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PARECER JURÍDICOPARECER JURÍDICO SOLICITANTE:SOLICITANTE: CORRENTE VAQUEJADAS LTDA. ASSUNTO:ASSUNTO: A LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA VAQUEJADA NO BRASIL APÓS A ADI 4983. VAQUEJADA. LEI 15.299/2013/CEARÁ. ART. 225, §1º, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 4983. INCONSTITUCIONALIDADE DA VAQUEJADA. EFEITOS ERGA OMENS DA DECISÃO. CONTRA TODOS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EMENDA À CONSTITUIÇÃO 96/2017. NORMA CONSTITUCIONAL. VAQUEJADA NÃO MAIS CONSIDERADA MAUS TRATOS. CONFLITO ENTRE SUPREMO E CONGRESSO NACIONAL. I.I. CONTEXTO FÁTICOCONTEXTO FÁTICO Trata-se de tema de grande repercussão, pela expressão cultural que tem a vaquejada no Nordeste brasileiro, ou ainda, por se referir ao uso de animais e aos danos a eles causados, e também, pelo desentendimento entre as cúpulas do Judiciário e do Legislativo. A vaquejada não é novidade neste país, é um costume amado na região nordeste. A partir disso, e considerado o hábito brasileiro advindo do civil law de positivar todos os assuntos, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará resolveu por regulamentar tal prática por meio da lei 13.364/2013. O Ministério Público Federal - MPF, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4983, impugnou tanto a lei 13.364/13 quanto a vaquejada, asseverando a inconstitucionalidade de ambas. Alegando que a vaquejada vai contra o texto constitucional, mais exatamente o art. 225, §1º, inciso VII, por ser uma espécie de tortura ao animais nela utilizados. O Supremo Tribunal Federal - STF acabou por julgar procedente a ação, e por consequência declarou inconstitucional a lei 13.364/2013. Durante o julgamento, a maioria que deu provimento a ADI, deixou expresso o entendimento de que a vaquejada 1 proporciona danos aos animais (tanto aos bovinos quantos ao equinos), causando lesões graves de ordem física e psicológica, estando assim em total afronta ao texto constitucional, que impõe ao Estado o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas,vedadas, nana formaforma dada lei,lei, asas práticaspráticas queque coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetamsubmetam osos animaisanimais aa crueldadecrueldade” (art. 225, §1º, VII, CF88). Esta decisão, por força do §2º, do art. 102, da CF88, dispõe de efeitos erga omnes, ou seja, contra todos, valendo para a Administração Pública e para todo os cidadãos, excetuado o Poder Legislativo. Os efeitos reais da decisão do Supremo se resumem aa proibiçãoproibição dada prática da vaquejada no paísprática da vaquejada no país. Em sentido contrário, e em resposta ao apelo popular , o Congresso Nacional 1 emendou a Constituição (Emenda a Constituição 96/2017), para que não sejam consideradas “ cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos ”. Surgindo assim um conflito entre a decisão da Suprema Corte, a qual tem força vinculativa, e a nova disposição constitucional. II.II. DA AÇÃO DIRETA E SEUS NUANCESDA AÇÃO DIRETA E SEUS NUANCES No seio desta ADI, como apresentado pelo MPF, há um sopesamento de direitos constitucionais, quais sejam, o relativo ao meio ambiente e o ligado à cultura. Nas palavras do relator, min. Marco Aurélio, “há, portanto, conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais – de um lado, o artigo 225, § 1º, inciso VII, e, de outro, o artigo 215” (ADI 4983/CE, p. 2). Incumbindo ao Supremo decidir qual deles deveria sobressair. 1 Veja as seguintes notícias: AGÊNCIA BRASIL (EBC). Protesto contra fim de vaquejadas muda rotina da Esplanada dos Ministérios. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-10/seis-mil-pessoas-protestam-em-brasilia-contra-p roibicao-de-vaquejadas PORTAL G1. Protesto contra fim da vaquejada paralisa trânsito na Esplanada. Disponível em: http://g1.globo.com/manifestacoes/2013/videos/t/brasilia/v/protesto-contra-fim-da-vaquejada-paralisa- transito-na-esplanada/5401357/ Brasília, 10 de junho de 2018. 2 O MPF apresentou arcabouço probatório relevante, trazendo aos autos laudos que atestam os efeitos danosos aos animais em decorrência da participação nas vaquejadas. A Advocacia Geral da União instada a cumprir o papel que lhe é conferido pelo §3º, do art. 103, da CF88, manifestou-se pela inconstitucionalidade da lei, fato este, que como salientado pelo relator, é estranho, vez que a AGU deveria defender o ato normativo. Em seu voto, o relator, consignou que “o dever geral de favorecer o meio ambiente é indisputáve” (p. 3). Assentando seu decidir em consonância com julgados anteriores, como no Mandado de Segurança nº 25.284, no Recurso Extraordinário nº 153.531/SC (farra do boi), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.514/SC (rinha de galo) e na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.856/RJ. Em todos esses casos o STF preteriu o direito coletivo ao meio ambiente a expressões culturais que impunham maus tratos aos animais. Entendeu, o min. Marco Aurélio, estar, evidente, a natureza cruel da vaqueja, “ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, tem-se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas” (p. 5), restando assim, patente o “descompasso com o que preconizado no artigo 225, § 1º, inciso VII, da Carta da República”. Em divergência ao posicionamento do relator, estão os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli. Estes entendem que, dentre outros fatores, o min. Marco Aurélio não sopesou corretamente o direito constitucional ligado à cultura, bem como o valor que tem essa prática ao povo nordestino. Aplicando precedentes que não guardam similitude com o caso em tela, já que os danos sofridos pelos animais naquelas atividades ultrapassa em muito o da vaquejada. Por fim, o pleno, “por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013, do Estado do Ceará” (p. 22). A despeito da decisão em ADI, o art. 28, Parágrafo Único, da Lei 9.868/1999, lhe confere efeito contra todos, isso significa dizer que ela deve ser observada em todo o território nacional. III.III. DO CONFLITO ENTRE A DECISÃO NA ADI 4983/CE E A EC 96/2017DO CONFLITO ENTRE A DECISÃO NA ADI 4983/CE E A EC 96/2017 Brasília, 10 de junho de 2018. 3 Como mencionado antes, o Congresso Nacional editou a EC 96/2017, em sentido totalmente contrário ao decidido na ADI 4983/CE. Ato prematuro, resultado de uma busca por mostrar serviço. Acontece que a ADI em tela ainda se encontra com trâmite regular, ou seja,não se pôs fim a discussão. No momento de confecção deste parecer, a ADI está posta a disposição da presidência do STF, para seja incluída em pauta, e tão logo sejam julgados os Embargos de Declaração - ED nela oposto pela Associação Brasileira da Vaquejada – ABVAQ. Vê-se uma medição de forças, já que, conforme o art. 1.026, do Código de Processo Civil - CPC, os ED não suspendem osos efeitosefeitos dada decisãodecisão queque jájá estãoestão a valer.a valer. A lei da ADI impõe que da decisão que julga procedente ou improcedente a ação, não cabem recursos, excetuados os declaratórios, e após estes, ela se torna irrecorrível (art. 26). Nesse diapasão, para que o Supremo venha discutir o tema novamente, é necessário traçar todo o caminho tomado por uma Ação Direta de Constitucionalidade ou uma Ação Direta de Constitucionalidade - ADC, no controle abstrato, ou o caminho tomado no controle difuso. Dessa forma ocorreu com “RE 601.314, de relatoria do ministro Edson Fachin, e das ADIs 2.310, 2.397, 2.386 e 2.859, de relatoria do ministro Dias Toffoli, que discutiam a constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001” . 2 Como dispõe de efeitos erga omens, a decisão deve ser observada, seja pelos particulares, seja pela Administração pública. Caso não o seja, é possível a utilização do instituto da Reclamação, conforme o art. 988, III, do CPC, para garantir a sua observância. IV.IV. DA POSSIBILIDADE DE LEGISLAR EM CONTRÁRIODA POSSIBILIDADE DE LEGISLAR EM CONTRÁRIO A Constituição Federal de 1988, no seu art. 102, §2º, assim dispõe: § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeitoefeito vinculante,vinculante, relativamenterelativamente aosaos demaisdemais órgãosórgãos dodo PoderPoder JudiciárioJudiciário ee àà administraçãoadministração públicapública diretadireta ee indireta,indireta, nasnas esferasesferas federal,federal, estadualestadual ee municipal.municipal. 2 CORREIA NETO, Celso de Barros. Supremo deve evitar o duplo julgamento em ADI e Repercussão Geral. Revista Consultor Jurídico. 10 set. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-10/observatorio-constitucional-supremo-evitar-duplo-julgamento- adi-repercussao-geral Brasília, 10 de junho de 2018. 4 Da leitura do dispositivo percebe-se que não atingem ao Legislativo, enquanto na sua função legiferante, os efeitos da decisão na ADI. Isso, em obediência ao princípio da separação dos poderes e divisão harmônica das tarefas do Estado, posto no art. 2, da CF88. Dessarte, qualquer dos poderes legislativos do entes federados - Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de vereadores - poderão continuar legislando sobre o tema. Contudo, apesar da liberdade em legislar, toda a produção legiferante sofre o controle de constitucionalidade pelo Judiciário. Principalmente, pelo Supremo, já que, este tem o papel de legislador negativo, expurgando do ordenamento jurídico pátrio leis e atos normativos que atentem contra a constituição. A partir desse cenário cria-se uma insegurança jurídica, um ciclo vicioso. V.V. CONCLUSÃOCONCLUSÃO Ante a edição da EC 96/2017, e o não pronunciamento total do STF, como preconizou o min. Marco Aurélio, rejeitando a alegação de perda do objeto da ADI: Observem a organicidade do Direito. Tem-se que a Emenda de nº 96/2017, a qual alterou o tratamento constitucionalmente conferido à vaquejada, foi promulgada em momento posterior ao exame do mérito deste processo, transparecendo em decorrência do decidido por este Tribunal, como reconhecido na própria justificativa da Proposta de nº 50/2016, a partir da qual surgida a mencionada reforma à Constituição Federal. AssentarAssentar oo prejuízoprejuízo destadesta açãoação abririaabriria campo,campo, emem tese,tese, parapara todotodo tipotipo dede fraudefraude aoao controlecontrole dede constitucionalidadeconstitucionalidade, presente a possibilidade de o Legislativo, no exercício do Poder Constituinte derivado, antes da publicação de acórdão mediante o qual consignada a desarmonia, com a Constituição Federal, de ato atacado, alterar o parâmetro de controle(ED no ED na ADI 4983). consignando que, “a prévia existência de decisão de mérito, a revelar a análise, pelo Pleno, da controvérsia constitucional, é óbice à observância do instituto da conexão”, portanto certo o prosseguimento da ADI, chega-sechega-se àà conclusãoconclusão dede queque aa práticaprática dada vaquejada,vaquejada, nestanesta conjuntura, continua como sempre esteve.conjuntura, continua como sempre esteve. Jéfesson Amaral de Bastos (UC1610199) Brasília, 10 de junho de 2018. 5
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