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Lisa Childs ASSOMBRADA

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Lisa Childs * Assombrada �HYPERLINK "http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=18008059"���� 
Assombrada!
Lisa Childs
Revisão: JossiB Slavic
Tradução, formatação, pesquisa
e disponibilização: 
 RTS – Romance com Tema Sobrenatural (Orkut)
	
 
ASSOMBRADA!
Lisa Childs
	Aquele homem era seu salvador... ou seu pior pesadelo? Ariel Cooper estava a ponto de casar-se com sua alma gêmea, mas ocultava um grande segredo: via fantasmas. Durante anos Ariel tinha odiado aquele dom e o tinha considerado uma maldição. Por isso o tinha ocultado de seu poderoso prometido, David, por medo que ele não a compreendesse. Mas agora tinha que dizer-lhe. Vinte anos depois, Ariel e suas irmãs tinham sido separadas por causa de um homem que tinha jurado vingar-se das mulheres daquela família. Agora alguém tinha retomado a perseguição. Ariel sabia que devia avisar a suas irmãs antes que fosse muito tarde. O assassino se aproximava e seu poder era cada vez mais forte. Com a ajuda de David começou a busca mas quanto mais perto estava de encontrar suas irmãs, mais misterioso se tornava David.
Poderia confiar no homem com o que pensava passar toda a eternidade?
Ou será que ele tinha esperado o momento perfeito para acabar com ela?
PRÓLOGO
Europa, 1655
	Elena Durikken abriu os olhos ao sentir que fortes mãos a sacudiam pelos ombros para despertá-la. Entretanto, a escuridão que a envolvia permaneceu espessa e impenetrável.
	—Menina, acordada. Rápido.
	—Mamãe? —perguntou ela, piscando de novo. Naquele momento, conseguiu ver uma sombra. Uma sombra com cabelo comprido e encaracolado—. Mamãe? — repetiu.
	—Levante-se. Depressa, tem que partir.
	As fortes mãos de sua mãe afastaram os lençóis. Elena sentiu o frio ar da noite lhe acariciando a pele.
	—Ir ? Onde vamos?
	Não recordava de ficado acordada quando a escuridão era tão absoluta. Normalmente, um fogo ardia na lareira e as brasas iluminavam a pequena casa ou sua mãe tinha umas velas acesas enquanto cantarolava ao preparar as poções das ervas secas que tinha penduradas nas vigas do teto.
	—Vai você sozinha, filha. Deve partir — disse sua mãe. As palavras de sua progenitora deixaram Elena mais gelada que o frio ar da noite.
	—Mamãe...—sussurrou ela, chorando.
	—Não há tempo. Virão muito em breve. Por minha causa. E se você ficar aqui, a levarão também.
	—Mamãe, está me assustando.
	Não era a primeira vez. Tinha assustado Elena em muitas ocasiões, com as coisas que via, com as coisas que sabia que iam ocorrer antes que acontecessem.
	Como o fogo.
	—Isto... Isto é pelo fogo, mamãe?
	Sua mãe não respondeu. Limitou-se a lhe colocar uma capa e lhe tampar o cabelo com o capuz. Então, pôs-lhe as botas e as atou como se a moça fosse uma menina pequena e dependente e não uma jovem de treze anos que enviava a sua sorte na escuridão da noite. Por último, colocou-lhe um pequeno saco na mão.
	—Racione a comida e a água e se oculte nos bosques, filha. Corra. Não deixe nunca de correr…
	—Como podem te culpar pelo fogo? —gritou Elena—.Você apenas os avisou.
	Muito antes de que o céu se obscurecesse e de que o vento aumentasse, sua mãe lhes tinha falado da tormenta que se aproximava. Havia-lhes dito que os relâmpagos estalariam na noite, enquanto as mulheres dormiam. E que todos morreriam em meio de um terrível fogo. Sua mãe o tinha visto tudo antes de que ocorresse...
	Elena não compreendia bem as visões de sua mãe, mas sabia que ela sempre tinha razão. Começou a chorar.
	—Disse-lhes que partissem.
	Entretanto, a senhora da casa, sua cunhada e a família desta última, que estava na casa com elas, tinham pensado que, como os homens estavam longe trabalhando, sua mãe os estava enganando. Que ela, uma mulher desesperada que criava sozinha uma filha, roubaria tudo quando a casa se ficasse vazia. Em realidade, a mãe de Elena tinha tentado lhes salvar a vida.
	A mulher sacudiu a cabeça.
	—Os aldeãos pensam que eu realizei um conjuro. Que fui eu que trouxe a tormenta.
	Elena sempre tinha escutado os murmúrios atemorizados das pessoas enquanto caminhavam pelo povoado. Todo mundo acreditava que sua mãe era uma bruxa pelas poções que fazia.
	Entretanto, quando se encontravam doentes, sempre iam até sua mãe para lhe pedir ajuda apesar de a temerem. Como podiam haver pensado que ia fazer-lhes mal?
	—Não, mamãe...
	—Não, Elena. A vítima do conjuro sou eu, minha filha. Não tenho controle algum sobre as visões, como tampouco posso controlar o que vai ocorrer agora. Necessito que você parta. Que saia correndo e que não pare nunca, Elena. Jamais. Se o fizer, eles a pegarão.
	Elena abraçou a mãe. Sentia-se mais assustada que nunca. Embora não ouvisse nem visse nada, sabia que sua mãe tinha razão. Que os homens que haviam retornado e que tinham encontrado mulheres, irmãs e filhas mortas, abrasadas, achavam que fora culpa dela.
	— Venha comigo, mamãe — disse Elena, esperançosa.
	— Não, filha. É muito tarde para que eu possa escapar ao meu destino, mas você sim, pode — replicou. Então, abraçou Elena com força, estreitando-a contra o peito durante só um instante antes de afastar-se bruscamente.
	_ Vá!
	As lágrimas cegavam os olhos de Elena tanto como a escuridão. Acabava de dar a volta para dirigir-se à escada que descia do desvão quando sua mãe tomou-lhe a mão e apertou os dedos ao redor da gola de veludo.
	—Não perca os amuletos.
	—São meus? —perguntou Elena, sentindo uma profunda agonia no coração.
	—Vão mantê-la a salvo.
	—Como?
	—Eles tem muito poder, minha filha.
	—Nesse caso, você vai precisar deles.
	Elena não sabia de onde tinham vindo, mas sua mãe jamais havia tirado os três amuletos de uma tira de couro que levava ao redor da mão. Até aquele momento.
	—Não. Eu não posso ficar com isso. São teus, para que os dê a seus filhos. Para que recorde e eles recordem quem somos.
	Bruxas.
	Sua mãe não o havia dito nunca, mas Elena sabia. Pôs-se a tremer.
	— Agora, vá, filha minha — disse a mãe—. Vá antes que seja muito tarde para as duas. Não esqueça...
	Elena se abraçou com força à mãe e apertou o rosto contra o dela.
	—Jamais esquecerei... Jamais!
	—Sei, filha. Você também tem. A maldição. O dom. O que seja.
	—Não, mamãe...
	Elena não queria ser o que era sua mãe. Não queria ser uma bruxa.
	—Você também o tem, filha —insistiu a mãe—.Vejo o poder que tem e sei que é muito mais forte que o meu. E ele o veria também e quereria te destruir. Antes que Elena pudesse perguntar à sua mãe a quem se referia, ela a empurrou e começou a tremer. Então, gritou imperiosamente.
	—Tem que partir !
	Elena desceu a escada trôpegamente, fugindo tanto das palavras de sua mãe como da advertência que lhe tinha feito. Não queria ter poder algum nem desejava fugir. Entretanto, o medo que tinha sua mãe lhe havia machucado o coração e a obrigava a fazer o que lhe tinha pedido.
	Tal e como sua mãe lhe tinha ordenado, não saiu do bosque. Os ramos e o mato se quebravam sob as puídas solas de suas velhas botas. Tinha deslocado durante tanto tempo que os pulmões lhe ardiam e o suor lhe tinha secado na pele, esquentando-a e esfriando-a de uma vez. Quando por fim deu a volta para olhar para sua casa, tinha percorrido já uma larga distância. Sabia que havia penetrado muito no bosque para havê-la visto de verdade, pelo que sua mãe devia havê-la visto com a mente.
	O fogo. Ardendo.
	A mulher que havia no meio gritava desesperadamente e não deixava de suplicar a Deus que os perdoasse. A dor rasgou Elena e a fez cair de joelhos. Aferrou-se à cintura com força, tratando de conter a agonia, tratando de bloquear a imagem que via com os olhos da mente. Esteve ajoelhada muito tempo, enquanto os gritos de sua mãe lhe soavam nos ouvidos.
	«Corra, filha». As palavras de sua mãe ressoaram em seu pensamento. «Continue correndo».
	Obrigou-sea levantar, cambaleando sobre pernas, e se afastou para sempre de tudo o que tinha conhecido, de tudo o que tinha amado.
	De repente, às suas costas, os ramos do mato se agitaram e o negrume da noite se quebrou com a luz de uma tocha. Tinham-na encontrado.
	A luz lhe iluminou o rosto ao igual ao do moço que a sustentava. Thomas McGregor. Não era muito maior que ela, mas tinha ido trabalhar com seu pai e seus tios, deixando sua mãe, sua irmã e suas tias em casa... para que morreram abrasadas.
	Tal e como eles estavam queimando agora a sua mãe.
	—Não...
	—Enviaram-me para te encontrar. E te levar de volta — disse ele, com a voz afogada pelas lágrimas que lhe percorriam o rosto. Chorava por ela ou por sua família?
	Sua mãe tinha visto tudo, tinha tratado de lutar contra aquele destino para sua filha, o mesmo destino que lhe tinha arrebatado a vida.
	—Odeia-me?—perguntou-lhe ela.
	Thomas negou com a cabeça. Algo lhe brilhou nos olhos. Algo que Elena havia visto antes quando o surpreendera olhando-a.
	—Não, Elena.
	—Entretanto, desejas me fazer mal. Eu não tive nada que ver com aquela tragédia.
	—Tenho que retornar com você — afirmou Thomas, enquanto estendia a mão para lhe agarrar o braço.
	«Os amuletos a manterão a salvo».
	Tinha-lhe falado o espírito de sua mãe ou se tratava tão somente de uma lembrança? Fora o que fora, Elena meteu a mão no bolso e aferrou com força o saquinho de veludo. Sentiu um estranho calor que emanava do interior através do suave veludo, lhe esquentando a mão. Então, como se fora capaz de penetrar no pensamento de Thomas, soube o que estava pensando e viu os sonhos que tinha tido sobre os dois.
	—Thomas, você não deseja me fazer mal algum.
	—Mas meu pai...
	Outros pensamentos percorreram a mente da Elena. Eram pensamentos de sua mãe. Pôs-se a tremer, afligida pelo impacto que lhe acabava de produzir ter sabido algo que era muito jovem para compreender.
	—Seu pai é um homem mau —sussurrou—.Venha comigo, Thomas. Fugiremos juntos.
	—Não. Ele nos encontraria. Nos mataria. 
	Por isso Elena tinha visto, compreendeu que ele dizia a verdade. Eli McGregor mataria a qualquer um que se interpusesse entre ele e o que ele queria.
	—Thomas, por favor...
	Ele a agarrou com força como se estivesse querendo machucá-la. Elena, por sua parte, aferrou-se ao saquinho e as puídas peças de metal que havia em seu interior lhe cortaram a palma da mão através do veludo.
	Thomas pôs-se a tremer como se estivesse liderando uma grande batalha em seu interior.
	—Não posso te entregar a meu pai, Elena. Para mim, é como se estivesse perdida —anunciou. Então, quando Elena deu a volta para fugir, agarrou a mão dele, como tinha feito a mãe dela e lhe pôs algo na palma - Leve o pendente de minha mãe.
	Para que? Para que recordasse o que sua família tinha feito à dela? Não queria lembrança algum. Entretanto, aceitou-o. Não podia negar-lhe quando lhe tinha poupado a vida.
	—Utilize-o para se afastar daqui mais rápido possível. Meu pai jurou vingança contra todos os parentes e descendentes de sua mãe. Diz que não deixará bruxa alguma com vida.
	—Eu não sou uma bruxa —mentiu, fechando os olhos para não ver o espectro de sua mãe.
	—Ele a matará —sussurrou Thomas.
	Elena sabia que ele dizia a verdade. Como sua mãe, naqueles momentos era capaz de ver seu destino. Entretanto, ao contrário de sua mãe, não esperaria que Eli McGregor fosse procurá-la. Voltou-se para partir, mas, antes de fazê-lo, se aproximou de Thomas para lhe dar um beijo nas faces frias, úmidas pelas lágrimas.
	—Parta, Elena —disse ele, quando a moça saiu do círculo de luz que marcava a tocha.
	Elena pôs-se a correr e deixou que a escuridão a engolisse a cada passo que dava. Aquela vez não se deteria. Não o faria até que tivesse chegado o mais longe que pudesse e inclusive então não deixaria de correr nunca.
	Por quem e pelo que era.
	
***
	Armaya, Michigan. 1986
	A chama da vela piscou quando uma rajada de vento entrou dançando pelas janelas abertas da caravana, arrastando com ela o aroma de lavanda e de sândalo. Myra Cooper conseguiu respirar por fim desde que havia começado a contar a lenda de sua família. Enquanto estudava os belos rostos de suas filhas, sentiu que aquele mesmo ar lhe abrasava os pulmões.
	Irina estava aconchegada entre suas irmãs maiores. Os olhos enormes e escuros da pequena reluziam à luz das velas. Tinha escutado tudo, mas, com apenas quatro anos, era muito jovem para compreender.
	Elena, que devia seu nome à sua antepassada de vários séculos atrás, abraçou com gesto protetor a sua irmãzinha. Tinha o cabelo claro e liso, o que constituía um profundo contraste com os cachos escuros de Myra e Irina. Tinha os olhos de uma viva cor azul que viam tudo. Entretanto, com doze anos, era muito velha para acreditar.
	Ariel também tinha abraçada sua irmã, mas não deixava de olhar sua mãe, esperando que ela seguisse com sua história. A luz da vela se refletia em seu cabelo avermelhado como se fossem chamas e os olhos verdes lhe reluziam. Parecia escutar, mas a Myra preocupava que não ouvisse.
	De fato, preocupava-lhe que nenhuma das três compreendesse que eram dotadas de habilidades especiais. As garotas jamais tinham falado desse assunto entre elas, mas talvez fosse melhor. Talvez estivessem mais seguras se negavassen seu poder. Entretanto, não poderiam negar que sabiam.
	Essa era a razão de lhes contar a lenda. Queria que conhecessem seu destino para que pudessem fugir dele antes que este as destruísse.
	—Somos mulheres Durikken —disse às suas filhas—. Como a primeira Elena.
	—Você me chamou assim por ela — replicou a maior, afirmando. Não precisava perguntar porque já sabia disso.
	—Pois é. E eu devo meu nome à mãe dela — afirmou Myra. Às vezes, quando acreditava em reencarnação, estava segura de que era aquela mulher, com suas lembranças e suas habilidades especiais.
	Não obstante, a maior parte do tempo Myra não acreditava em nada. Doía-lhe muito aceitar na realidade. Entretanto, aquela noite tinha que ser responsável. Tinha ao menos uma oportunidade para proteger suas filhas. Havia falhado em tantas coisas... Não deveriam levar a vida precária que tinham, nem ser o que ela era: uma mulher cujos medos a tinham conduzido ao desespero.
	—Nosso sobrenome é Cooper — lembrou Elena.
	—É o sobrenome de papai — replicou ela, referindo-se ao seu próprio pai.
	Nenhum dos pais de suas filhas tinham dado o sobrenome às meninas, ou porque o homem em questão se negou ou porque não lhe havia dito que esperava um filho —. Somos Durikken e as mulheres Durikken são especiais. 	Sabem o que vai acontecer antes que aconteça.
	A dor se apoderou de Myra quando as imagens se apropriaram de seu pensamento como um filme em preto e branco. Não podia seguir fugindo nem fazer que suas filhas fizessem o mesmo. Obrigou-se a continuar.
	—As mulheres Durikken vêem coisas ou pessoas que ninguém mais pode ver. Esta habilidade, como os amuletos de meu bracelete —disse, levantando o braço para lhes mostrar o bracelete— passou de geração em geração.
	Myra era muito mais poderosa que suas irmãs. Tinha herdado mais habilidades como mulher e como bruxa. Por isso era a portadora do bracelete. Sua mãe tinha sabido que ela era a única de suas irmãs em continuar com o legado das mulheres Durikken.
	Enquanto Myra desabotoava o bracelete, tremiam-lhe os dedos. Não tinha tirado nenhuma só vez desde que sua mãe o colocara em seu pulso. Suas filhas o tinham admirado em muitas ocasiões e tinham acariciado os amuletos de prata alemã, por isso Myra sabia qual era o favorito de cada uma.
	Elena sempre tinha gostado da estrela, cujas afiadas pontas se haviam tornado rotas com o tempo. Irina tinha como preferida a lua crescente, que se transformava muito facilmente, como o estado de ânimo de Irina, de um sorriso a uma careta, dependendo do ângulo que estivesse. O favorito de Ariel era o sol, com os raios que rodeavam um pequenoe suave disco. Apesar de sua antigüidade, aquele amuleto brilhava com mais força que os outros, como a própria Ariel.
	Inclusive naquele momento, rodeada da tênue luz da caravana, a aura rodeava a pequena e brilhava ao redor de sua cabeça enquanto os espectros aproximavam-se dela. Sabia Ariel o dom que tinha? Conheciam-no suas irmãs?
	As três jovens necessitavam da tutela de Myra para poder compreender e utilizar suas habilidades. Eram muito jovens para poder fazê-lo sem a mãe, mas não podia as pôr em perigo. Só o que Myra podia esperar era que os amuletos as mantivessem a salvo, como tinham feito com Elena muitos anos atrás.
	Myra se ajoelhou diante de suas filhas, que continuavam encolhidas na pequena cama da caravana. Aquilo era só o que tinha sido capaz de lhes dar. Até aquele momento. Até o instante em que tinham compartilhado a lenda. Tinha-as feito partícipes de seu passado e, com a ajuda dos amuletos, recordariam sempre, por muito tempo. Por muito que desejassem esquecê-lo ou ignorá-lo. Como tinha ocorrido a Elena tantos anos atrás.
	Embora ela temesse seu futuro e quisesse desligar-se dele, não tinha se desfeito dos amuletos. Tinha conhecido sua importância e o mesmo os ocorreria às filhas de Myra.
	Tomou em primeiro lugar a mão de Elena. Era quase tão grande como a dela, forte e capaz como a própria moça. Poderia enfrentar-se tudo... ou ao menos isso era o que Myra esperava. Colocou-lhe a estrela na palma da mão e fechou-lhe os dedos sobre o amuleto. A jovem a observou com seus olhos azuis. Não havia perguntas em seus olhos, tão somente conhecimento. Com doze anos, já havia visto muitas coisas em visões como as de sua mãe. A menina jamais o tinha admitido, mas Myra sabia.
	Então, tomou a mão de Irina, menor e mais débil. Irina preocupava-se muito com Myra. Tinha passado tão pouco tempo com ela... Colocou-lhe a lua na palma da mão e a fechou. «Agarre-a com força, filha minha». Não teve que dizê-lo em voz alta porque Irina era capaz de ler o pensamento.
	Myra afogou um soluço antes de tomar a de Ariel, embora a menina já a tivesse estendida. Era uma criatura aberta e confiante e, precisamente por isso, poderiam lhe fazer mais mal que a outros.
	—Não os percam — disse. Sem o amparo dos pequenos amuletos de prata alemã, nenhuma das três seria suficientemente forte para sobreviver.
	—Não os perderemos, mamãe —respondeu Elena, em seu nome e no de seus duas irmãs. Então, colocou o amuleto no bracelete que usava e ajudou a fazer o mesmo ao da irmã Irina.
	Apesar do muito que lhe tremiam os dedos, Myra colocou o amuleto no bracelete da sua filha Ariel. Quando foi afastar-se, a menina tomou-lhe a mão.
	—Mamãe...
	—Sim, filha?
	—Disse que esta habilidade especial é... é uma maldição — recordou Ariel, com voz trêmula. Sim, tinha estado escutando. Myra assentiu.
	—Sim, é uma maldição, meu bem. A gente não o compreende. Pensavam que nossas antepassadas eram bruxas que lançavam feitiços maléficos.
	E efetivamente, tinham sido bruxas, mas que tratavam de curar e ajudar. A família de Myra jamais se dedicou à maldade. Isso era o que as havia prejudicado ao longo dos anos.
	—Entretanto, isso foi faz muito tempo —disse Elena—. A gente já não acredita nas bruxas.
	Myra sabia que era muito melhor avisá-las, fazê-las conscientes dos perigos que corriam. Tinha-lhes mostrado o amuleto antes, que levava entre os seios. Era o mesmo que Thomas tinha dado a Elena tantos anos atrás. Em seu interior, haviam descoloridos desenhos, feitos pela mão de Thomas, de suas irmãs, as que tinham morrido no fogo. Suas mortes se poderiam haver evitado se tivessem escutado e enfrentado seu destino.
	—Algumas pessoas ainda acreditam.
	—Mamãe, sou maldita? —perguntou-lhe Ariel, com os olhos de cor turquesa cheios de temor.
	«Ninguém mais que eu». Myra tinha perdido tantas coisas ao longo da vida... Seu único amor, o pai de Elena. E naqueles momentos...
	—Mamãe! Vêem-se luzes através do campo! —sussurrou Ariel, como se pensasse que, por falar baixinho, não a fossem encontrar. Talvez não ouvisse tanto como suas irmãs, mas compreendia.
	Myra não olhou pela janela. Já tinha visto as luzes em uma visão, por isso tinha ocultado a caravana no meio de um campo de milho. Apesar de tudo as tinham encontrado. Olhou suas filhas e memorizou seus rostos, rezando por seu futuro. Cada uma delas conheceria um grande amor igual dela, mas só o que podia esperar era que o de suas filhas fosse mais duradouro. Que lutassem contra seu destino, contra a maldade que as espreitava, como ela teria tido que lutar se fosse mais forte.
	Permaneceu ao lado da caravana, no meio do campo de trigo, enquanto levavam suas filhas. As meninas gritavam e estendiam os braços para ela enquanto as lágrimas caíam abundantemente pelas formosas faces como a chuva contra as janelas.
	Aquele não era o destino final de Myra. Sua morte aconteceria muito mais tarde. Entretanto, seu coração jamais deixou de sangrar e sua alma se estragou para sempre, por isso realmente aquela foi a noite em que morreu. A noite que levaram suas filhas.
Barrett, Michigan, 2006
	O estrondo das sirenes e os gritos se converteram em um murmúrio quando a luz se deteve diante dos olhos de Ariel. Reluzia através de um fino véu de bruma, brilhante, e lhe outorgava tanta claridade que era incapaz de ver os outros.
	A menina pequena. Uns olhos grandes e escuros sobre um rosto muito pálido, o cabelo negro caindo de ambos os lados do rosto até lhe chegarem aos ombros.
	Com o vestido amarelo claro que tanto gostava, estava pronta para ir para o colégio. Entretanto, não estava ali, a salvo na sala de aula de Ariel. Já não. Estava flutuando frente ao barracão, de costas ao meio-fio, onde polícia e ambulâncias tinham estacionado, bloqueando a rua.
	Ariel tinha deixado seu jipe mais abaixo e se aproximou andando.
	Não havia árvores, nem erva, nem um jardim no qual um menino pudesse jogar. Havia deslizado sob a cinta policial com a qual as autoridades tinham protegido a zona. Não tinha que andar com cuidado, como as pessoas que estavam se aproximando, querendo saber como podiam ajudar. Antes de chegar, Ariel sabia o que tinha ocorrido e que era muito tarde para ajudar.
	Enquanto tratava de conter as lágrimas, a bruma se espessou e a luz se desvaneceu. Brilhava suavemente sobre a menina que, igualmente, ia se desvanecendo e dissolvendo-se na bruma. Ariel estendeu uma mão e tratou de agarrá-la. Com a voz cheia de emoção, sussurrou o nome da pequena.
	— Haylee...
	A pequena sussurrou algo. Movia a boca pronunciando palavras que a Ariel pareciam impossíveis de escutar. O que queria lhe dizer? Adeus, talvez? As lágrimas começaram a deslizar- pelas faces de Ariel, rabiscando a visão que tinha da menina.
	—Não estou pronta para te deixar partir...
	Era muito jovem para estar sozinha. Só tinha oito anos... e já não cumpriria mais.
	O coração de Ariel se sentia tão pesaroso que tremia de dor.
	Com o movimento, o amuleto que lhe pendia do bracelete balançou. Seguia com a mão estendida, tratando de alcançar Haylee enquanto a pequena se desvanecia. Os dedos de Ariel tentaram apanhar a bruma, mas não conseguiram agarrar nada. De repente, a mão tocou algo sólido. Algo forte e quente.
	Uns braços a rodearam. Uma mão lhe apertou o rosto contra o ombro. Ao respirar profundamente, inalou um delicioso aroma de couro e de homem. Seu homem.
	Até com os olhos fechados, viu David tão claramente como se o estivesse olhando. Embora não fosse uma mulher de baixa estatura, David era muito mais alto que ela e que todos os outros. Com seu cabelo negro e olhos escuros, parecia a reencarnação dos guerreiros vikings de séculos atrás, nem tanto pelo aspecto mas sim por sua atitude. Talvez pudesse ser um cavaleiro negro, dado que aquele dia vestia camisa de seda negra e jaqueta e calças de couro da mesma cor.
	—Não deveria estar aqui, Ariel — disse com voz profunda—. Vou levar você para casa.
	—Como soube? —perguntou-lheela. Como era possível que David sempre soubesse onde estava e quando o necessitava? Ela não o tinha chamado.
	Deveria havê-lo feito, mas não o fez. De repente, ao observar sua mandíbula quadrada e seu rosto duro e tenso, compreendeu tudo. Tinha chamado Ty Mclntyre, não pelo apoio que pudesse lhe dar mas sim por sua placa.
	— Ty ?
	Logicamente, o oficial de polícia teria chamado David. Eram muito bons amigos desde meninos, ou pelo menos isso era o que David lhe tinha contado. Ariel não conhecia nenhum dos dois há muito tempo, o suficiente para apaixonar-se por David.
	—Ty está aqui?—perguntou David—. Oh, Meu Deus! É ele o oficial de polícia que mandei.
	Ariel piscou. A neblina tinha terminado de evaporar e o ligeiro zumbido que tinha escutado até então se transformara em uma cacofonia de sirenes e gritos. Pela primeira vez desde que chegou ali, deu-se conta dos jornalistas que lançavam perguntas do meio-fio da calçada e dos oficiais de polícia que os continham.
	—Sr. Koster, por que está aqui?
	Por ela. Se Ty não tinha chamado David, ele devia saber onde estava ela pela cobertura mediática. Não pôde perguntar-lhe porque David se dirigia para a casa. Ao contrário dos meios de comunicação, nenhum oficial de polícia tratou de detê-lo. Todo mundo conhecia o homem mais rico de Barrett, Michigan.
	A ela não conheciam. Até a aparição de David, nem a polícia nem os jornalistas se tinham fixado nela.
	—Quem é essa mulher que o acompanha? —gritou-lhe um jornalista.
	—Quem é a ruiva? —insistiu outro.
	David, sem afastar o olhar da casa, não lhes deu atenção alguma. Observava fixamente a porta totalmente aberta, segura pelas dobradiças e meio arrancada.
	—Ty está ferido? —perguntou-lhe Ariel, com a voz quebrada. Jamais o haveria chamado se soubesse que ia pô-lor em perigo.
	—Não sei. Tenho que encontrá-lo — disse David—. Não quero que você entre em casa — acrescentou, olhando-a por fim.
	Seus olhos escuros observavam Ariel com preocupação. Evidentemente, temia que ela pudesse ver. Se soubesse...Talvez era isso precisamente a única coisa que David desconhecia sobre ela: o que era capaz de ver. Não podia contar-lhe porque não podia compreender algo que nem ela mesma entendia muito bem.
	—Estarei bem — prometeu. Era uma promessa vazia porque não havia meios de ela saber se dizia a verdade. Não havia maneira de saber o que poderia ocorrer a seguir. Esse dom tinha sido o de sua mãe, não o dela.
	David deveria pensar que Ariel lhe havia dito que estaria bem no exterior da casa, porque se separou dela e se dirigiu para a morta. Entretanto, antes que pudesse entrar na casa, saíram dela dois homens vestidos com jaquetas brancas que levavam uma pequena bolsa de cor negra sobre uma maca.
	O corpo de Haylee, machucado e quebrado, jazia em seu interior. Entretanto, seu espírito voava livre sobre a bruma, que havia tornado a aparecer próxima à casa.
	Tudo passou a um segundo plano. Os gritos dos jornalistas, os flashs das câmaras... Ariel só era capaz de ver Haylee.
	—Ariel —disse David, lhe rodeando os ombros com um braço, lhe emprestando assim sua força e apoio com a cercania de seu corpo.
	—Onde está Ty? — perguntou ela. Não era preciso ele responder. O oficial de polícia tinha aparecido pela porta e estava junto a David. Tinha o cabelo escuro revolto, o rosto ranchado e a camiseta manchada de sangue.
	—Que diabos ocorreu? —perguntou-lhe David. Ty lançou um sopro de desespero. .
	—Esse filho da mãe matou a filha e opôs resistência ao resto.
	—Onde está ele? —sussurrou Ariel.
	—Lá dentro.
	—Está morto?
	Ty assentiu.
	Ariel não tinha visto o pai de Haylee. Sem o menor embargo, dado que havia maltratado repetidamente a sua filha, certamente tinha perdido a alma há muito tempo. Assinalou a camiseta de Ty.
	—Está ferido. Precisa de ajuda.
	Com um olhar para o meio-fio, David fez que se aproximassem imediatamente dois enfermeiros de uma das ambulâncias para que ajudassem seu amigo,
	—Levem ao Mercy — ordenou—. O doutor Meadows o estará esperando —Acrescentou, quase ao mesmo tempo que se tirava o telefone móvel e o punha à orelha.
	Ty se dirigiu para a ambulância andando, já que se negou a fazê-lo em a própria ambulância. Enquanto caminhava, sem sabê-lo, atravessou com seu corpo a imagem de Haylee, que estava começando a desaparecer uma vez mais. Ariel conteve o fôlego ao ver que Ty dava a volta e que a olhava durante um momento antes de começar a cambalear.
	— Ficará bem — disse David—. É forte.
	Apesar de sua afirmação, David se dirigiu à ambulância. Os dois enfermeiros estavam ajudando a Ty a sentar-se. Estava completamente pálido, quase tanto como Haylee. Sussurrou a Ariel igual a tinha feito a menina, mas daquela vez escutou perfeitamente as palavras.
	—Sinto muito.
	Ariel sacudiu a cabeça. Era ela quem o sentia. Não o tinha mandado ali para que ajudasse a menina. Já sabia que era muito tarde para isso. Compreendeu tudo quando a bruma que tinha aparecido na sala de aula em que Ariel estava deu passagem à aluna que ela imaginara simplesmente ausente. A figura, como muitas outras que Ariel tinha visto ao longo dos anos, era a de um fantasma. 
***
	Myra estendeu uma mão tremente para a televisão e acariciou brandamente a imagem que aparecia na tela. Embora o cristal da tela fosse frio ao tato, sentiu uma profunda calidez.
	—Ariel...
	Não ficara muito da menina na formosa mulher em que Ariel se havia convertido. Tinha o cabelo comprido e de um vermelho mais vibrante, o que fazia com ressaltasse com força contra a grama morta que tinha sido delimitada pelo cordão policial. Seu rosto era mais magro e seus olhos, grandes e fascinantes, destacavam-se sobre a delicada boca e nariz.
	Enfeitiçada. Assim estava sua filha. A câmara captou tratando de agarrar o ar, mas Myra sabia muito bem o que sua filha estava fazendo. Os fantasmas sempre tinham se sentido atraídos por Ariel, inclusive quando era uma menina. Myra não estava certa se ela já os via então, mas evidentemente, via-os agora. 
	Então, viu o amuleto que pendia da mão delicada de sua filha. Deslizou brandamente os dedos pela tela. Embora não pudesse tocá-la, sentiu o poder do pequeno sol de prata alemã irradiando através do cristal. Se Ariel soubesse... Myra deveria haver dito às filhas tudo antes que as arrebatassem aquela noite. Deveria tê-las preparado melhor para enfrentar a maldição. Entretanto, eram tão jovens então...
	As lágrimas lhe abrasaram os olhos, cegando para ela a imagem da tela. Deixá-las partir tinha sido o mais duro golpe que recebera em toda sua vida, mas as meninas mereciam algo melhor que ela. Mereciam levar uma vida o mais normal possível com os dons que haviam herdado. Mereciam estar a salvo.
	A dor se apoderou dela ao recordar as imagens de suas filhas. Não estavam seguras. Já não agora. Talvez as tivesse entregue por nada. Não tinha conseguido afastá-las do perigo. De fato, poderia ser que as tivesse feito mais vulneráveis ainda.
	Presa de uma profunda fraqueza, Myra voltou a sentar-se na dura cadeira de madeira. Esta estava junto a uma pequena mesa redonda, coberta com umas saias de tecido florido, do mesmo estampado das cortinas. Assim, havia conseguido transformar sua caravana em um lugar um pouco mais acolhedor. No centro da mesa havia uma bola de cristal que refletia as imagens da televisão.
	Principalmente, utilizava a bola de cristal como ganha-pão, como a chave para abrir as carteiras das almas supersticiosas que iam a ela em busca de um futuro melhor. Nem sempre lhes dizia o que via em seu interior, mas o que queriam ouvir.
	Seus clientes se sentiriam mais felizes durante um momento e ela poderia ser algo mais rica.
	Mas só durante um momento.
	Sua felicidade nunca tinha durado muito mais. Só quando se apaixonou pelo pai de Elena e quando teve as filhas. Jamais tinha mantido a seu lado alguém que amasse. Gostava de culpar por isso à maldição, mas suspeitava que era culpa dela. Culpa de suacovardia.
	Podia alguém ser feliz para sempre? Jamais saberia. inclinou-se sobre a mesa e olhou a bola de cristal. Na bola não podia ver o futuro nem para ela nem para suas filhas. Quão único refletia era a tela da televisão, o cabelo vermelho do Ariel e o pulôver cor nata que ela levava. Seu rosto era tão formoso... A câmara se aproximou um pouco mais a ela e captou a angústia que se refletia nos formosos olhos cor turquesa.
	—Oh, meu bem...Talvez seja muito tarde para você —sussurrou, angustiada— Como já é muito tarde para mim.
	Não tinha tempo para avisá-las. Se o tentasse, poderia levar a pista para suas portas. Não tinha tempo para fugir. Tinha visto o perigo e estava se aproximando cada vez mais. Muito rapidamente. Talvez já estivesse espreitando suas filhas.
	—Mantenha os olhos abertos, tesouro —aconselhou à filha, desejando que Ariel pudesse escutá-la. Entretanto, o dom de sua filha não era a telepatia—.Talvez já esteja a seu lado —acrescentou, ao ver que os braços de um homem a rodeavam, estreitando-a contra um forte torso. Para protegê-la ou para lhe fazer mal?
	Esperava que sua filha tivesse melhor gosto para homens do que ela havia tido. Myra se tinha equivocado ao escolher o homem por quem apaixonar-se, o homem que não podia corresponder. Nenhum homem tinha podido fazê-lo ao saber a verdade sobre ela. Por isso, Myra tinha decidido utilizá-los para conseguir dinheiro, segurança... Entretanto, nem sequer isso tinha durado.
	Tinham-lhe pago para que partisse, sem querer nada com ela nem com as filhas que tinha engendrado. O dinheiro não lhe tinha durado. Myra o tinha utilizado para afogar as visões e tratar de fugir da maldição, ambas as coisas inutilmente. Estava preparada para aceitar seu destino, mas não o de suas filhas.
	O coração começou a lhe pulsar com força ao observar como aqueles braços estreitavam com força a sua filha. Por amor? As dúvidas acorriam a Myra e a fizeram chorar. Ariel era muito formosa, mas estava amaldiçoada.
	Por renunciar a elas não tinha conseguido salvá-las. Tão somente havia conseguido prolongar o inevitável. Myra cambaleou e esteve a ponto de cair da cadeira quando uma visão se apodero de seu pensamento. Viu Ariel, caída sobre um sujo chão de concreto, com os olhos turquesa totalmente abertos mas cegados... pela morte.
	Com um estalo de eletricidade estática, a imagem da televisão se reduziu a um ponto brilhante no centro da tela, tragando assim a imagem de Ariel nos braços de David. Ela, encolhida em sua poltrona favorita, levantou a cabeça para David.
***
	Acabava de entrar na ensolarada sala de estar de Ariel, diminuindo-a assim com sua presença e tamanho. Como tinha maior cobertura para o celular no exterior, tinha saído um momento para chamar o hospital. Enquanto ele estava fora, Ariel tinha recebido uma chamada do diretor do colégio para lhe dizer que estava despedida.
	—Está bem? —perguntou, muito preocupada por Ty. Enfrentaria a sua situação mais tarde, quando estivesse sozinha, como sempre tinha feito.
	—Sim. Deram-lhe vinte e dois pontos. Como perdeu muito sangue, vai ficar toda a noite em observação.
	—Deveria ir com ele. Eu estou bem — lhe assegurou. Não era a primeira vez que lhe mentia. Um velho provérbio cigano lhe foi ao pensamento. «Existem coisas tais como as falsas verdades e as mentiras sinceras».
	Sua mãe o tinha utilizado constantemente para justificar como ganhava a vida, viajando de cidade em cidade para enganar as pessoas. Embora só era uma menina, Ariel tinha compreendido perfeitamente que as sessões de espiritismo encenadas e a falsa bola de cristal não estavam bem. Entretanto, sua mãe tinha insistido em que às vezes era melhor escutar mentiras que verdades. Que as primeiras faziam menos mal às pessoas.
	David lançou o mando a distancia com tanta força que ricocheteou contra os almofadas do sofá.
	—Não, não está bem — disse, sem engolir mentira—. No que está pensando? Pensar? Não funcionava assim. Não pensava. Simplesmente via. Depois, tinha que encontrar o modo de poder enfrentar-se ao que tinha visto. A ausência funcionava, mas não durava o tempo suficiente.
	David não lhe deu tempo para responder a sua pergunta, embora ela houvesse podido fazê-lo. Imediatamente, lançou-lhe outra.
	—Sabe o que poderia lhe haver ocorrido?
	Ariel se pôs-se a tremer e cruzou os braços sobre o peito. Então, agarrou com força os ombros para tranqüilizar-se. Sabia melhor que David. Pobre Haylee. A pena voltou a apoderar-se dela e lhe espremeu o coração, mas se negou a deixar que esta se apoderasse dela como lhe tinha ocorrido frente à casa de Haylee. Fechou os olhos e tratou de não pensar. 
	Umas fortes mãos lhe agarraram os braços, fazendo que se levantasse da cadeira. David não a abraçou. limitou-se a aproximar-se o suficiente como para que seus corpos se roçassem. A tensão irradiava dele. Normalmente, Ariel se desfazia entre seus braços cada vez que a tocava, mas aquele dia se esticou. Sabia que se deixasse levar, o pranto histérico se apoderaria dela.
	—Poderia ter terminado no hospital como Ty — disse, com a voz tremendo pela emoção—. Ou pior ainda, poderia estar no depósito de cadáveres como essa pobre menina.
	— Haylee — sussurrou ela.
	— Oh, Deus.... —disse David. Então, inclinou-se sobre ela e lhe tocou a fronte com uma profunda ternura. A ira tinha desaparecido—. Sei e o sinto.... Falou-me muito dela.
	Efetivamente, Ariel lhe tinha contado os temores que tinha com respeito a menina e David a tinha apoiado em sua decisão de chamar os serviços sociais.
	De fato, David se tinha assegurado de que se enviasse alguém à casa da pequena. Entretanto, nada disso tinha sido suficiente.
	—Tratou de ajudá-la, Ariel.
	Deveria ter feito mais. Deveria havê-la protegido embora tivesse que seqüestrá-la e fugir com ela. O coração encolheu-se e teve que piscar para conter as lágrimas.
	—Eu falhei — sussurrou. Talvez por isso o colégio tenha decidido despedi-la.
	—Falhou-lhe seu pai, não você. Se você tivesse chegado ali antes que Ty, esse homem
poderia ter matado você.
	—Eu não estive ali muito tempo, David. Cheguei pouco antes que você.
	—Eu não teria ido se não te tivesse visto no boletim de últimas notícias que tenho na tela de meu computador.
	Efetivamente, sempre via as notícias em seu computador porque isso era precisamente ao que se dedicava: desenhava computadores e programas de informática. Era o Bill Gates de Barrett, igualmente criativo, rico e poderoso, embora muito mais reservado.
	Odiava a atenção dos meios de comunicação, mas, pelo Ariel, um montão de caminhonetes de televisões locais bloqueavam naqueles momentos a rua em que estava sua casa. Por isso, tinha tido que refugiar-se em casa de Ariel. Além disso, ela preferia estar ali, entre as alegres paredes amarelas de sua pequena casinha. Entretanto, nem as brilhantes cores nem as enormes janelas seriam capazes de lhe alegrar aquele dia.
	—Por que não me chamou? —perguntou-lhe ele, com mandíbula tensa.
	—Era muito tarde...
	Nem sequer David com todo seu dinheiro poderia ter feito algo por Haylee. A vida era tão injusta... Do que servia ver fantasmas quando já não podia fazer nada por eles? Ela não teria querido ter aquela habilidade. De fato, havia tratado de não lhe emprestar atenção alguma.
	—Eu poderia te haver acompanhado, te apoiado, te protegido... Não deveria ter deixado você ir sozinha.
	Ariel se pôs-se a tremer. Sentia a tentação de apoiar-se fisicamente sobre ele, deixar que seus fortes braços a consolassem. Entretanto, sabia que era muito perigoso confiar em alguém. Quando o tinha feito, tinha sofrido muito. Nos seis meses que levava saindo com o David, sabia que não podia estar segura de que ele permanecesse a seu lado, por muito atento e amável que se mostrasse com ela. Só podia confiar em si mesma.
	—Chamei Ty... Isso é o ocorre realmente! —disse, escolhendo a ira como mecanismo de autodefesa—. Está com ciúmes!
	David entreabriu os olhos e a observouatentamente.
	—Ariel…
	—É isso? Porque chamei Ty em vez de chamar você? — perguntou, escapando dele.
	—O problema é que foi sozinha a uma casa em que sabia que vivia um homem violento. Pôs sua vida em perigo.
	—A polícia estava ali antes que chegasse eu... digo. Também a ambulância. - Para Ty? Para o pai de Haylee? Teria que haver-se imaginado que aquele canalha se defenderia e que se oporia à prisão. Não deveria haver chamado Ty para pô-lo em perigo. Era o melhor amigo de David.
	Provavelmente aquela era a causa de ele estar tão zangado: o fato de que seu amigo tivesse sido ferido por sua culpa. De fato, Ty nem sequer estava de serviço.
	—Então, você chamou à polícia antes de sair para a casa —disse David, relaxando um pouco. Então, entreabriu os olhos—. Como soube que Haylee estava em perigo?
	Não podia lhe contar que tinha visto o fantasma da menina, nem podia arriscar-se a que David a olhasse como tinham feito os outros. Não podia descobrir a verdade ou a rechaçaria como outros tinham rechaçado.
	—Já sabe que suspeitava algo — explicou, esperando que isto satisfizera a repentina curiosidade de David.
	—Por que não voltou a chamar os serviços sociais? Por que decidiu chamar a polícia nesta ocasião?
	—Já sabe o que fizeram os serviços sociais da última vez — lembrou, com uma profunda amargura—. Nada.
	Os serviços sociais também se encarregaram de suas irmãs e dela, embora jamais tinham estado em perigo apesar do estilo de vida pouco convencional que levavam. Entretanto, para Haylee não tinham conseguido fazer nada. É obvio, a menina se mostrou muito assustada como para lhes contar a verdade sobre a situação que vivia em sua casa, que, desde que mãe morrera, seu pai bebia muito e lhe dava fortes surras. Nem sequer tinha contado a Ariel apesar da boa relação que tinham. Porém, Ariel tinha deduzido. Por que não tinham feito o mesmo, os serviços sociais?
	—Como soube que lhe tinha ocorrido algo? —insistiu David.
	Não podia contar-lhe. Jamais o compreenderia. Nenhuma das famílias com as quais Ariel tinha estado, tinham compreendido sua maldição. Pensariam que estava louca. Algumas o haviam dito e outras a haviam cuidadoso com expressão triste, como a que se dedica a quão vagabundos falam incoerentemente. Preferia que David pensasse que estava louca a que a olhasse daquele modo.
	—Deixe de me interrogar — disse, dando a volta para dirigir-se para a janela—. É pior que os jornalistas —acrescentou, depois de ver através do vitrô que havia uma caminhonete com uma antena parabólica sobre o teto.
	—Filhos de uma cadela —disse David, com fúria, depois de reunir-se com ela junto à janela—. Malditos abutres…
	—Por que odeia tanto a imprensa?
	—São incansáveis. Não mostram reparo algum na hora de invadir a privacidade da gente.
	Efetivamente, David gostava da privacidade, como Ariel. Talvez aquela fosse uma das poucas coisas que tinham em comum. A outra era a atração que vibrava entre eles, inclusive em um momento como aquele. O calor emanava de seu corpo. Ariel notava ao lado da janela, a suas costas.
	Embora estivessem separados por uns poucos centímetros, era como se tocassem. Ariel o sentia na pele, no interior de seu coração.
	—Vou chamar a minha equipe de segurança para que mandem alguém que jogue-os das Torres —disse, referindo-se ao alto edifício no centro da cidade que albergava tanto seu negócio como seu apartamento de cobertura—.Vou levá-la para lá —sussurrou, inclinando-se ligeiramente para ela.
	—Não.
	—Ariel, estará mais segura ali.
	—Segura de quem?
	Se sua demissão se havia devido à atenção dos meios de comunicação, os jornalistas não podiam lhe fazer mal agora. O homem que tinha assassinado Haylee também estava morto. O único que poderia lhe fazer mal era David. Pôs-se a tremer, sem saber a que se deveu aquele estranho pensamento.
	David era um homem muito intenso, mas jamais lhe faria mal, ao menos fisicamente. Se soubesse a verdade, poderia lhe fazer mal emocionalmente e se estava aproximando muito. Suas perguntas sobre como se inteirou da situação de Haylee se estavam fazendo muito insistentes.
Desde há alguns anos se negara a lhe entregar o coração a alguém. O tinham destroçado em muitas ocasiões para permitir isso de novo. Desgraçadamente, David não lhe tinha pedido nada. Simplesmente tinha tomado. Assim era ele, um homem mais forte e poderoso que nenhum dos
que tinha conhecido antes.
	—Ariel —disse ele, com a voz carregada de paciência—.Tenho que te afastar dos jornalistas. Não quero que voltem a te acossar.
	—Eles não são os que me estão acossando — afirmou ela, voltando-se para olhá-lo.
	David levantou o queixo como se o tivesse esbofeteado fisicamente.
	—E eu sim?
	—Não me está ajudando. Eu perdi uma aluna, uma preciosa menina a quem tinha grande afeição, e o só o que faz é me gritar e me fazer perguntas. Acaso te importo em algo? —perguntou, sentindo que a ira despertava nela, acicateada pelo temor a que David pudesse averiguar a verdade —. Ou acaso te incomoda só o interesse que isto despertou na imprensa? Eu o preocupo, eu ou sua reputação?
	David empalideceu e abriu muito os olhos.
	—Ariel?
	David não era o único surpreso. Ariel jamais lhe tinha falado nesse tom desde que o conheceu, quando Haylee os uniu com uma carta. Ariel fazia que todos seus alunos escrevessem à empresa do David pedindo que os doasse uns ordenadores para o colégio. A carta do Haylee elogiando a seu professora foi a que animou David a visitar o centro. Ariel se apaixonou por ele imediatamente.
	Aquele loiro Adonis de mente brilhante e coração generoso... Ariel jamais havia conhecido um homem como ele. Não quis nenhum reconhecimento pela doação que fez, suficientes ordenadores não só para seu colégio mas também para todo o distrito. Só pediu uma coisa: o número de telefone de Ariel. Naqueles momentos, provavelmente o devolveria.
	—É isso o que pensa de mim? —perguntou, com voz ferida.
	—Olhe, David,eu sinto...
	Imediatamente, ele a tomou entre os braços e começou a acariciar-lhe brandamente as costas. Então, levantou-lhe o queixo para que Ariel não pudesse escapar do olhar de seus olhos escuros.
	—Como pode pensar isso de mim? Acaso não te demonstrei já o que sinto por você?
	Assim era. Tinha-o feito de muitas maneiras diferentes. Não com dinheiro, o que teria sido o mais singelo para um homem de sua posição, mas com tempo e cuidados, algo que muito poucas pessoas lhe tinham dado ao Ariel. Chamava-a constantemente para lhe desejar que tivesse bom dia ou que passasse boa noite. Enviava-lhe e-mails para lhe dizer quão formosa era por dentro e por fora, o muito que respeitava a paciência que tinha com os meninos e as vontades que tinha de voltar a vê-la. Apesar do muito que David se esforçava, ela seguia pensando que nenhum homem sentiria algo por ela se sabia o que era em realidade.
	David merecia a verdade, mas Ariel não podia arriscar-se a contar-lhe. 
	—David…
	Ele a beijou, silenciando imediatamente suas palavras. Com insistência, a animou a que abrisse a boca. Depois de saboreá-la ligeiramente e deixar que suas línguas tocassem-se durante um segundo, apartou-se e deslizou os lábios pela mandíbula de Ariel até chegar ao arco da garganta. Ela e mordeu os lábios para conter um gemido enquanto lhe mordiscava brandamente a pele. Então, David enterrou o rosto nos seus cabelos e ela sentiu que punha-se a tremer ao sentir como esquentava-lhe o sangue nas veias.
	Sentiu a tentação de lhe tirar a camisa para deixar nua a suave pele e os tensos músculos, para poder deslizar os lábios por seu corpo... David sempre se punha-se a tremer quando o fazia.
	—Como pode duvidar de mim? —sussurrou ele, ao ouvido.
	—Não sou boa para você, David...
	—Está falando de novo de minha reputação? —perguntou-lhe, apartando-se dela.
	Privada do calor de seu abraço, Ariel voltou a tremer. Um calafrio percorreu-lhe a pele. Se a David preocupava a má imprensa, o que ocorreria se os meiosde comunicação se inteiravam do passado da mulher com a qual estava saindo? Não teria nem intimidade nem paz... até que se afastasse dela para sempre.
	—Estou falando de seu orgulho — disse, aferrando-se a qualquer desculpa.
	—Como diz?
	—Não está aborrecido porque eu chamasse Ty antes de você? Por isso odeia a publicidade. Antepor seu orgulho — o acusou, levantando suas defesas com ira enquanto tentava provocá-lo. Queria que partisse... antes que ela se esquecesse de seu orgulho e lhe suplicasse que ficasse.
	—Por que me repele deste modo?
	—Se o repilo, por que vem aqui? Vá.
	—Ariel — sussurrou ele, com voz ferida e incrédula.
	—Me deixe em paz!
	—Se é isso o que quer... Farei — afirmou David, levantando o queixo.
	Ariel fechou os olhos e não os abriu até que a batida da porta principal sacudiu com força os magros tabiques de sua casa. Não podia ver como se afastava dela. Estava segura de que quando se acalmasse, retornaria.
	Desgraçadamente, então, ela já se teria ido embora.
***
	Umas mulheres embelezadas com capas e capuzes que cobriam seu cabelo e escureciam seu rosto, rodeavam-no, envoltas em escuridão e trevas. A pesar das chamas do fogo, elas permaneciam entre as sombras. O brilho da fogueira iluminava o céu noturno enquanto que a fumaça permanecia perto do chão, asfixiando-o. Os pulmões lutavam desesperadamente por respirar e, enquanto ele tossia, as mulheres riam com voz clara e melodiosa. E também muito maliciosa.
	A risada fazia eco nos ouvidos dele e lhe troavam na cabeça. A dor lhe partia as têmporas e o pescoço e se estendia por todo o corpo até que fez com que se pusesse-se a tremer.
	Estavam-no matando. O peito lhe doía enquanto lhe abandonava o último hálito de vida. O fogo se fazia impreciso e parecia lhe queimar as pálpebras enquanto os fechava para não ver mais a vida que tinha conhecido. Entretanto, o dor não desaparecia. Não havia escapatória. Nem paz. 
	Despertou e apartou os lençóis, que lhe tinham enredado no corpo como as cordas com as que ele acreditava que as mulheres o tinham amarrado. Quando levantou-se cambaleando da cama, golpeou-se com a mesinha de cabeceira e atirou o jornal no frio e duro chão. O golpe lhe ressonou na cabeça como se tivesse sido um disparo.
	Com muito cuidado, inclinou-se para recolher o jornal. Era a história de sua família. Seu legado, escondido durante anos, descartado como os desvarios incompreensíveis de um louco. 	Ninguém tinha compreendido seu antepassado. Até aquele momento. Até que, umas poucas semanas atrás, ele se tinha deparado com o jornal e o tinha lido. Se tivesse sabido antes da maldição.... sobre o poder dos amuletos e das bruxas... Por fim compreendia perfeitamente seus sonhos, as visões em branco e preto sobre seu futuro. Era sua maldição. Seu castigo.
	Se conseguiam chegar a ele primeiro.
	Entretanto, dado que já sabia tudo sobre as bruxas e conhecia perfeitamente seus poderes, poderia encontrá-las. Reclamar os amuletos e detê-las. Matá-las antes que elas o matassem .
2
	A porta se abriu com um ligeiro toque dos nódulos. À sombra da velha porta de carvalho apareceu um homem. Apesar das duas semanas que haviam passado, seu rosto ainda mostrava as marcas amareladas dos hematomas que tinha tido ao redor dos olhos e na mandíbula. O mesmo amarelo que estava acostumado a ter Haylee com hematomas muito similares.
	—Ariel! — exclamou Ty, com a voz rouca pelo silêncio ou pelos hematomas que tinha na garganta e que resultavam visíveis apesar da gola da camisa—. Onde estiveste?
	—Saí por uns dias —disse.
	Tinha fugido e se odiava por essa covardia. Poderia ter justificado sua pena a respeito da morte de Haylee ou pelo desespero por que o colégio a tivesse despedido. Entretanto, sabia perfeitamente a que se devia. Podia saborear o medo como o sangue de um lábio partido.
	—David ficou como um louco te buscando. Está muito preocupado.
	Sem dúvida estava furioso, e tinha todo o direito. Ariel tinha partido pouco depois de sua discussão com David, fugindo de seu cômodo lar para procurar refúgio em hotéis anônimos. Entretanto, não tinha fugido pelos meios ou por pena. Tinha fugido dela mesma. Por quem era e pelo que era.
	Entretanto, como nas ocasiões nas que tinha fugido com anterioridade, deu-se conta de que não havia escapatória. Tinha que enfrentar-se ao que era e o mesmo faria David quando lhe desse uma oportunidade. O medo pelo risco que estava correndo lhe oprimia o coração.
	Não tinha falado a ninguém da maldição desde que contara a um antigo noivo na universidade, que, é obvio, abandonou-a imediatamente e partiu a outra faculdade. Depois daquela desilusão, Ariel tinha tido escassas entrevistas. Até que conheceu David.
	—Sinto muito. Não deveria ter desaparecido desse modo.
	Ty fez um gesto com a mão, como lhe tirando importância ao desaparecimento dela, e a convidou a passar. Ariel viu que tinha os nódulos cheios de crostas e os dedos inchados.
	—Eu não sou a pessoa com a qual te tem que se desculpar — disse, depois de fechar a
porta—.Eu não estou ficando louco.
	Entretanto, parecia mais nervoso que de costume. Seus olhos azuis tinham um aspecto selvagem. Conheceu Ty antes de conhecer David, nos bate-papos que estava acostumado a dar como oficial de polícia no colégio. Tinha sabido comunicar-se com as crianças. O perigo, intimidando-os mais que mostrando-se amigo deles. Como David, era um homem muito intenso. Seus olhos azuis sempre estavam observando tudo. Estava acostumado a olhar Ariel de um modo que fazia com que ela duvidasse de sua amizade com ela.
	Não obstante, aquela visita não tinha nada que ver com David ou com ela.
	—Quero me desculpar com você —insistiu—. Não deveria te haver chamado...
	—E o que ia fazer? — replicou Ty, encolhendo os ombros—. Chamar os bombeiros e lhes dizer que uma de suas alunas não tinha ido ao colégio? Seu pai chamou para justificar sua ausência dizendo que estava doente. Não teriam enviado ninguém.
	—Mas você sim foi —disse Ariel. Pela primeira vez, perguntou-se por que.
	—E se eu não o tivesse feito, esse canalha teria terminado de fazer as malas e teria fugido. Fez o correto, Ariel, apesar do que David lhe disse.
	—Sabe?
	—Que se irritou por me chamar? Sim, claro que sei. Faz muito tempo que conheço o David. Quando se equivocou, não quis admiti-lo diante de mim. Asseguro-lhe que está louco atrás de você.
	—Disse-lhe que discutimos?
	—Sim. E eu lhe disse que se comportou como um idiota — comentou Ty, com
um sorriso.
	Ariel sorriu pela primeira vez em duas semanas.
	—É um bom amigo.
	—Sim, e é uma pena...
	Antes que Ariel pudesse lhe perguntar ao que se referia, alguém bateu com força à porta.
	—Ty, você está bem? Inteirei-me de sua suspensão e... —disse David, ao tempo que seu amigo lhe abria a porta—. Ariel!
	Seus olhos escuros se viam escurecidos pela fadiga. Aparentemente, havia passado tantas noites de insônia como ela. Olhou Ty e se dirigiu a ele com um certo tom acusatório.
	—Encontrou-a...
	—Ninguém me encontrou —disse Ariel.
	O olhar de David, cheio de paixão e calor, voltou-se de novo para ela. O ar estalou entre ambos.
	—Ariel…
	—Eu ia às Torres —disse, resistindo ao impulso de jogar-se em seus braços.
	Tinha passado duas semanas tentando convencer-se de que tinha que acostumar-se a estar sem ele, de que se ele soubesse da verdade a abandonaria. Aceitar o pior não tinha sido justo com nenhum dos dois— mas queria ver primeiro como se encontrava Ty.
	—Já o fez e estou bem — replicou ela — .Agora, é melhor que os dois me deixem em paz.
	De verdade era o que queria? Havia dito a David o mesmo, mas não tinha estado sozinha. Haylee tinha permanecido ao seu lado, dado que talvez sentisse a dor de sua professora e soube que ela a necessitava. De repente, a sala se encheu de bruma. Haylee apareceu ao lado de Ty. Acaso acreditava que a polícia precisava dela mais que Ariel?
	Ariel tinha David, se ele ainda a quisesse e,pelo modo que a estava olhando, suspeitava que assim fosse. Desgraçadamente, ele não sabia ainda o que Ariel tinha a lhe dizer.
Ty limpou a garganta.
	—E você? —perguntou-lhe David—. Está bem?
	—O que houve? —quis saber Ariel.
	—Um homem morreu nas mãos de um policial fora de serviço — disse Ty, com uma careta amarga no rosto—. Assuntos internos tem que investigar o caso.
	—Vão exonerá-lo — afirmou David—.Vou reincorporá-lo ao serviço ativo muito em breve.
	Ty deu de ombros como se não lhe importasse. Ariel não o conhecia muito bem, mas lhe parecia que o trabalho era a vida para o Ty. Perdê-lo o mataria.
	Compreendia perfeitamente como se sentia. Não fazia mais que pensar em seus alunos. Não só tinham perdido uma companheira de classe, mas também sua professora. Jogava-os tanto de menos... Ao menos podia ver Haylee, embora seu espectro fosse invisível para os dois homens.
	—Sinto muito —voltou a dizer a Ty.
	—Aconteceu o mesmo a você — revelou Ty.
	—Falei com o diretor —lhe informou David—.Agora, penso fazê-lo com a junta escolar…
	—Não precisa.
	—Não está preparada para voltar para trabalho... —disse, enquanto seus olhos escuros transmitiam uma pergunta. Estava preparada para retornar com ele?
	—Agora, querem que eu vá? —perguntou Ty, com generosidade ou uma amarga ironia. Não se sabia a intenção daquela pergunta porque seus olhos não demonstravam qualquer expressão.
	—Não — respondeu Ariel.
	—Nós vamos?
	Ariel deu um passo para a porta e assentiu.
	—Verei você em seu apartamento de cobertura. Agora, me dê um minuto para estar a sós
com Ty.
	Um sentimento indefinido se refletiu nos olhos de David, fazendo que ela tremesse como se uma rajada de vento frio entrasse no apartamento.
	Entretanto, assentiu. Então, olhou Ty.
	—Falaremos mais tarde —disse, com voz profunda. Sobre a suspensão de Ty ou sobre ela?
	Quando a porta se fechou, Ty e Ariel voltaram a ficar a sós.
	—Algumas vezes se esquece de que eu não sou um de seus empregados — protestou Ty.
	David não o tratava como tal, mas como a um irmão. Sob aquela maneira de falar, existia um profundo afeto.
	—Por que são amigos? —perguntou-lhe Ariel—. Não o digo como insulto, mas os dois não têm nada em comum.
	—Bom, você se surpreenderia.
	—Sério...?
	Nos seis meses que passara com David, a amizade que havia entre os dois homens a tinha fascinado. Jamais tinha experimentado nada parecido ao vínculo que existia entre eles. Nem sequer sua família tinha sido tão unida. Se tivessem sido, alguém teria ido procurá-la. Apesar das vezes que havia fugido, sempre tinha retornado a Barrett. Não tinha mudado o nome porque sempre tinha esperado que eles fossem procurá-la. Entretanto, não tinha ido ninguém. Ninguém se tinha preocupado.
	—Sério? —repetiu Ty—. É uma longa história.
	—Quer dizer que faz muito tempo que são amigos?
	—É muito mais complicado que isso. David não lhe contou isso alguma vez?
	—Contar o que?
	Ty a olhou com certo assombro.
	—Quanto sabe sobre ele?
	—É normal que você saiba mais que eu sobre David —disse ela, à defensiva—. Não ficamos saindo muito tempo. 
	Além disso, quando estavam juntos não falavam muito. A maior parte de sua comunicação não requeria palavras, mas beijos, carícias, gemidos de prazer... De todos os modos, se houvesse algo que deveria saber sobre David, estava segura de que ele o teria contado. Em sua relação, era ela a que guardava os segredos.
	—Nisso tem razão...
	Ty esfregou a mandíbula com a mão. Uma vez mais, Ariel se fixou nos hematomas que lhe tinham proporcionado os punhos do pai de Haylee. Ty havia dito que o homem havia falecido resistindo à prisão. Por isso diziam os periódicos, durante a briga, o senhor Reynolds havia recebido um golpe na cabeça que o tinha matado. Ariel sabia o que havia ocorrido, mas havia algo mais que precisava saber.
	—Por que foi nesse dia? —perguntou-lhe.
	Ty se deu de ombros, como se não tivesse importância.
	—Você me pediu isso.
	—Mas eu não te dava razão alguma. Acaso confiou em mim... por instinto?
	—Confiei em você —disse, olhando-a intensamente.
	Ariel conteve a respiração.
	—Agora, tenho que ir...
	—Sim, para a casa de David —afirmou, com certa amargura que não passou despercebida para Ariel. Então, abriu a porta para que ela saísse. O que tinha ocorrido entre os dois amigos? Por que de repente tinha medo de sabê-lo?
	—Sinto muito — disse ela, antes de ir.
	—Eu também — concluiu ele, antes de lhe fechar a porta na cara. 
	Tinha-lhe David ocultado parte de sua vida, parte de seu passado? Se era assim, tinha que sabê-lo, fazer com que ele o contasse. Conforme lhe tinha sugerido Ty, talvez ela não fosse a única em ter secretos.
	Ariel se pôs-se a tremer sob o frio olhar do guarda de segurança que estava no interior do luxuoso vestíbulo das Torres. O edifício se denominava na verdade Torre Koster pelo homem que a construiu. O homem ao qual ela queria ver, se o guarda de segurança deixasse. Embora o guarda soubesse perfeitamente quem era ela, olhava-a como se jamais a tivesse visto antes. Por que a burocracia de lhe pedir a carteira de motorista e então chamar o apartamento de cobertura para ver se lhe permitia subir?
	David tomara um longo tempo em responder ao guarda, mas, depois do modo que tinha agido em casa de Ty, duvidava que tivesse mudado de opinião sobre vê-la. Ao menos, esperava que não.
	O coração de Ariel palpitava com força. Nas duas semanas que havia estado fora, deu-se conta de algumas coisas muito importantes. A primeira, é obvio, tinha sido que não podia seguir fugindo de quem era. A segunda tinha sido que necessitava de David em sua vida. Não podia dizer que sem ele não merecesse a pena viver, porque jamais tinha tido problema em ficar sozinha. Entretanto, já não queria mais ficar. Queria que David estivesse ao seu lado e ela queria estar ao lado dele... se lhe permitisse.
	De repente, o guarda lhe indicou o elevador privado.
	—Pode subir —disse, com voz rouca.
	Ariel se dirigiu para o luxuoso elevador, mas, antes que pudesse apertar botão algum, as porta se fecharam e o elevador começou a subir. Observou sua imagem nos espelhos que decoravam o interior. Tinha o cabelo enredado e descuidado, emoldurando um rosto sem maquiagem. Sobre uma saia simples, caía um pulôver de tricô marrom, muito grande. Acompanhava o conjunto com umas botas marrons.
	Não era de admirar que o guarda tivesse questionado sua entrada no edifício. Sem dúvida, não parecia adequada para um homem com o poder e a riqueza de David. Jamais lhe tinha importado como se vestia. Sempre lhe dissera que estava muito bonita.
	Decidiu que, com toda segurança, o guarda estava observando-a através das câmaras que estariam ocultas no elevador. Pensou em lhe mostrar a língua, mas pensou melhor. Evidentemente, passava muito tempo com crianças pequenas. Ou, ao menos, passara. Depois de solucionar as coisas com David, trataria de recuperar seu trabalho ou de conseguir outro. Sentia falta do ensino quase tanto como sentia falta dele.
	O elevador parou e Ariel sentiu que o estômago se lhe encolhia. David a perdoaria por ter fugido? Nem sequer havia levado o celular, por isso ele não tinha tido modo algum de entrar em contato com ela.
	As portas se abriram no vestíbulo do apartamento de cobertura. Uma ampla escada de mogno conectava os dois níveis entre os quais haviam umas colunas que separavam o vestíbulo do resto do apartamento.
	—David? —perguntou ela, depois de sair do elevador.
	Dirigiu-se para o salão, no qual um fogo ardia na enorme lareira apesar do caloroso dia. Frente a esta, havia uma mesa octogonal e sofás de couro negro. Sobre o cristal da mesa, ardiam uma grande quantidade de velas.
	—David?
	Ao aproximar-se dos sofás viu que, junto às velas, um ramo de rosas vermelhas que adornavam a mesa. As chamas se refletiam no vaso de cristal, criando o efeito óptico de que os caules das flores estavam ardendo.
	—Estou aqui—disse ele, aparecendo por fim no salão. Levava uma bandeja de prata, que continha duas taças de faiscante champanha e pratos de canapés.
	—Como se não soubesse. Não pude passar do vestíbulo até que você autorizou. Acaso me tirou da lista?
	—Da lista? Que lista? Acha que tenho uma lista?
	Ariel assentiu, negando-se a que o bonito rosto de David a distraísse. A encantava seu descarado sorriso e as pequenas rugas que fazia nas bochechas.
	—Bom, talvez tenha pedido ao guarda que te distraísse um pouco.
	—Para poder preparar tudo isto?
	Para que? Para a sedução? Jamais ele precisara de um grande esforço. Bastava-lhe com um sorriso. Com um toque da mão. Com a carícia dos lábios. O ventre de Ariel começou a tremer Podia sentir o calor do fogo de onde estava e podia jogar a culpa a ele, mas ela sabia muito bem que era David o responsável por seu aquecimento. Seu corpo o desejava até o ponto da obsessão.
	—Funciona? —perguntou-lhe David, enquanto deixava a bandeja sobre a mesa, junto às velas. Então, apartou o cabelo dela para poder lhe beijar a nuca. Ela sentiu que o pulso lhe acelerava e a David não passou desapercebida sua reação—. Devo avivar o fogo? —quis saber, com um sorriso nos lábios.
	—Senti sua falta — admitiu Ariel.
	—Bem...—sussurrou ele, com voz dura.
	Ela o olhou muito surpresa pela dureza daquele tom.
	—David...
	—Estive a ponto de ficar louco, me perguntando onde você estaria — disse, lhe colocando em Ariel as mãos sobre os ombros—. Desejava tanto que estivesse a meu lado...
	—Isso me falaram —replicou ela, com um sorriso.
	—Foi Ty? —perguntou David, com os olhos obscurecidos por um estranho sentimento. Amargura ou ressentimento? Algo mais, talvez?
	—Parece-lhe um problema que eu tenha ido primeiro até ele?
	—Absolutamente —disse ele—. Também me preocupa Ty.
	—Por que? Pelo fato de que tenha sido suspenso?
	—Trata-se de muito mais que isso.
	—Está-se curando bem?
	—Fisicamente, sim. Comprovei-o pessoalmente com seus médicos.
	—Nesse caso, o que é o que o preocupa? Seu bem-estar emocional?
	—Só o que ele tem a fazer para que o readmitam em seu trabalho é falar com o psiquiatra. Então, seu nome ficará limpo e poderá voltar para o trabalho.
	—Entretanto, não quer fazê-lo.
	Ariel não podia culpá-lo. Depois que a separaram de sua mãe, havia sido obrigada a falar com um montão de psicólogos. No momento em que qualquer família de acolhida se inteirava de sua habilidade, enviavam-na a ver um. Em várias ocasiões, tinha estado ingressada na unidade psiquiátrica de um hospital.
	—Pois é —disse David, afastando-se dela.
	—Talvez simplesmente não esteja preparado para falar do que ocorreu aquele dia.
	—Não é só desse dia do que se nega a falar.
	—Uma longa história — disse ela, admitindo que conhecia o vínculo que existia entre eles.
	David voltou-se rapidamente.
	—Como disse?
	—Uma longa história —repetiu ela, perguntando o porquê daquela reação—.Ty e você compartilham um passado.
	—O que ele contou? —perguntou-lhe, com a mandíbula apertada e os olhos brilhantes.
	—Nada —respondeu ela. Dava-lhe a sensação de que David tampouco lhe diria nada—. Só sei é que há muito que os dois são amigos.
	—Sim. Crescemos juntos. Ele inclusive viveu conosco... depois de que seu pai morrera.
	—E sua mãe?
	—Morreu quando Ty tinha uns cinco anos. —E logo perdeu também o pai. —pode-se dizer que isso foi uma bênção — comentou David, com rosto sério—. Seu pai era um monstro. Estava acostumado a dar umas fortes surras em Ty.
	—Como ocorria com o pai de Haylee — sussurrou ela, compreendendo naquele momento por que Ty tinha atendido seu chamado.
	—Deus, Ariel, sinto muito. Não deveria tocado no assunto...
	—Não. Eu fui a que cometeu o engano. Não deveria ter chamado Ty. Deve ter recordado todo seu passado e...
	—Bom, você não sabia nada de seu passado...
	—Porque você não me tinha contado isso. De fato, nem sequer sabemos muito sobre nosso passado —sussurrou Ariel, sem saber se estava disposta a contar-lhe tudo.
	—Teremos tempo para isso — afirmou, aproximando-se de novo dela e voltando a lhe colocar as mãos sobre os ombros.
	—Dê-me outra oportunidade, Ariel. Comportei-me como um idiota — murmurou. Com suavidade, começou a lhe acariciar a mandíbula com o polegar. —Perdoe-me.
	—Já o fiz — respondeu ela, lhe entrelaçando as mãos ao redor do pescoço—. Se você me perdoa ...
	—Perdoar o que?
	—Por haver gritado. Partir sem lhe dizer aonde ia.
	—Acaso você sabia?
	—Não —admitiu ela—. Simplesmente precisava partir.
	—Não é de admirar. Foi uma experiência muito dura para você. Eu deveria me haver mostrado mais compreensivo.
	—Você é — afirmou ela, observando as velas e o champanha.
	—Agora, mas não fui quando mais o necessitava. Simplesmente tinha tanto medo de que lhe tivessem ferido... Só pensar que podia te perder... Não posso te perder, Ariel.
	—Por que, David?
	—Necessito-a em minha vida. Sei que não levamos juntos muito tempo, mas esse dia... e as últimas duas semanas, têm-me feito me dar conta de uma coisa.
	Ariel sentiu que os nervos lhe revolviam o estômago. Teve que engolir em seco duas vezes antes de perguntar.
	—Do que se deu conta, David?
	—De que te amo, Ariel...
	Ela sentiu asas no coração, mas seu instinto de sobrevivência esmagou a esperança. No passado, muitas pessoas haviam dito que a amavam, mas todas, sem exceção, tinham terminado abandonando-a. Não precisava que David o dissesse com palavras, mas com ações. Necessitava uma prova de seu amor. O único modo que tinha de pô-lo a prova era lhe dizendo a verdade. Sem embargo, não sabia por onde começar.
	—David...
	—Sei que depois do modo como me comportei deve ter suas dúvidas, mas o compensarei. Se me der a oportunidade... Ariel, me diga que sim.
	—Sim?
	David a soltou e deu um passo atrás. Então, ajoelhou-se diante dela e do fogo.
	—Case comigo.
	Uma vez mais, não era uma petição, mas uma ordem de um homem que estava acostumado a conseguir sempre o que queria. Seguiria querendo casar-se com ela quando soubesse a verdade? Tinha que lhe contar tudo, mas não podia. Olhou ao fogo para encontrar forças para começar.
	—David, tenho que...
	—Pensar? Darei a você todo o tempo que precisar, Ariel, mas enquanto pensa, quero que leve isto a sério —disse, lhe deslizando algo frio e duro no dedo.
	Quando Ariel olhou a mão, viu o reflexo de um diamante quadrado e brilhante. Conteve o fôlego.
	—É muito formoso...
	Conhecendo David, seria também muito caro. Não podia imaginar quantos quilates nem lhe importava. O anel não significava nada para ela. Era David a quem não queria perder.
	Não havia nenhuma janela aberta, mas, de repente, pareceu que um forte vento soprava pelo salão. As chamas das velas se fizeram mais altas e mais brilhantes. As chamas da chaminé se converteram em altas espirais de um vivo tom laranja. Ariel agarrou David nos ombros e atirou-se nele para que não se queimasse.
	—Ariel, o que aconteceu?
	A voz de David era um simples murmúrio, afogado pelo rugir do fogo. O salão se encheu de fumaça, mais espessa e impenetrável como nunca tinha visto e, ao contrário desta, transportava um aroma a sândalo e lavanda. As chamas se fizeram cada vez maiores até que tomaram forma.
	A forma de uma mulher, de uma mulher que Ariel não tinha visto em mais de vinte anos.
	Os olhos escuros da mulher ardiam com o fogo e seu cabelo negro e encaracolado-se convertia-me em lava . e sua boca aberta saía um grito que Ariel não era capaz de escutar... Só podia ver.
	Ariel afogou o grito que formou na garganta e tratou de controlar seus tremores. . 	«Mamãe?». Era mais velha, vinte anos mais que quando Ariel a viu na última vez, a noite em que ela e suas irmãs se separaram dela para serem adotadas. Sua mãe não as tinha procurado nesses vinte anos. Jamais tinha tratado de voltar a vê-las. Ela era a primeira das muitas pessoas que tinham rechaçado Ariel ao longo dessesvinte anos. Porém, era a que mais a tinha magoado.
	Sentiu a onda do ressentimento no estômago, mas, como o grito, a tragou. Apesar de que o medo encheu seu coração, aceitou o que viu.
	Ariel era capaz de ver os fantasmas das pessoas que acabavam de falecer, o que significava que sua mãe tinha morrido. Recordou as últimas palavras que disse a sua mãe com incrível clareza. «Mamãe, estou maldita…».
***
	As figuras cobertas com a capa dançavam ao redor do fogo, entrando e saindo das chamas. Já não as temia, mas sim as controlava. O poder era dele. Entretanto, queria muito mais. Ter matado uma das bruxas não era suficiente. Precisava matar todas e apropriar-se dos amuletos de prata alemã.
	A mulher lhe tinha jurado que não tinha dado suas filhas, mas ele sabia que mentia. Tinha escutado seus pensamentos e tinha encontrado a lembrança na qual dava a cada uma delas um dos amuletos, lhes entregando assim o poder.
	Um poder que pertencia a ele.
	Abriu os olhos, mas os cerrou imediatamente pela luz que penetrava através da persiana verde de seu escritório. Estendeu a mão sobre a mesa e tomou um maço de fotos que continha três fotos instantâneas. Em sua visão, os capuzes tapavam-lhes o rosto, mas por fim sabia que aspecto tinham. Ou, ao menos, o aspecto que tinham há vinte anos. A loira, a ruiva e a pequena, que era a viva imagem de sua mãe cigana. Bruxas todas elas.
	Agarrou o maço com força, até que os nódulos ficaram brancos.
	Havia um par de bruxas mais que viviam, atormentando-o. Teriam que morrer também, mas aquelas três moças eram as que precisava encontrar com mais urgência. Eram as que tinham os amuletos.
	E ela? Teria lembrado dos rostos das filhas que tinha perdido para sempre? Perguntou-se, como ele, onde diabos estavam?
	Não demoraria muito tempo para encontrar. Não era difícil achar as pessoas. Podiam-se trocar os nomes, as identidades, mas, ao final, não servia de nada. Terminaria encontrando-as de todo o modo. De fato, estava completamente certo de que já sabia onde estava uma delas. Havia-se aproximado o suficiente, o suficiente para poder matá-la. Porém, precisava encontrar todas as irmãs, não só a uma.
	Fechou os olhos e sentiu uma profunda dor no crânio. Necessitava dos amuletos. Se quisesse sobreviver, necessitava do poder. Às cegas, rebuscou no interior de uma das gavetas do escritório e passou por cima das pastilhas que lhe tinha receitado o médico, para beber de uma cigarreira de metal. Inclusive o suave ruído do plugue desenroscando-se ecoou no interior de seu cérebro. Depois de fazer um gesto de dor, tomou um gole do potente líquido e realizou outra careta.
	Fogo. Assim tinha morrido a primeira. As chamas a tinham consumido como o fizeram com sua antepassada há mais de trezentos e cinqüenta anos atrás.
	Também mataria as outras de maneiras adequada às bruxas.
3
	Ariel evitava os cemitérios e jamais ia aos enterros, mas não podia perdoar-se por não ter ido ao de Haylee. O devia a compelira. Não deveria ter dado crédito aos serviços sociais para que ajudassem a pequena. Teria que havê-lo feito pessoalmente, seqüestrando-a e levando-a dali. 	Entretanto, se tivesse feito isso teria que renunciar a David. A ironia era que talvez teria que fazê-lo de todo modos quando ele soubesse a verdade.
	Com o coração cheio de arrependimento e sentimento de culpabilidade, se dirigiu ao cemitério de Barrett com a intenção de apresentar seus respeitos ao túmulo da menina. Quando chegou, estacionou e, com mãos trementes, abriu a porta para obrigar-se a descender do Jipe.
	A bruma a envolveu, embora não fosse tão espessa como a da noite anterior. Havia muitas imagens que flutuavam nela, os fantasmas dos que tinham tido que partir deste mundo sem estarem preparados para o que lhes esperava do outro lado. Ao menos, essa era a razão pela que Ariel acreditava que os via. Ali, no cemitério, seus corpos estavam enterrados, mas não suas
almas. Ariel via tantas...
	Sentiu-se um pouco enjoada, afligida pela quantidade de rostos pálidos e corpos quase transparentes que via. Todos moviam a boca, pronunciando palavras que Ariel não era capaz de escutar. Sua mãe sempre lhe havia dito que tinha que aprender a escutar. Ariel sempre tinha acreditado que essa era a razão pela qual sua mãe tinha deixado que a levassem aquela noite, porque Ariel não escutava nunca. Elena sempre tinha sido teimosa e impulsiva. Enquanto Irina...
	Não havia razão alguma pela qual sua mãe tivesse permitido que levassem Irina. Tinha sido uma menina tão doce... Haylee lembrava muito sua irmãzinha. Talvez por isso o vínculo entre elas tinha sido muito mais forte que simplesmente o de professora e aluna.
	Ariel levava um ramo de margaridas na mão e se dirigiu para uma lápide de mármore cor champanha que marcava uma tumba nova. Haylee devia ter algum parente que tivesse pago aquela formosa lápide. Debaixo de seu nome e das datas de nascimento e morte, estava impressa a frase: Doce Menina, será para sempre um anjo. 
	Os olhos de Ariel se encheram de lágrimas.
	—Sinto muito, Haylee...
	A menina apareceu na bruma, negando com a cabeça, lhe tirando toda culpa. Sem palavras, ela era capaz de entender a pequena, mas não tinha podido entender a sua própria mãe. Por que teria aparecido no fogo a noite anterior, justo no momento em que David lhe pedia que se casasse com ele?
	Acabava de morrer? Normalmente, era então quando os espectros surgiam para Ariel, imediatamente depois de suas mortes. Entretanto, não sempre era assim, porque podia ver muitas almas perdidas flutuando naquele cemitério e a única tumba recente era a de Haylee.
	Realmente, Ariel não sabia como funcionava seu dom. Talvez o compreenderia se soubesse o que lhe diziam os fantasmas, mas não era assim. Por isso, mais que uma bênção, seu dom era uma maldição.
	Se sua mãe não acabava de morrer, teria que ter alguma razão para aparecer diante de Ariel. Teria ido advertir lhe sobre alguma coisa? Desde que deixou o ensino, Ariel não tinha nada em sua vida. Nada além de David.
	Se sua mãe tinha ido advertir algo sobre ele... Ariel olhou o anel. Tecnicamente, não tinha aceitado casar-se com ele, só tinha concordado em levar o anel enquanto pensava. David não tinha compreendido que suas dúvidas nada tinham a ver com ele, mas com ela mesma. Tinha tido a intenção de contar-lhe tudo até que viu o fantasma de sua mãe.
	Notou que, pouco a pouco, a névoa se ia fazendo mais espessa e que, uma vez mais, cheirava a sândalo e a lavanda. A luz adquiriu um ligeiro tom laranja. Antes de levantar a vista de novo, soube que Haylee tinha desaparecido para ver-se substituída por sua mãe.
	—Mamãe, o que é o que quer agora, depois de tantos anos? Por que não veio antes?
	Sua mãe movia os braços, quase como se estivesse empurrando Ariel para que se fosse. Entretanto, fazia esse gesto há muito tempo. Estava animando-a de novo para que fugisse? Ariel estava farta de fugir. Já não podia escapar ao que era. Uma mulher Durikken, dotada e amaldiçoada de uma vez. Como sua mãe.
	—Mamãe, sinto muito...
	A mulher voltou a estender a mão, como se quisesse limpar as lágrimas do rosto de sua filha. Entretanto, Ariel notou uma ligeira carícia de ar. Com isso, a imagem de sua mãe começou a desvanecer-se entre luz e fumaça…
	Fumaça. Tinha morrido sua mãe no fogo? Um fogo que alguém havia provocado, como o que tinha começado com uma vingança já centenária.
	Embora fosse muito jovem quando sua mãe lhe contou a lenda, Ariel a recordava muito bem, talvez porque era a última lembrança que tinha de suas irmãs e mãe juntas. Na pequena caravana, sua mãe lhes tinha falado de habilidades especiais e de vingança. Uma vingança que se jurou sobre todos os descendentes de uma bruxa e que os tinha destinado a falecer de um modo violento.
	Ariel começou a tremer. Quase se tinha convencido de que se havia inventado aquela história, talvez como uma ferramenta para enfrentarem a separação. Ninguém teria contado a um filho essa história,

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