como a redução da maioridade penal, sem considerar a falta de 
estrutura e oportunidade presentes na vida dos nossos adolescentes. 
 
Jadson Santos 
OAB/PE – 00000.

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