Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
“O Império do Grotesco” Fontes: - Dênis de Moraes: doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, professor da UFF - Entrevista com Muniz Sodré no Jornal do Brasil em 15/07/2002 Em “A Comunicação do Grotesco” (1973), o pesquisador Muniz Sodré apontou uma tendência: a programação da televisão brasileira era definida pelo grotesco. Nesse ensaio, lançou os fundamentos teóricos para toda e qualquer discussão sobre o sucesso de programas que apelam para o sensacionalismo e a vulgaridade. Mas basta apenas trocar de canal para ver que o que antes era uma tendência, hoje parece ter se tornado regra na TV brasileira. Não é à toa que o título agora é “O império do grotesco” (2002). O que é o grotesco? - Definido no dicionário do séc XVII como “aquilo que tem algo de agradável e ridículo”, “ridículo, bizarro, extravagante”. - Um objeto pode causar repulsa ou estranhamento e não ser necessariamente feio. Um exemplo seriam os perfis desenhados por Leonardo Da Vinci (Esboços Fisionômicos), que apresentam distorções das feições humanas, o que pode provocar diversas sensações no contemplador. Não se trata aí do mero feio, mas do grotesco, um tipo de criação que às vezes se confunde com as manifestações da imaginação e que quase sempre nos faz rir. Assim, os autores analisam o percurso do grotesco na cultura e nas artes, desde a Antiguidade até os tempos modernos, examinando os contextos históricos e socioculturais para demonstrar como o gosto pelo ridículo prosperou e se diferenciou. De um substantivo com uso restrito à avaliação estética de obras de arte, a palavra grotesco “torna-se adjetivo a serviço do gosto generalizado, capaz de qualificar figuras da vida social como discursos, roupas e comportamentos”. Muniz Sodré e Raquel Paiva enquadram o grotesco como categoria estética dotada de lógica própria, não legitimada pela teoria hegemônica da arte. Com a sua propensão ao bizarro e ao vulgar, o grotesco é capaz de subverter o sentido estabelecido das coisas. O livro propõe uma tipologia de gêneros e espécies do grotesco, verificando a seguir como se refletem na literatura, nas charges e caricaturas da imprensa, no cinema, no teatro e na televisão. Nestes capítulos, as análises sobre as ressonâncias do grotesco nas obras de Nelson Rodrigues e Lima Barreto são particularmente inspiradas. Segundo Muniz e Raquel, em suas 17 peças teatrais Nelson realiza “uma mistura de farsa, melodrama e tragédia, pontuada por uma linguagem coloquial e geralmente crua, em que o escândalo acontece sem afastar o risco”. Por que a mídia se apropria do grotesco? Sendo o grotesco uma estética perfeita para arregimentar público, tem a capacidade de atrair tanto as classes mais baixas quanto um telespectador de nível mais elevado. Mas esse efeito de estranhamento pode funcionar para seduzir o público e prendê-lo diante da tela até chegar o comercial, como também ajudar a desvelar o poder de uma determinada estrutura. O grotesco se infiltrou nos diversos gêneros televisivos — dos programas de auditório ao telejornalismo espetacularizado. Na busca obsessiva pela audiência e, por extensão, pelas verbas publicitárias, as programações afastam-se de perspectivas críticas, substituindo valores éticos por emoções baratas e abjeções de toda ordem. No riso estimulado pela exibição do lado cruel da realidade, “antigos objetos de indignação (miséria, falta de solidariedade, descaso dos poderes públicos, etc.) recaem na indiferença generalizada”. Com base nas pesquisas de audiência, as redes de TV não param de afirmar que oferecem “aquilo que o público deseja ver”. As emissoras querem cristalizar a idéia de que nada impõem aos receptores. Mesmo que exibam lixos eletrônicos como os piores clipes do mundo, cenas embaraçosas de traições amorosas, as famigeradas “pegadinhas”. Por trás desse discurso de legitimação do banal e do exótico, ocultam-se as diferenças de classe e as hierarquias do consumo que regem e condicionam as preferências sociais. O imperdível “O império do grotesco” conclui que a adesão compartilhada à estética do grotesco reforça os mecanismos de controle do imaginário social conformado pela TV. Na mão oposta, a hegemonia da aberração favorece um contínuo distanciamento da consciência crítica e dos compromissos éticos que deveriam nortear a difusão de conteúdos de massa. - Popularização não é necessariamente sinônimo de grotesco. Nem o popular é incompatível com a erudição. O grotesco começa no popularesco, que é uma transfiguração do popular visando a seu reaproveitamento para difusão de um público maior. Televisão - TV x Rádio: rádio assemelha-se ao livro; o processo de comunicação se dá como se o locutor lesse uma mensagem para o receptor. Da mesma forma que ocorre com o livro, o ouvinte de rádio tem de se entregar a um exercício de imaginação para visualizar a mensagem. -Na Tv, a imagem já está constituída, deixa pouco espaço para imaginação. Tendência a passividade do telespectador. - Apesar de trazer uma imagem concreta, não fornece uma reprodução fiel da realidade. - Na Tv, como a norma geral é atingir o maior público possível, as mensagens são empobrecidas ou reduzidas ao suposto senso-comum comum. - Mas a televisão argumenta que mostra o que o povo quer ver, que esse tipo de programação dá Ibope. Em parte isso é verdade. Lacan já dizia que, depois de certo tempo, a televisão é igual a seu público. Isso quer dizer que aquele público foi constituído pela televisão e responde a seus estímulos. É uma relação circular. É claro que dentro de uma relação de cumplicidade, de parceria, se alguma coisa muito diferente for dada, o público não aceita. O público não é vítima de monstros capitalistas que querem dar a ele baixa cultura. - Depois de reapreciarem a primeira onda do grotesco nas programações das décadas de 1960 e 1970 (Chacrinha, Sílvio Santos, Flávio Cavalcanti, Raul Longras, Hebe Camargo), Muniz Sodré e Raquel Paiva demonstram como a supremacia mercadológica da TV “popularesca” se consolidou nos últimos anos, em programas como o de Ratinho e Leão e nos “reality shows” (Casa dos Artistas e Big Brother Brasil). - Ou seja, dos anos 60 para cá, a TV evoluiu tecnicamente, mas, do ponto de vista dos conteúdos, mudou pouco. Ao contrário, as promessas de elevação de qualidade e formação de público não se cumpriram. Ficou evidente é que, sempre que a televisão precisa de público, apela para o grotesco. É uma categoria estética recorrente na vida brasileira. - Hoje a televisão é mais do que nunca uma imensa praça pública, uma feira de diversões, um show de horrores. O espaço público brasileiro - que hoje é eminentemente televisivo, porque a política está se retraindo - virou um imenso circo. Aí o grotesco se torna a categoria estética dominante. Se antes estava presente basicamente nos programas de auditório, hoje está em todo lugar. Mais do que no passado, o grotesco tornou-se uma categoria realmente explicativa dos conteúdos televisivos. Tiririca Baudrillard tem uma teoria de que as massas preferem eleger os idiotas para rir secretamente do poder. Numa história que está cheia de presidentes beberrões, suspeita-se de quanto mais idiota o governante maior sensação de superioridade o eleitor tem individualmente, mesmo que possa sofrer o peso da ira dele. Conclusão - Apesar de todas as adversidades, a força expressiva intrínseca da televisão ainda está presente. “Recusar um meio de comunicação que se dirige a milhões de pessoas é no mínimo burrice”, sublinhava em 1974 Oduvaldo Vianna Filho, Vianinha. Trata-se, isto sim, de reivindicar uma outra TV, muito menos grotesca e mais afim com o seu papel de veículo de entretenimento que precisacontribuir para a formação cultural e educacional. - Para que a TV se constituísse como tal no Brasil, foi preciso o desvio de investimentos que poderiam ser aplicados em outros setores, como a educação. Para efetivamente equacionar isso, é preciso um plano cultural consistente. A alternativa para o baixo nível da televisão brasileira não é elevar seus conteúdos e sim promover a educação.
Compartilhar