Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Barros; Yuri Leite Eloy – HEMATOLOGIA – MEDICINA P8 – 2011.1 236 MED RESUMOS 2011 NETTO, Arlindo Ugulino. HEMATOLOGIA DISTÚRBIOS PLASMOCITÁRIOS E MIELOMA MÚLTIPLO (Professora Flávia Cristina Fernandes Pimenta) O mieloma mltiplo uma neoplasia dos plasmcitos. Corresponde a cerca de 10% do total dos cnceres hematolgicos. Esta doena em geral desenvolve-se a partir de uma condio pr-maligna assintomtica chamada de gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI). A GMSI identificvel em cerca de 3% da populao acima dos 50 anos. Esta condio evolui para mieloma mltiplo na taxa de cerca de 1% ao ano. CONSIDERAES GERAIS Plasmcitos so clulas sanguneas antiinflamatrias que se originam na diferenciao dos linfcitos B que chegam at os tecidos conjuntivos atravs do sangue. Depois da diferenciao, os plasmcitos apresentam a capacidade de produzir anticorpos contra substncias e organismos estranhos que casualmente invadam o tecido conjuntivo. Anticorpos (Ac), imunoglobulinas (Ig) ou gamaglobulinas so glicoprotenas sintetizadas e excretadas pelos plasmcitos, presentes no plasma, tecidos e secre es que atacam protenas estranhas ao corpo, chamadas de antgenos, realizando assim a defesa do organismo (imunidade humoral). Estas glicoprotenas so molculas com estrutura tridimensional, dotadas de duas cadeias leves e duas cadeias pesadas. H cinco classes de imunoglobulina com funo de anticorpo: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM. Os diferentes tipos se diferenciam pela suas propriedades biolgicas, localiza es funcionais e habilidade para lidar com diferentes antgenos. O mieloma mltiplo pode ser caracterizado pelo aumento da sntese de IgG, IgA e, raramente, de IgD e IgE. Quando h aumento de IgM, h uma outra doena plasmocitria, que a macroglobulinemia de Waldenstrªm. O termo gamopatia monoclonal diz respeito ao fenmeno em que ocorre um clone anormal de plasmcitos que surge na medula ssea e, aps se dividir por mitose, passa a produzir um nico tipo de imunoglobulina (caracterizando o “aumento monoclonal” desta imunoglobulina especfica), sendo o aumento monoclonal da IgG a mais comum. Desta forma, o plasmcito est condicionado a produzir apenas um tipo de IgG; e, como resultado disso, haver um grande pico de base estreita na eletroforese de protenas na parte especfica de IgG (ver OBS1), semelhante ao da albumina. OBS1: A eletroforese de protenas (EFP) no soro uma tcnica simples para separar e quantificar as protenas do soro. o teste de triagem mais utilizado para investigao de anormalidades das protenas sricas. Em condi es normais, so separadas cinco bandas do soro: albumina, alfa-1, alfa-2, beta e gamaglobulinas. O aumento das gamaglobulinas significa uma gamopatia, que pode ser do tipo policlonal (aumento causado pela produo de vrios tipos de imunoglobulinas, mostrando-se como um pico difuso; tpico de infec es e hepatopatias) ou monoclonal (aumento inerente a apenas um tipo de imunoglobulina, sendo caracterstica do mieloma mltiplo e do calazar, se apresentando na forma de um pico de base estreita, semelhante curva da albumina). OBS2: O pico de base estreita representado pela EEP pode ser referido como “protena M” (M, de monoclonal). CONCEITO DE MIELOMA MLTIPLO O mieloma um cncer que se desenvolve na medula ssea, devido ao crescimento descontrolado de clulas plasmticas. Embora seja mais comum em pacientes idosos, h cada vez mais jovens desenvolvendo a doena. Como se sabe, existe uma cadeia leve para cada cadeia pesada das imunoglobulinas. Nesta doena, formam-se mais cadeias leves do que pesadas. Este excesso de cadeias leves, na ausncia no contra-balanceada de cadeias pesadas, faz com que essas cadeias deixem os plasmcitos e vo para o sangue e, do sangue, para urina (antigamente, identificava-se na urina a presena da cadeia leve de imunoglobulina monoclonal com a denominao Proteína de Bence Jones). Atualmente, identifica-se este aumento urinrio de cadeia leve de imunoglobulina monoclonal atravs da eletroforese de protenas urinrias, identificando-se cadeias kappa (κ) ou lambda (λ). Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Barros; Yuri Leite Eloy – HEMATOLOGIA – MEDICINA P8 – 2011.1 237 FISIOPATOLOGIA DO MIELOMA MLTIPLO O mieloma mltiplo desencadeado por altera es plasmocitrias, que fazem com que a medula ssea promova uma proliferao anmala de plasmcitos monoclonais. A partir da, trs fenmenos bsicos ocorrem e originam as caractersticas clnicas do mieloma: A produo de FAOS (fator ativador de osteoclastos) estimula a ao dos osteoclastos, clulas que passam a produzir les es osteolticas em “saca-bocado” nos ossos por retirada material mineral, retirando o clcio dos ossos e jogando-o no sangue perifrico. Deste evento fisiopatolgico, temos a presena de les es osteolticas em ossos (evidenciadas por radiografia simples ou tomografia), associada a dor ssea, fraturas patolgicas e hipercalcemia. A longo prazo, este distrbio metablico pode predispor insuficincia renal. A imunoglobulina anmala passa a eliminar cadeias leves no plasma (promovendo a protena M eletroforese) e, consequentemente, na urina (o que caracteriza a protena de Bence Jones, que vo ser filtradas pelo glomrulo e predispor ou piorar a insuficincia renal). Esta protena de Bence Jones ainda pode promover infiltra es viscerais, causando a amiloidose. A proliferao anmala de plasmcitos monoclonais na medula ssea ainda pode levar anemia (sendo este o principal sintoma). OBS3: vlido lembrar que a simples osteopenia no di; e, desta forma, se o paciente apresenta osteopenia e, eventualmente, dor, muito provavelmente, existe uma fratura patolgica concomitante. Alm da fratura patolgica, outras duas situa es podem promover dor ssea associada a osteopenia: presena de metstases para ossos ou presena de mieloma. A dor do cncer, geralmente, uma dor noturna. QUADRO CLNICO Alterações Ósseas. A destruio ssea acentuada ocasionada pelos plasmcitos neoplsicos leva, com frequncia, a dores sseas, fraturas patolgicas, hipercalcemia e anemia. Infecções. Podem ocorrer infec es recorrentes, em parte devido produo diminuda de imunoglobulinas normais, contrastando com o excesso do componente monoclonal anormal, caracterizando um quadro de imunossupresso. As sndromes infecciosas constituem a principal causa de morte por mieloma mltiplo. Os germes mais frequentemente envolvidos com tais sndromes so: S. pneumoniae; Gram negativos; Haemophilus influenza; S. aureus. Sinais de insuficiência renal. Ocorre dano aos tbulos renais em decorrncia da proteinria e da hipercalcemia. O rim do mieloma apresenta uma disfuno tubular proximal, sendo inerente s seguintes causas: hipercalcemia, nefropatia por cido rico e amiloidose (pela infiltrao renal da protena de Bence Jones). Anemia. A anemia pode ser ocasionada tanto pela infiltrao neoplsica da medula ssea quanto pela diminuio dos nveis de eritropoetina em decorrncia da insuficincia renal. Sintomas neurológicos. Radiculopatia a complicao neurolgica mais comum. ACHADOS LABORATORIAIS Anemia normocrmica normoctica Fenmeno de Rouleaux: empilhamento de hemcias (ou “hemcias em fila”), caracterizando disproteinemias. Tambm pode estar presente em doenas infecciosas (mas no mieloma, no h febre, normalmente). VHS elevada Beta-2-microglobulina elevada Hipercalcemia Creatinina > 2mg/dL Fosfatase alcalina normal Hipergamaglobulinemia Hipoalbuminemia DIAGNSTICO Clínico: quadro clnico previamente citado em pacientes com mais de 60 anos um dado bastante sugestivo. Eletroforese de proteínas séricas e urinárias: pode mostrar: Pico monoclonal deIgG (60%); IgA (20%) Presena de cadeia leve na urina (cadeia monoclonal κ ou λ). Imunofixação de proteínas séricas e urinárias: confirmao da clonalidade Mielograma: infiltrao por plasmcitos. Radiografia simples: podemos estabelecer radiografias de todo o esqueleto na busca de les es lticas (a presena de les es em “saca-bocado” em pelo menos trs ossos diferentes confirma o diagnstico). Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Barros; Yuri Leite Eloy – HEMATOLOGIA – MEDICINA P8 – 2011.1 238 Radiografia simples mostrando importantes les es em “saca-bocado” no crnio. As manchas escuras mostram les es na forma de eros es sseas. Eletroforese de protenas mostrando pico monoclonal de IgGκ, mostrando um grfico semelhante albumina. Fenmeno de Rouleaux: hemcias empilhadas, hemcias em corrente ou hemcias em fileira. Presena de plasmcitos no aspirado de medula ssea. DIAGNSTICO DIFERENCIAL Osteoporose (osteopenia) Anemias de uma forma geral Macroglobulinemia de Waldenstron Hiperparatiroidismo Metstases sseas de neoplasias de tireide, de mama, de prstata, etc. Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Barros; Yuri Leite Eloy – HEMATOLOGIA – MEDICINA P8 – 2011.1 239 CLASSIFICAO DIAGNSTICA DA GAMOPATIA MONOCLONAL E DO MIELOMA MLTIPLO A classificação da gamopatia monoclonal e do mieloma múltiplo deve ser um fluxograma, que segue: 1. a) Há um pico monoclonal? Sim. Gamopatia monoclonal: presença de pico monoclonal. 1. b) Há sintomas de mieloma múltiplo? Sim. Gamopatia monoclonal sintomática: presença de pico monoclonal associado a sintomas sugestivos de mieloma múltiplo (anemia, IR, Hipercalcemia, doença óssea, hiperviscosidade). Deve-se fazer mielograma para avaliar a presença de mieloma. 1. c) Há alterações plasmocitárias? Sim. Mieloma múltiplo sintomático: mielograma mostrando mais de 10% plasmócitos com presença de sintomas. Neste caso, deve-se estabelecer o tratamento para mieloma. Arlindo Ugulino Netto; Luiz Gustavo Barros; Yuri Leite Eloy – HEMATOLOGIA – MEDICINA P8 – 2011.1 240 2. a) H pico monoclonal? Sim. 2. b) H sintomas de mieloma mltiplo? No. Gamopatia monoclonal assintomática: presena de pico monoclonal e ausncia de sintomas sugestivos de mieloma mltiplo (anemia, IR, Hipercalcemia, doena ssea, hiperviscosidade). Deve-se fazer mielograma para avaliar a presena de mieloma. 2. c) H altera es plasmocitrias? > 10%? Mieloma múltiplo assintomático ou indolente: mielograma mostrando mais de 10% plasmcitos sem sintomas. Neste caso, deve-se proceder com avaliao criteriosa do paciente (reavaliando de 3 em 3 meses), no intuito de identificar eventual aumento da plasmocitose ou altera es da funo renal, evitando maiores complica es (muito embora, pacientes com mieloma mltiplo indolente quase nunca evoluem para a forma sintomtica da doena). < 10%? Gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI): presena de pico monoclonal associado a mielograma mostrando menos de 10% plasmcitos. Deve-se estabelecer acompanhamento com eletroforese e imunofixao. 3. a) H pico monoclonal? No. Gamopatia Monoclonal aparentemente ausente: em at 17% dos casos, o mieloma pode no alterar a eletroforese (por apresentar mieloma de cadeias leves). 3. b) H sintomas de mieloma mltiplo? Sim. Mieloma múltiplo como possível hipótese 3. c) H altera es plasmocitrias? > 10%? Mieloma não secretor: presena de mais de 10% plasmcitos (ocorre em menos de 1% dos casos). < 10%? Gamopatia monoclonal descartada: quando h menos de 10% de plasmcitos. OBS4: O plasmocitoma a neoplasia benigna ou maligna dos plasmcitos. O plasmocitoma benigno localiza-se geralmente nas cavidades nasais, na faringe e na traquia, enquanto o maligno, mais frequente, afeta os ossos. Diferentemente do mieloma mltiplo, o plasmocitoma maligno caracteriza-se por ser um tumor sseo bem localizado. TRATAMENTO O tratamento do mieloma mltiplo deve levar em considerao a idade e o quadro clnico do paciente. De um modo geral, os tratamentos disponveis para o mieloma mltiplo, que at o momento visam o controle dos sintomas, so: Quimioterapia Radioterapia Interferon alfa (como tratamento de manuteno) Transplante de medula ssea e transplante de clulas tronco-perifricas (TCTP). Controle das complica es: devemos prevenir ou tratar as seguintes complica es: Infec es Hipercalcemia Uremia Compresso neurolgica Dor ssea refratria Sndrome de hiperviscosidade Paciente com menos de 65 anos e boa condição clínica Paciente com mais de 65 anos, péssimas condições clínicas, comorbidades Considerada doena incurvel Objetivo: Candidatos a TMO autlogo (terapia com maior impacto na doena at ento) Induo: altas doses de dexametasona +/- Talidomida – at resposta Consolidao: TMO autlogo Promessa: Bortezomide (Velcade) Experiemental: TMO alognico (ltimo recurso) Objetivo: Controle da doena Drogas: Drogas alquilantes como Melfalan com corticide (dexametasona ou prednisona) Talidomida (deve-se evitar na presena de neuropatias) Bortezomide (deve-se evitar na presena de diabetes) TRATAMENTO DAS COMPLICAÇÕES Hipercalcemia: Hidratao; Corticide; Pamidronato ou cido Zoledrnico; Calcitonina; Mitramicina. Síndrome de Hiperviscosidade: Plasmafrese Infecções: antibiticos.
Compartilhar