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P 030 Perigo no Planeta Gelado Kurt Mahr

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Perigo no Planeta Gelado 
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
Denize
Revisão
Gandalf01
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A Terceira Potência, chefiada por Perry Rhodan — uma feliz aliança da supertécnica arcônida com o espírito de iniciativa do homem — pode apresentar, nos seus anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e baixos.
Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão que, ao se encontrar com os saltadores, os mercadores galácticos, Perry Rhodan passou a se defrontar com um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para eliminar um possível concorrente no comércio interestelar. Há oito mil anos, os saltadores detêm o monopólio do comércio galático, isso porque sempre reprimiram no nascedouro qualquer concorrência que se esboçasse.
O pensamento exclusivamente mercantilista — que os saltadores foram formando no curso dos milênios — representa a única chance para a Humanidade. Isso porque Perry Rhodan só terá possibilidade de manter os saltadores afastados da Terra se esses mercadores galácticos, sempre ciosos de sua vantagem e que descobriram a Terra em virtude da atividade infame do Supercrânio, deixarem de informar outras estirpes de mercadores para incluí-las no “negócio”.
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência.
Reginald Bell — Representante de Perry Rhodan e seu melhor amigo.
Julian Tifflor, Klaus Eberhardt e Humpry Hifield — Três cadetes da Academia Espacial da Terceira Potência.
Gucky — O oficial mais estranho do Exército de Mutantes.
Orlgans — Um comandante dos salta-dores que revela grande habilidade nos negócios.
Etztak — Patriarca e chefe guerreiro do clã dos Orlgans.
RB.013 — Um robô de combate arcônida que passou a atender pelo nome de Moisés.
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1
As três naves flutuavam no espaço a oito horas-luz do centro de gravidade do sistema de Beta-Albíreo.
Eram três gigantescas naves de forma esférica: a Terra e a Solar System, cada uma com duzentos metros de diâmetro, e a Stardust-III, com oitocentos metros.
As três unidades da frota espacial terrestre se encontravam sob o comando de Perry Rhodan. Para ser mais exato, estas eram as únicas unidades de grande porte da frota espacial terrestre.
A situação estava ficando crítica. O espaço estremecia, e os sensores estruturais registravam uma transição após a outra. Isso já durava meia hora.
A transição — a viagem através do hiperespaço — produzia um abalo na estrutura espaço-temporal que os sensíveis instrumentos instalados na nave captavam a grande distância.
Mas nesse caso as distâncias não eram muito grandes. Os veículos espaciais que emergiam da transição com velocidade reduzida se encontravam a distâncias que variavam de sete a vinte e uma horas-luz.
Não havia o menor perigo de que as naves terrestres fossem localizadas. Os instrumentos usuais de localização só executavam um trabalho exato até a distância de duas horas-luz. Todavia, era perfeitamente possível que uma das naves estranhas fosse ter nessa área do espaço e, por alguma coincidência, se defrontasse com o inimigo.
Na sala de comando da Stardust-III estava toda a tripulação de combate. O próprio Perry Rhodan ocupava o assento do piloto. Reginald Bell prestava-lhe auxílio na qualidade de co-piloto e oficial de armas. Os aparelhos de radiotransmissão mais importantes contavam com o dobro da guarnição normal.
O ar parecia tremer de tamanha tensão.
Um dos oficiais mais jovens procurava apurar o número das transições com a maior exatidão possível. Rhodan precisava saber com quantos inimigos se defrontaria caso se visse na contingência de lutar.
— Setenta e oito — disse o jovem oficial. — No momento está havendo uma pausa.
Bell virou-se para o lado.
— Não estou gostando disso — resmungou bastante baixo para que só pudesse ser ouvido por Rhodan.
Rhodan deu de ombros.
— Afinal, não nos perguntaram — respondeu. — Aliás, por enquanto estamos fora de qualquer perigo. Não é provável que alguma das naves se perca e venha dar neste setor do espaço.
A pausa durou bastante. Rhodan já estava acreditando que as setenta e oito naves reunidas pelo inimigo eram todas as unidades destacadas para a luta no setor de Beta-Albíreo. Mas os abalos recomeçaram.
Desta vez vieram de outra direção, e a distância média das naves que saíam da transição era de trinta e oito horas-luz.
Não havia a menor dúvida de que se tratava de outro grupo de naves inimigas, que talvez não tivesse nenhuma ligação com o primeiro.
O jovem oficial contou noventa transições. Ao todo as três naves terrestres tinham diante de si cento e sessenta e oito unidades inimigas.
Rhodan riu baixinho:
— Essa gente não deixa por menos — disse. — É quase o sêxtuplo das naves que apareceram no primeiro combate.
O rosto de Bell se contorceu num sorriso largo.
— Essa gente nos respeita — afirmou.
Rhodan não respondeu. Por algum tempo olhou para a frente sem dizer nada. Finalmente virou-se de um golpe e fitou os olhos de Bell.
— Bell, você tem de sair! — disse em tom enérgico.
Bell não parecia se surpreender com essas palavras. Acenou tranqüilamente com a cabeça.
— Era o que eu imaginava — respondeu. — É por causa de Tifflor, não é?
Sorriu.
— Você não poderia ter encontrado um elemento melhor que eu — afirmou com um orgulho evidentemente fingido.
— Por causa de Tifflor e por causa da concentração de forças inimigas — completou Rhodan. — Precisamos de informações colhidas nas proximidades do inimigo. Precisamos conhecer as intenções dos saltadores.
— Está bem. Como vamos fazer isso?
O plano de Rhodan estava pronto. Este respondeu prontamente:
— Você irá na Good Hope-VI com o tenente Everson. Daqui, a Good Hope-VI salta diretamente para o objetivo. Assim que terminar a transição, você sai da nave num destróier. O depósito do robô do destróier está recheado com tudo aquilo de que Tifflor e seus companheiros precisam.
Gucky irá com você...
— Gucky? — gemeu Bell.
— ...ele se teleportará com a carga para a superfície do planeta. Vamos recomendar a Gucky que execute em trinta segundos no máximo a ação, que vai do momento em que abandonarem a Good Hope-VI até o instante em que ele se teleportar. Depois disso, você não terá mais nada a fazer senão voltar pelo caminho mais curto.
— No destróier? — retrucou Bell.
— Isso mesmo. Everson saltará de volta com a Good Hope-VI no mesmo instante em que você for expelido da nave. Não podemos arriscar mais um girino.
— Até parece — disse Bell esticando as palavras e esboçando um sorriso ligeiro e tristonho — que você quer se livrar de mim. 
Acho que não há outro meio, não é mesmo?
Rhodan deu de ombros.
— Há meia hora estou quebrando a cabeça, mas não encontrei solução melhor
que esta.
* * *
— Há muito movimento — disse Moisés.
A voz parecia preocupada. Evidentemente, não estava. Moisés, cujo nome oficial era RB.013, não tinha a capacidade de sentir preocupação ou qualquer outra emoção. Moisés era um robô de combate de fabricação arcônida, que só recebera seu apelido há poucas horas da contagem de tempo terrestre.
O apelido lhe fora dado por três cadetes e duas estudantes da Academia Espacial. Não fazia muito tempo que chegara com os mesmos a este mundo, viajando num destróier que fora totalmente destruído durante o pouso. Encontravam-se num mundo que descrevia uma órbita excêntrica em torno dos dois sóis de Beta-Albíreo. Naquele momento esse mundo distava mais de sete unidades astronômicas do centro do sistema, de onde provinha a luz. Por isso, sua superfície estava transformada num imenso tapete de gelo e neve e a temperatura diurna média era de cento e dez graus negativos da escala centígrada.
Os três cadetes eram Julian Tifflor, Klaus Eberhardt e Humpry Hifield; as duas moças chamavam-se Mildred Orson e Felicitas Kergonen. A bordo de um destróier, abandonaram a nave auxiliar Good Hope-IX,que estava prestes a ser derrotada pelo inimigo. Ainda assim, o destróier foi alvejado e ficou com a capacidade de manobra sensivelmente reduzida, o que os obrigou a se dirigirem a esse mundo de gelo, o único que se encontrava suficientemente próximo para que pudessem arriscar o pouso.
O destróier ficou totalmente inutilizado depois do pouso. Mas seus cinco ocupantes e Moisés, o robô, nada haviam sofrido. Marcharam algumas centenas de quilômetros, à procura de zonas mais quentes, e capturaram uma nave-patrulha do inimigo, com seus dois tripulantes.
Enquanto o inimigo só dispunha de uma nave, a Orla XI, a situação não oferecia maiores perigos. O grupo de Tifflor, vulgo Tiff, dispunha de mantimentos para dois anos. A caverna na qual haviam se abrigado oferecia proteção contra o frio mortal do planeta, e a nave-patrulha aprisionada fora escondida, numa grota próxima, de tal maneira que só poderia ser descoberta por alguém que desse com o nariz em cima da mesma.
Mas a situação parecia modificada. O equipamento de observação de Moisés registrou os movimentos de uma série de naves. Como esse equipamento tivesse um alcance bastante limitado, isso significava que as naves estavam bem próximas. Não havia a menor dúvida de que estavam interessadas naquele mundo.
E estavam interessadas nele porque, entre aqueles cinco, havia uma pessoa à qual atribuíam uma importância extraordinária.
Tiff, ao qual coubera o comando do pequeno grupo, naturalmente por ser o mais competente, viu-se diante de uma decisão bem difícil. A caverna em que se encontravam ficava tão próxima ao lugar em que haviam escondido a nave-patrulha que a operação de busca do inimigo não deixava de representar um perigo para eles.
Mas, se saíssem naquela hora, exporiam a imensa massa metálica de Moisés aos instrumentos de observação do inimigo.
Tiff achou que o maior perigo seria este e decidiu:
— Por enquanto vamos ficar aqui.
Ninguém formulou qualquer objeção, nem mesmo Humpry Hifield, que em outras ocasiões não perdia nenhuma oportunidade de brigar com Tiff.
* * *
— Pronto para a ejeção! — berrou o tenente Everson.
A resposta foi muito mais tranqüila.
— Pronto! Dê o fora!
Everson comprimiu a chave. As escotilhas da comporta que fechava o grande hangar das naves auxiliares abriram-se à velocidade máxima. A nave auxiliar Good Hope-VI saiu, desenvolvendo pouca velocidade. Nas telas óticas via-se o negro do espaço semeado de estrelas.
Everson se inclinou em direção ao microfone do intercomunicador.
— Já estamos do lado de fora — disse.
— Saltarei daqui a dois minutos.
A voz de Reginald Bell parecia indiferente.
— Está bem. Dê um bom salto, tenente.
Bell já ocupava seu lugar. Encontrava-se no assento de piloto do pequeno destróier que a Good Hope-VI levava em um dos hangares.
Dali a dois minutos, a Good Hope-VI realizaria a transição e, no mesmo instante, surgiria na área que pretendia atingir, visto que o salto pelo hiperespaço era realizado sem perda apreciável de tempo. Ainda no mesmo instante, a Z-13 sairia do hangar, e, no máximo trinta segundos depois, a primeira parte da perigosa missão estaria concluída.
O segundo assento do destróier de três lugares estava ocupado por Gucky.
Bell reconhecia que ainda não se acostumara a Gucky, embora já fossem companheiros há algum tempo; ou melhor, há muitos anos, desde que se quisesse calcular o tempo segundo as concepções terrestres, incluindo-se os anos em que a tripulação da supernave de Rhodan perdera por completo esta noção; isto ocorrera durante as viagens espaciais em busca do planeta da vida eterna.
Mas Gucky não era um tipo com que a gente se acostumava facilmente.
Parecia o produto de um cruzamento entre um castor e um rato. Seu corpo, coberto de pêlos ruivos, tinha cerca de um metro de comprimento. Na parte traseira, era grosso como um castor, enquanto a cabeça ostentava um par de orelhas de rato. Apesar do seu aspecto exterior, Gucky pertencia à classe dos seres dotados de inteligência. Falava o inglês, embora chiasse um pouco. Além disso, possuía espantosos dons parapsicológicos, como os da telecinésia, da teleportação e da telepatia.
— Você está em contato com Tiff? —perguntou Bell.
Gucky acenou com a cabeça, num gesto perfeitamente humano.
— Sim, mantenho contato permanente — respondeu.
O cadete Tifflor trazia no corpo, sem que o soubesse, um transmissor celular de elevada potência, que o transformava numa espécie de farol telepático. Um telepata capacitado como Gucky conseguia localizar Tiff com segurança a uma distância de dois anos-luz.
Bell esteve a ponto de perguntar mais alguma coisa, mas não teve tempo. A voz potente do tenente Everson soou no alto-falante:
— Atenção, transição! Dez... nove...oito...
Bell se encolheu e agarrou firmemente as chaves de comando presas ao painel de instrumentos.
Uma vez concluída a transição, a comporta se abriria automaticamente.
— ...quatro... três... dois... um... vamos!
Sentiu a estranha dor da desmaterialização, que parecia contorcer as juntas; mas dessa vez passou tão depressa que o cérebro mal teve tempo de reagir.
Quando Bell voltou a abrir os olhos, a Z-13 já se encontrava no espaço. A Good Hope-VI ficara bem para trás.
Com um movimento reflexivo da mão, a chave fora empurrada em tempo. A Z-13 acelerava ao máximo. Na tela via-se crescer o globo pálido-cinzento do mundo de gelo em que o cadete Tifflor pousara com seu grupo.
Gucky não parecia se interessar por aquilo. Estava reclinado na poltrona em atitude aparentemente apática. Os olhos, geralmente grandes e ingênuos, estavam reduzidos a faixas estreitas.
O rato-castor iniciara a operação de goniometria. Trinta segundos era um espaço de tempo muito reduzido para terminar tudo aquilo.
Não ouviu o grito furioso de Reginald Bell:
— Meu Deus, o céu está cheio de saltadores!
Em torno da mancha redonda do planeta gelado, flutuava uma nuvem estreita de pontos luminosos.
Eram naves. Uma frota de naves inimigas.
Bell sabia que havia apenas dois fatores que poderiam favorecê-lo: a surpresa que o surgimento repentino do pequeno veículo espacial deveria causar entre os inimigos e a agilidade da Z-13, muito superior à das grandes naves inimigas.
— Estou pronto — chiou Gucky. — Tudo preparado!
Reginald Bell nem perdeu tempo em se admirar. O mundo de gelo ficava a mais de quatrocentos mil quilômetros, uma distância maior que a que separa a Terra da Lua.
A esfera projetada pelo mundo estranho cresceu para além das extremidades da tela e as manchas luminosas das naves inimigas transformaram-se em pontos escuros, que se destacaram contra o fundo claro, foram crescendo e assumiram contornos nítidos.
— Dê o fora, Bell! — resmungou Bell para si mesmo. — Daqui a pouco abrirão fogo contra nós.
O inimigo devia estar realmente muito surpreendido, pois de outra forma já teria atirado.
Gucky chiou a resposta.
— É agora! — disse.
Dali a meio segundo, quando Bell virou a cabeça para olhar seu companheiro, o mesmo já havia desaparecido. E, juntamente com ele, uma carga de três toneladas de peso terrestre, cujo transporte se tornou possível graças a um gerador antigravitacional.
Bell suspirou aliviado e modificou abruptamente a rota de seu aparelho. Um raio de energia concentrada se desprendeu de uma das manchas escuras que as naves dos saltadores projetavam contra o fundo branco da paisagem de neve; depois de disparar pelo espaço, cruzou a rota da Z-13 no ponto em que o destróier se encontraria naquele instante se Bell não tivesse executado a manobra.
Com o desvio, a imagem do planeta frio se deslocou para a extremidade da tela de observação ótica.
A Z-13 se encontrava, com a precisão de um segundo do arco graduado, na rota que conduzia à estrela azulada, um dos sóis do sistema geminado.
Reginald Bell só manteve essa rota por dois minutos. Depois voltou a fazer uma curva, gemendo sob a pressão súbita que se abateu sobre ele quando a aceleração centrífuga ultrapassouos valores que podiam ser absorvidos pelo neutralizador instalado no aparelho.
A curva foi de apenas alguns graus, mas havia sido realizada num tempo diminuto e a toda velocidade. Fez com que o segundo feixe de energia, disparado pelo inimigo, passasse ao lado da Z-13 e se perdesse no espaço sem produzir qualquer efeito.
Contemplando a parte da tela que correspondia à visão de popa, Bell viu que a frota inimiga começava a se movimentar.
Três das naves aceleraram e puseram-se no encalço da Z-13.
Bell gemeu ao ler as indicações do aparelho de observação.
Uma das três naves — que eram cilíndricas e afinavam nas pontas, segundo o feitio dos veículos espaciais dos saltadores — media setecentos metros de comprimento.
Era um gigante do espaço! Embora fosse menor que a potente Stardust-III, não havia a menor dúvida de que excedia a pobre da Z-13 em todas as funções.
Bell compreendeu que, sem auxílio, não conseguiria sair ileso desse inferno.
Deixou que a antena do hipercomunicador se regulasse para a posição das três naves terrestres e resmungou sua mensagem:
— Daisy está com frio!
* * *
As sereias de alarma soaram na imensa nave de Etztak.
O próprio Etztak, patriarca do clã dos Orlgans, se encontrava na sala de comando quando soou o alarma do observador.
Etztak era velho; mesmo para um saltador, sua idade era muito avançada. Era um gigante de dois metros, inclinado sob o peso dos anos. A barba descia em ondulações brancas até o peito, e o cabelo nada ficava a dever à mesma em comprimento e pujança.
— O que houve? — ressoou a voz de Etztak.
O observador falou timidamente.
— Constatamos a presença de um objeto desconhecido, senhor. Aproxima-se a grande velocidade.
— De que tipo de nave se trata? — gritou Etztak.
— Não é nenhuma nave, senhor. É muito pequena. É um dos veículos auxiliares que aqueles seres trazem a bordo.
Etztak fungava de raiva.
— Preparem-se para abrir fogo! Disparem imediatamente!
Para que as outras naves de seu clã ficassem informadas, abaixou a chave integral do hipercomunicador com tamanha violência que quase chegou a quebrar a alavanca.
— Abram fogo com todas as peças sobre o objeto desconhecido.
Qualquer palavra de Etztak era uma ordem. Se houve alguma demora no cumprimento dessa ordem, isso foi devido ao fato de que, além da nave de Etztak, só duas haviam constatado a presença do inimigo.
A nave de Etztak, a Etz XXI, foi a primeira a disparar.
Errou o alvo, porque este executou, uma fração de segundo antes do tiro, uma manobra bastante arriscada.
Quinze segundos depois, a nave que se encontrava mais próxima da Etz XXI, a Wena LXIII, estava com as peças de artilharia prontas para disparar. Descarregou uma salva de desintegradores sobre o minúsculo ponto, que passava a uma velocidade incrível junto ao mundo de gelo, tomando a direção do sol azulado. Mas parecia que todos os demônios do universo estavam ajudando aquela gente: no momento exato, o pequeno veículo alterou sua rota e prosseguiu na vertiginosa corrida.
Etztak tomava conhecimento dos fatos à medida em que estes se verificavam.
Agora estava no seu elemento. A luta irrompera e todos teriam de se guiar exclusivamente por suas ordens. Mandou que o grosso do clã permanecesse com suas naves junto à superfície do mundo de gelo; as naves Etz XXI, Wena LXIII e Horl VII encetaram a perseguição.
A ordem que Etztak transmitiu aos seus subordinados foi a seguinte:
— A nave inimiga deve ser destruída, haja o que houver.
* * *
A oito horas-luz dali, as antenas direcionais de hipercomunicação da Stardust-III captaram a mensagem:.
— Daisy está com frio!
Perry Rhodan contara com a possibilidade de que a situação se tornasse muito séria. Só por um grande acaso Bell conseguiria romper as linhas inimigas sem que ninguém procurasse impedi-lo.
Rhodan entrou em contato com a Solar System, comandada pelo major Nyssen:
— Nyssen, prepare-se para saltar.Monte as antenas especiais para receber a mensagem codificada de Bell... se é que a mesma vai chegar. Salte de acordo com os dados goniométricos fornecidos pela antena. Faça um trabalho bem feito! Ao que parece, Bell se encontra numa situação dificílima. .
Nyssen confirmou o recebimento da mensagem e acrescentou com a voz furiosa: — Nós lhes mostraremos alguma coisa.
O cérebro de Bell funcionava em alta velocidade.
Cabia verificar qual seria o momento mais favorável para informar Rhodan de que Daisy estava prestes a morrer de frio.
Esse momento não podia estar muito longe.
A gigantesca nave dos saltadores excedia a Z-13 também em aceleração. A diferença era de menos um grau da respectiva escala. O gigante do espaço tivera de iniciar suas manobras a partir de uma posição de repouso absoluto; apesar disso, levou poucos segundos para atingir uma velocidade próxima à desenvolvida pelo pequeno destróier.
Os outros veículos dos saltadores ficaram ligeiramente atrás do gigante, mas Bell tinha certeza de que, num longo trajeto, mesmo estes poderiam representar um perigo para ele.
Bell já desistira de seu plano primitivo, segundo o qual retornaria à Stardust-III pelo caminho mais curto. Para isso teria que descrever uma curva de cento e oitenta graus, e com isso cairia diretamente nos braços do inimigo.
Mas Bell não era um homem que desanimava por pouca coisa.
Sabia que num ponto a Z-13 era superior à perigosa nave do inimigo: em agilidade. O momento teria chegado quando o gigante do espaço se aproximasse a menos de cinco mil quilômetros.
Mas esse momento só poderia chegar se o monstro não resolvesse de forma diferente, abrindo fogo a uma distância maior.
Na tela de Bell, o ponto ofuscante que representava o sol menor se havia deslocado para a direita. A mancha alaranjada projetada pelo sol principal se encontrava na margem da tela e inundava a pequena cabina com uma agradável luminosidade amarela.
“Como seria bom”, pensou Bell.
Foi quando o alarma estridente voltou a soar na nave. Havia um objeto à frente.
Na tela do observador, Bell viu o enxame das noventa naves, cuja transição ele mesmo ainda chegara a observar noventa minutos antes a bordo da Stardust-III.
Essas naves ficavam bem na rota da Z-13.
Bell praguejou e voltou a desviar o pequeno veículo espacial para a esquerda. Mesmo que com isso se aproximasse um pouco do gigante de setecentos metros, ao menos se livraria das noventa naves que se encontravam à sua frente.
Bell interrompeu-se em meio aos seus pensamentos.
“Você é um idiota!”
Mais uma vez mudou de rumo. Voltou à rota antiga.
Não há meio melhor de se proteger do inimigo do que se esconder bem em meio às suas fileiras.
* * *
Depois de ter acompanhado por alguns minutos a rota da pequena nave, Etztak esteve inclinado a ver em seu piloto o maior idiota que jamais lhe aparecera.
— Olhem! — gritou Etztak, e os circunstantes, obedientes, lançaram os olhos para a tela do localizador, em cujo fundo luminoso a trajetória do pequeno objeto se desenhava como a de um cometa. — Uma vez para cá, outra vez para lá — trovejou a voz do patriarca. — O que está querendo? Será que pensa que dessa forma conseguirá escapar?
A resposta às palavras de Etztak veio do posto de observação.
— Noventa naves de nossa frota de guerra diante de nós, senhor. Distância de sete minutos-luz.
Etztak viu os pontos que surgiam na tela. Parte da antena seguiu seus movimentos, retratando a posição que realmente assumiam face ao centro de sistema — que era uma posição de imobilidade.
E o anão — aquela nave ridícula e atrevida — dirigia-se diretamente para a frota.
No mesmo instante, Etztak compreendeu o que devia fazer.
— Disparar todas as peças!
Mas não era costume dos saltadores agir com precisão e rapidez quando uma ordem, esperada para o momento t0, realmente vinha no momento t0 - t, ou seja, de forma inesperada e alguns minutos antes da hora.
Pouco depois de iniciada a perseguição, Etztak percebeu que a nave estranha era inferior à EtzXXI no que dizia respeito à capacidade de aceleração. Por isso deu ordens terminantes de só abrir fogo quando a distância ficasse reduzida a menos de trinta mil quilômetros.
Todos conheciam os motivos dessa decisão. Um tiro disparado a uma distância tão reduzida transformaria o estranho numa tocha de gases que logo se espalhariam pelo espaço. Isso seria uma lição para todos que ousassem afrontar o clã dos Orlgans.
Seria um espetáculo, e Etztak gostava de oferecer espetáculos.
E agora?
Por que estaria o velho revogando sua ordem anterior? O que teria acontecido?
Ninguém sabia. Os artilheiros estavam confusos.
Num movimento vagaroso os canos afunilados das armas energéticas ajustaram-se à posição do alvo.
* * *
— Daisy está morrendo! — disse Bell.
A Z-13 deu um salto breve e doloroso para cima e retornou, poucos segundos depois, à rota antiga.
Ninguém havia disparado.
As torres de artilharia da Etz XXI ainda não haviam concluído o ajustamento.
O salto fora em vão.
* * *
— Está bem — disse Nyssen tranqüilamente. — Já ouvi. A Solar System está pronta para saltar.
A Solar System saltou imediatamente, sem esperar que fosse atingida a velocidade que geralmente se julgava necessária para a transição.
O salto da nave produziu uma descarga energética de proporções inconcebíveis. A explosão — de estrutura pentadimensional e por isso mesmo imperceptível aos sentidos humanos — atirou a Solar System para o hiperespaço.
Nyssen sentiu uma dor lancinante. Perdeu os sentidos por uma fração de segundo.
Quando voltou a si, a Solar System se encontrava perto da fileira prateada das naves inimigas.
Na tela correspondente à visão de popa, reluzia um ponto minúsculo. Era a Z-13. Perto dela, via-se um traço fino e alongado que representava uma nave inimiga.
Com Nyssen aconteceu a mesma coisa que, poucos minutos antes, acontecera com Reginald Bell: assustou-se quando viu diante de si o resultado das medições realizadas pelos rastreadores.
— É uma nave cilíndrica, com as pontas afinadas em forma de torpedo. Seu comprimento é de setecentos metros e sua largura média de oitenta metros.
Do ponto em que Nyssen se encontrava, percebia-se logo que o único perigo real para a Z-13 provinha daquela nave gigante. Todas as outras ficavam fora do alcance das radiações das armas energéticas.
— Todas as posições de artilharia devem ficar de prontidão! — gritou Nyssen para dentro do microfone.
A confirmação veio prontamente e quase em uníssono. As posições de artilharia já haviam sido ocupadas antes que a Solar System iniciasse a transição.
Nyssen acelerou a nave, indo de encontro ao ponto minúsculo e apressado, e ao traço ainda mais apressado.
— Distância: 4,13 segundos-luz!
* * *
Os instrumentos de Bell registraram a presença da Solar System no instante em que ela emergiu do hiperespaço.
Bell suspirou aliviado.
Não acreditava que o perigo já tivesse passado. No momento em que saiu da transição, a Solar System se encontrava tão longe que não poderia intervir na luta, que era iminente.
Mas ao menos não estava mais sozinho.
Se conseguisse se esquivar por mais alguns segundos do gigante que se encontrava atrás dele, a Solar System teria tempo para se aproximar.
Bell se esforçou ao máximo.
* * *
Etztak queria que tudo fosse para as profundezas do inferno.
As torres de radiações da Etz XXI já se haviam ajustado sobre o alvo. Um tiro após o outro saía dos canos afunilados, atravessava o espaço aos relampejos, com uma vaga luminosidade ou de forma totalmente invisível, e procurava atingir o pequeno aparelho.
Acontece que qualquer mecanismo de pontaria, por melhor que seja, tem um certo tempo morto. Precisa de alguns milésimos de segundo para pôr os pesados canos de radiações na nova direção.
E esse tempo era suficiente para que um veículo espacial com a manobrabilidade e o poder neutralizador das pressões de aceleração da Z-13 descrevesse uma curva de mais de cinco graus.
As radiações disparadas pela Etz XXI passavam rente à Z-13.
Etztak estava furioso. Batia com o pé e gritava para seus oficiais, embora nenhuma das pessoas que se encontravam na sala de comando pudesse ser responsabilizada seriamente pelo insucesso.
Já fazia noventa segundos que os localizadores haviam constatado a presença da nave inimiga que acabara de surgir no espaço, produzindo o abalo estrutural ligado à transição.
Mas, dali em diante, nenhum aviso chegou ao ouvido de Etztak. Este esbravejava, sem se dar conta de que era ele mesmo que impedia o êxito total da Etz XXI.
* * *
— Comandante para os oficiais de artilharia. Não queremos destruir o inimigo. Desejamos apenas que a Z-13 tenha as costas livres. A qualquer momento poderemos saltar de novo; preparem-se. 
De todos os lados veio a resposta “entendido”.
A Solar System se aproximou a alta velocidade da nave inimiga. A distância ia minguando, e a velocidade da nave terrestre crescia a cada segundo que se passava.
— Dentro de dez segundos estará ao alcance das nossas peças de artilharia — anunciou o segundo-oficial.
— Atirem assim que o alvo estiver ao nosso alcance! — respondeu Nyssen em tom enérgico.
Nunca os segundos haviam passado tão devagar.
Nyssen seguia os ponteiros do cronômetro e esbravejava contra a preguiça deles.
Cinco segundos!
Qual seria o alcance dos canhões do inimigo?
Nyssen não sabia nada do que se passava a bordo da Etz XXI. Nem desconfiava de que, naquele instante, Etztak esbravejava de raiva.
Mas viu os feixes de raios dos desintegradores e as faixas de energia branco-azulada das armas térmicas que atravessavam o espaço; e também viu a pequenina Z-13 saltitar entre uma salva e outra.
Nyssen procurou verificar o alcance dos raios energéticos com base na sua luminosidade. Num cálculo instantâneo e aproximado, chegou à conclusão de que não ficava atrás do alcance das peças de artilharia de sua nave.
O mais tardar, no mesmo instante em que as radiações disparadas pelas peças da Solar System podiam atingir o inimigo, também as armas deste poderiam alcançar a Solar System.
Faltava um segundo!
A luz verde começou a piscar no mesmo instante em que o alarma começou a uivar.
A Solar System estava em plena batalha.
* * *
— Onde está a nave inimiga? — berrou Etztak.
O observador forneceu as coordenadas, lançando mão do que ainda lhe restava de autocontrole. Etztak procurou a imagem do inimigo na tela.
Antes de descobri-la, fez um sinal para o comandante da artilharia. Este transmitiu a ordem:
— Ajustar-se para novo alvo segundo as indicações do observador.
Nesse mesmo instante, Etztak viu o inimigo. Não viu propriamente o inimigo, mas um feixe de raios verde-pálidos que saía de certo ponto do espaço e dali a dois segundos preencheu toda a tela.
A Etz XXI foi atingida por um golpe de força indescritível. A luz forte se apagou; dali a poucos segundos surgiu em seu lugar a luz mortiça das lâmpadas de emergência.
Sereias de alarma uivavam e vozes se atropelavam nos alto-falantes.
Etztak caiu ao chão. Apesar da confusão reinante na sala de comando, a disciplina era tamanha que um dos homens logo se apressou em ajudar o velho a pôr-se de pé.
Com uma rapidez espantosa, Etztak recuperou o autocontrole.
— Fomos atingidos? — perguntou laconicamente.
— Sim, senhor — respondeu o homem.— Na sala de máquinas.
Etztak passou a mão pela testa. A raiva já o abandonara; por um instante não passou de um velho desamparado.
Mas logo entrou em contato com a sala de máquinas.
Foi informado de que dois agregadas importantes haviam sido inutilizados, mas que apesar disso a Etz XXI ainda estava em condições de manobrar, se bem que com apenas sessenta por cento de sua velocidade normal.
Etztak mandou desacelerar, suspender a perseguição e virar a nave.
Os observadores anunciaram que a grande nave inimiga havia desaparecido.
O pontinho prosseguia na sua corrida pelo espaço. Nos segundos que se seguiram aoimpacto sofrido pela Etz XXI, esta correra sem acelerar sua marcha, enquanto o pequeno aparelho continuara a acelerar. Por isso, já ultrapassara o limite atrás do qual as peças de artilharia da grande nave não representariam qualquer perigo.
— Deixem que vá embora — resmungou Etztak. — Talvez nossa frota ainda o pegue. Vamos retornar à nossa posição anterior. Avisem a Wena e a Horl.
* * *
Por uma fração de segundo, Nyssen entreteve a idéia de colocar a Z-13 a bordo de sua nave e com ela realizar o salto.
Mas, na melhor das hipóteses, a manobra demoraria trinta segundos, e Nyssen achou que seria muito arriscado se expor por esse tempo à artilharia do inimigo.
Por isso, Bell recebeu uma mensagem lacônica, expedida de bordo da Solar System:
— Daisy terá de cuidar do resto.
A Solar System logo desapareceu daquele setor do espaço.
Bell resmungou, amargurado e aliviado ao mesmo tempo. Fazendo uma curva com o menor raio possível e desacelerando ao máximo, mudou a rota da Z-13.
A pequena nave passou a alguns segundos-luz da frota dos saltadores, que se mantinha na expectativa. A distância era a mínima possível para que o pequeno destróier pudesse passar em segurança.
As naves de guerra não pareciam interessadas na perseguição. Talvez o impacto conseguido por Nyssen lhes tivesse infundido uma certa cautela, ou então estariam ali para outro fim.
Bell não quebrou a cabeça a este respeito, embora tivesse tempo de sobra para isso.
Uma mudança de rota de cento e oitenta graus, realizada a uma velocidade de trajetória constante, mas de componentes velocimétricas em constante mutação, consumiria cerca de dez horas.
E a Stardust-III ficava a uma distância de oito horas-luz. Mesmo que a essa distância, medida a partir do ponto em que Bell se encontrava — já que ele pretendia aumentar a velocidade assim que tivesse completado a curva — pudesse ser obtido um ganho de tempo relativista, ainda faltava cerca de meio dia terrestre para que a Z-13 se encontrasse definitivamente em segurança.
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2
No mundo de gelo, que o grupo batizara de Homem de Neve, não se percebeu nada dos acontecimentos que se desenrolavam no espaço. A capacidade de observação de Moisés era limitada. Nem chegara a constatar a presença da gigantesca nave de Etztak, uma vez que a mesma se encontrava a uma distância relativamente grande do Homem de Neve; muito menos teve condições de observá-la durante a perseguição a que se lançou.
O silêncio enganoso enervou os cadetes. Sabiam que, ao deixá-los no Homem de Neve, Perry Rhodan seguia um objetivo bem definido. Já tivera tempo de sobra para retirá-los dali. Se não o fizera, suas intenções deviam ser outras. Estavam convencidos de que eram a causa real de toda a confusão engendrada pelos saltadores.
Tiff se sentia praticamente indefeso diante das recriminações lançadas por Humpry Hifield.
— Já que estamos metidos nesta por sua causa — resmungou Hump — você ao menos poderia ter a gentileza de nos contar quais são as intenções de Rhodan.
Nas últimas horas, Tiff asseverara ao menos uma dezena de vezes que não sabia absolutamente nada dos planos de Rhodan. A essa altura nem tomava mais conhecimento das queixas de Hump.
Vez por outra, Tiff caminhava até a grota para ouvir o hipercomunicador da pequena nave capturada. Logo depois de se terem instalado na caverna, Rhodan os informara pelo receptor da nave que teriam de agüentar por ali, e que receberiam o necessário apoio. Mas depois dessa mensagem lacônica não houvera outro contato.
A esperança que Tiff chegara a ter por algumas horas não se realizou: não conseguiu captar as mensagens que os saltadores trocavam pelo hipercomunicador.
Ao que tudo indicava, o inimigo havia extraído imediatamente as conseqüências cabíveis da captura de um dos seus veículos espaciais: trocaram suas freqüências.
O caminho que conduzia da caverna ao pequeno aparelho não era muito cômodo; em certos lugares chegava a ser perigoso. O gelo liso dificultava o deslocamento, mas de outro lado a gravitação reduzida vinha em auxílio de quem empreendesse a descida.
Ao voltar para a caverna, Tiff ficou refletindo se não seria preferível levar o grupo mais para o sul, a fim de retirá-lo da área perigosa.
Era bem verdade que durante as horas de marcha estariam expostos sem a menor proteção aos instrumentos de observação do inimigo. Mas este não poderia alcançar toda a superfície do planeta gelado com seus instrumentos. Se tivessem sorte...
“Será que um bom estrategista deve elaborar planos baseados no fator sorte?”, pensou Tiff, mas logo zombou de si mesmo por ter usado a expressão estrategista. Ao que parecia, o transmissor de capacete levou sua risada para dentro da caverna. A voz suave de Mildred indagou:
— Qual é a graça?
— Nada — respondeu Tiff em tom alegre.
Encontrava-se a uns trinta metros da caverna. Lembrou-se de que Mildred talvez esperasse uma resposta mais detalhada à pergunta amável que formulara.
— Sabe... — principiou. E se atirou ao solo.
O movimento foi puramente instintivo. Não tivera tempo de pensar sobre os fardos negros que, de uma hora para outra, saíram do nada.
Tiff ouviu um chiado nos receptores externos, e logo percebeu o baque que se seguiu quando os objetos escuros tocaram o solo. Ainda escutou um apito agudo.
Levantou o radiador de impulsos térmicos capturado de um saltador e, levantando cautelosamente a cabeça, olhou para aqueles objetos estranhos.
“São bombas!”, foi seu primeiro pensamento.
Mas aquilo não se parecia com bombas.
Levantando-se lentamente, caminhou de arma em punho para aqueles estranhos pacotes.
— Fiquem na caverna! — resmungou.— Alguma coisa caiu do céu.
Mildred e Felicitas soltaram um grito assustado.
— Meu Deus, Tiff! Tome cuidado! 
Eberhardt resmungou:
— Não prefere que eu dê um pulo até aí?
— Não — respondeu Tiff.
Encontrava-se a apenas cinco metros do mais próximo dos pacotes, quando descobriu o vulto. Tiff afastou as pernas, apoiou-as firmemente na neve e levantou a arma.
Com os olhos incrédulos, Tiff contemplou alguma coisa de cerca de um metro de altura, que vestia um traje protetor de feitio especial. Foi baixando a arma e voltou a guardá-la no bolso.
— Gucky! — fungou. — Isto é... senhor...
— Cale a boca — chiou Gucky. — Levei uma queda daquelas.
Tiff fez continência. Gucky, que era um mutante no pleno desempenho de suas atribuições, ocupava o posto de oficial. Por mais esquisito que parecesse, ninguém poderia faltar com o devido respeito para com Gucky.
O rosto de Tiff se iluminou.
— Fico satisfeito com a sua vinda, embora tenha me assustado.
— Não pude anunciar minha chegada — respondeu Gucky. 
Os olhos que surgiram atrás da lâmina do visor emitiram um brilho zombeteiro.
— É claro que não — respondeu Tiff. — Permite que lhe mostre os nossos alojamentos?
Gucky fez que sim. Tiff caminhou à sua frente, abriu o fecho da primeira parede separatória, que protegia a parte dos fundos da caverna contra o frio mortal reinante no Homem de Neve. Uma lufada de ar quente saiu e, ao entrar em contato com o frio, transformou-se numa névoa fina.
 Gucky seguiu-o. Com olhos de entendido, acompanhou os movimentos de Tiff quando este voltou a colocar o fecho de rocha derretida e retirou o da segunda parede.
— É um serviço bem feito — elogiou. 
Passaram por um total de seis paredes divisórias. Atrás da última ficavam os alojamentos propriamente ditos, que estavam protegidos contra o frio pela melhor forma que as circunstâncias permitiam e, além disso, eram aquecidos por Moisés, cujo irradiador térmico fora regulado para a capacidade mínima.
Gucky observou que não esperava tamanho conforto. Não regateou elogios.
Depois de algum tempo disse:
— Em anexo estão recebendo potentes armas energéticas, trajes transportadores arcônidas, novas provisões de mantimentos e uma porção de coisas que lhes serão bastante úteis.
Ao que parecia, o uso do inglês comercial o divertia.
— Onde estátudo isso? — perguntou Eberhardt, perplexo.
Tiff apontou por cima do ombro, mostrando para a saída da caverna.
— Nos pacotes que Gucky nos trouxe.
* * *
Etztak mandou que a nave pousasse. Constatara-se que o reparo das avarias causadas pelo impacto da peça inimiga seria relativamente fácil e rápido se a equipe pudesse pisar em chão firme.
Logo após o pouso, Etztak pediu que Orlgans, o saltador que comandava a Orla XI, comparecesse a bordo de sua nave.
Etztak pediu, muito embora em tempo de crise dispusesse de poder de comando irrestrito sobre todos os membros do clã, isso porque julgava mais conveniente seguir os modos convencionais enquanto o julgasse útil e possível.
Os saltadores eram um povo aparentado com os arcônidas, que haviam levantado o Grande Império em torno de seu mundo, Árcon, levando-o das culminâncias do poder às profundezas da decadência. Os saltadores logo se separaram da raça de que provinham e passaram a levar existência independente. Eram mercadores. Com base no passado remoto e legendário de sua história, arrogavam-se o direito de serem o único povo que praticava o comércio interestelar. Nunca foram uma nação unida. Cada comandante, que pertencia a uma casta especial, possuía sua própria nave e negociava por sua conta. E cada um desses comandantes sentia um prazer extraordinário em estragar o negócio de outro saltador.
Apesar de tudo, porém, sentiam-se unidos, e o universo via neles um grupo cujos membros estavam ligados entre si.
Colaboraram com o Grande Império arcônida e ali foram colhendo experiências, até que não houvesse naquele mundo mais ninguém que praticasse qualquer tipo de comércio digno de nota.
Começaram a ser hostilizados e, com os tesouros acumulados, construíram uma frota de guerra. Dispunham do cabedal de experiências da tecnologia arcônida e mais algumas, adquiridas junto a raças estranhas. Até mesmo na época em que se passaram os acontecimentos na superfície do Homem de Neve, ninguém saberia dizer se os saltadores não detinham uma posição de superioridade face aos arcônidas.
Por mais que os saltadores lucrassem com a decadência do Grande Império — pois os negócios mais lucrativos daquela raça eram realizados em tempo de guerra, quando vendiam armas a ambas as partes em conflito — até então nunca houvera um confronto armado entre eles e os arcônidas.
Os saltadores não possuíam pátria. Suas naves haviam sido construídas de maneira a pousarem somente em caso de emergência. Nenhum dos mundos compreendidos na grande galáxia era seu. Viviam em suas naves, em pleno espaço cósmico, e saltavam de um sistema para outro, a fim de fazerem seus negócios.
Por isso eram chamados de saltadores.
Qualquer um deles tinha o direito de recorrer ao auxílio da frota de guerra, sempre que houvesse necessidade. Bastava emitir a mensagem de socorro, para que este lhe fosse prestado no menor espaço de tempo.
Fora exatamente o que acontecera com a nave Orla XI, comandada por Orlgans. Este havia dado com a pista das naves mercantes que realizavam a troca de mercadorias entre o planeta de Ferrol, situado no sistema Vega, e a Terra, pertencente ao sistema do Sol. As trocas eram realizadas em decorrência de tratados que Perry Rhodan celebrara com o governante Thort, por ocasião de sua permanência em Ferrol.
Orlgans logo farejou uma violação do monopólio a que sua raça se julgava com direito. Mas, como também farejasse um bom negócio, resolveu tratar do assunto por sua conta e risco. Pousou em Vênus e desembarcou seus agentes na Terra. Apoderou-se de uma das naves da frota espacial terrestre, aprisionou a tripulação e guardou ambas num lugar seguro.
Foi informado por seus agentes de que, dentro de pouco tempo, um homem muito importante da frota espacial terrestre sairia da Terra numa outra nave. Segundo as informações, aquele homem dispunha de informações sobre o planeta da vida eterna. Tratava-se de um planeta misterioso, sobre o qual falavam as lendas, e de cuja existência a essa altura ninguém duvidava.
Orlgans estava ávido por essas informações, de que pretendia se apoderar em proveito próprio. Esse negócio coroaria sua existência.
Atacou a nave em que se encontrava esse homem e prendeu-a ao seu veículo espacial por meio de fitas magnético-mecânicas. Depois realizou um salto através do hiperespaço e foi parar no sistema de Beta-Albíreo, a fim de se afastar o mais possível da perigosa área em redor do planeta Terra.
Interrogara várias vezes o homem indicado — o cadete Julian Tifflor — mas este afirmara que não possuía as informações desejadas por Orlgans.
Finalmente, um grupo de três gigantescas naves da frota terrestre surgira no sistema de Beta-Albíreo. Orlgans transmitiu sua mensagem de socorro e este logo veio sob a forma de trinta veículos da frota guerreira dos saltadores.
Na confusão que se formou a pequena nave de Tifflor, aprisionada por Orlgans, conseguiu escapar. A nave propriamente dita foi recolhida a bordo de um dos gigantes espaciais da frota terrestre; mas Tifflor saíra da mesma num minúsculo veículo espacial e, depois de sofrer um impacto de uma das peças da artilharia dos saltadores, realizou um pouso de emergência no mundo gelado.
As três gigantescas naves espaciais da frota terrestre puseram em fuga os saltadores. A Orla XI, que se encontrava à margem dos acontecimentos, foi se afastando discretamente do cenário.
Acontece que Orlgans notara a fuga de Tifflor e seu pouso no planeta de gelo. Terminada a batalha, retornara ao local e saíra em busca dos terrestres. Descobriu sua pista e constatou que Tifflor não estava só. Orlgans mandara, então, uma nave-patrulha no encalço dos fugitivos. Estes se apoderaram do pequeno veículo e aprisionaram seus dois tripulantes, que posteriormente foram postos em liberdade.
Depois disso, Orlgans solicitou o auxílio de seu clã. O lucro que resultaria das informações sobre a posição galáctica do planeta da vida eterna seria tamanho que ele se tornaria um homem muito rico, mesmo que tivesse que dividi-lo com todos os comandantes do clã.
É bem verdade que Orlgans não gostou do surgimento repentino das noventa naves da frota de guerra. Teria que contar com o retorno da mesma, devidamente reforçada, depois da derrota que sofrera na primeira investida. Mas Orlgans preferia que os comandantes das naves guerreiras não fossem informados sobre os acontecimentos que se desenrolavam no mundo de gelo.
Obedecendo à ordem recebida, entrou numa pequena nave auxiliar e se dirigiu à gigantesca Etz XXI. Grudados como moscas à parede externa da nave, junto ao lugar em que o desintegrador do couraçado terrestre havia aberto um furo no imenso casco, os homens da equipe de conservação procuravam reparar as avarias.
Orlgans entrou na nave pela comporta de proa, subiu pelo elevador antigravitacional até atingir o corredor principal e, logo à frente do poço do elevador, tomou a fita rolante que percorria velozmente toda a extensão do corredor.
Apenas vinte minutos depois do momento em que Etztak havia formulado seu pedido, Orlgans se encontrava diante do patriarca e fez o gesto convencional de reverência.
Etztak não era homem de muitos rodeios, mesmo diante de um homem como Orlgans, que durante quinze anos de tempo de bordo só havia visto na tela do hipercomunicador.
— Temos que dar um jeito nisso! —disse em tom áspero. — Lá em cima as naves da frota de guerra estão à espreita. Ai de nós se um dos comandantes souber atrás do que nós estamos.
— Como poderia saber? — perguntou Orlgans. — Só se houvesse um traidor em nosso clã.
Etztak afastou a objeção com um gesto.
— Pouco importa qual seja o canal de comunicação através do qual venham a saber. O fato é que o perigo cresce à medida que demoramos em atingir nosso objetivo. Estudei cuidadosamente o relatório fornecido por você. Pelo que vejo você acredita que conseguirá extrair desse estranho certas informações sobre a posição do planeta da vida eterna.
— Isso mesmo — respondeu Orlgans.
— Como chegou a essaconclusão? — indagou Etztak.
— Por acaso — foi a resposta de Orlgans.
Este voltou a contar a mesma história que constava do início de seu relato escrito. Tratava-se da história dos prisioneiros que capturara e dos abalos provocados pela série de transições constatadas no sistema Vega.
Orlgans conhecia os hábitos do patriarca. Costumava comparar o relato escrito e verbal, para descobrir se o comandante pertencente ao seu clã procurava lhe ocultar alguma coisa.
— Está bem — resmungou depois de algum tempo. — E esse prisioneiro? Quem é ele?
— Trata-se de um inimigo do homem que desempenha o papel mais importante naquele planeta. Nós o recolhemos quando estava fugindo daquele homem.
— Como é o nome dele?
O nome constava do relatório fornecido por Orlgans. Apesar disso este respondeu:
— Mouselet.
Etztak franziu a testa.
— O que sabe ele?
— Praticamente nada. Conhece a organização de nossos inimigos e sabe seus nomes. Mas nem ouviu falar no planeta da vida eterna.
— É o que ele diz.
Orlgans se sobressaltou.
— Ainda não o submeti a um interrogatório psicológico, porque acho que não resistiria. Não acredito que tenha mentido.
— Traga-o para cá. Tiraremos dele tudo que sabe. Não temos tempo para ter consideração por um estranho.
Orlgans não formulou qualquer objeção. A partir da sala de Etztak, entrou em contato com a Orla XI e mandou que três dos seus subordinados trouxessem o prisioneiro... pelo caminho mais rápido.
* * *
Jean Pierre Mouselet, desde o momento em que entrara em contato com os saltadores, ocupava um dos camarotes de popa da Orla XI. Pouco tempo atrás, ainda era um dos seguidores do Supercrânio, um mutante poderoso e desalmado, que pretendia destruir Rhodan para alcançar o domínio da Terra e de todo o universo.
Mouselet maldizia o dia em que subira a bordo dessa nave e, dentro da mesma cadeia de pensamentos, a hora em que o Supercrânio o obrigara a entrar para o seu serviço.
Era bem verdade que, no caso dele, a pressão exercida pelo Supercrânio não fora muito forte. Mouselet seguira-o com o maior prazer, pois esperara alcançar uma posição bem paga.
Fugira da Terra numa das últimas naves que o Supercrânio ainda possuía. No último instante, quando estava prestes a ser alcançado pelos seus perseguidores, descobrira o veículo espacial desconhecido, aproximara-se do mesmo e subira a bordo.
E lá estava ele.
Quem dera que nunca!...
A escotilha do pequeno camarote se abriu sem aviso prévio. Mouselet levantou-se de um salto.
Um saltador de estatura alta e barba por fazer surgiu na abertura, apontando a arma térmica para o francês, num gesto que representava uma ameaça indisfarçada.
O saltador disse alguma coisa incompreensível. Dali a dois segundos, o pequeno aparelho pendurado no seu pescoço falou em bom francês:
— Venha comigo!
Os olhos de Mouselet começaram a brilhar. Avançou apressadamente, sem prestar a menor atenção à arma que o saltador continuava a segurar e gaguejou:
— Você... tem um cigarro para mim?
Parou. Trêmulo, esperou que o pequeno aparelho traduzisse suas palavras na língua daquele ser estranho. O saltador franziu a testa e deu uma resposta que poucos instantes depois foi traduzida pelo aparelho:
— Um cigarro? O que vem a ser isso?
Mouselet deixou cair os ombros.
Já formulara a pergunta muitas vezes, e sempre recebera a mesma resposta. Acreditava que jamais voltaria a ter um cigarro nas mãos, a não ser que fosse levado de volta à Terra.
Abaixou a cabeça, passou pela escotilha e deixou que o guarda o conduzisse pelo corredor.
* * *
Foi empurrado com certa violência para dentro de uma sala na qual havia dois homens. Mouselet só conhecia um deles.
O francês viera juntamente com três guardas. Dois deles permaneceram no corredor, enquanto aquele que trazia o pequeno tradutor mecânico pendurado no pescoço entrou.
— O que é que você sabe sobre o planeta da vida eterna? — perguntou Etztak em tom áspero. O pequeno instrumento traduziu a pergunta.
Mouselet levantou os olhos, surpreso. Com um misto de pavor e perplexidade encarou o patriarca encanecido. Depois de algum tempo lançou um olhar de súplica para Orlgans, que já era seu conhecido; mas o rosto de Orlgans não demonstrava a menor emoção.
— Nem... nem sei... no que o senhor está falando — respondeu Mouselet gaguejando, e a resposta traduzida pelo instrumento também saiu gaguejante.
Etztak se levantou de um golpe. O gesto violento daquele gigante de ombros largos deixou Mouselet ainda mais perplexo e assustado.
— Vamos ao interrogatório psicológico — ordenou Etztak. 
Também estas palavras foram traduzidas.
Mouselet não tinha a menor idéia do que seria um interrogatório psicológico, mas a expressão bastou para assustá-lo. Pôs-se a protestar.
— Pois ouça! — lamentou-se Mouselet, e a voz mecânica do tradutor, que seguia suas palavras com um pequeno atraso, fez com que se sentisse ainda mais nervoso. — Terei o maior prazer em dizer tudo que sei. Mas nunca ouvi falar no planeta da vida eterna. O que vem a ser isso? Um planeta?
Os dois saltadores o olharam rigidamente. Etztak levantou a mão e fez um sinal para o guarda. Mouselet compreendeu.
— Não! — gritou. — Não quero ser submetido ao interrogatório psicológico. Não posso dizer nada além do que já disse.
O guarda segurou o francês franzino e o arrastou para o corredor, e dali para a célula de interrogatórios, que ficava a cerca de duzentos metros.
— Parece que realmente não sabe nada — disse Orlgans em tom pensativo.
Etztak resmungou; parecia contrariado.
— Pode ser. Mas é possível que no seu subconsciente saiba de alguma coisa que se relacione com o planeta da vida eterna. Se o interrogarmos pura e simplesmente, não obteremos uma visão de conjunto dos dados armazenados em sua memória; para isso teremos que submetê-lo ao interrogatório psicológico. O analisador não se esquecerá de nenhuma informação.
— Mas o homem não resistirá a isso — ponderou Orlgans.
Etztak fez um gesto de recusa.
— O que importa? — respondeu em tom de desprezo.
* * *
— Não vim para fazer todo o trabalho dos senhores — disse Gucky. — De início sairei sozinho para esclarecer a situação. Devemos descobrir onde se encontra o inimigo. Quando soubermos, dependerá de cada um de nós que o objetivo seja atingido depressa. Mais uma vez vou explicar detalhadamente o nosso objetivo: aqueles seres chamados de saltadores estão interessados na Terra. Agentes deles pousaram em Vênus e em nosso planeta. Pelo que conseguimos apurar, esse interesse está inspirado em intenções hostis. Os saltadores são uma raça bastante evoluída no terreno da tecnologia; por isso a Terra não poderá deixar de se preparar da melhor forma possível para o confronto que se aproxima. Um dos preparativos mais importantes consiste na coleta de informações, e é precisamente para conseguir informações que nos encontramos no Homem de Neve. Precisamos descobrir o que os saltadores pretendem fazer contra a Terra. Precisamos descobrir de que maneira querem realizar seus planos. Precisamos saber quem são seus agentes na Terra, e ainda precisamos conhecer o motivo por que ainda não foi possível prender nenhum deles. Quando tivermos descoberto tudo isto, nossa missão estará concluída.
Piscou para Tiff e nesse mesmo instante deixou de ser o oficial do Exército de Mutantes, para se transformar naquele encantador ser peludo que todos viam nele.
— A esta hora já deve saber — cochichou para Tiff — que tipo de jogo foi realizado com o senhor nestes últimos dias. Foi lançado por Rhodan como se fosse um homem que possui informações muito importantes. Ao que tudo indica, o estratagema foi bem sucedido. Os saltadores estão demonstrando um interesse extraordinário por você.
Não esperou que Tiff dominasse o espanto. Indicou a tarefa que cabia a cada um dos três cadetes e explicou às moças o que tinham a fazer.
Pediu a Moisés que lhe fornecesse a posição da nave inimiga mais próxima e desapareceu num salto deteleportação, depois de ter indicado o momento do seu regresso.
* * *
O interrogatório de Mouselet durou apenas alguns minutos. O instrumento que realizava a tarefa trabalhava com rapidez e precisão, e sem a menor contemplação.
Quando Mouselet foi desamarrado da cadeira em que ficara sentado durante o interrogatório, já não era um ser racional.
A tarefa do analisador consistia em esvaziar o cérebro da pessoa submetida ao interrogatório, armazenar os dados assim colhidos e apresentá-los depois de concluído o interrogatório. Era muito eficiente: o que deixava para trás era apenas uma massa cinzenta espremida, que mal dava para regular as funções animais do ser humano.
O guarda Holloran colocou Mouselet, que afinal já não era Mouselet, numa nave-patrulha de dois lugares e voltou à Orla XI. Mouselet não ofereceu a menor resistência. Holloran levou-o ao seu camarote e trancou-o lá.
Depois foi levar a nave auxiliar de volta para a Etz XXI. Na mesma oportunidade pretendia perguntar a Orlgans se tinha mais algum serviço para ele.
A Orla XI, que pousara no início dessa missão, porque Orlgans julgava necessário dispor de uma base fixa, encontrava-se a cerca de dez quilômetros da gigantesca Etz XXI.
Holloran mal saíra da comporta da Orla XI em seu pequeno veículo espacial, quando o mesmo, desobedecendo a todos os comandos dados por Holloran, perdeu a velocidade e altitude.
Alguma força de sucção parecia ter atingido o pequenino veículo, ou então os propulsores estavam falhando.
Holloran voara poucos metros acima da neve. Antes que tivesse tempo de ler as indicações dos instrumentos ou expedir uma mensagem de socorro para as duas naves, seu veículo tocou na massa fofa, abriu uma trilha cintilante e parou.
Holloran se agarrara fortemente ao painel de instrumentos, mas não haveria necessidade disso. O pouso foi muito suave, não tendo causado o menor dano ao veículo ou ao seu condutor.
Perplexo, Holloran lançou os olhos em torno. A nave afundara na neve até a metade de sua altura. Na tela panorâmica mal se viam ao oeste os contornos da Orla XI, reduzida a um traço cinzento que se destacava contra a neve. Da Etz XXI não se via absolutamente nada. O veículo afundara muito.
O saltador examinou as indicações dos instrumentos, e quanto mais os examinou, mais confuso ficou. Os instrumentos estavam em ordem, o pequeno propulsor encontrava-se ligado. Por que o veículo fora arrastado ao solo?
Holloran franziu a testa e tentou a decolagem. Bastaria ligar o propulsor vertical para um desempenho médio e...
Nada! Não conseguiu mover a chave...
Incrédulo, reforçou a pressão do dedo. Quando nem assim conseguiu fazer a ligação, usou toda a mão e finalmente bateu com o punho cerrado contra a chave rebelde.
Foi tudo em vão. A chave não se movia.
Por alguns segundos, ficou parado. Estava duro de perplexidade. Finalmente deu-se conta de que não lhe restava outra alternativa senão expedir um pedido de socorro para a Orla XI. Pediria que viessem buscá-lo.
Com um movimento automático, pegou a chave do transmissor e procurou comprimi-la para baixo.
Soltou um grito de pavor quando percebeu que também essa chave estava imobilizada.
Holloran experimentou ao acaso as outras chaves. Funcionavam. Podia ligar e desligar à vontade as luzes de emergência, o aparelho de condicionamento de ar, os rastreadores e a tela.
Acontece que não era das luzes de emergência, nem do condicionamento de ar, nem dos rastreadores, nem da tela que precisava.
Precisava do propulsor vertical ou do transmissor. Olhou em torno para ver se havia outro veículo no ar, que pudesse vê-lo. Mas o espaço estava vazio até onde alcançava a sua vista.
Começou a quebrar a cabeça sobre sua situação. Conforme as circunstâncias, poderia ficar por alguns dias na neve, totalmente desamparado. Não poderia descer, pois estava sem traje protetor. Pretendia voar apenas da comporta de uma das naves até a de outra; para isso não se precisava de traje especial. E demorariam bastante a dar pela sua falta. Pertencia à casta dos barqueiros do espaço e, como tal, não era nenhum personagem importante.
Se nem dessem pela falta dele nem o encontrassem por acaso, então...
Em meio aos pensamentos de Holloran, o cérebro parou de funcionar. Acreditou ouvir um riso de escárnio. E também ouviu uma voz que dizia:
— Não fique se preocupando à toa, meu filho. Daqui a pouco estarei de volta, e então seguiremos juntos no seu barquinho.
* * *
Muito antes que Reginald Bell regressasse com a Z-13, John Marshall, um telepata de alta capacidade que se encontrava a bordo da Stardust-III, recebeu a mensagem de Gucky, irradiada por via telepática, segundo a qual o transporte dos equipamentos e seu próprio pouso no mundo de gelo haviam sido bem sucedidos.
Gucky acrescentou que estava colhendo informações sobre a posição do inimigo, motivo por que o trabalho propriamente dito, que consistia na coleta das informações pretendidas, poderia ser iniciado em breve.
Marshall transmitiu a informação a Rhodan. Como suas informações sobre os planos de Rhodan fossem incompletas, se sentiu espantado ao notar que um peso parecia sair de cima do coração de Rhodan quando este soube do êxito alcançado por Gucky.
Muito tempo depois que Marshall havia saído da ampla sala de comando da Stardust-III, na qual no momento só se encontravam Rhodan e Crest, o primeiro disse:
— Fico satisfeito em saber que tudo está em ordem. O jogo que estamos realizando com Tifflor e os elementos de seu grupo é bastante arriscado. Provavelmente estariam perdidos se Gucky não tivesse feito um bom serviço.
Crest, o arcônida, lançou-lhe um olhar pensativo.
— Já estou mesmo admirado em ver — admitiu — com que... bem, com que leviandade você lida com esses homens.
Rhodan sorriu. Compreendia Crest e seu modo de encarar as coisas. Como arcônida que era — fora chefe de uma expedição científica cuja nave realizara um pouso forçado na Lua — pertencia a uma cultura que passara do ponto culminante muito antes da época em que a Humanidade penetrou na segunda idade da pedra. Uma das características fundamentais das concepções arcônidas, que prevaleciam depois do Grande Império ter alcançado o apogeu do seu poderio e estagnado neste ponto de sua evolução, era a opinião de que a vida do indivíduo tem um valor tão elevado que, em benefício da coletividade, mesmo que esta se encontre numa grave emergência.
Só mesmo uma sociedade firmemente estruturada poderia se dar ao luxo de adotar um princípio destes.
— Quer saber de uma coisa? — respondeu Rhodan com um sorriso. — Acho que você nunca compreenderá uma coisa destas. Apesar disso, estou convencido de ter agido corretamente, muito embora no início da missão as possibilidades de sobrevivência de Tifflor fossem de apenas cinqüenta por cento.
Crest voltou a dedicar sua atenção aos instrumentos, a cuja vigilância se dispusera voluntariamente.
Os observadores não forneciam nenhuma informação. As duas frotas inimigas não estavam realizando nenhuma transição, embora talvez se movimentassem. A calma reinava no setor de Beta-Albíreo.
Talvez fosse apenas a calma antes da tempestade.
* * *
Holloran ainda não havia se recuperado inteiramente do primeiro susto quando foi atingido pelo segundo. E este foi muito maior.
Subitamente viu no assento ao seu lado alguma coisa que sempre parecia ter estado lá; um ser nunca visto.
Sua primeira impressão seria que se tratava de um animal, se não estivesse usando um traje espacial.
Aquele ser possuía mais ou menos metade do tamanho de Holloran. Tinha focinho pontudo, orelhas grandes e a parte traseira do corpo um pouco volumosa. Os olhos eram grandes e piscavam alegremente para Holloran através do visor do capacete.
De repente, Holloran voltou a ouvir a voz:
— Você pode demorar um pouco me olhando, mas não muito. Acontece que estou com muita pressa.
“É um telepata”, pensou Holloran apavorado. “E parece conhecer mais alguns truques além deste. Talvez sejaresponsável pelas chaves que não consegui mover.”
— Basta pensar o que você quer dizer — explicou o ser que se encontrava a seu lado. — Eu compreendo. Se não gostar, fale à vontade, que também compreendo.
Um calafrio percorreu a espinha de Holloran. Aquele ser sabia ler todos os seus pensamentos.
— O que quer de mim? — perguntou, perplexo.
— Nada de especial — foi a resposta. — Quero entrar na nave grande que está logo ali. Ninguém me deixaria entrar espontaneamente, e por isso você me levará para dentro no seu barco.
— Não é possível! — fungou Holloran, apavorado. — Se souberem que fiz uma coisa dessas, eles me matarão.
— Tanto melhor para mim — foi a resposta que chegou à sua compreensão. — Assim você ficará de boca calada e não contará nada a meu respeito.
Holloran continuou a protestar. Mas o ser peludo enfiou no bolso a pata dianteira, firmemente envolta no revestimento fino do traje protetor, e tirou uma pequena arma de radiações, apontando-a para o saltador.
— Vamos embora! — ouviu Holloran. — E nada de discussões.
O saltador viu que não tinha outra alternativa senão obedecer à ordem que lhe era dada.
Lentamente e ainda um pouco desconfiado, foi levando a mão para a chave do propulsor vertical. O dedo hesitante comprimiu o botão, e... Clic! A chave cedeu. O propulsor emitiu um zumbido agudo e, no momento em que Holloran avançou a chave e acelerou a máquina, o pequeno veículo se elevou, perfeitamente equilibrado, acima da neve.
— Muito bem — disse o ser peludo. — Continue. Existe algum controle na entrada da comporta da grande nave?
A pergunta deixou Holloran assustado
— Sim... naturalmente — respondeu, falando entre os dentes.
Voltou a ouvir o riso de escárnio com que o ser peludo ainda há pouco anunciara sua presença.
— Não precisa mentir — ouviu Holloran. — Como já lhe disse, entendo seus pensamentos. Não há nenhum controle. Tanto melhor. Nesse caso também não haverá qualquer problema.
Holloran praguejou baixinho. Por que tinha que ser justamente ele que se via numa situação dessas?
A leste, os contornos alongados da Etz XXI começaram a se levantar acima da neve. O ser peludo não parecia lhe dar a menor atenção, mas continuava de arma em punho.
Holloran não tinha a menor chance.
* * *
O assunto foi tão importante que Orlgans e Etztak se incumbiram pessoalmente da interpretação dos dados.
O analisador elaborara um total de vinte e quatro diagramas relativos ao interrogatório de Mouselet, um para cada um dos setores mais importantes do cérebro. As coordenadas dos pontos de medição — cada diagrama possuía de mil a dez mil desses pontos — foram introduzidas num interpretador mecânico, juntamente com os valores estatístico-biológicos também incluídos nos diagramas. O interpretador fornecia as informações decodificadas, concebidas em palavras-chaves concisas, gravadas em estreitas fitas de plástico.
Dali a meia hora constataram que Jean Pierre Mouselet realmente não sabia nada sobre o planeta da vida eterna.
O fato deixou Etztak tão desapontado que ele teve um acesso de raiva. Esteve prestes a atirar ao solo as fitas de plástico gravadas que enchiam a grande mesa, quando Orlgans lhe segurou o braço e exclamou:
— Olhe! Encontrei uma indicação.
Etztak custou a se acalmar. Furioso, arrancou a fita de plástico das mãos de Orlgans e fitou-a.
— Uma coisa é certa — leu baixinho. — A Terra não tem a menor idéia dos planos dos saltadores. Caso Rhodan comece a se interessar pelo assunto, sua primeira preocupação consistirá em colher informações.
— E daí? — resmungou Etztak. — Isso é uma verdade trivial.
Orlgans lhe entregou outra fita. Uma nota na margem dizia o seguinte a respeito das informações que o analisador espremera daquele homem: Atitude fundamental — irônica.
— Pelo que sei de Rhodan — continuou a ler Etztak — ele colocará um espião tão pertinho dos saltadores, que os mesmos nem conseguirão vê-lo com seus enormes olhos. E, pelo que sei de Tifflor, este seria o elemento indicado para uma missão desse tipo.
Etztak se levantou de um salto.
— Isso... isso — fungou.
O rosto de Orlgans parecia indiferente.
— Isso não significa necessariamente — interrompeu o velho — que estejamos na pista errada. Nosso prisioneiro não sabe nada sobre o planeta da vida eterna; logo, não pode saber se Tifflor possui informações a este respeito. Assim mesmo considero a idéia muito importante.
— Se é! — berrou Etztak, batendo com o punho na mesa. — A coisa mais importante sempre foi conhecer a mentalidade do inimigo. O prisioneiro conhecia Rhodan melhor que nós. Se acredita que Rhodan procederia dessa forma, provavelmente está com a razão.
— Só estou interessado numa coisa: como é que o prisioneiro chegou a conhecer deste modo o tal do Tifflor?
Orlgans remexeu as fitas com as informações e tirou mais três. Numa delas lia-se que, por ocasião das últimas ações realizadas a mando do Supercrânio, Mouselet se defrontara com Tifflor. E o confronto não foi nada agradável, tanto que até mesmo o empedernido Mouselet chegou a adquirir certo respeito pelo cadete.
Etztak estava satisfeito. Seus olhos cintilantes fitaram Orlgans, e este sentiu a atividade renovada que irradiava do velho.
— Já que é assim — trovejou a voz de Etztak, precedida de uma estrondosa gargalhada — não temos nenhum motivo para ficarmos parados por aqui. Vamos dar uma busca rigorosa nos arredores dos lugares em que pousamos.
Orlgans estava de acordo, mas acrescentou:
— Sugiro que a busca seja estendida aos arredores do lugar em que os fugitivos se apoderaram de uma nave-patrulha da Orla XI.
Etztak concordou imediatamente.
— Isso mesmo! — confirmou.
Os preparativos foram tomados imediatamente. Etztak extraiu as conseqüências da lição que Orlgans havia recebido. Ordenou aos tripulantes das naves que participariam da operação para que, em hipótese alguma, saíssem dos veículos. Além disso, as naves deveriam voar em grupos de dois ao menos, sempre à vista um do outro.
— Se nosso prisioneiro estava com a razão — ressoou a voz de Etztak pelo intercomunicador, depois de ter ele transmitido suas ordens — não demorará mais que algumas horas até que encontremos os fugitivos.
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3
A nave auxiliar de Holloran disparou em alta velocidade para dentro do buraco escuro da comporta do hangar.
Do exame dos pensamentos de Holloran, Gucky concluiu que o saltador não tinha a intenção de matar a si mesmo e ao seu passageiro.
Voava de maneira usual.
A pequena nave foi freada rápida, mas suavemente, e flutuou para o interior de um poço que conduzia para os hangares individuais das pequenas naves de patrulha.
A partir de determinado lugar, a manobra parecia ser automática. Holloran não manipulava qualquer controle. Apesar disso, dali a poucos instantes a nave se encontrava no interior de um nicho na parede do poço de acesso onde, ao que tudo indicava, um campo gravitacional estacionário a mantinha presa ao lugar.
— Chegamos — disse Holloran.
Gucky agradeceu em tom irônico. Continuou sentado por um instante a fim de colher na mente de Holloran alguns dados sobre a estrutura geral da gigantesca nave. Entre as informações que o saltador lhe forneceu a contragosto, Gucky extraiu uma única que julgou aproveitável. Dizia respeito ao depósito de peças de reposição situado na popa da Etz XXI que, segundo Holloran sabia, estava vazio e raramente era utilizado.
No momento em que Holloran se dispôs a sair e pretendia perguntar ao seu passageiro quais eram seus planos, Gucky efetuou o salto. Apavorado, Holloran fitou o assento em que um instante antes se encontrara o ser peludo.
O suor porejou na sua testa quando se deu conta do estrago que um ser desses poderia causar na nave. E se sentiu ainda mais miserável ao se lembrar de que, no seu próprio interesse, deveria se abster de falar com quem quer que fosse sobre o estranho clandestino que acabara de trazer para bordo.
Pálido e trêmulo, desceu de seu veículo e se dirigiu ao intercomunicadormais próximo, a fim de informar o chefe dos hangares de que a nave-patrulha estava de volta, tendo ingressado a bordo em boa forma.
* * *
Gucky se rematerializou sem a menor complicação no pequeno depósito.
Ao primeiro relance de olhos percebeu que a informação de Holloran devia estar errada ou superada. As paredes do compartimento estavam cobertas de grandes armações, e as prateleiras das mesmas estavam ocupadas até o último centímetro quadrado.
A situação daquele compartimento não era tão tranqüila como Gucky esperara. Mas, ao menos no momento, nenhum saltador se encontrava no interior do mesmo.
Utilizando sua capacidade de sondagem, que decorria do dom da telecinésia, Gucky tateou cuidadosamente as imediações do depósito em que se encontrava. Conseguia sentir, até uma distância de cerca de cinco metros, o contorno de objetos que a vista não alcançava.
Apesar do cuidado com que agiu, não perdeu tempo em identificar todos os contornos dos objetos. O que lhe interessava saber era se lá fora alguma coisa se movia num raio de cinco metros do ponto em que se encontrava.
Depois de ter se certificado a este respeito, saltou para fora.
Aterrizou diante da escotilha do depósito. Viu-se num corredor estreito e anguloso, que terminava poucos metros atrás dele, numa parede lisa e brilhante. Gucky apalpou o outro lado da parede e sentiu o gélido vento nevado.
Era o envoltório exterior da nave!
Para descobrir qualquer coisa, teria que se dirigir para o lado oposto.
Foi caminhando alegremente. A cada três ou quatro metros, o estreito corredor era cortado por um ângulo fechado. O “tateador” de Gucky atingia de cada vez o lado oposto desse ângulo. No momento não havia o menor perigo de que alguém desse com a sua presença.
Depois de ter descrito dez ângulos, o corredor desembocava em outro muito mais largo e que se estendia em linha reta, o que deixou Gucky contrariado. Aproximou-se cuidadosamente e tateou o corredor. Concluiu que, ao menos nesse setor, estava vazio.
Continuou a se adiantar e atingiu o fim do corredor estreito. O corredor mais largo tinha uma iluminação bem mais forte.
E estava vazio apenas a uma distância de cerca de vinte metros de ambos os lados.
Gucky viu uma porção de vultos que vinham apressadamente dos dois sentidos e se dirigiam a nichos das paredes, onde desapareceram. Logo concluiu que esses nichos nada mais eram senão as aberturas dos poços dos elevadores antigravitacionais.
Contou trinta saltadores de cada um dos lados. Esperou até que tivessem desaparecido no interior dos poços dos elevadores. Depois se teleportou pelo corredor até onde pôde alcançar com a vista.
Voltou a surgir num ponto em que desembocava um corredor lateral. Este, poucos metros à esquerda, vinha dar em outro corredor, cujo solo estava coberto de fitas rolantes que se deslocavam em ambas as direções.
Gucky percebeu que havia chegado ao grande corredor central da nave. Se suas informações sobre a mentalidade dos saltadores eram corretas, o gabinete do comandante devia ficar nesse corredor central, provavelmente no meio do mesmo.
E o comandante era o homem do qual Gucky esperava obter as informações de que precisava. Como não conhecesse a posição exata do gabinete, teve que avançar pelo corredor central.
A tarefa não seria nada fácil, concluiu Gucky.
Apesar disso, teria que ser tentada.
* * *
— Observação! — disse Moisés laconicamente.
Tiff ergueu a cabeça.
— O que é, Moisés? — perguntou.
— Uma porção de veículos pequenos — respondeu Moisés. — Vejo-os em todas as direções. Viajam dois a dois, perto um do outro. Os mais próximos se encontram em R, quinze mil; Pi, cinco. Altitude constante de trezentos metros.
Tiff se levantou.
— Então é isso — disse em tom sombrio. — Ainda estão à nossa procura. Preparem-se.
Humpry Hifield continuou sentado, encostou as costas enormes contra a parede e lançou um olhar desconfiado para Tiff.
— Quem lhe garante que são saltadores? — perguntou em tom contrariado.
— Sim, você tem razão. Devem ser umas estátuas de gelo.
Tiff acenou com a cabeça.
Não se preocupou com Hump. Há muito os pacotes trazidos por Gucky haviam sido levados para o interior da caverna e desembrulhados. Os trajes transportadores arcônidas estavam cuidadosamente estendidos no fundo da caverna, prontos para serem enfiados no corpo.
Tiff tirou o traje espacial e envergou o traje transportador. Eberhardt seguiu seu exemplo. Hump continuava imóvel, encostado à parede.
Eberhardt disse:
— Até parece que você está com medo dos saltadores, Hump.
Hump se levantou e se aproximou a passadas vigorosas.
— Nunca mais diga uma coisa dessas! — disse em tom ameaçador.
Também começou a tirar o traje espacial para envergar o traje transportador.
— Controle de funcionamento! — ordenou Tiff. — Campo de deflexão?
— Em ordem.
— Campo de choque?
— Em ordem.
— Antígravo?
— Em ordem.
— Aquecimento?
— Em ordem.
— Está bem!
Tiff dirigiu-se às moças.
— Vocês ficarão por aqui; não se mexam — ordenou.
Depois se aproximou de Moisés.
— Você irá conosco até a parede externa, Moisés! — ordenou. — Só apareça fora da caverna quando eu o chamar. Um bloco metálico como você seria localizado imediatamente.
Entendido — confirmou Moisés.
Tiff olhou para trás.
— Bem que gostaria que Gucky estivesse de volta — murmurou. Com a voz alta acrescentou: — Fechem os capacetes. Segurem as armas. A comunicação pelo rádio de capacete será realizada com a potência mínima.
Todos fizeram o que estava dizendo.
— Vamos dar o fora.
Moisés removeu a peça que fechava a parede divisória. Uma lufada de ar frio penetrou na caverna. O robô se espremeu pela abertura estreita, seguido por Tiff, Eberhardt e Hump.
— Encontram-se a apenas cinco mil metros — anunciou Moisés, enquanto recolocava a peça separatória. — Pi inalterado, altitude continua em trezentos.
Tiff compreendeu. Pi inalterado; isso significava que os dois veículos se dirigiam ao centro do sistema de coordenadas. E esse centro era constituído por Moisés com seu mecanismo localizador.
* * *
— Eu diria que ali à frente há uma grande cadeia de montanhas — disse Vilagar.
Pcholgur acrescentou esta observação:
— E eu diria que alguém que queira se esconder da gente terá melhores chances numa zona montanhosa. Ninguém costuma se enterrar numa planície. 
Vilagar riu.
— Quer dizer que somos da mesma opinião.
Vilagar e Pcholgur eram os tripulantes de uma das naves-patrulha cuja presença fora constatada por Moisés. Vilagar entrou em contato pelo telecomunicador com a outra nave-patrulha e transmitiu-lhes sua suspeita e a de Pcholgur.
Horlgon, um jovem da família Horl, à qual pertencia a Horl VII, e Enaret foram de opinião que a suspeita era perfeitamente plausível.
— Quer dizer que daqui em diante devemos ter um cuidado todo especial — disse Horlgon. — Estamos a cerca de quatrocentos quilômetros do ponto em que os fugitivos aprisionaram nossa nave. É bem possível que tenham se escondido nesta área.
— Sou da mesma opinião — respondeu Vilagar. — Convém que reduzamos a velocidade assim que atingirmos as montanhas.
— Isso mesmo — respondeu Horlgon.
* * *
No momento em que olhou o mostrador do relógio luminoso, Tiff teve de reprimir um acesso de saudades. 2 de agosto, 6:51 h, hora de Terrânia. A essa hora um novo dia começava a raiar em Terrânia.
Aqui no Homem de Neve o ponto luminoso formado pelo sol azulado descia para o horizonte. Embora a mancha alaranjada do astro principal continuasse no céu, sua luminosidade era tão fraca que depois do pôr do sol azulado não passaria de uma lua de intensidade média.
Haviam assumido suas posições na beira da grota em que estava escondida a nave-patrulha.
Tiff mantinha contato ininterrupto com Moisés, que aguardava junto à parede exterior da caverna. Moisés o informou sobre a posição das duas naves-patrulha. Tiff já se dera conta de que seus tripulantes nutriam uma suspeita toda

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