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Capítulo I
Introdução
Em 1950 publicou-se em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império (CEI), uma colectânea intitulada Poesia de Moçambique, chamando universalmente a atenção para a poesia negra e malgaxe, a primeira no género publicada na Europa em 1948. Neste processo destaca-se Léopold Séder Senghor, citado por FERREIRA (1950, p. 16), por ter sido decisivo para a divulgação da tendência ecuménica, dialogante, da Negritude. [2: Aimé Césaire e Léon Damas, também participaram em todas as nuances do movimento dos estudantes;][3: Negritude é um movimento cultural protagonizado por negros, brancos e mestiços que, desde as décadas 10,20 e 30 vinham por um Renascimento negro (busca e revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares). ( LARANJEIRA, Pires. Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta,1995,p.29). ]
Neste contexto de ruptura do estilo europeu, pode-se dizer que a Negritude foi o elemento catalizador para a formação das literaturas africanas de expressão portuguesa, intimamente ligada à abolição de tráfico de escravos o que condicionou a emancipação dos povos com direito de poderem assumir a liberdade, a igualdade e pronunciamento (ganham voz). Este fenómeno, de acordo com LARANJEIRA (Ibid.: 27), vai condicionar também uma nova forma e visão do mundo pelos povos. 
Destaca-se também a introdução da Imprensa nas colónias, pois o seu papel foi muito preponderante na revolução das chamadas sociedades ágrafas (sociedades sem escrita), proporcionando a existência dos primeiros intelectuais. Inicialmente virada para a publicação de boletins oficiais de cada colónia, dava abrigo à legislação, aos noticiários oficial e religioso, mas que também incluía textos literários (sobretudo poemas, crónicas ou contos).
 
No entanto, com a República, até ao advento da lei de João Belo (1926) contra a liberdade de imprensa, floresceu uma imprensa operária. Mas os mais célebres, e justamente celebrados, pelo seu papel na consciencialização da moçambicanidade, foram os jornais fundados pelos irmãos José e João Albazine: O Africano (1909-1918), O Brado Africano (1918) e o Itinerário (1919),o penúltimo “sobrevivente” durante duas décadas.
Nesse âmbito, surge a literatura em Moçambique, um ano antes do aparecimento de Msaho, em Lisboa, em 1951, uma antologia denominada poesia em Moçambique. Esta antologia, na esteira de LARANJEIRA (op cit.: 268), tinha como objectivo criar condições para a promoção da literatura moçambicana segundo perspectivas da Moçambicanidade (nativismo, telurismo, casticismo, etc.). Os editores eram Virgílio de Lemos, Domingos Azevedo e Reinado Ferreira.[4: A poesia Msaho constitui parte importante da Literatura Oral moçambicana e como poesia oral quase que exclusivamente cantada. Msaho, é considerada, justamente a expressão mais elevada da arte africana na área austral do continente. (FERREIRA,Manuel. No reino de Caliban III. Lisboa, Plátano Editora, 1985.p.53)]
De 1975 ( ano da independência de Moçambique) a 1992, surgiram novas gerações de escritores jovens que procuravam novas maneiras de escrever a prosa, no contexto histórico e cultural de um país como Moçambique, onde o conto ou a estória era a forma mais apropriada e mais popular. Dentre vários autores que têm pelo menos um livro publicado até ao fim de 1991 destacam-se Mia Couto, Marcelo Panguana, Ungulane Ba Ka Kassa, Paulina Chiziane, Albino Magaia, Calane da Silva, Elton Ribello e outros.
É exatamente neste contexto que surge Paulina Chiziane com o romance Baladas de Amor ao vento (1990), destancando-se por ter sido escrito por uma mulher moçambicana, como afirma (CHABAL,1994, p. 67). É importante referir que o romance Niketche surge depois de “Baladas de Amor ao Vento” e de “Ventos do Apocalipse”, de Paulina Chiziane é, por sinal, a terceira obra da autora, editada em Lisboa, no ano de 2002, e em Maputo em 2009. 
Para esta monografia decidimos aflorar uma das obras de Paulina Chiziane pelo facto dela ser considerada “autora feminista” e também por retratar a condição da mulher no mundo masculino no contexto de poligamia em geral e, especificamente, em Niketche, mostrar que a submissão/subalternidade é elemento que confere, por um lado, a inferioridade feminina e, por outro, a superioridade masculina. 
Assim, a partir deste presente trabalho, ao qual se atribui como título - A imagem da mulher no contexto de poligamia em “Niketche” de Paulina Chiziane: configuração das relações de poder e submissão/subalternidade- pretendemos analisar a imagem da mulher no contexto de poligamia na medida em que a submissão/subalternidade deve ser vista em duas perspectivas quebrando a ideia de instrumentalização e coesificação da mulher na nossa sociedade.
Como é do nosso conhecimento, trata-se de um fenómeno social ( poligamia) que constitui um meio de expressão cultural de uma determinada sociedade, desta forma será importante para o ensino e aprendizagem da literatura.
1.1.Objecto de estudo 
 A imagem da mulher no contexto de poligamia em Niketche, de Paulina Chiziane, constitui o objecto de estudo da pesquisa que pretendemos realizar. 
1.2. Delimitação do tema
A imagem de inferioridade da mulher que radica na submissão/subalternidade, por um lado, e por outro, é elemento que confere poder ao homem.
1.3. Objectivos
Geral
Analisar a imagem da mulher no contexto de poligamia em Niketche, da autoria de Paulina Chiziane, tendo em conta a configuração das relações de poder, submissão/ subalternidade.
 Específicos
Descrever a imagem da mulher submissa/subalterna no contexto de poligamia em Niketche de Paulina Chiziane;
Demonstrar a vertente positiva das relações de poligamia no processo da emancipação da mulher; e
Identificar os elementos ou aspectos que, por um lado, condicionam a mulher à submissão/subalternidade e, por outro, conferem poder (superioridade) ao homem.
Motivação e Justificativa
O que motivou a realização deste trabalho foi o interesse em compreender como é construída a imagem da mulher submissa/subalterna em Niketche, por um lado, e as leituras feitas das várias edições da obra Niketche de Paulina Chiziane, por outro. Segundo estas leituras, estas obras ostentam uma a imagem da mulher, no contexto de poligamia que pode ser vista em duas perspectivas ligadas à submissão/subalternidade como elemento de (inferioridade) feminina, assim como elemento catalisador e capital para a elevação da figura masculina (superioridade), quebrando e denunciando, por conseguinte, a ideia de instrumentalização e coesificação da mulher na nossa sociedade.
No entanto, sem descurar a questão da submissão/subalternidade, é preciso compreender que o valor da superioridade do homem não está em si só, mas no facto de ter muitas mulheres submissas/subalternas. E são estas mesmas mulheres que conferem valor e prestígio ao homem na família e na sociedade. Ora, podemos afirmar que este valor atribuído ao homem que lhe confere prestígio é graças à mulher que actua como pessoa submissa/subalterna.
Acreditamos, também, que o estudo proposto é mais um contributo na área da Literatura. Os jovens estarão motivados e interessados em analisar vários fenómenos sociais, sejam eles culturais, e/ou histórico identitários para o desenvolvimento do Ensino e Aprendizagem da Literatura e da Língua portuguesa em Moçambique. 
1.6. Importância e contribuições do estudo
Acreditamos que o presente trabalho poderá ajudar para a compreensão sobre como é construída a imagem da mulher no contexto de poligamia em Niketche, de Paulina Chiziane, e quais são os dois pólos (até certo ponto contraditórios) dessa imagem: de submissão e de elemento que confere valor ao homem. 
Esperamos que represente uma contribuição substancial para os estudantes do 1º , 2º ciclos e Universitários (em Moçambique) visto que irão dispor de mais um instrumento para dissipar possíveis equívocos relacionados com este fenómeno social ( imagem da mulher no contexto de poligamia).Assim, sendo um meio de expressão cultural de uma determinada sociedade, acreditamos que o presente trabalho poderá contribuir para uma melhor compreensão dos fenómenos sociais ocorridos na sociedade e na comunidade moçambicana de modo que se tenha uma abordagem crítica destes fenómenos.
1.7. Metodologia de investigação
Para a concretização de qualquer actividade de índole científica é indispensável a consulta de alguns materiais escritos de forma a encontrar um suporte teórico que sustentará a pesquisa. Gil, Marconi e outros (2006) afirmam que, nas metodologias, são descritos os procedimentos adoptados para a realização duma pesquisa científica. Um trabalho, sobretudo no âmbito académico, é avaliado pela substância do seu conteúdo, mas também pela observância das normas que respeitam a forma.
Pesquisar quer dizer “procurar em toda a parte” e “direccionar a investigação de forma objectiva”. Para Alves (2010:361), a investigação tem que ser igualmente, exequível, clara, significativa e o investigador deve, assim, escolher um fio condutor para o seu trabalho que seja o mais claro. 
Para abordagem deste trabalho privilegiamos a pesquisa bibliográfica visto que procura colocar o pesquisador em contacto com todo o material didático sobre o assunto de objecto da pesquisa ( a imagem da mulher no contexto de poligamia em Niketche de Paulina Chiziane). Segundo Andrade (2007:73), a pesquisa bibliográfica deve começar pelas obras de carácter geral: enciclopédias, anuários, catálogos, resenhas, abstracts, que indicarão fontes de consultas específicas. 
De posse de uma lista com indicações bibliográficas sobre o assunto que se pretende focalizar, procede-se ao levantamento das obras que serão objecto das das leituras e anotações.
A leitura prévia ou pré-leitura, possibilitará uma primeira selecção das obras que passarão pela leitura selectiva. Na leitura selectiva serão localizadas as obras ou capítulos ou partes que contêm informações úteis para o trabalho em questão.
A leitura crítica ou reflexiva permite a apreensão das ideias fundamentais de cada texto. Esta é a fase mais demorada da pesquisa bibilográfica, pois as anotações devem ser feitas somente após a compreensão e apreensão das ideias contidas no texto. As anotações compeenderão resumos, análises, transcrições de trechos, interpretações, esquemas, ideias fundamentais expostas pelo autores, tipos raciocínio para a redação do trabalho. Estas leituras foram também realizadas particularmente na Obra Niketche com objectivo de alcansar o fim pretendido. 
Com este método de pesquisa, pretendemos analisar o romance Niketche e, de forma clara 
apresentar todos os elementos teóricos alheando-os à prática.
Capítulo II
2.Revisão da Literatura 
Na revisão da literatura sobre a imagem da mulher no contexto de poligamia, demo-nos conta de elementos fundamentais e complementares, casamento, família, poligamia, submissão/subalternidade. 
Várias são as definições apresentadas pelos teóricos sobre casamento, porém, de forma específica, afloramos o “casamento” do ponto de vista civil e tradicional. Importa referir que as obras mais destacadas para eleboração desta monografia são: IMC, MARTINEZ (2007), ANRADE et al (1998), GIMENO (2001), PRATA (2005), MARTINEZ (2007), ALTUNA (1985), BERNARDI (1974).
Enquadramento/Contextualização
2.1. Casamento[5: Casamento religioso nos termos dos artigos 19 do mesmo instrumento legal “ São reconhecidos efeitos civis ao celebrado por forma religiosa perante o ministro do culto de uma igreja ou comunidade religiosa radicada no país”. PRATA, Ana. Dicionário jurídico. 4ª Ed. 2005, Lisboa, p.194. Casamento segundo código civil, no artigo 1577 é definido como contrato celebrado entre duas ou mais pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida(...), designa também a situação jurídica resultante do acto. PRATA ( 2005, p. 194).Casamento social é Instituição social que visa estabelecer vínculos de união estáveis entre o homem e a mulher baseado no reconhecimento de prestações recíprocas de comunhão de vida e de interesses, segundo as normas das respectivas sociedades. MARTINEZ, IMC. F.L. Antropologia cultural: guia para o estudo. 5ª Ed. 2007, p.121. ]
Na visão de IMC, MARTINEZ (2007, p. 117), instituição social que visa estabelecer vínculos de união estáveis entre o homem e a mulher baseados no reconhecimento do direito de prestações recíprocas de comunhão de vida e de interesses, segundo as normas das respectivas sociedades.
Deste modo, só podem celebrar casamento as pessoas que sendo do sexo masculino tenha mais de dezassete anos de idade e sendo do sexo feminino tenha mais de catorze anos. Embora sejam menores, a partir do casamento estes tornam-se emancipados, podendo por isso passar a reger a sua pessoa e bens. Nesta idade os nubentes precisam do consentimento dos seus pais para poderem casar-se,( ANDRADE et al, 1998, p. 46 ). 
O sistema de parantesco e casamento pode ser considerado como um arranjo que permite as pessoas viverem juntas e cooperarem umas com as outras seguindo certas ordens sociais. É dessa forma que o casamento faz dos contraentes marido e mulher e transforma os status de gerador e geradora em pai e mãe, ( FORD, 1950, p. 60). 
Tipos de Casamento
São diversos os tipos de casamentos, praticados na sociedade, destacando-se, no entanto, dois, os mais comuns, na perspectiva de SANTOS ( 2002, p. 148), nomeadamente: Monogamia e poligamia. Porém, a poligamia subdivide-se em duas modalidades: a poliginia e a poliandria. 
Monogamia (do grego mono “único” gamia “união” matrimónio”), refere-se ao casamento de um homem ou uma mulher com apenas um cônjuge. 
	
A poliginia consiste no facto de um homem ter várias esposas (ou várias mulheres que partilharem entre elas o mesmo homem, formulação que depende do ponto de vista do locutor ou da sociedade em causa) e de ser admitido legalmente em determinada sociedade.
 A poliandria consiste no facto de uma mulher dispor de vários maridos (ou vários homens partilharem uma mesma mulher) admitidos legalmente na sociedade em causa. 
2.2. Lobolo
De acordo com ANRADE et al (1998, p.19), lobolo é a troca de serviços e bens entre família (componsação obitida obtida pela família da mulher) que estabelece a união entre duas famílias. 
Na região sul de Moçambique observa-se frequentemente a prática do casamento tradicional (lobolo). O lobolo serve por sua vez, para o irmão da mulher e o pai “ adquirir” esposa tem um duplo significado: material e simbólico. Porém, ao representar a transferência, de poderes da família da mulher para a do marido, responsabilizando os parantes do marido pelo seu sustento da mulher em causa aparece como “ propriedade” colectiva da nova família e,nestes casos, o lobolo legitima a desigualdade, (ANDRADE et al, Ibid .: 49 ).
Em contrapartida da protecção recebida, a mulher deve reproduzir-se através dos filhos e do trabalho doméstico. Factos que dão à mulher um reconhecimento social que a união civil por si só não consegue oferecer. Actualmente, a prática do lobolo recrudesce, aparecendo muitas vezes em simultaneidade com a cerimónia civil, perdendo na cidade o seu fundamento económico, mas reforça a dimensão simbólica. ( ANDRADE et al, op. cit. 49 ).
2.3. Família
Na perspectiva de MAXLER & MISTER citados por GIMENO (2001, p.40), família é um grupo de convivência interracional com relações de parentesco e com experiência de intimidade que se prolonga no tempo. 
É do casamento que surge uma família. Sendo família caracterizado pelo ordenamento e padronização de normas de comportamento no que se refere ao sexo; regulamenta os direitos, os deveres com relação à prole, à sua educação e a responsabilidade com os novos membros da sociedade, como afirma (MARTINEZ 2007, pp. 332-333 ).
 Tipos de Família
Elementar - é uma unidade formada por um homem, sua esposa e seus filhos, que vivem juntos em união reconhecida pelosoutros membros da sua sociedade. 
Extensa - é uma unidade composta de duas ou mais famílias nucleares, ligadas por laços consanguíneos; série de familiares próximos pela linha masculina ou feminina, geralmente não por ambas, e ainda, duas ou mais gerações.
Composta - é uma unidade formada por três ou mais cônjuges e seus filhos. Pode existir em sociedade monogâmica, quando um segundo casamento dá origem às “relações de adopção” do tipo madrasta, padrasto, enteado, com a presença de apenas dois cônjuges simultaneamente. 
Conjugada-fraterna- refere-se a uma unidade composta de dois ou mais irmãos, suas respectivas esposas e filhos. 
Fantasma - consiste numa unidade familiar formada por uma mulher casada e seus filhos e o fantasma. O marido não desempenha papel de pai, é apenas o progenitor (pai biológico), ( PRESOTTO & MARCONI, 2010, p. 92-101).
É de salientarmos que a norma do casamento nas diferentes sociedades contempla as questões que podem aparecer durante a vida matrimonial, isto é, a infidelidade do homem ou da mulher através do adultério, abrindo espaço para o surgimento da poligamia. E, segundo IMC, MARTINEZ (2007, p. 117) as causas variam de sociedade para sociedade.
2.4. Poligamia
Segundo GIMENO (2001, pp. 346-350), poligamia é o “regime familiar em que se permite a um homem ter várias esposas. 
Ora, a poligamia brotou em época tardia, quando a evolução das técnicas possibilitou a acumulação de bens, a venda ou intercâmbios de excedentes e as especialições de indivíduos destacados socialmente. A princípio, era exclusivamente destas castas e só mais tarde se generalizou. Os factores sociais, económicos, demográficos, fisiológicos e as crênças mágicas entrecruzam-se, decidem e explicam-na, ( ALTUNA, 1985, p. 347 ). 
2.4.1. Tipos de poligamia
Existem dois tipos de poligamia, nomeadamente a poliandria e a poliginia. O tipo de poligamia mais divulgado na literatura antropológica e sociológica é a poliginia, que consiste em um homem possuir várias esposas. Já a poliandria consiste em uma mulher possuir vários maridos. [6: In: www.angonoticias.com./Artigos/item/17798/poligamia-nao-deve-constituir-preocupacao-social-em-angola-paulo-de-carvalho ]
2.4.2. Estrutura da poliginia
A família poligâmica deriva do casamento poligínico e, neste caso particular, é certamente a forma mais difundida e tornou-se comum no sul de Moçambique.
Estruturalmente e de acordo com BERNARDI ( 1974, p. 270 ), a poliginia articula-se sobre a pluralidade de mulheres, onde cada uma forma uma díade distinta com o marido e uma díade autónoma com os filhos. Porém, mãe e filhos constituem uma unidade distinta, residencial, económica, ritual e social. Cada mulher tem os seus campos e deve tratar de prover a alimentação para o marido de modo irregular e, para os filhos, quotidianamente. 
Dai, a relação entre as várias díades marido-mulheres é normalmente hierárquica, onde a primeira mulher tem uma posição de privilégio. Entre as mulheres de um homem é normal esperar manifestações ocasionais de ciúmes femininos, mas é normal a cooperação por assim dizer institucionalizada, sobretudo em certas ocasiões para actividades particulares, como a colheita ou a construção de casa.
2.4.3. Causas da poliginia
Há, normalmente, razões que determinam a opção social pela poliginia. Dentre elas podem citar-se razões de natureza demográfica, relacionadas com a reprodução e sobrevivências do grupo ou da comunidade. Há ainda razões de natureza social ou económicas que incentivam laços poligâmicos, sendo estes causa de equilíbrio ou de promoção social.[7: Cf. http:www.angonoticias.com./Artigos/item/17798/poligamia-nao-deve-constituir-preocupacao-social-em-angola-paulo-de-carvalho ]
Em Moçambique, na região Sul, as tendências poligínicas eram reforçadas pelos tabus sobre as relações sexuais. BERNARDI (op. cit.:225) afirma que, a partir de determinado momento da gravidez e até depois do desmame das crianças, num período de mais de dois anos, os maridos eram proíbidos de ter relações sexuais com as mulheres. 
Outra causa está ligada à incapacidade da mulher para prover o seu marido com descendência. Supunha-se sempre que a infertilidade era problema da mulher e não do marido. E herança por viúvez.
Em Niketche, revela-se que a causa da poliginia é justificada pelo poder (masculinidade) que o homem se atribui pela condição financeira ou profissional de que dispõe ou ainda diversos mitos e crenças culturais de cada sociedade. 
2.4.4. Vantagens da poliginia
A poligamia permite que todas as mulheres consigam uma posição social como esposa-mãe e se apoiem no casamento. A situação da mulher nos lares polígamos, para AlTUNA (1985, pp. 345-350), é sempre legal, porque entrou precedida do alambamento/lobolo que é o processo de legitimização das esposas.
Também soluciona o drama da esterlidade da primeira mulher, que prefere permanecer no lar com o marido em vez de se ver desprezada e impossibilitada de contrair um novo matrimónio; 
Para as “mães solteiras”, dimunui a prostitução das mulheres; e
Para as mães com muito trabalho doméstico, apoiam-se muito umas às outras e nos cuidados com as crianças. 
No entanto, a situção das mulheres em “Niketche” é legal, uma vez que todas passaram pelo alambamento/lobolo processo de legitimização das esposas, considerando-se, assim poligamia legal.
2.5. Submissão/Subalternidade
Submissão de verdade é liberdadade. Muitas mulheres acham absurda e não aceitam a recomendação de que devem ser submissas/subalternas a seus maridos. ( Efésios 5 : 24).[8: In:www.angonoticias.com./Artigos/item/17798/poligamia-nao-deve-constituir-preocupacao-social-em-angola-paulo-de-carvalho.]
Ora, submissão “é o acto ou efeito de submeter ou submeter-se, obediência, sujeição e humildade”.[9: cf. Dicionário Moderno da Língua Português. Escola Editora-Angola. Lobito-Angola. p.1190]
Nesta optica, o casamento tradicional (lobolo) remete-nos para a submissão/subalternidade visto que tem um fundamento económico como afirma (ANDRADE et al, 1998, pp. 48-49 ). Assim, na submissão/subalternidade as relações de domínio, segundo GIMENO ( 2001, P. 94 ), podem estar associadas a estratégias de imposição em que uma das pessoas tende a tomar a iniciativa, o poder, a tomada de decisões, enquanto a outra se submete, fica dependente, perde a iniciativa, a identidade e o poder. 
Deste modo, a pessoa submissa/subalterna pode não se dar conta do vínculo estabelecido, se bem que, por vezes, esta relação seja promovida e favorecida pela pessoa que assume o papel submisso. Pois, ao não querer amadurecer e não se atrever a colocar as suas exigências, teme assumir o papel de pessoa adulta, podendo até chegar a aceitar a mensagem de infravalorização que recebe do seu par, o que favorece a própria alienação, (GIMENO, Ibid, p. 94 ). 
2.5.1. Causas da submissão/subalternidade
As sociedades transmitem valores culturais que, de certa forma, tornam a mulher submissa e subalterna. De acordo com FERREIRA et al (1970, p. 41 ),“ se a sexualidade faz o destino do homem, a fisonomia deste destino não se desvenda verdadeiramente senão no mundo da cultura”. E aí o que tem acontecido? A mulher eterna escrava da cultura.” 
O modo masculino de existir é o modo-do-trabalho (sendo esse trabalho o conhecimento e trasnformação da natureza para obtenção de um fim). O modo feminino de existir é o do cuidado (cuidar de alguém ou de alguma coisa, que, levado à perfeição, se transforma em maneira de estar ao pé de alguém. Esta diferenciação, assim caracterizada, procede, como é obvio, do molde humano cultural existente. 
Assim, as imagens tradicionais, o esquema de passividade feminina e da actividade masculina impõe-se pelas múltiplas atitudes dos esducadores e do grupo social. 
Ainda neste perspectiva, MARTINEZ ( 2009, p. 116) acrescenta que, tanto o homem assim como a mulher têm uma preparação para a vida adulta e social diferentes, também são diferentes os seus status e funçõesque a sociedade lhes atribui na idade adulta e o comportamento que deles espera. Tais papéis não são comuns a todos, visto que diferem de cultura para cultura.
2.5.2. Consequência da submissão /subalternidade
Na visão de FERREIRA et al ( op. cit, p. 113 ), se a mulher não se libertar, se ela não se emancipar, não se tornar adulta, se ela não se empenhar na luta pela aquisição de uma personalidade livre e responsável, ética e juridicamente, se ela não for capaz de travar o combate quotidiano pela desigualdade do ser Humano, os Humanos, globalmente considerados, em vez de se humanizar, aumentarão a sua brutalidade e, sabendo-o ou não, continuarão a construir a vida e as sociedades no regime ancestral “ dos senhores e dos escravos”; em última instância, deve dizer-se com toda a crueza, não arredarão pé da “ lei da selva!..
2.6. Poder
Poder é a superioridade pessoal ou grupal baseada na força, tradição, prestígio, autoridade ou riquesa, factores estes que implicam superordenação e subordinação.[10: ( Cf. Enciclopédia e Dicionário. Editora Globo. 7ª ed. Porto Alegre. Brasil 1997. P.264)]
Alguns membros da família detêm poder sobre outros. Basicamente, os adultos, nos estados iniciais do ciclo familiar, detêm o poder sobre os menores. Cada cultura estabelece o âmbito e o período em que se aceita a autoridade dos pais sobre os filhos, assim como o poder permitido entre os membros do casal como afirma (GIMENO 2001, p. 90)
O termo poder acarreta, no nosso contexto, conotações mais negativas já que aparece associado ao autoritarismo , coesão e está relacionado com os recursos de que a família dispõe, sejam eles económicos, apoios, conselhos, comunicação com o exterior ou serviços prestados. Segundo CRUZ ( 1987, p. 737), as famílias que obtêm êxito são caracterizadas por uma maior distribuição do poder e por formularem normas de uma maneira negociada e participativa, sendo igualmente mais flexíveis na mudança de normas.
No entanto, pode-se dizer que o poder apresenta várias dimensões de interacção; desde o poder nas hierarquias de trabalho, passando pela diferença social, assumindo uma atitude digna de realce nas relações entre homens e mulheres nas unidades doméstica e na comunidade onde se inserem. Assim, nas situações domésticas onde prevalece a matriz tradicional, Para LOFORTE (2000, p. 183), o poder emerge como eminentemente masculino.
Neste sentido, Niketche revela um certo poder exercido pelo Toni perante as suas esposas, e estas obdecem e respeitam ao seu esposo de acordo com os princípios que estabeleceu para cada uma delas. E o cumprimento destes princípios define o poder que ele exerce sobre elas e a submissão/subalternidade à qual as mesmas se submetem.
Ora, Niketche acrescenta, ainda, que a submissão/subalternidade é consequência dos valores culturais míticos diferentes e diferenciados entre o homem e a mulher adiquiridos no meio social (mulheres, obedeçam aos vossos maridos), cristianismo (a mulher nasceu da costela do homem) e outros valores transmitidos no momento da preparação para o casamento.
Com base nestes posicionamentos, pode depreender-se que as sociedades transmitem valores culturais que, de certa forma, estabelecem uma estrutura hierárquica familiar que condiciona uma relação de poder, submissão/subalternidade.
2.7. Relação entre Casamento/ Poligamia vs Submissão/ Subalternidade
O casamento é destino de homens e mulheres, pressupondo fim do namoro e dando início a uma nova vida regrada baseada em Leis, ( FERREIRA et al 1970, p. 105).
Para ANDRADE et al ( 1998, p. 47 ), O Códico Civil no seu livro IV reconhece o casamento civil em Moçambique e chega a colmatar alguma lacunas quando estabelece que os casamentos tradicionais, não polígamos, podem ser transcritos passando a ser regidos como se de casamento civil se tratasse. Considerando como chefe máximo o homem enquanto chefe de família, marido e pai. Cabe à mulher o governo doméstico segundo os usos e condições do casal. 
Assim, é preciso compreender que as Leis jurídicas, os mitos e tabus referidos anteriorimente estabelecem uma espécie de fronteira entre o homem e a mulher, atribuindo poderes absolutos a um em detrimento do outro, deixando de fora o aspecto “amor”. Esta fronteira/distinção é notável principalmente na distibuição de tarefas no meio familiar. 
É neste processo da divisão de tarefas que as relações de género ganham toda a sua dimensão no sistema sexo/género construído socialmente. Do pai e mãe esperam-se comportamentos diferenciados de acordo com o papel social de cada um. Deste modo, a divisão do trabalho provocada pelo casamento é imposta pelo papel social que os membros do casal “ vestem” quando se unem, ainda segundo ( ANDRADE at al 1998, p. 31 ).
Nesta perspectiva LOFORTE (2000, p.139 ) considera que os homens exercem, de forma continuada, as mais profissões de artesãos, comerciantes, operários, funcionários públicos, mineiros na África do Sul. As mulheres desenvolvem, essencialmente, a actividade agrícola e doméstica, embora algumas, em escala reduzida, estejam já ligados a actividades remuneradas fora do lar. Assim, as mulheres cuja actividade é avaliada sobretudo com referência à maternidade, encontram-se economicamente dependentes dos seus esposos, o que reforça o poder destes últimos a nível doméstico e a submissão/subalternidade das mulheres.
Principalmenta nos casamentos poligâmicos, as mulheres são constrangidas na realização de tarefas, uma vez que dependem da boa ou má vontade da sogra, da primeira mulher, ou família do marido. Para ANDRADE at al (1998, p. 32 ), a dependência da mulher a outras mulheres dentro do agregado familiar, além de criar uma rede de sujeições, reforça a natureza desigualdade da relação de género. A dimensão conflitual da relação entre as mulheres da mesma família esconde e legitima a desigualdade de género. E as rivalidades entre mulheres expressam-se na luta pela ocupação de espaços de efectividade e pelo controlo da esfera doméstica.
Deste modo, podemos considerar que a desigualdade de género é espelhada na ideologia do poder masculino que defende o princípio segundo qual o lugar social da mulher é a casa e o seu mais importante valor social é a sua função de mãe e de esposa, reforçando a tendência para as mulheres realizarem este papel de uma certa forma de exclusão, submissão/ subalternidade nas actividades intra e extra-familiares. Porém, deveremos ter em conta que, o poder (superioridade) masculino é resultado desta submissão/subalternidade que é característica da mulher remetendo-nos para uma imagem de inferiorioridade. 
 
Ora, é neste contexto que a submissão /subalternidade da mulher determina o lugar de poder e relevo conferido ao homen no meio familiar e social, pois a verdadeira submissão não significa uma obediência cega, forçada ou insensata aos desejos e caprichos do marido, mas sim uma boa vontade de, voluntariamente, concordar com ele, em prol de bem do casal. Isso não impede que a mulher discorde do marido em algumas situações. Ser submissa/ subalterna é ser auxiladora do seu marido, ser companheira, estar ao lado dele nos bons e maus momentos ( submissão – juntos por baixo da mesma missão). [11: In: www.angonoticias.com./Artigos/item/17798/poligamia-nao-deve-constituir-preocupacao-social-em-angola-paulo-de-carvalho ]
Por sua vez, EFÉSIO ( 2013, p. 1155) afirma que sejam submissos uns para com os outros, pelo respeito que têm por “Cristo”. As mulheres obedeçam aos seus maridos como ao Senhor. Pois, assim como Cristo é cabeça para “ igreja”, também o marido o é para a mulher. Ora, assim como a igreja obedeçe a Cristo, também as mulheres devem obedecer em tudo aos seus maridos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ora, ninguém despreza o seu próprio corpo. Muito pelo contrário, alimenta-o e rodeia-o de todos os cuidados, assim como Cristo faz com a igreja. E todos nós fazemos parte do seu corpo. Como diz a Sagrada “Escritura”: o homem deixará o seu pai e sua mãe para viver com asua mulher e os dois se tornarão um só corpo.
2.8. Papéis “masculinos” e “femininos” nas sociedades tradicional (antiga), contemporânea e moderna
Na sociedade antiga, de acordo com Proudhon, citado por MICHEL (1983, pp. 33-144), “a justiça” e a “complementaridade” consistiam, antes de tudo, em manter a mulher numa situação subordinada, subalterna e torná-la dependente do homem, no casamento, na família e na sociedade. 
Em Moçambique, as mulheres forneciam a força de trabalho necessária à produção de bens e através da sua capacidade procriadora geravam novos trabalhadores e, portanto, novas fontes de riqueza para a pessoa ou grupo de pessoas a quem pertenciam. Estas duas características, segundo Isaacman e STEFHAN (1982, p.11), fizeram das mulheres mercadorias valiosas em todas as sociedades tradicionais de Moçambique. 
Na sociedade contemporânea, ocorre uma ruptura, os papéis “femininos” e “masculinos” ganharam novas perspectivas no sentido de envolver a mulher no mundo masculino. Com a luta de libertação, Isaacman e STEFHAN (Ibid, p. 22) dizem ainda que as mulheres, à semelhança dos homens, participaram em várias formas de resistência à dominação portuguesa. 
Daí, o papel do marido no casal está ligado à sua função na vida familiar: na sociedade, pode-se designar o marido-pai como leader instrumental da família enquanto sistema. Por sua vez, o papel da mulher é de esposa-mãe e dirigente da casa, contribuindo na organização de trabalho voluntário e nas actividades da comunidade residencial.
As primeiras manifestações da emancipação da mulher verificam-se na sociedade moderna, através da integração da mesma nas decisões da sociedade, no mercado do trabalho, no seio cultural e político. E, o artigo 35 da Constituição da República de 2004, aprovado em 2004, estabelece a igualidade de direitos entre homens e mulheres, permitindo que esta tenha um espaço legal para expor a sua contribuição no desenvolvimento social.
Em Niketche é possível identificar nas mulheres traços de emacipação a partir do momento em que procuram formas de sobrevivências, pois elas ganham autonomia financeira e empenham-se em diversas actividades com vista a prover os filhos de alimentos, exigindo direitos iguais às do esposo.
2.9. O percurso histórico da literatura Moçambicana
O aparecimento da actividade literária escrita em Moçambique está intimamente ligado à política educacional e a política de assimilação do Estado colonial português. MENDOÇA (1988,p.10) afirma que a política educacional colonial não era um sistema educativo destinado a transmitir aos jovens o orgulho e a confiança de membros de uma sociedade, mas sim implantar um sentimento de submissão face ao europeu. A escola colonial ministrava uma educação para a subordinação com o objectivo de treinar africanos para servirem na administração e serviços a um nível extraordinariamente baixo: interpretes, escriturários, enfermeiros e professores das escolas rudimentares. 
E, neste processo de assimilação, MENDOÇA (Ibid, p.19) acrescenta que ser assimilado significava adquirir um estatuto de civilizado, isto é, ser aceite e integrado na sociedade portuguesa. Para tal, seria necessário ler e escrever português e adoptar hábitos de vida semelhantes aos dos portugueses, o que passava pela renegação das instituições cultuarais de origem. 
Como consequêcia, pretendia-se romper os laços dessas comunidades com o seu passado, a sua história, desagregar a sua específica visão do mundo, alienar as formas de expressão que haviam desenvolvido. Desta forma, impedia-se que os elementos estruturantes de uma personalidade cultural própria, dentro da lógica do desenvolvimento das sociedades, se transfomassem na base aglutinadora de uma unidade nacional. 
Contudo, o que a política de asssimilação produziu foi um ser dividido: já não é africano e não chega a ser europeu. Esta contradição faz nascer no asssimilado a necessidade de se identificar com o que de certo modo renega, ( MENDOÇA, 1988, p. 20).
O desenvolvimento cronológico da literatura produzida em Moçambique, segundo LARANJEIRA (1995, pp. 256- 262), parte das primeiras manifestações até ao momento pré e pós-independência, dividido em cinco períodos com as respectivas designações.
Para uma melhor compreensão do percurso da literatura moçambicana, traremos o ponto de vista de outros autores como forma de convocar um conjunto de informações que possam clarificar, sem, contudo, contradizer as informações contidas, tanto num quanto no outro autor, nomeadamente: Mendoça (1988, pp. 19-450), que apresenta três períodos sem subtítulos, e Hamilton (1983, pp. 11-81). 
2.8. Periodização da Literatura Moçambicana
A cronologia apresentada neste trabalho vai permitir a compreensão do percurso da Literatura Moçambicana até 1992. Também vai permitir saber em que período se enquadra a esritora Paulina Chiziane e a Obra Niketche, para a compreensão dos movimentos literários que influenciaram a escrita de Chiziane. 
Assim, a periodização apresentada baseia-se na visão de LARANJEIRA (1995, pp. 256-262) que, de forma explícita e pormenorizada, apresenta cinco (5) perídos da literatura moçambicana: desde o período de Incipiência até ao período de Consolidação.
 1º período: das origens da permanência dos portugueses naquela regiao do índico até 1924
Ė considerado período de Incipiência, caracterizado por um quase deserto secular, que se modifica com a introdução do prelo, no ano de 1854, mas sem muita produção literária consistente e continuada. [12: Honwana tenta dar coesão ao fenómeno de uma literatura moçambicana incipiente, ao lançar mão do termo “nova geração” para identificar um pequeno grupo de poetas como (Noémia de Sousa, José Craveirinha, Rui Nogar e Malangatana Gwenha Valente), afirma ( HAMILTON, Russel. Literutura Africana, Literatura Necessária, ii-Moçambique, Cabo Verde,Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Lisboa, são Paulo, Ed* 70, 1983.p.23).]
Também foi marcado pela publicação dispersa dos textos de Campos Oliveira (1847-1911), sendo um total de trinta e um (31) onde se destaca a fundação do primeiro jornal O Brado Africano (1918) pelos irmãos João Albasini e José Albasini com Ferdinand Bruheim e com a colaboração de Rui de Noronha, como afirma (LARANJEIRA, 1995, pp. 255-263).
2º Período: de 1925 até ao fim da II guerra Mundial[13: Ilídio Rocha estabelece a data de 8 de Setembro de 1947 como marco inicial de uma nova literatura em Moçambique, produzida sob a acção de Augusto dos Santos Abranches, ( MENDONÇA,Fátima. Literatura Moçambicana: a história da escrita.Maputo, UEM, 1988.p.36).]
 
Conhecido como Prelúdio, marcado pela publicação do O livro da Dor, uma colectânea de contos e reflexões, em 1925, do jornalista João Albasini, incluindo os poemas dispersos, nos anos 30, de Rui de Noronha, considerado o percursor da Literatura Moçambicana. [14: Quando se fala de obras literárias moçambicanas, o resgisto faz-se a partir dos sonetos (1943) de Rui de Noronha, sem se esquecer dos outros acontecimentos, de acordo com (FERREIRA, Manuel.No reino de Caliban 111.Lisboa, Plátano Editora, 1985.p.13 ).]
Importa refirir que uma nova época foi inaugurada e marcada por uma literatura moçambicana que alcança a autonomia definitiva no seio da língua Portuguesa durante cerca de 30 anos (até 1963). Quanto ao rigoroso estabelecimento da cronologia inicial deste novo e decisivo período, há três posições: a de Rui Knopfli, que considerou a publicação de dois poemas de Fonseca Amaral Pátria e Penitência, em 1945, e de Cinco poesias de Már Indico, de Orlando Mendes, em 1947, como o arranque de uma fase diferente para a literatura moçambicana; a de Ilídio Rocha, que preferiu datar o início dessa fase nas duas comunicações de Augusto dos Santos Abranches, sobre literatura colonial e poesia moçambicana, em Setembro de 1947; a de Orlando de Albuquerque, que reivindicou para o grupo de moçambicanos que viviam em Coimbra, em meados dos anos 40 (1946-1950),um papel no desenvolvimento da literatura moçambicana, (LARANJEIRA, op. cit. 255-260).
3º Período: 1945/8 a 1963
Intitulado período de Formação da Literatura Moçambicana,em que, pela primeira vez, uma consciência grupal instala-se no seio dos escritores, trançados pelo Neo-realismo e, a partir dos anos de 50, pela Negritud[15: Este período é marcado por grandes acontecimentos políticos decorrentes de intensificação da acção do movimento de Libertação Nacional o que explicam a ocorrência de três grandes linhas de força, (MENDONÇA,Fátima. Literatura Moçambicana: a história da escrita. Maputo, UEM, 1988.p.40).]
No entanto, a Poesia em Moçambique (1951), organizada por Luís Polana, com um prólogo de Orlando de Albuquerque e Victor Evaristo, saída em Lisboa, na CEI, tem um critério muito largo e promíscuo, mas já inclui os considerados, na altura, futuros poetas importantes do país.
José Craveirinha sobressai, nesta década, de uma plêiade que congrega, além de Noémia de Sousa com o seu livro policopiado “Sangue Negro”, formado por 43 poemas; Rui Nogar, Rui Knopfli, Virgílio de Lemos, Rui Guerra, Fonseca Amaral, Orlando Mendes, entre outros, de acordo com LARANJEIRA (Ibid, pp. 260-261).
4º Período: 1964 até 1975
Ė o período de Desenvolvimento da Literatura, que se prolonga entre o início da Luta Armada de Libertação Nacional e a independência de Moçambique. Caracterizado pela coexistência de uma intensa actividade cultural e literária no hinterland, no ghetto, apresentando textos de cariz não explícito e marcadamente político como, no outro lado, na guerrilha, inequívocos poemas anti-colonialista que teciam loas à revolução e tematizavam a luta armada.
Em 1964, Luís Bernardo Honwana publica Nós matamos o cão - tinhoso, um conjunto de contos que finalmente emancipa a narrativa em relação à preponderância da poesia. Nesse mesmo ano, sai, em Lisboa, o pequeno livro Chigubo, de José Craveirinha, editado pela CEI; Orlando Mendes publica Portagem (1966), primeiro romance moçambicano; publica-se a poesia de Combate (1971), obra da Frelimo; e são também Karingana ua karingana de José Craveirinha (1974). 
5º Período: 1975 até 1992
Chamaremos Consolidação por, finalmente, passar a não haver dúvidas quanto à autonomia e extensão da literatura moçambicana, contra todas as reticências, provindas de alguns sectores dos estudos literários, e, diga-se também, contra todas as evidências.
Após a independência, durante algum tempo (1975-1982), assistiu-se sobretudo à divulgação de textos que tinham ficado nas gavetas ou se encontravam dispersos. O livro típico, até pelo título sugestivo, foi Silêncio escancarado (1982), de Rui Nogar (1935-1993), aliás, o primeiro e único que ele publicou em vida.
A publicação dos poemas de Raiz de Orvalho, de Mia Couto (1983) e sobretudo da revista Charrua (a partir de 1984, com oito números), da responsabilidade de nova geração de novíssimos (Ungulani Ba Ka Khossa, Hélder Muteia, Pedro Chissano, Juvenal Bucuane e outros), abriu novas perspectivas fora da literatura empenhada, permitindo-lhes caminhos até aí impensáveis, de que o culminar foi o livro de contos Vozes anoitecidas (1986), de Mia Couto, considerado como fautor de uma mutação literária em Moçambique, provocando polémica e discussão acesas, ( LARANJEIRA, 1995, pp. 261-262).
No entanto, com a autonomia e extensão da literatura moçambicana, abriu-se espaço para o surgimento de uma nova geração de escritores, na maioria jovens, com novas perspectivas e criatividade na palavra, abordagem de temas tabus e outros.
CHABAL (1999, pp. 66-67) acrescenta que estes jovens escritores procuravam novas maneiras de escrever prosa, no contexto de uma tradição de cultura oral, recuperando a mais comum forma de arte: contar estórias destacando-se, Umgulane Ba Ka Khosa, com o romance Ualalapi (1987), Mia Couto, em Vozes Anoitecidas ( 1986), Cada Homem É Uma Raça (1990) e Cronicando (1991), Paulina Chiziane, com o romance Baladas de amor ao vento (1990).
Capítulo III
3. Apresentação e Análise do “Corpus”
3.1.2. Paulina Chiziane[16: Vide sobre Vida e Obra de Paulina Chiziane em anexo-1, p. 56 ]
3.1.3. Romance Niketche [17: Vide as figuras da dança Niketche em anexo-2, p.58]
Niketche título da obra, proposta para análise nesta monografia contém 43 capítulos, 332 páginas, um glossário e apresenta um título que, morfologimente, se classifica como substantivo abstracto, “designa uma acção” na visão de BORREGANA (2009, p.119).
Ora, Niketche significa dança tradicional praticada no norte de Moçambique que simboliza a vida e cultura do povo africano e é definida como: dança do sol e da lua , dança do vento e da chuva que imobiliza o corpo e faz a alma voar. E, no caso do romance em estudo, Niketche “é uma dança de amor e erotismo, é um espelho em que nos vemos e revemos, mas no qual, seguramente, só alguns de nós admitirão reflectir”. [18: Chiziane, P. Nikecthe. 7ª ed. Ndjira. 2010. ]
A obra Niketche, de Paulina Chiziane, conheceu pelo menos, 7 edições: a 1ª edição, em 2002, a 2ª edição, em Novembro de 2002 (importa referir que ganhou o primeiro prémio José Craveirinha de Literatura instituído pelo AEMO – Maputo, em 2003, juntamente com Mia Couto), 3ª edição, 2006, 4ª edição, 2008, 5ª edição, 2008, 6ª edição, em 2009, e a 7ª edição em 2010. Para esta pesquisa, recorreumos à 7ª edição, lançada em Maputo, pela esditora Ndjira, em 2010.
 
Segundo REIS (1999, pp. 258-345) o romance Niketche é uma obra que pertence ao género narrativo, visto que nele se propõem a reperesentação de universos que, sendo ficcionais, hão-de parecer verosímeis e directamente relacionados com o mundo apreendido pela nossa experiência. E fazendo parte dos textos narrativos literários concretizam um processo de representação eminentemente dinâmica sobretudo pela acção de mecanismos temporais.
É importante realçar que Niketche, fundamentalmente pelo seu “radical de apresentação” – “um narrador homodiegético (homo- “ o mesmo”) – o narrador na qualidadede de personagem participante, funciona em todos os textos narrativos como instância enunciadora que conta uma “história”, e o registo é feito na primeira pessoa gramatical”. Por exemplo: penso em esconder-me..Em fugir. Não. Não vejo nada. Sinto um treemor ligeiro dentro do peito e fico imóvel por uns instante,(PC, p.11). [19: REIS, Carlos. O conhecimento, da literatura : introdução aos estudos literários. Coimbra- Portugal, 1999, pág. 371]
 
Trata-se de um romance que narra uma história de poligamia, elegendo como foco a submissão/subalternidade da mulher como elemento de atribuição do poder masculino e inferioridade feminina. Inicia com uma pequena introdução logo no primeiro período do primeiro capítulo e, pelo cenário descrito, remete-nos para o retorno da guerra pelos elementos nele envolvidos. Um estrondo ouve-se do lado de lá. Uma bomba. Mina antipessoal. Deve ser a guerra a regressar outra vez ( PC, p. 11). ...estrondo (...), bomba (...) e mina antipessoal relembram-nos um momento trágico na vida dos moçambicanos - a “guerra”. Porém, esse momento equipar-se a uma nova fase da vida da (Rami) personagem protagonista, visto que representa o início de uma sem paz.[20: Personagem protagonista é na estrutura dos actantes ou agentes que participam na acção narrativa, o núcleo ou ponto cardeal por onde passam os vectores que configuram funcionamente as outras personagens”, REIS, Carlos. O conhecimento, da literatura : introdução aos estudos literários. Coimbra- Portugal, 1999, pág. 699]
No entanto, todo o romance tem como espaço físico, segundo REIS, citado por GORDO (1995, p. 27), “ necessário à movimentação das personagens e ao desenrolar das acções e constituído por cenário geográficos, interiores, objectos, etc,” no sentido mais amplo, cidade de Maputo, representando uma classe social alta, num sentido mais reduzido, na casa grande com espaço aberto e relva fresca, pela descrição. E, em alguns momentos,na rua 15 do bairro da Liberdade. Abarca também tanto as atmosferas sociais (espaço social) como as psicológicas (espaço psicológico).
... o estrondo espanta os pássaros que voam para a segurança das alturas. Sim. Vidro do carro. O Betinho vem correndo como uma bala, esconde-se no quarto e aguarda o gastigo. Da janela do quarto, oiço comentários na rua. Deixo o Betinho e vou à rua. Onde andas, meu Toni ... passa a vida a fazer companhia às mulheres mais lindas da cidade de Maputo. Saío de casa e vou andando, chapinhando em liberdade ... chego `a rua 15 e paro diante da porta 20 ( PC, pp. 11-21).
De acordo com Chaves e Macêdo (2012, p.120), Niketche possui um fio condutor que se apresenta como painel recorente às suas personagens. É a fronteira entre os valores tradiconais e a nova condição social carreada ora pela máquina colonial, ora pela nova organização política do país após a sua independência. É a partir dessa perspectiva que (Rami) experimenta váriados confronto: a religiosidade, ritos tradicionais e, em particular, a submissão/subalternidade em relação à superioridade masculina.
As personagens que surgem em Niketche são individuais e representam as identidades múltiplas que se manifestam como verdadeiros obstáculos que causam sofrimento e incompreensão quando se voltam aos ritos tradicionais na tentativa de conciliação desse confronto, como afirma Chaves & Macêdo (op.cit, p.121).[21: Personagem individual é de natureza individual a personagem central, quando se narram as aventuras de um indivíduo. Borregana, A. António. Gramática – Língua Potuguesa. 1ª ed. Maputo, Texto editora, 2009. P.307]
Rami é casada com (Toni) personagem antogonista (a personagem que contrapõe à personagem principal), que trabalha como chefe de polícia, homem que goza de boa colocação socio económica há mais de vinte anos. O seu casamento foi preparado e realizado espelhando-se nos valores culturais e crenças do sul do Moçambique. Após 20 anos de casamento, Rami vê se parcialmente abandonada pelo seu cônjuge, que se ausenta do convívio familiar, alegando comprimissos no trabalho. Não suportando mais essa condição, a esposa investiga as causas da prolongada ausência do marido do lar e questiona:[22: REIS, Carlos. O conhecimento, da literatura : introdução aos estudos literários. Coimbra- Portugal, 1999, pág. 700]
Mas onde anda o meu Toni que não vejo desde sexta-feira? Onde anda esse homem que me deixa os filhos e a casa e não dá sinal de vida? Um marido numa casa é segurança, é protecção. 
Ninguém pode entender os homens. Como é que o Toni me despreza assim, se não tenho nada de errado em mim? Dele sempre cuidei. Vinte anos de casamento é um recorde nos tempos que correm. 
Ah, meu espelho confidente. Ah meu espelho estranho. Espelho revelador. Vivemos juntos desde que me casei. Porque só hoje me revelas o teu poder? ( PC, p, 13 ).
A partir de então, Rami, tendo o ponto de partida, vai em busca de rastos e marcas deixadas pelo Toni (esposo) pelos espaços por onde andou e fica frente a frente com as quatro mulheres envolvidas com o seu marido e os seus vários filhos. Porém, ele age segundo aquilo que acredita estar ao seu alcanse para ter o amor do Toni e afastar suas “rivais”(personagens secundárias).
Entrei em vertiginosas buscas. Queria saber tudo sobre os amores do meu Toni. Fui ter com a Saly, a maconde. Ela indicou-me a Mauá. Mauá Sualé, uma macuazinha que é um encanto. O coração do meu Toni é uma constelação de cinco pontos. Um pentágono. Eu Rami, a primeira dama, a rainha mãe. Depois vem a Julieta, a engonada, ocupando o posto de segunda dama. Segue-se a Luísa, a desejada, no lugar de terceira dama. A Saly, a apetecida, é a quarta. Finalmente, a Mauá Sualé, a amada, a caçulinha, recém-adquirida. O nosso lar é polígano de seis pontos. Ė polígâmo. Um hexágono amoroso (PC, p. 60 ).
Entrentanto, após várias tentativas frustradas, Rami começa a repensar a possibilidade de “aceitar” viver o casamento poligâmico, e decide procurar sua tia Maria (personagem aludida) que, aos dez anos, se tornou a vigésima esposa de um rei. Tia Maria mostra à sobrinha que o casamento poligâmico não é construído só por brigas, intrigas ou infelecidade, como Rami acredita, tendo em conta as experiências e valores culturais do passado. Quando as mulheres se entendem, os homens não abusam (CP, p.105).
 
É preciso compreender que a tia Maria iluminou a mente da Rami pois esta conseguiu rever os seus conceitos, a ponto de introduzir a poligamia no seu cotidiano familiar, selando amizades com as outras mulheres que têm envolvimento afectivo com o pai dos seus filhos, com as quais estabelece laços de identificação e cumplicidade, após os embates corporais, confrontos e conflitos. 
Um dia disse às minhas rivais: venham, venham todas exigir o pão quandovos falta, despertar o Toni à noite se por acaso aqui estiver, quando as crianças têm febre, e quando, na escola, os professores exigem a presença do encarregado de educação...vocês são as suas mulheres e os vossos filhos são irmão dos meus filhos (PC, p. 117 ).
Ao assumir a poligamia, Rami recupera a segurança que havia perdido, fica numa situação de comando e controlo da situação em que vive, passa a governar todas as mulheres, fiscalizando-as. O lugar de primeira esposa (dama), numa relação poligâmica, deu a Rami a certeza de que era a mulher mais importante para o marido, no entanto, sem perder a condição de submissão/subalternidade. Deste modo, Toni ganha mais poderes pelo facto de ter ao seu comando cinco mulheres juntas. 
É importante referir que a poligamia legal apresenta algumas exigências até certo ponto que estabelecem uma espécie de fronteira/distinção entre o homem e a mulher. Essa diferênça é notável a nível da distribuição dos papéis, uma vez que se atribui maiores poderes ao homem em detrimento da submissão/subalternidade da mulher. Como este caso: [23: Poligamia legal é aquela que as mulheres passam pelo processo de alabamento/lobolo. ANDRADE, Ximena et al. Famílias em contexto de Mudança em Moçambique. Maputo,UEM, 1998.]
 
O meu Toni, ao lobalor cinco mulheres, subiu ao cimo do monte –disse a mãe - Ele é a estrela que brilha no alto e como tal deve ser tratado. Todas estas mulheres giram à tua volta e te devem obediência. Ordena-as.Castiga-as se for preciso deténs o trono e o ceptro. Exerça o teu poder sobre elas, submeta-as ao teu comando. Tu és a rainha desta casa. Para começar, vocês devem elaborar uma escala conjugal. O marido deve ficar uma semana por cada uma numa escala rotativa . Quem menstruar na mesma semana de escala notificar-se imediatamente. Devem servir o vosso marido de joelhos, como a lei manda. É preciso investir nele, tanto amor como na comida ( PC, pp. 125-126). 
Assim, podemos perceber que a submissão/subalternidade característica atribuída a mulher é o elemento fundamental para atribuição de poder masculino e a imagem de inferioridade que se tem da mulher. Portanto, o tema poligamia constitui o centro da obra e a partir dele pretendemos discutir e reflectir sobre a imagem da mulher: configuração das relações de poder, submissão/subalternidade. 
3.2.Caraterísticas e temática do romance de Paulina Chiziane 
Na esteira de AGUIAR e SILVA ( 2002, P. 671), define-se romance como composições literárias de cunho narrativo. Nele pode identificar-se elementos e recursos próprios do romance, nomeadamente: pluralidade e simultaneidade das acções, de total liberdade de espaços e de tempo. 
 
Ribeiro & Meneses ( 2008, pp. 161-186) consideram que, as histórias de Paulina Chiziane tornoram-se famosas em Moçambique, Portugal e outros países pela sua abordagem ousada e sem tabus à opressão das mulheres no contexto dos sistemas colonial e marxista, abrangendo diversos aspectos da vida das mulheres desde o período colonial até aos anos 90. 
Como características gerais do romance de Paulina Chiziane, CHABAL (1994, p. 300) afirma que “a oralidade é o elo mais forte na escritada autora porque dá mais dinâmica à palavra”. Contudo, o mais importante é considerar o processo de textualização gerado pela autora, a partir do diálogo que estabelece entre o seu texto e o modelo da narrativa tradicional. 
Para PINTO & JOSÉ, o diálogo ocorre numa situação especial da narração que consiste na troca de fala entre personagens e, para assinal a nível gráfico, recorre-se geralmente aos dois pontos, ao travessão, por vezes as aspas introduzem as falas (abrindo parágrafo), ou aparecem no meio delas, ou as conclui. Os verbos declarativos são usados com frequência, actualmente, o que torna a narração mais leve e mais viva , veja-se o excerto retirado em Niketche:
- Toni. Responde-me. Por que te ausentas?
- Acordaste-me só para fazer essa pergunta?
- Toni, andas a trair-me, não é?
- Trair?
- Sim.
- Ah!
- Traição é crime, Toni!
- Traição? Não me faça rir, ah, ah, ah, ah! A pureza é masculina, e o pecado é feminino. Só as mulheres podem trair, os homens são livres, Rami.
- O quê?
- por favor – sacudo-o furiosamente. – Toni, acorda,Toni, Toni, Toni...! (PC, p.31)
 
As relacões de poder assimétrico são frequentemente expressas na obra através do jogo com diversidade linguística e o cruzamento de formas de expressão oral e escrita. Assim, a híbridez linguística da autora tem sido determinante. O casal (Rami e Toni), personagens da obra Niketche, foi educado e a sua relação sacramentada num contexto híbrito, caraterizado por dogmas do cristianismo nos quais coexistem os costumes locais, principalmente no sul de Moçambique, onde o contacto com o colonizador foi mais visceral. Assim, Niketche demonstra um diversificado painel cultural moçambicano, onde somos colocados face aos eventos que facultam ao registro literário a prática da poligamia, consubstanciados nos múltiplos vínculos afectivos estabelecidos por Toni, personagem da obra em estudo.
É através da apresentação de hábitos e costumes de cada região que se revela esta diversidade cultural. Concretamente das regiões do norte e centro de Moçambique, encontramos a Mauá macuazinha, Saly maconde e Luisa Zambézia, concubinas do Toni que definem o amor da seguinte maneira: o amor é feito de partilha. Partilha-se mulher com o amigo, com visitante nobre, com irmão de circuncisão. A poligamia é mesmo que partilhar recursos escassos, pois deixar outras mulheres sem cobertura é crime que nem Deus perdoa.( PC, p.41). E da região do sul de Moçambique, encontramos as esposas ( Rami e Julieta), para elas: a situção é bem outra. Só se entrega a mulher ao irmão de sangue ou de circunsisão quando o homem é estéril. Sou do tempo moderno, prefiro dar a minha vida e o meu sangue a quem deles precisa. Ele não. As mulheres partilham tudo menos o homem, são egoístas ( PC, p.41). Deste modo pode-se dizer que as culturas até certo ponto são frontieras entre as regiões e entre os homens, mulheres construindo a fortaleza do mundo.
Em relação à temática, LABAN (1998, p. 984) considera que o universo ficcional de Paulina Chiziane é marcado pela reflexão acerca da realidade histórica e sociocultural de Moçambique, onde a ficção a realidade caminham de mãos dadas, retratando realidades do seu mundo com todos os seus prazeres, mágoas, tristezas e frustrações.
LABAN (op. cit.:984) acrescenta ainda que existem muitas coisas escritas que falam de tudo, dos colonos, mas da mulher propriamente pouco ou nada. Foi este facto que interessou Paulina Chiziane e lhe serviu de inspiração, trazendo para a sua obra a condição feminina e da África em geral, tendo em conta alguns problemas de amor, o adultério e a poligamia.
Na mesma perspectiva, CHABAL (1994, P. 60) afirma que a escrita de Chiziane se afasta da temática política, optando por uma literatura mais moçambicana de poesia intimista, visto que emerge numa época em que os mecanismos de validação artística já não dependiam inteiramente de factores como a “ negritude” ou a fundamentação político-ideológica.
Neste contexto, constatamos que Niketche é uma história de poligamia, onde Paulina Chiziane elege como foco a submissão/subalternidade como elemento de superioridade masculina e inferioridade feminina, como ilustra a passagem:
A poligamia é isto mesmo. Encher a alma com um grão de amor. Segrara o fogo que emerge do corpo inteiro com mãos de palha. Ouvir os suspiros do teu homem nos braços de outra mulher e esconder o ciúme. Sentir saudade e não sofrer. Sentir a dor e não chorar. Fazemos a escala como fomos ensinados. O Tony esteve com a Mauá, mas chegou o fim da jornada. Estamos aqui reunidas, para fazer a entrega da estafeta. Passar o homem de umas mãos para outras mãos com a delicadeza de quem segura um ovo. Eu, a primeira dama, faço sempre perguntas no ritual da entrega (PC, p.128).
Ao nível linguístico, LABAN (1998, P. 980) considera que Paulina Chiziane, ao descrever vivências populares moçambicanas em língua portuguesa, encara dificuldades porque existem expressões de sentimento popular que não encontram sinónimos na língua portuguesa e, como forma de solucionar esse problema, escreve na sua própria língua nativa, introduzindo certos termos, por exemplo “ Na kurandza” para dizer “ amo-te”.
A reforçar esta posição, numa entrevista, Chiziane afirmou que:
 “há coisas mais importantes para escrever, há coisas que merecem ser registadas e há coisasdas quais fui testemunha. Por isso, às vezes, não me preocupo muito com a qualidade excelente em termos de língua, em termos estéticos, mas tenho muito mais pressa de descrever o que eu vi, o que eu passei, o que eu senti. Quando digo eu, digo eu-comunidade, portanto, não é um eu sentido individual”, ( LABAN, op. cit.:993).
Por isso, a tradição oral é a marca estruturante da sua identidade. É apaixonada pela estética oral. Não quer escrever em português, nem ser escritora de língua portuguesa, mas, sim, está interessada em ser uma escritora africana de expressão portuguesa. A própria escrita afirma que “penso e falo numa língua europeia para retratar a minha vida de africana” (Laban, 1998, p.975) citado por Ribeiro e MENESES (2008, pp. 161-186). 
Contudo, a morfologia e a sintaxe, às quais se acrescentam a semântica e a fonética no romance de Chiziane, tornam-se elementos especificamente moçambicanos, como afirma CHABAL (1999, p. 300), pois os momentos mais sagrados da vida só podem ser expressos na língua em que aprendemos desde o primeiro momento.
Todas as características anteriormente apresentadas, incluíndo a narratividade, constituem elementos caracterizadores da análise em Niketche. 
3.3. A noção da construção de imagem da Mulher no contexto de poligamia em Niketche de Paulina Chiziane 
Comunga-se a ideia segundo a qual o romance de Paulina Chiziane revela uma tendência narrativa e oral e, por consequência, uma das características que se deve ter em conta é a narratividade e oralidade. 
De acordo com CHABAL (1994, p. 64), reconhece-se no romance de Paulina Chiziane uma carga oralizante em resultado da necessidade de escrever narrativas “mais longas” ou “prosa moderna” ou “ficção moçambicana” no contexto de uma tradição de cultura oral, recuperando a mais comum forma de arte: contar estórias.
Esta tendência é recorrente (quase) em todo o romance. Segundo CHABAL (1994, p. 66), a partir de estórias ou contos na história colonial ou pré-colonial, e com recurso a determinadas estratégias textuais, Chiziane, no processo de textualização em prosa moderna à luz das circunstâncias presentes, constroe um certo mundo fictício. Assim, usando os mesmos métodos, demonstra como é construída a imagem da mulher no contexto de poligamia. 
Ora, estas estratégias textuais estabelecem uma ligação com o mundo empiríco indirectamente e também não contêm em si a qualidade imagética da mulher, pois elas são apenas signos que, por associação aos contextos do surgimento e de recepção das obras, acabam por funcionar metafóricamente como representaçõesdessa imagem da mulher.
Podemos, portanto, dizer que estas estratégias produzem um “efeito imagético” que a recepção e a reiteração irão consagrar como fundamentos da imagem submissa/subalterna da mulher.
Ainda nesta perspectiva, Rosário, citado por LEITE (1998, p. 88), esclarece que as narrativas de tradição oral africana têm uma forte componente didáctica-moralizante. Isto reflecte-se na sua estruturação, através do carácter e da sequência das suas transformações, como ilustra a obra Niketche.
3.4. Análise de “Nikecthe” de Paulina Chiziane
3.4.1. A Submissão/ Subalternidade da mulher como elemento de inferioridade feminina
O momento em que Rami dialoga com o seu interior e o seu confidente espelho à busca de uma solução acertada em relação a poligamia, que o seu marido Toni praticava. Este momento pode ser considerado como momento de reflexão.
Ora, decidida a reconquistar o marido, Rami procura conhecer todas as rivais em buscar de satisfações ou justificações da poligamia que o seu esposo praticava, acreditando que, afastaria as rivais. Após vários confrontos, desabores e explicações, Rami ganha consciência, revê os seus conceitos introduzir a poligamia no seu cotidiano familiar. 
No entanto, procura ter mais informações sobre a vida poligâmica, faz pesquisa na família, entra em crise, sofre, e chega concluisão que à vida é injusta com as mulheres a favor dos homens, uma vez que o homem pode tudo e a mulher não. E pede socorro a Deus para que possa interceder pelas mulheres no meio de tanta injustiça. 
Fui até ao final do horizonte a busca do amor perdido. Fiz de tudo. Andei dias, noites, passei insónias, desespero, e o meu amor cada vez mais distante. O que querem as mulheres, à volta de um só homem? Até na bíblia a mulher não presta. ... a mulher é um animal nutridor de maldede, fonte de todas as descussões, querelas e injustiças. Mas se não fizemos falta nenhuma, por que é que Deus nos colocou no mundo? E esse Deus, se existe por que nos deixa sofrer assim? Se ele fosse casado, a deusa sua esposa intercederia por nós. Mas a deusa deve existir, penso. Deve ser tão invisível como todas nós. O seu espaço é, de certeza, a cozinha celestial ( PC, pp.67-70). 
Neste capítulo, um cenário é descrito através da narração com recurso à descrição para mostrar o quão a mulher é injustiçada perante o mundo masculino. Revelando claramente que a mulher não tem possibilidade de escolha tendo que se submeter ao homem, motivo pelo qual a caracteriza como submissa/subalterna. 
Deste modo, pode-se perceber que existe uma fronteira/distinção entre homem e a mulher marcada por factores culturais, crênça, mito, atribuindo valores e poderes a uns em dentrimento de outros. O mundo está aliendo. O mundo é governado pelo homen. A mulher está apenas numa situação de escrava..., como afirma FERREIRA et al (1970, p.43). 
Encontramos alguns valores culturais adquiridos no meio social que, até certo ponto, “demonizam” a mulher para justificar a posição de obediência, submissão/subalternidade em relação ao homem. Temos, como exemplo concreto, a tradição e a cultura pelas quais Rami passou na preparação seu casamento. Leia o que ela revela: 
- Tinha aulas na igreja, com os prades a as freiras
Acendi muitas velas e fiz muitas rezas.
- E o que te ensinava a tua família?
- falava-me de de obediência, da maternidade.
- E do amor sexual?
- Nunca ninguém me disse nada. 
- Então não és mulher – diz-me com desdém - , és ainda criança. Como queres tu ser feliz no casamento, se a vida a dois é feita de amor e sexo e nada te ensinaram sobre a matéria? ( PC, pp. 36-37).
Segundo a propria lei da poligamia legal, de acordo com ANDRADE at al (1998, p.23), “todas mulheres devem passar pelo processo de alabamento/lobolo” e a experiência de vida demonstra que o papel da mulher no casamento é de cuidar da casa, dos filhos e do marido. “Sendo lobolo um processo de troca de serviços e bens entre as famílias, conequentimente, a mulher deve obediência”, como afirma ANDRADE at al (op. cit.: p. 49). Niketche nos faz perceber que, após a descoberta da vida poligâmica do Toni, todas as esposas foram ofiacialmente apresentadas e passaram pelo processo de alabamento/lobolo de acordo com a passagem:
 
O ciclo de lobolos começou com a Ju. Foi com dinheiro e não gado. Lobolou-se a mãe, com muito dinheiro, num lobolo-casamento. As crianças foram legalmente reconhecidas, mas não tinham sido apresentadas aos espíritos da família. Era preciso trazê-las do tecto da mãe pra a sombra do patriarcal num acto de lobolo-perfilha, uma forma de legitimá-las uma vez que nasceram fora das regras de jogo de uma família polígama. Depois fez-se lobolo a Lu e dos filhos. Queriam dizer não por ser contra seus costumes culturais. Quando se trata de benesses, qualquer cultura serve. Era importante que todos os lobolos fossem feitosnuma rajada, antes que o Toni mudasse de ideia. Nos lobolos todos introduzimos uma inovação: a certidão de lobolo, com as cláusulas contratuais, menos aquela parte que fala de assistentes conjugais em caso de incapacidade do marido. Ficaria imoral, não acham? ( PC, pp. 124-125). 
Em relação aos factores que condicionam a mulher à submissão/subalternidade perante o mundo masculino, FERREIRAet al (1970, p. 112) acrescenta que, na questão do amor, ela só tem que se submeter aos desejos do macho, do marido – quereríamos dizer - , só tem que se resignar com a sua posição passiva e de subalternidade. Essa situação não, essa situação tem de acabar. 
No mesmo diapasão, Paulina Chiziane, em Niketche, transmite-nos esse sentimento de tristeza e de inferioridade que as mulheres clamam no seu cotidiano, no lar poligâmico, para mostrar a condição submissa/subalterna através de passagens textuais com recurso à descrição de açcões que impulcionam a mulher a revelar emoções muito íntimas. Temos como exemplo o momento em que Toni convoca um conselho de família com objectivo de se queixar da má conduta das sua esposas. 
- Boas vindas – disse o Toni aos presentes - , sentai-vos e escutai atentamente a ingratidão destas mulheres. A maldade delas. As feitiçarias delas. Elas unem-se e conspiram contra mim, dão-me azar e a minha vida corre mal (PC, p.151). Terminado o discurso de Toni, a tensão de todos subiu principalmente a das acusadas (esposas), porém, sendo submissas/subalternas, “não devem esquecer-se que são mulheres numa situação dependente desse mesmo homem, não tendo direito de contrariar ou exaltar a voz”, na versão de FERREIRA et al ( 1970, p. 116). Sinto uma virtigem. Só me apetece chorar.carremos as nossas bocas e as nossas almas. Por acaso temos direito à palavra? Por mais que a tivéssimos, de que valeria? Palavra de mulher não merece crédito. Aqui no sul, os jovens iniciados aprendem a lição: confiar numa mulher é vender a tua alma. Mulher tem língua comprida, de serpente. Mulher deve ouvir, cumprir e obedecer (PC, pp.151-154). 
– Elas faltam respeito, não se colocam no seu lugar, não me obedecem, confrontam-me, não me tratam como deve ser. O Toni teve que contar toda a história – diz que lhe insultamos, completamente nuas. Fala mas não aponta a ferida (PC, p.152). Há muita tensão no Toni, porque as suas esposas usaram a dança Niketche (nome apresentado como título da obra) para ver até que ponto vai o poder (masculinidade) dele. Mas aparentava-se confortável numa posição totalmente de alguém com posses, poderes e autoridade. Para FERREIRA et al (op. cit.: p,116), “o homem tem sido machista, dogmasnista e conquistador” 
Durante a reunião, muita coisa foi dita mas, no final, os anciãos estiveram a favor do Toni em dentrimento das mulheres, provando, mais uma vez, a existência da fronteira/disntição invisível na definição dos papéis. Incoformada Rami reage:
 
De que me acusam? Sempre varri o lixo dele e escondi num canto. Guardei no meu cesto todos os seus pecados – perguntem – lhe se alguma vez lhe faltei cuidados. Cuido bem do corpo dele. Querem provas? Cherem-no!Por razões conhecidas e deconhecidas, entrei num choro convulsivo. Tinha dentro de mim um enegrume do céu. Chorei em liberdade, porque chorar é destino de uma mulher. As lágrimas que caíam lavavam o ceú, lavavam a lua. Lavavam também os meus dentes, os meus olhos e o meu sorriso. Sinto-me leve e tão livre (PC, p.156).
 A “Mulher deve ouvir, cumprir e obedecer”. Estamos perante uma frase que apresenta três formas verbais conjugadas no infinitivo, que deixam uma mensagem claramente bem definida a submissão/subalternidade da mulher. 
Esta característica só é visível quando um sentimento de tristeza e de inferioridade se deixa revelar através de algumas acções que envolvem certas atitudes descritas no pequeno excerto que se segue como: “choro convulsivo”, “chorar em liberdade” “lagrimas... lavavam... o meu sorriso”. Este cenário é conseguido com recurso a um processo estilístico que, na visão de BORREGANE (1996, p. 290), “consiste na disposição das ideias em progressão” gradação, para demonstrar a sequência desses sentimentos.
Abandonam o inimigo, viram os canos para os aliados, e fazem o jogo dos homens. Ah, vida ingrata! (PC,p.156) “Ah, vida ingrata!” esta frase remete-nos para o momento em que as mulheres procurarm formas de suspirar, com recurso à interjeição ( Ah ), e uso do ponto de exclamação (!), para exclamar o seu universo perante o mundo masculino, com uma carga de sentimento de inferioridade para se descrever uma imagem submissa/subalterna.
 
 Coroam-nos de rainhas de obediência. Miss submissão ( PC,p.156). Também são expressões que revelam, até certo ponto, o íntimo, o desabafo das mulheres perante o mundo masculino, mas também fazem-nos reflectir sobre a sua importância na atribuição do valor ou poder masculino.
Todos os exemplos aqui apresentados servem para comprovar que a submissão/subalterniade é um elemento que, até certo ponto atribui a mulher uma imagem de inferioridade. Entrentanto, essa mesma submissão/subalterniade também é elemento fundamental para atribuição de poder ou volor ao homem dando-nos uma imagem de superioridade masculina. 
A este respeito, FERRAIRA et al (1970, p.106) aponta que, se continuarmos nas sociedades africanas, em particular moçambicanas, onde construíram e conservaram para o homem um lugar de previlégio e de predomínio absoluto em que tudo lhe é permitido e a mulher não, a verdadeira emancipação continuará em aberto, razão pela qual o poder (superioridade) de certa forma, continuará a ser um papel masculino; a submissão/subalternidade (inferioridade), papel feminino.
Porém, é preciso ter em conta que o poder (superioridade) masculino, no contexto de poligamia, não está em si, mas resulta da submissão/subalternidade que as mulheres apresentam como sua característica, trazendo-nos uma certa imagem de inferioridade.
3.5. Elementos reveladores das configurações de relações de poder, submissão/ subalternidade
Neste quadro imagético, identificam-se dois polos de certa forma opostos: de um lado, imagem de inferioridade que radica na submissão/subalternidade e, de outro, elemento que confere valor ou superioridade ao homem. Podendo concluir que há uma superioridade atribuída a este, em detrimento da inferioridade desta. 
Este quadro imagético é reforçado quando, de forma relativamente progressiva e equilibrada, com que os momentos do romance são dispostos, o narrador “conta” com nitidez e auxilia a perceber todo o fenómeno social colocando-se (o narrador) como participante activo, de certa forma, envolvido. 
A submissão/subalternidade é o elemento fundamental na construção imagética de superioridade masculina e inferioridade feminina. Neste sentido, no caso do romance que constitui o corpus deste trabalho, a submissão/subalternidade só poderia ser vista através da descrição de algumas acções do casal Rami e Toni ( personagens protagonistas). Por um lado, Rami revela um sentimento de tristeza e inferioridade marcado por certas atitudes que revelam o mal estar provando claramente a apresentação da imagem. 
No entanto, por um lado, há uma tentativa no romance de demonstrar as reações das mulheres recorrendo-se aos seguintes momentos : “choro convulsivo” , “choro em alegria” “lagimas ... lavavam ... o meu sorriso” “coroam-nos de rainha” e “miss obediência”, (nalguns casos a narração de “personagens” consiste em do discurso directo-indirecto, numa espécie de diálogo). 
Sublinhe-se a função imprescindível destes elementos como portadores de uma sequência de sentimentos submissos/subalternos para a construção imagética de inferioridade, revelando a condição da mulher no casamento poligâmico.
 
Por outro lado, Toni revela um sentimento de felicidade marcado por atitudes que revelam o poder (masculinidade) provando claramente a sua autoridade perante as mulheres.
Aquela reunião teve mérito de atribuir maiores poderes ao nosso homem. Ninguém o apontou nem acusou. Era um rei. O nosso rei. Nosso príncipe. Era um imperador emergindo das águas, limpo e dourado como um sol. Por que toda a gente lhe dá razão e condolência anticipadas pela sucessão de azares que ainda está por vir. Lança-nos um olhar de troça e de triunfo enquanto enxuga o rosto suado. Sente-se vingado. Acarinhado (PC, pp. 155-159). 
Nesta reunião, os anciãos favorecem o Toni com base nos conhecimentos, experiência e valores culturais que eles trazem na estrada da vida. Assim temos, “olhar de troça e de triunfo” , “sente-se vingado” e “acarinhado”, como elementos que demonstram o poder masculino com uma carga submissa/subalterna da mulher para construição de imagem. E estes elementos são portadores de uma sequência de sentimentos de felicidade para a construção imgética de superioridade, revelando claramente o poder do homem no casamento poligâmico. 
Porém, a imagem de superioridade mascilina, isto é, o poder que o homem possui, é graças a submissão/subalternidade que à mulher possui como caraterística neste casamento poligâmico. Temos como exemplo a outra reunião realizada após uma aventura do Toni para o exterior com uma nova concubina a revelia das suas esposas é considerado como morto. E, estas encontravam-se numa situação lamentavél, principalmente a Rami e algumas sem teto. Arependido por ter destruído o que construiu e por perceber que as suas esposas são importantes para a recuperação do seu valor, prestígio e superioridade pede perdão. Didzendo:
- Peço perdão, esposas minhas, peço perdão.O Toni ajoelha-se aos nossoa pés e humilha-se. Não fiquem assim minhas, meninas, que o manto da vida se tece com fios de amor e perdão.Eis-me aqui, sou vosso.
- Vamos fazer de novo a escala? Por onde devo começar? Rami, tu foste sempre gestora destas coisas. Diz tudo o que quiseres, que eu cumpro.
Ora, em algumas regiões do sul de Moçambique, culturalmente, é quase inaceitável um homem pedir perdão ou arenpendimento perante as mulheres ou perante muita gente, no entantanto Niketche mostra-nos que o Toni reconhece que as suas mulheres são a fonte da sua existência por isso deve respeito mesmo sem quebrar o seu papel como homem líder da família. Neste contexto a acção pedir perdão ou erenpendimento é o elemento fundamental da submissão/subalternidade para atribuição do poder ou superioridade maculina.
Contudo, a execução perfeita das acções, no romance, é o elemento importante para ilustrar todo o cenário. Ora, a convocação destes elementos narrativos reflecte no romance uma imagem da mulher no contexto de poligamia, tendo em conta a configuração das relacões de poder e submissão/subalternidade, sobretudo o sentimento (que impulsiona uma tomada de decisão notável) , as acções (são uma força para exprimir todo o íntimo da pessoa, deixando uma impressão, cuja imagem se dispõe de forma linear).
A construção imagética que se apresenta no romance deriva da realidade, visto que tem a ver com a imagem social que, no contexto de poligamia, ela deixa transparecer, ou seja, é possível identificar

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