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P 080 Nas Cavernas dos Druufs Kurt Mahr

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NAS CAVERNAS
DOS DRUUFS
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
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O S.O.S. vem do Universo dos druufs, mas só os terranos conhecem o alfabeto Morse.
Ao que parece, a morte de Thora marcou o início de uma época sombria para a Humanidade.
Perry Rhodan e alguns dos principais figurões do Império Solar são tidos como mortos: teriam sido consumidos pelo fogo atômico de Fera Cinzenta.
O Marechal-Solar, Freyt, assume a direção do governo provisório; o Marechal Mercant incumbe-se dos serviços de segurança e o General Deringhouse tem sob seu cargo a frota espacial...
Porém o fato de que, provavelmente, Perry Rhodan esteja morto, não foi revelado ao público, já que o jovem Império ainda não parece suficientemente consolidado a ponto de absorver, sem profundos abalos políticos, uma notícia tão catastrófica.
Mas, por quanto será possível manter em segredo uma notícia tão importante?
Ou será que o pedido de socorro, vindo dos subterrâneos de Rolando, representa uma tênue luz de esperança?
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan, Reginald Bell e Atlan e Fellmer Lloyd — São chamados de hóspedes pelos druufs, mas recebem o tratamento de prisioneiros.
Capitão Marcel Rous — Comandante da base secreta de Hades.
Major Clyde Ostal — Uma das velhas raposas da Frota Espacial.
General Deringhouse, Ras Tschubai e Gucky — Membros do comando Rolando.
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O aparelho tinha o aspecto de um órgão de igreja. Era feito de cilindros metálicos rigidamente ligados, cuja altura diminuía da esquerda para a direita. O aparelho estava encostado à parede e sua única finalidade parecia consistir em confundir os quatro prisioneiros.
Durante três dias conseguira preencher essa finalidade. Depois disso, os prisioneiros passaram a dedicar-lhe uma atenção que ia além do terreno puramente contemplativo. Procuraram desmontá-lo. Conseguiram fazê-lo em parte. Naquele instante, Perry Rhodan estava ajoelhado à frente de um dos pequenos tubos e perguntou a si mesmo o que aconteceria se comprimisse a pequena chave que sobressaía entre a confusão de fios, bastões de vidro, lâminas de plástico...
Não que aquela chave representasse alguma alternativa para ele. Mas haviam feito um trabalho duro para abrir alguns dos tubos, e, a essa altura, seria ridículo deixar a chave como estava, pelo simples motivo de que não sabia qual seria o efeito produzido.
Perry Rhodan virou a cabeça. Atrás dele, Atlan, o arcônida, Reginald Bell e o mutante Fellmer Lloyd mantiveram-se em atitude de expectativa, nas monstruosas poltronas de pernas tortas. Ao que parecia, nenhum deles sentia medo; a curiosidade dominava tudo. Durante três dias tinham vagado por uma série de recintos subterrâneos, que os druufs colocaram à disposição dos prisioneiros. Então deram-se conta de que não havia qualquer saída que prometesse algum êxito na fuga. Por fim, acabaram voltando para o “órgão” que lhes despertava a atenção, pois era a única peça do equipamento subterrâneo cujas funções não conheciam.
Recorreram a canivetes, a pequenos parafusos metálicos retirados das poltronas e a coisas- semelhantes, e conseguiram remover o revestimento de três tubos. O que surgiu debaixo desse revestimento não permitia qualquer conclusão segura sobre a finalidade do aparelho. A única coisa que poderia ser modificada, sem inutilizá-lo, seria a posição da chave.
Perry Rhodan encostou o dedo à pequena peça metálica.
— Vamos começar — disse. — Prendam a respiração, pois não sabemos o que Vai acontecer.
Rhodan intensificou a pressão do dedo. Sentiu que a pequena chave começava a ceder. Por um instante espantou-se porque não estava acontecendo nada. De repente teve a impressão de que alguém lhe golpeava fortemente o ombro. O braço caiu, a mão acompanhou o braço e a pequena chave foi baixada de vez.
Alguém gritou. O próprio Perry Rhodan teve vontade de gritar. Alguma coisa comprimia-o inexoravelmente para baixo. Atirou-se para a frente e procurou apoiar-se com as mãos, mas depois de alguns segundos seus braços afrouxaram-se. Caiu de bruços. A força da compressão deixou-o sem fôlego e desenhou uma profusão de anéis coloridos diante de seus olhos.
A pressão não diminuía. Expelia o ar dos pulmões de Rhodan, tornando quase impossível a respiração. Com uma dolorosa clareza, Rhodan percebeu que teria de fazer alguma coisa se não quisesse desmaiar.
Ao mover a chave, calculara com tantas possibilidades que levou alguns segundos para digerir mentalmente o efeito que acabara de produzir.
Com o aspecto de órgão, aquele aparelho era um gerador antigravitacional, e, ao mover a chave, Rhodan fizera com que a gravidade artificial, reinante no interior do recinto, crescesse cinco ou seis vezes.
Isso era uma decepção; não correspondia a nenhuma das esperanças entretidas por Perry Rhodan. Mas, naquele momento, as esperanças eram o que menos importava. O que realmente importava era recolocar a chave na posição anterior.
Rhodan sabia que não conseguiria apoiar-se nos braços. O peso que lhe era conferido pelo campo de gravitação artificial era muito elevado. Por isso virou de lado, deitou sobre o ombro direito e procurou levantar o braço esquerdo. Conseguiu. Mas havia outra dificuldade: desta vez, a chave tinha de ser empurrada de baixo para cima, e esse movimento era muito mais difícil que o primeiro. Mas também conseguiu.
Depois de concluído o trabalho, Rhodan continuou deitado por mais alguns instantes. Precisava de algum tempo para respirar direito e espantar a sensação de torpor. Finalmente ergueu-se.
O quadro surgido era de uma esquisitice hilariante. Sob o peso multiplicado das pessoas, as poltronas de pernas tortas haviam quebrado. Inconscientes, Atlan e Lloyd estavam deitados entre os destroços. Reginald Bell não fora afetado tão intensamente pelo choque gravitacional. Segurava-se em duas peças de madeira plastificada, que eram os únicos componentes inteiros de sua poltrona, e lançava um olhar de espanto e raiva para o aparelho com aspecto de órgão.
— Será que é só isso? — perguntou em tom contrariado.
— Parece que sim — respondeu Rhodan.
Reginald Bell levantou-se. As peças da poltrona caíram ruidosamente ao chão.
— Quer dizer que nosso trabalho foi em vão — observou bastante aborrecido. — Ficamos trabalhando nisso um dia inteiro, apenas para constatar que o aparelho regula um campo de gravitação artificial.
Deu um pontapé no menor dos tubos.
— Você acha que isso não vale nada? — perguntou Perry Rhodan.
Reginald Bell e Perry Rhodan já se conheciam muito bem, para que qualquer um deles pudesse depreender do tom de voz do outro se o mesmo tinha alguma novidade ou não.
Bell lançou-lhe um olhar de perplexidade.
— Por enquanto não vejo nada — respondeu em tom inseguro. — Quem sabe se você não me pode dar uma dica?
Rhodan sorriu. Naquele instante, Atlan, que acabara de recuperar a consciência, levantou-se entre os destroços de sua poltrona. Ao que parecia, ouvira as últimas frases do diálogo.
— São campos gravitacionais variáveis no tempo — disse em tom indiferente, como se nada tivesse acontecido. — DG é proporcional a dt. A potência do mecanismo gravitacional é diretamente proporcional à indução gravomecânica. Isso não significa nada para o “senhor”?
Reginald Bell arregalou os olhos e fitou o canto mais afastado da sala.
— Significa, sim — respondeu depois de algum tempo. — Mas acho que os druufs não ficarão muito satisfeitos se o equipamento antigravitacional deles for transformado num aparelho de telegrafia.
Perry Rhodan colocou-lhe a mão no ombro.
— Resta saber se eles perceberão alguma coisa — disse.
O desastre tivera inicio há dez dias, em 23 de outubro de 2.043 do calendário terrano. Os arcônidas descobriram a base de Fera Cinzenta e atacaram-na imediatamente. Naquele momento, a frota terrana encontrava-se num setor afastado, onde aguardava o momento de lançar-se ao ataque contra Árcon.Perry Rhodan, Atlan, Reginald Bell e Fellmer Lloyd ainda se encontravam em Fera Cinzenta. A base não teve a menor chance, face ao ataque maciço das naves inimigas. Numa questão de horas, as bombas de Árcon transformaram o planeta num inferno nuclear.
Perry Rhodan e seus companheiros haviam conseguido fugir para uma ilha, de onde irradiaram um pedido de socorro pelo minicomunicador. No último instante, surgira uma nave para retirá-los do planeta. Acontece que não era uma nave terrana, conforme esperavam, mas um veículo espacial arcônida. Escaparam por pouco da morte, porém, mais uma vez, viram-se em situação difícil. Passaram à condição de prisioneiros dos arcônidas.
A poucos minutos-luz de Fera Cinzenta, a nave arcônida que os recolhera transferiu-os para outro veículo, que também se encontrava a serviço do computador-regente de Árcon e, ao que tudo indicava, recebera ordens de conduzir os prisioneiros, o mais depressa possível, a esse planeta. Perry Rhodan notou que o comandante da segunda nave, um ekhônida chamado de Chollar, não conhecia seu nome. Concluiu que o computador-regente estava interessado em manter o maior sigilo possível sobre a prisão de um inimigo tão importante como ele.
Os prisioneiros conseguiram dominar os ocupantes da sala de comando da nave ekhônida num golpe de surpresa. Irradiaram um pedido de socorro muito bem cifrado. Calcularam que só uma nave terrana o entenderia e tomaria qualquer providência diante da mensagem.
A nave chegou dentro de quatro horas; acontece que não era uma nave terrana ou arcônida, mas sim um veículo espacial dos druufs. Sob o ponto-de-vista político, as relações entre os terranos e os druufs eram demais estranhas. Cada um via no outro um aliado em potencial na luta contra Árcon, mas a desconfiança ainda era mais forte que o desejo de associar-se. Para os druufs, Perry Rhodan e seus companheiros eram prisioneiros. Levaram-nos para sua nave e trataram de sair o quanto antes do setor espacial controlado pelos arcônidas. Passaram pela área de superposição, que, naquele tempo, representava o único elo entre seu Universo e o Universo einsteiniano, e trancafiaram os prisioneiros num subterrâneo de um planeta gigantesco.
O vôo durara dois dias. Durante esse tempo, os prisioneiros ficaram a sós e sem serem observados, salvo por ocasião das visitas do robô dos druufs que lhes trazia a comida. Em seus camarotes não havia telas de imagem. Não sabiam nada do que se passava em torno deles. Mas, ao que tudo indicava, a viagem estava sendo realizada sem problemas.
Finalmente a nave pousou. Perry Rhodan e seus companheiros já se haviam acostumado um pouco à gravitação de 1.95G, reinante a bordo da nave. Era a mesma gravitação do planeta natal dos druufs.
Os prisioneiros tiveram conhecimento do pouso, quando um druuf entrou no camarote e, por meio de sua tradutora eletrônica, lhes pediu que colocassem os trajes trazidos da nave ekhônida e saíssem da nave. O druuf não forneceu qualquer informação sobre o motivo e a finalidade desse pedido. Era um “Mike”, nome que os terranos resolveram dar aos druufs de graduação mais baixa, e não devia estar autorizado a ministrar quaisquer esclarecimentos. Talvez ele mesmo não soubesse do que se tratava.
De qualquer maneira, os prisioneiros fizeram o que lhes foi pedido: deixaram a nave. O veículo espacial dos druufs estava pousado numa grande planície de rocha. Enquanto desciam pela escada rolante, Perry Rhodan e seus companheiros depararam-se com um quadro, talvez pintado por um surrealista que não se tivesse conduzido com maiores escrúpulos na escolha das cores.
A planície parecia estender-se aos confins do infinito. O cinza-marrom da rocha era a única tonalidade que tinha um correspondente nas cores conhecidas na Terra. Vez por outra, uma rocha em forma de agulha, ou monólito, erguia-se na planície e, apesar de seu feitio esbelto, subia a alturas estonteantes. As pontas finíssimas estendiam-se em direção a um céu marrom, sob o qual se viam nuvenzinhas de cor turquesa.
Não se distinguia a fonte de luz que iluminava aquele céu. Provavelmente o astro diurno do planeta iria surgir no nascente. À pequena distancia da nave dos druufs, o chão descia, formando uma bacia de várias centenas de metros de diâmetro, na qual se via um lago cor de rubi. Uma brisa ligeira agitava a superfície do lago, e, vez por outra, pequeninas ondas transbordavam para a planície.
Era um mundo de fadas, maravilhoso de ser contemplado, mas venenoso como um cálice de cicuta. As formações de rocha, a grande planície, as nuvenzinhas, tudo parecia indicar que a atmosfera do planeta era formada de amoníaco e metano, tal qual acontecia com muitos planetas gigantescos, mas inúteis, encontrados em quase todos os sistemas.
Ainda na escada rolante, admiraram-se porque a gravitação do planeta parecia ser igual à que reinava a bordo da nave, Não sabiam que o campo gravitacional artificial da nave a envolvia num circulo bastante amplo. O limite desse círculo ficava vários metros além do pé da escada.
Mas, quando ultrapassaram esse limite, perceberam o engano. O punho de um gigante parecia golpeá-los e mantê-los presos ao solo. No primeiro momento sentiram-se dominados pelo pânico. Contorceram-se e se esforçaram para pôr-se de pé o quanto antes, porém apenas conseguiram esgotar suas próprias forças. Depois de algum tempo, permaneceram quietos e lembraram-se das regras sobre o comportamento em condições de gravitação anormal que haviam aprendido.
Descansaram e obrigaram os pulmões a trabalhar. Depois encolheram lentamente os joelhos e apoiaram a parte superior do corpo sobre os braços, que ameaçavam quebrar sob o peso que tinham de suportar. Ergueram-se centímetro por centímetro. Finalmente puseram-se de pé. Tiveram a impressão de estarem presos no interior de uma armação que os comprimia violentamente para baixo.
Mas conseguiram manter-se de pé. Em torno deles, os druufs enxameavam sobre as pernas ciclópicas. Estavam acostumados a uma gravitação mais elevada que os terranos, mas, apesar disso, andavam abaixados e um tanto desajeitados.
Perry Rhodan calculou que a gravitação devia ser pouco inferior a 3 G. Bem mais tarde, ficaram sabendo que o valor normal era 2,600. É uma carga que o corpo humano suporta por algum tempo, sem sofrer maiores danos, mas o fará desmoronar caso perdure.
Os druufs nem pensaram em facilitar a sorte dos prisioneiros. Tangeram-nos para o monólito mais próximo, e os terranos foram-se arrastando. Se estes, ao descerem pela escada rolante, ainda refletiram sobre a maneira de recuperar a liberdade em meio à solidão colorida do mundo de metano, a essa altura já haviam abandonado tais pensamentos, face ao tremendo esforço da locomoção, que exigia todas as energias do organismo.
Perry Rhodan teve um restinho de raciocínio frio. Sabia que sua situação seria desesperadora, a não ser que conseguissem descobrir onde ficava o planeta em que se encontravam. Era bem verdade que ele mesmo não tinha uma idéia muito clara sobre a maneira de utilizarem essa informação.
Até então os conhecimentos humanos sobre o estranho Universo em que viviam os druufs eram mais que modestos. Os terranos conheciam o sistema de Siamed, o berço natal dos druufs. Além disso, conheciam dois mundos distintos, aos quais haviam dado o nome de Solitude e Planeta de Cristal. No entanto, não sabiam qual era a posição desses mundos em relação ao sistema de Siamed.
Até mesmo o conhecimento do habitat dos druufs era bastante lacunoso, face à pressa e ao segredo com que tiveram de ser realizadas as respectivas investigações. O sistema de Siamed movia-se em torno de dois sóis, um dos quais era um gigante vermelho e o outro, uma estrela. A potência máxima de radiações dessa estrela correspondia a um comprimento de ondas de cerca de 5 mil angstrõns, motivo por que, ao olho humano, tinha uma coloração verde-amarelada. O sistema era formado por sessenta e dois planetas e um número enorme de luas. Pelos padrões terranos era um sistema monstruoso.Possuía vários gigantes de metano, como aquele em que a nave dos druufs acabara de pousar.
Mas esse dado não bastava para identificar o planeta. A maior parte dos sistemas possuía planetas de metano, e, certamente, no Universo dos druufs, aqueles não eram menos numerosos que no espaço einsteiniano, habitado pelos terranos e pelos arcônidas.
Perry Rhodan lançou um olhar cansado para o céu.
Viu os contornos rubros da foice lunar, junto ao monólito em direção ao qual se arrastavam.
O que importava não era a existência da lua, mas sua cor. Achava-se praticamente no zênite, mas era vermelha. Poder-se-ia supor que o envoltório atmosférico do planeta de metano fosse tão espesso que provocava nos astros, próximos do zênite, o mesmo efeito que a atmosfera terrana produz naqueles que se encontram perto da linha do horizonte. Talvez a vermelhidão daquela lua tivesse a mesma causa que a do sol terrano no ocaso.
Mas também era possível que a coloração da lua tivesse sua origem na cor do sol. Se esse astro fosse vermelho, era quase certo que o gigante de metano, lugar do pouso dos druufs, pertencesse ao sistema de Siamed. Era um detalhe importante, pois o socorro só poderia vir desse sistema. Nele localizava-se a única base que a frota terrana conseguira instalar na outra dimensão temporal. Era a base de Hades, situada numa zona crepuscular semelhante a Mercúrio.
Perry Rhodan estava refletindo sobre a coloração estranha do céu e procurava responder se a cor marrom poderia ter sua origem na ação conjunta de dois astros diurnos, um vermelho e um verde. Porém, de repente se ouviu um grito de espanto de Bell em seu rádio de capacete.
O pequeno grupo, flanqueado por dez druufs, acabara de chegar ao pé da rocha que se erguia para o céu. A surpresa de Reginald Bell fora provocada por uma abertura do tamanho de um portão, que veio interromper a parede rochosa e que, conforme Rhodan se lembrava, antes não estivera lá.
Quer dizer que no monólito existia a entrada de uma caverna ou de um sistema de cavernas, que os druufs haviam construído ou encontrado sob a superfície do planeta. Ao que parecia, achavam que o lugar era suficientemente seguro para abrigar um grupo de prisioneiros importantes.
Logo atrás da abertura, já no interior do monólito, começava uma espécie de rampa que descia suave. A pedra estava lisa, provavelmente em virtude da utilização freqüente da rampa. Os quatro prisioneiros tiveram de fazer um tremendo esforço, a fim de manterem-se de pé, em vez de ceder à tração da gravidade, deixando-se rolar rampa abaixo.
No momento em que a entrada da caverna se fechou — Perry Rhodan não conseguiu descobrir que mecanismo os druufs usavam para isso — uma luz forte acendeu-se e iluminou a rampa até a sua extremidade inferior. Essa extremidade ficava num recinto quase circular, de vinte metros de diâmetro. Daí saíam doze corredores em sentido radial. As paredes e o corredor estavam fracamente iluminados. Ao que parecia, os druufs não possuíam o menor senso estético. Em compensação, os corredores estavam equipados com fitas rolantes, que permitiam uma locomoção rápida e livrava os prisioneiros do esforço de levantar as pernas a cada passo dado.
Enquanto se deslocavam sobre a fita rolante, os prisioneiros não conseguiram descobrir a finalidade e as funções da caverna. Apenas puderam notar que havia uma série de salas, cujas portas se abriam na parede do corredor, e que as instalações subterrâneas eram por demais extensas.
Quando os druufs mandaram-nos sair da fita rolante e esperar junto à parede do corredor, até que três portas disformes se abrissem do lado direito do mesmo, achavam-se num local distante quatrocentos metros da entrada do sistema de cavernas. E, à luz difusa das lâmpadas ocultas, puderam ver que o corredor avançava pelo menos outros quatrocentos metros para as profundezas da planície rochosa.
Verificaram que aquilo que Perry Rhodan calculara serem portas, na verdade não passava de comportas destinadas a evitar que a atmosfera venenosa de metano penetrasse nas cavernas. Atrás das comportas pelas quais os druufs levaram seus prisioneiros havia uma série de aposentos. Os terranos espantaram-se ao notar que os cômodos eram dotados de todas as vantagens proporcionadas pela civilização dos druufs e não deixavam nada a desejar em relação à comodidade.
Ao contrário das paredes do corredor, as dos aposentos eram lisas e revestidas de materiais de isolamento térmico. O soalho estava coberto de folhas de plástico grossas e elásticas, do tipo das que os druufs costumavam usar no lugar dos tapetes. Os móveis eram um tanto grandes e toscos para as concepções humanas, mas eram abundantes e variados. Via-se perfeitamente que os seres-toco haviam feito os maiores esforços com o intuito de preparar alguns aposentos naquele sistema de cavernas, onde eles próprios pudessem viver confortavelmente por algumas semanas ou meses, mesmo que se encontrassem longe da civilização. Ao transmitirem esse conforto aos humanos, estavam agindo apenas por uma questão de conveniência, pois já haviam dado provas de não serem muito amáveis para com os terranos.
Um dos druufs, equipado com uma tradutora, disse aos terranos que nesses recintos havia ar respirável, motivo por que poderiam tirar seus trajes protetores. Quanto ao mais, teriam de esperar ali mesmo, até que aparecesse alguém para cuidar deles. Não disse quando poderiam contar com isso.
O conjunto consistia em três aposentos. Depois de terem tirado os trajes protetores, que foram levados pelos druufs, examinaram esses recintos. Os móveis tinham, sido concebidos para os corpos dos druufs. As poltronas de pés em X eram tão grandes que nelas caberiam duas pessoas. Em cada uma das estranhas armações, sustentadas por barras presas ao teto, que serviam de cama aos seres-toco, caberiam quatro terranos. E a série de pias redondas, que tomava inteiramente uma das paredes da menor das três salas, bastaria para satisfazer as necessidades higiênicas de um batalhão. Qualquer dessas pias poderia ser-vir de banheira a um terrano não muito robusto.
As finalidades de várias outras coisas só foram descobertas depois de algum tempo. Por exemplo, a mesa, que no seu estado normal era apenas uma placa colocada no chão. Ficaram refletindo por muito tempo sobre a serventia dessa placa, até que Reginald Bell, para obter uma visão melhor do objeto, dirigiu-se à cabeceira e, com isso, evidentemente, acionou algum contato oculto. A placa subiu instantaneamente, sustentada por quatro pernas retráteis, transformando-se numa mesa. Os prisioneiros não poderiam usá-la, pois a placa ficava tão alta que mal conseguiam olhar por cima da mesma. Mas haviam desvendado o mistério.
Depois de terem inspecionado às instalações durante uma hora, tiveram uma idéia exata das instalações da prisão em que se encontravam. E também tiveram uma idéia bastante nítida do sistema de vigilância dos druufs. Esse sistema era primitivo, mas muito eficiente. Os seres-toco haviam carregado seus trajes protetores. Dessa forma, nem sequer precisavam dar-se ao trabalho de trancar as comportas. Perry Rhodan fizera uma experiência a este respeito. As comportas abriram-se sem a menor dificuldade. Apenas acontecia que, para além da porta exterior, existia uma atmosfera de amoníaco e metano com uma pressão de 2.500 torrs. Só mesmo um idiota pensaria em fugir por esse caminho. Os druufs não tinham necessidade de manter guardas no local.
Portanto, estava tudo claro, com exceção da finalidade do aparelho com o aspecto de órgão de igreja, preso a uma parede, no aposento situado no centro, parecendo zombar de todas as tentativas de explicação. Mesmo no instante em que, cerca de duas horas após a chegada deles, a gravitação quase insuportável foi diminuindo, passando ao nível normal de 1 G, não lhes acudiu a possibilidade de que o “órgão” pudesse ter algo a ver com isso.
Mas, a curiosidade dos terranos fora despertada. Então passaram a desmontar e examinar o “órgão” com a meticulosidade que costumamdesenvolver, quando, se trata de satisfazer sua curiosidade. Tomaram conhecimento da finalidade do aparelho e, subitamente, tiveram uma idéia do que poderiam fazer com ele.
* * *
A única criatura, que chegaram a ver durante os três dias de prisão, era um ser mecânico: um robô dos druufs, monstruoso como os seres que o haviam criado. Ele lhes fornecia os mantimentos. Ao que parecia, não sabia falar nem comunicar-se de outra forma. Chegava sempre à mesma hora, sem anunciar-se, colocava uma bandeja com travessa sobre a mesa, que se levantava à sua aproximação, e desaparecia. Voltava regularmente depois de uma hora, para levar os restos de comida. Esse ritual acontecia três vezes, a cada vinte e quatro horas.
Perry Rhodan lhe fez algumas perguntas inocentes. O robô não respondeu e nem sequer reagiu às mesmas.
Dessa forma, continuavam no escuro sobre o ponto mais importante: Quantos druufs havia na base subterrânea?
Procuraram orientar-se por eventuais ruídos, mas tiveram de constatar que os únicos ruídos eram os causados por eles mesmos. Chegaram à conclusão de que, possivelmente, não havia mais ninguém no sistema de cavernas, com exceção deles mesmos e dos robôs. Porém, também era possível que as paredes e comportas tivessem sido feitas à prova de som, ou que os druufs se encontrassem tão longe que os ruídos causados pelos terranos não poderiam chegar aos seus ouvidos.
Sabiam perfeitamente que, se houvesse um único druuf vigilante por perto, o plano não teria a menor chance de êxito. O ser-toco perceberia os sinais emitidos — isto é, a modificação do campo gravitacional — e não demoraria em descobrir, sua origem. Perceberia a intenção dos prisioneiros e tomaria todas as providências, para que a fuga não pudesse ser levada avante.
Mas se o sistema de cavernas estivesse vazio, a situação seria diferente. Mesmo assim, os druufs captariam os sinais, mas estes também seriam detectados pelas pessoas às quais se destinavam. Restava saber se a primeira nave, que chegasse ao planeta, seria dos druufs ou dos terranos.
Por enquanto só tinham certeza de uma coisa. Não poderiam deixar de dar os sinais, pois estes representavam sua única possibilidade de entrar em contato com o mundo exterior.
Então tomaram suas providências. Seria tanto mais fácil receber os sinais, quanto maior fosse a modificação temporária do campo de gravitação artificial ou, em outras palavras, quanto maior fosse a diferença entre dois níveis sucessivos de gravitação. As experiências de Perry Rhodan haviam revelado que o campo de gravitação podia ser reforçado para um máximo de 12 G. O nível mínimo ficava em cerca de 0,3 G, conforme se concluía pela redução do peso corporal. Isso significava que, quando começassem a transmitir, o peso de seu corpo cresceria, numa fração de segundos, em cerca de quarenta vezes, para depois voltar a um quadragésimo do valor anterior.
Era claro que o homem manipulador da chave teria de ser revezado a intervalos curtíssimos. Caberia a ele a maior parte do trabalho. Depois de duas ou três modificações do campo gravitacional, o tal homem estaria totalmente exausto.
Perry Rhodan foi o primeiro a executar essas funções. Sentou-se no chão e encostou-se à parede, numa posição em que pudesse alcançar a chave, sem levantar-se. Reginald Bell ergueu uma barricada de poltronas junto aos pés de Rhodan, para que a súbita modificação do campo gravitacional não fizesse escorregar seu corpo parede abaixo. As poltronas proporcionariam apoio aos pés. Uma vez concluídos os preparativos, Bell e seus dois companheiros deitaram-se no chão. Nessa posição, seria mais fácil suportar as repentinas modificações no nível de gravitação.
Perry Rhodan estendeu a mão e viu que não havia nenhuma dificuldade em atingir a chave. Por um minuto fixou a pequena peça de metal cinzenta. Depois, para que os pulmões estivessem livres, quando viesse o choque, expeliu o ar e colocou a mão sobre a alavanca. Reginald Bell, Atlan e Fellmer Lloyd fitaram-no atentamente. Rhodan fez-lhes um sinal, e os três encostaram a cabeça no chão.
Depois moveu a chave.
A coisa foi pior do que imaginara!
Tivera a intenção de nem deixar que o choque produzisse todos os seus efeitos. Prevenido, puxaria imediatamente a chave para cima. Mas não conseguiu. Sob a pressão do peso, aumentado em doze vezes, a mão escorregou da chave e o braço bateu pesadamente contra a parede. Perry Rhodan teve de recorrer a toda a força dos músculos para levantar o braço e colocar um dedo embaixo da alavanca. De repente, o peso tremendo foi tirado de cima de seu corpo. Mas a modificação, que levou a gravidade de doze vezes seu valor normal para menos de um terço desse valor, foi tão repentina que Perry Rhodan sentiu um súbito mal-estar.
A manobra consumiu vinte segundos, e não meio segundo, conforme previra no início.
Perry Rhodan fez uma pausa para respirar. Encheu os pulmões e voltou a expelir o ar. Reginald Bell levantou a cabeça e fitou-o. Perry Rhodan fez um aceno com a cabeça e obrigou-se a sorrir.
Depois moveu a chave pela segunda vez.
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2
O Sargento Peter Rayleigh tinha certeza absoluta de que sua permanência à frente dos instrumentos era inútil. Nas últimas cem horas não havia acontecido nada em Hades, e Rayleigh apostaria que as próximas cem horas não trariam nenhuma novidade.
Mas não havia ninguém com quem pudesse apostar. Peter Rayleigh encontrava-se numa pequena ramificação da gigantesca caverna, que os canhões de radiações da Califórnia haviam queimado na montanha rochosa, há três meses, a fim de abrigar a base com seu contingente de homens e equipamentos, Peter Rayleigh vigiava uma série de instrumentos altamente sensíveis, cujas escalas se encontravam à sua frente, sobre uma chapa de plástico.
Vez por outra, Rayleigh lançava um olhar indolente para os indicadores luminosos, mas estes permaneciam na escala zero; nem pensavam em sair dessa posição.
Peter Rayleigh era um jovem de apenas vinte e dois anos. Fazia um mês que ele e mais alguns homens de seu regimento foram designados para uma missão secreta. Nem Rayleigh e nem qualquer dos outros tinham a menor idéia do que se tratava, e, quando lhes explicaram, continuaram a não entender. Foram designados para reforçar ou revezar a guarnição da base. Disseram que Hades se encontrava em outra dimensão temporal. Peter Rayleigh e seus companheiros já haviam ouvido falar em dimensões temporais, mas não possuíam os conhecimentos matemáticos que lhes permitissem compreender o fenômeno.
Para passar o tempo, Peter Rayleigh ficou refletindo sobre qual seria a distância entre a Terra e o ponto em que se encontrava. A indagação era tão interessante, e o quadro — um prado verde com numerosas flores, oferecido por sua fantasia — era tão cativante, que por pouco Rayleigh não notava que, subitamente, um dos indicadores da escala começou a movimentar-se. Tremeu, deslizou um pouco para a direita, voltou à posição original e executou outro movimento...
Rayleigh sobressaltou-se. Viu que o indicador luminoso pertencia a um gravímetro, ou seja, um instrumento que mede â intensidade de campos gravitacionais. Era inacreditável que, nas proximidades da base, a intensidade da gravidade tivesse mudado duas vezes, com um pequeno intervalo; por isso, Peter Rayleigh pensou por alguns segundos que seus olhos lhe houvessem pregado uma peça. Manteve-se imóvel e fitou o aparelho.
Muito nervoso, procurou rememorar num raciocínio rápido o que deveria fazer num caso como este. Retiraria do respectivo cilindro os dados registrados pelo gravímetro, calcularia o desvio em relação ao valor normal, procuraria descobrir a origem do fenômeno que provocara a reação do aparelho e, por fim, entraria em contato com o Capitão Rous, comandante da base.
Rayleigh ficou recitando esse procedimento, enquanto fitava atentamente a escala luminosa. O ponteiro havia voltado à posição zero e ali permanecia. Peter Rayleigh aguardou mais algum tempo — pelos seus cálculos, mais cinco minutos — lançou um olhardesconfiado para o mostrador e, com um gemido, reclinou-se na sua poltrona.
Mal acabou de fazer isso, o ponteiro voltou a reagir. Repetiu tudo que Peter Rayleigh rememorara da primeira vez: um movimento trêmulo, a volta a um ponto próximo ao zero, outro movimento, seguido da volta ao ponto zero.
De repente, Peter Rayleigh acordou!
Levantou-se de um salto e, com um passo rápido, colocou-se ao lado da armação provisória sobre a qual se encontravam enfileiradas as caixas com os cilindros de medição, que emitiam um brilho fosco. Não teve de procurar muito tempo para localizar o cilindro correspondente ao gravímetro. Os dois ângulos agudos, que o estilete traçara em vermelho sobre a folha de papel deslizante, eram inconfundíveis. Com os dedos trêmulos, mas hábeis, Rayleigh abriu o visor de plástico, separou o pedaço de papel, sobre o qual se encontrava a indicação, cortando-o em cima e embaixo e retirou-o da máquina.
Num gesto distraído, voltou a fechar o visor, enquanto fitava o papel. Os dois ângulos ficavam a uma distância aproximada de trinta segundos. Entre os mesmos, o valor registrado pela máquina e, portanto, a curva vermelha, descia em proporção exponencial, sem retornar à posição zero. Por um trecho a curva prosseguia na horizontal, para depois subir quase verticalmente, formando outro ângulo.
O quadro era inconfundível. Aqueles dados eram causados pelo fato de alguém ligar e desligar um aparelho. Os pequenos trechos horizontais assinalavam o valor estacionário, propriamente dito, do campo gravitacional que estava sendo ligado e desligado. Esse valor era tão baixo que o gravímetro mal e mal conseguia registrá-lo. A pessoa que estava ligando e desligando os campos gravitacionais, fosse ela quem fosse, devia estar muito longe, ou então seu gerador não valia nada.
No momento, Peter Rayleigh não saberia dizer qual das duas possibilidades era a correta. Para isso, precisaria das indicações de pelo menos mais um instrumento. Estava em condições de fornecer indicações apenas sobre a direção da qual provinham os efeitos gravitacionais, pois a folha de papel registrava a posição da antena direcional. Peter Rayleigh fez um cálculo mental dos respectivos ângulos, tentando formar uma imagem, e descobriu que os impulsos vinham de cima. Portanto, era altamente provável que o gerador gravitacional não se encontrava em Hades. Era um dado muito importante. Provava que o registro do aparelho não poderia ter tido sua origem em alguma interferência, que porventura tivesse sido produzida no interior da base.
Peter Rayleigh não precisou refletir muito para chegar a essa conclusão. Retornou ao seu lugar e fez uma ligação com o Capitão Rous. No momento exato em que o rosto de Rous surgiu na pequena tela do intercomunicador, Peter Rayleigh viu o mostrador luminoso do gravímetro fazer mais um movimento para a direita.
* * *
O ordenança parecia bastante perturbado. O Marechal Freyt e o General Deringhouse foram levantando os olhos do mapa. Freyt parecia tão absorvido em suas reflexões que nem percebeu o embaraço do jovem oficial.
— Pois não — disse em tom distraído.
— Perdão, Sir — disse o ordenança. — Lá fora está uma... uma moça que quer falar com o senhor.
Freyt parecia perplexo.
— Uma moça? Como é que uma moça pôde entrar no edifício-sede do governo?
O ordenança respondeu em tom inseguro:
— Não... não sei, Sir. Ela tem todos os documentos necessários para entrar no edifício. Eu... bem...
— Qual é seu nome?
— Toufry, Sir. Miss Betty Toufry. 
Freyt soltou uma gargalhada.
— Por que não disse logo? Mande-a entrar.
O jovem oficial fez continência e afastou-se. Parecia ainda mais perplexo que antes. O General Deringhouse levantou os olhos do mapa e sorriu. Dali a alguns instantes, a “moça”, que deixara o ordenança tonto de tanto refletir, surgiu na porta.
Era difícil avaliar a idade de Toufry. Alguém poderia pensar que tinha seus dezessete ou dezoito anos, se não fossem os olhos, que contemplavam o mundo com uma expressão sábia demais para essa idade. Pelos olhos Betty parecia ter ao menos trinta.
Pouca gente sabia que, na verdade, estava perto dos oitenta anos. O segredo do misterioso ser coletivo do planeta Peregrino, que conferira uma imortalidade relativa a Perry Rhodan e alguns dos seus colaboradores mais chegados, era zelosamente guardado.
Quando apertou a mão do Marechal Freyt e do General Deringhouse, Betty Toufry parecia um tanto nervosa. Freyt convidou-a a sentar.
— Deixe-me adivinhar — principiou em tom amável. — Aconteceu uma coisa importante. Mas como o assunto não é tão urgente, você julgou melhor vir devagar, pessoalmente. Então, porque achava-se por perto, resolveu entrar... Não é isso mesmo?
Betty sacudiu a cabeça. Um sorriso ligeiro surgiu em seus lábios. Conhecia o jeito de Freyt. Cada vez que se encontrava com ela, o general fazia questão de adivinhar seus pensamentos. Era um jogo com que costumavam entreter-se desde o tempo em que Betty Toufry ainda era uma criança; naquela época era a telepata mais competente do Exército de Mutantes do planeta Terra.
— Errou — respondeu Betty; seu rosto voltou a adquirir uma expressão séria. — O assunto é muito importante e muito urgente. Vim o mais rápido possível, a fim de expor o problema com todos os detalhes.
Conrad Deringhouse estava sentado sobre a gigantesca escrivaninha.
O Marechal Freyt lançou um olhar atento e insistente para Betty.
— Mister Ellert deu sinal de vida! — disse Betty em tom exaltado.
Deringhouse assobiou entre os dentes.
— O que foi que ele disse? — perguntou.
Betty parecia embaraçada.
— Pois é justamente isso. Não entendi praticamente nada. Os impulsos vieram do mausoléu. Se por acaso não estivesse por perto, não teria percebido nada. Eram tão débeis que pareciam vir de uma distância de mil anos-luz, talvez mais.
Os dois homens mantiveram-se calados.
— Tudo aconteceu em cinco minutos — prosseguiu Betty apressadamente. — A única coisa que consegui compreender foi isso: “Venham logo!” Acho que não consegui captar sua mensagem sobre o para onde e por quê.
Deringhouse e Freyt fitaram-se; pareciam bastante impressionados.
— Não se preocupe sobre o para onde — disse Deringhouse, querendo consolar a telepata.
— Você não está muito bem informada sobre os acontecimentos que se verificaram pouco antes e pouco depois da morte de Mr. Rhodan, e, por isso, não sabe onde Ellert se encontra. Em compensação, nós sabemos perfeitamente. É bem verdade que gostaríamos de obter alguma informação sobre o por quê. Você teve a impressão de que Ellert estava com medo de alguma coisa?
Via-se que Betty se esforçava para lembrar-se.
— Sim e não — respondeu com um sorriso embaraçado. — Tenho certeza de que estava com medo, mas este medo não se referia à sua pessoa, mas a um terceiro...
Deringhouse levantou a cabeça.
— Ele disse: “Venham depressa.” Não foi isso?
— Sim; foi a única coisa que consegui compreender.
Deringhouse estava de pé à sua frente. Virou a cabeça e lançou um olhar indagador para o Marechal Freyt.
— Não sabemos o que a frase significa — disse em voz baixa, como se já conhecesse a decisão de Freyt.
— Justamente por não sabermos, precisamos cuidar do caso — disse Freyt e levantou-se. — Betty, se eu lhe desse ordem para interromper suas férias, teria alguma objeção?
Betty fitou-o com uma expressão de franqueza.
— Em absoluto, Marechal Freyt — respondeu.
— Pois nesse caso, peço-lhe que por enquanto permaneça nas proximidades do mausoléu — disse Freyt. — Não podemos perder qualquer mensagem que Ellert queira transmitir. Aliás, onde está esse rato-castor convencido?
Deringhouse não sabia.
— Não sei o que um ser de sua espécie costuma fazer nas férias. Mas tenho certeza de que conseguiríamos entrar imediatamente em contacto com ele...
De repente, Betty soltou uma gargalhada.
— Pois eu o vi há algumas horas — disse em tom alegre. — Ele me chamou para que desse uma olhada no seu jardim.
— No seu jardim!— exclamaram Freyt e Deringhouse a uma voz.
Betty fez que sim.
— Isso mesmo. Ele comprou um pedacinho de terra e plantou cenouras.
Por alguns segundos houve um silêncio estranho no grande gabinete do Marechal Freyt. Mas, de repente, todos irromperam numa gargalhada.
O acesso de hilaridade durou bastante tempo. Porém, subitamente, Betty parou de rir e seu rosto assumiu uma expressão de perplexidade.
— O que houve? — perguntou Freyt, respirando com dificuldade.
Betty não respondeu. Enrugou a testa e ficou com os olhos semicerrados. Evidentemente estava “conversando” com alguém por uma via que ficaria para sempre fechada à maioria dos humanos: a via telepática.
Quando Betty voltou a abrir os olhos e fitou Freyt, parecia prestes a irromper em outra gargalhada.
— Ele se queixa porque estamos rindo dele — disse.
— Ele? Quem?
— Gucky, o rato-castor. 
Freyt arregalou os olhos.
— Meu Deus! — disse. — Será que ele conseguiu ouvir a essa distância?
— Pelo que diz, nossa disposição alegre foi bastante intensa — respondeu Betty. — Ele pondera que a situação alimentar do Império Solar seria muito melhor se todos fizessem o que ele está fazendo: produzir seus próprios alimentos.
Conrad Deringhouse fez uma careta.
— Durante a próxima missão insistirá em levar um vagão de cenouras plantadas por ele — disse.
O rosto do Marechal Freyt estava sério de novo.
— Eu lhe avisarei de que deverá revezar-se com a senhora na vigilância do mausoléu, Betty — disse. — A vigilância deve ser ininterrupta. Não podemos perder nenhuma das mensagens de Ellert. Daqui a alguns minutos, Gucky estará falando com você.
Betty estendeu-lhe a mão.
— Tomarei cuidado — prometeu. — Se ficar junto à entrada, talvez consiga compreender melhor as mensagens.
Freyt fez que sim. Betty despediu-se também de Deringhouse e saiu.
— O que pretende fazer? — perguntou Deringhouse, depois que a porta se fechou.
— Vamos dar uma olhada — respondeu Freyt. — Precisamos saber por que Ellert está chamando. Você irá com a Califórnia até a área de Fera Cinzenta e saltará com o transmissor fictício para Hades, que fica do outro lado da frente de superposição. Você sabe o que aconteceu com Ellert. Seu corpo humano jaz no mausoléu, imóvel, aparentemente morto, enquanto seu espírito existe no interior do corpo de um druuf, em outra dimensão temporal. Não sei como poderá fazer, a fim de aproximar-se de Ellert. Em hipótese alguma, procure pousar em Druufon. Leve um excelente telepata para que, de Hades, possa entrar em contato com Ellert, que se encontra em Druufon. No mais, faça o que lhe parecer mais acertado. Receio que já lhe tenha dado conselhos e instruções demais.
Um sorriso irônico surgiu no rosto de Deringhouse.
— Gostaria de receber mais alguns — disse. — Com isso minha responsabilidade diminui.
O Marechal Freyt parecia não ter ouvido a resposta. Lançou um olhar pensativo pela janela.
— Tomara que Cardif não lhe crie problemas — disse Deringhouse.
Freyt fez um gesto de indiferença.
— Ele e seus adeptos encontram-se sob observação. Se tentarem qualquer coisa contra o governo, serão presos. Acho que Cardif é um homem com o qual não se deve perder tempo.
Deringhouse fez um gesto afirmativo. Conhecia o Tenente Thomas Cardif por experiência própria. Era filho de Perry Rhodan e Thora, a arcônida. Do pai herdara o aspecto exterior, e da mãe, a mentalidade que ela tivera antes tio casamento: a presunção racista e o profundo desprezo que votava aos habitantes primitivos do planeta Terra. Deringhouse constatara que Cardif era um homem competente, que infelizmente não merecia confiança. Um elemento causador de problemas.
Poucos dias atrás, quando a notícia da morte de Perry Rhodan, ocorrida na ocasião da destruição da base espacial de Fera Cinzenta, foi oficialmente divulgada na Terra, Cardif compareceu à sede do governo e declarou que era o único sucessor legítimo do pai.
Foi um espetáculo!
Era bastante inteligente para saber que dessa maneira não conseguiria atingir seu objetivo. Apenas prestara uma declaração que significava simplesmente: Quero o poder. Declarei guerra a vocês.
Uma vez que pelo aspecto exterior era parecido com Perry Rhodan, não teve dificuldades em encontrar adeptos. Afinal, Perry Rhodan era o ídolo dos terranos, e havia muitas pessoas tão inexperientes em política que, só por causa da estima que devotavam a Perry Rhodan, também estavam dispostas a dar ouvido a seu filho, Thomas Cardif.
Cardif e seus adeptos quiseram realizar uma passeata, mas esta foi proibida pela polícia. Pretendiam atravessar a cidade com alto-falantes, cartazes e tudo mais que despertasse a atenção popular para o ato. A polícia dispersara os participantes e, dali em diante, os cardifianos, nome que Freyt lhes deu, iniciaram um trabalho subterrâneo.
— Não — repetiu o Marechal Freyt em tom enfático. — Cardif não me preocupa. Existem pessoas que devem ser levadas mais a sério que ele, ao menos por enquanto.
Enrugou a testa, olhou para Deringhouse e, fingindo-se de zangado, acrescentou:
— Por que ainda está parado? Faça o favor de trabalhar.
Um tanto sem jeito, Deringhouse fez uma continência.
— Pois não, marechal! — respondeu. 
Freyt estendeu-lhe a mão.
— Faça os preparativos com rapidez, mas também com cuidado — recomendou. — Não gostaria de ter de procurar outro general na frota. Antes de decolar, dê mais uma chegada até aqui.
Deringhouse confirmou com um gesto. Depois se virou e saiu.
* * *
Para dar todos os sinais em que haviam pensado, levaram uma hora e meia. E, depois dessa hora e meia, estavam tão cansados que não conseguiam manter-se de pé. Ficaram deitados no chão e respiravam com dificuldade.
Nesse momento de esgotamento total, que não estariam em condições de defender-se nem mesmo de um ataque de uma criança, a porta interna da comporta abriu-se, mostrando um grupo de cinco druufs armados, que se encontravam no interior da comporta.
Perry Rhodan levantou a cabeça. Foi a única coisa que conseguiu fazer. Viu os druufs, e compreendeu que seu plano falhara.
Uma voz mecânica e monótona se fez ouvir.
— É de admirar que, mesmo numa situação tão difícil, os senhores ainda possuam tamanho arrojo. Não podemos deixar de admirar a pertinácia dos senhores. Mas hão de compreender que não podemos ficar inativos, enquanto os senhores põem em polvorosa o Universo, apenas porque não querem continuar a ser nossos hóspedes.
Aquela voz foi emitida por uma série de fitas, rodinhas e peças eletrônicas. Seu tom não poderia exprimir o sarcasmo da última frase. A voz falava em inglês. Os druufs já dominavam as línguas dos dois povos com os quais já haviam lidado na dimensão temporal do Universo einsteiniano: o arcônida e o terrano. A voz falava com uma estranha lentidão e tranqüilidade. Esse fato não tinha sua origem na circunstância de não conhecerem perfeitamente o inglês. Antes, tinha sua origem na dimensão temporal dos druufs, que era duas vezes inferior à dos prisioneiros. O terrano só gastava cinco segundos para uma reação que, ao druuf, custaria dez segundos. Para estes seres, a velocidade da luz era de cento e cinqüenta mil quilômetros por segundo!
Enquanto se erguia lentamente, Perry Rhodan lembrou-se disso. Fazia votos de que seus companheiros também se lembrassem. Até então os druufs não haviam notado que os terranos eram mais rápidos que eles, e se estes tinham alguma intenção de usar a vantagem no futuro, seria preferível continuar a manter segredo em torno dela.
Lentamente, mas a uma velocidade perfeitamente normal para os druufs, Perry Rhodan pôs-se de pé.
Sorriu.
— Sinto muito que lhes tenhamos causado problemas — disse. — É claro que jamais iríamos dispensar sua hospitalidade. Pelo contrário. Esperávamos que alguém ouvisse nosso chamado e viesse para cá, a fim de desfrutar a condição de hóspede dos senhores.
Os três seres de três metros, que vinham na frente, entraram de vez. Os outros dois pararam no interior da comporta.Perry Rhodan viu os três gigantes aproximarem-se dele e perguntou a si mesmo quais seriam suas intenções. Os druufs eram descendentes de insetos. Os quatro olhos facetados distribuídos simetricamente pela parte anterior do crânio, eram a prova evidente dessa descendência, tal qual a boca triangular em cujo interior as arcadas dentárias brancas emitiam um brilho traiçoeiro. O corpo tinha o aspecto de um cubo toscamente trabalhado. Era sustentado por duas enormes pernas, que não fariam vergonha a um elefante, e, por sua vez, sustentava dois braços robustos, cujas mãos terminavam numa série de dedos ridiculamente longos e articulados.
Seria tão difícil conhecer a disposição de ânimo do druuf, apenas com base na expressão de seu rosto, como orientar-se numa grande metrópole, sem dispor de uma planta da cidade e nem de conhecimentos da língua ali falada. Perry Rhodan recuou dois passos. Mas, diante da voz saída da pequena tradutora, pendurada no peito do druuf que vinha na frente, logo se tranqüilizou.
— Não tenha receio. Não somos amigos da violência. Além disso, acreditamos que não terão nenhuma objeção às sugestões que vamos formular.
— Que sugestões são essas? — perguntou Perry Rhodan, esticando as palavras para que os seres-toco não desconfiassem de que ele vivia numa outra dimensão temporal.
— Acreditamos — respondeu o druuf, usando a tradutora e falando tão devagar quanto Rhodan — que aqui talvez seja muito apertado para os senhores. Se cada um dos senhores dispuser de acomodações separadas, acho que saberão apreciar melhor nossa hospitalidade.
Perry Rhodan refletiu instantaneamente. Queriam separá-los, e assim evitar que continuassem a unir forças para a fuga.
— Acho — respondeu com um sorriso — que não podemos aceitar a oferta, já que causará muitos incômodos aos senhores. Mas receio que ninguém se interesse por nossa opinião.
— É verdade — confirmou a tradutora.
— Dê-me a mão!
Rhodan sentiu-se perplexo e obedeceu. Levantou a mão e estendeu-a em direção ao druuf. Este a segurou com a direita. No mesmo momento, Rhodan percebeu que a esquerda dele segurou um objeto semelhante a uma seringa.
— O que é isso? — perguntou em tom enérgico e falando mais depressa do que pretendia.
— Queremos poupar-lhes o incômodo de envergarem esses trajes pesados durante a mudança. Este preparado é totalmente inofensivo. Apenas reduz suas funções orgânicas a um mínimo por alguns minutos. Por exemplo, não terá mais necessidade de respirar. Assim sendo, a atmosfera venenosa de metano não lhe fará mal.
Perry Rhodan tentou retirar a mão. Mas seria inútil resistir às forças tremendas do druuf, mesmo para alguém que não estivesse tão cansado quanto Perry Rhodan. Sentiu uma picada curta e dolorosa na palma da mão. Quase no mesmo instante, perdeu os sentidos.
Mas antes de cair ao chão, uma idéia-relâmpago atravessou seu cérebro.
* * *
O Capitão Rous julgou a descoberta de Peter Rayleigh tão importante que ele mesmo resolveu ocupar-se detidamente com a mesma. Rayleigh provavelmente nunca teria descoberto o que significava aquele misterioso campo gravitacional, sujeito a modificações tão repentinas.
As indicações do gravímetro repetiram-se a intervalos mais ou menos regulares pelo prazo de uma hora e meia. Rous observara os movimentos do indicador luminoso e depois levantara-se para retirar do cilindro a linha ali traçada.
Durante a hora e meia o gravímetro reagira ao todo nove vezes. Mareei Rous tinha diante de si o registro de oito desses movimentos, inclusive um registro que Peter Rayleigh havia retirado do aparelho. O registro do primeiro impulso geminado, o tal que fizera Peter Rayleigh acreditar que os olhos cansados lhe estavam pregando uma peça, ainda estava no cilindro e tinha sido coberto por várias camadas de papel.
Para enorme espanto de Rayleigh, o Capitão Rous fez questão de que esse registro fosse retirado do cilindro. Isso deu uma canseira em Rayleigh. Depois do último movimento do indicador do gravímetro, haviam deixado passar quase uma hora; praticamente tinham certeza de que o gerador gravitacional não estava funcionando mais. Por isso, o cilindro de registro foi imobilizado, a fim de que Peter Rayleigh o pudesse girar para trás e separar o primeiro trecho do registro.
Enquanto trabalhava, ficou refletindo constantemente por que Rous se interessara tanto por esse registro, já que todos eles eram iguaiszinhos, salvo as diferenças no intervalo temporal.
Durante todo o tempo, Marcel Rous falou apenas o estritamente necessário. Peter Rayleigh ainda não o conhecia muito bem, motivo por que não percebeu o nervosismo do capitão. Seus dedos tremiam de forma quase imperceptível. Quando colocou lado a lado os oito pedaços de papel e acrescentou o nono, que Rayleigh acabara de lhe entregar, os dedos de Rous tremiam um pouco. Levou alguns minutos estudando a série de registros. Depois virou-se para Rayleigh, que se encontrava atrás dele, olhando por cima de seu ombro, e perguntou:
— Está notando alguma coisa, sargento?
Peter Rayleigh já previa a pergunta.
— Não — respondeu, mantendo-se fiel à verdade. — Não notei nada, capitão.
Rous sacudiu a cabeça.
— Estes jovens — começou — carregam seu minicomunicador no bolso e logo pensam que podem esquecer os veneráveis métodos de comunicação dos antepassados.
A observação era um tanto ingênua, pois Rous não era muito mais velho que Rayleigh, mas este não deu pela coisa. Teve uma idéia. Rous aludira a veneráveis métodos de comunicação. Isso só podia significar...
— Compare os intervalos temporais entre os ângulos — disse Rous em meio às suas reflexões.
— Estava a ponto de fazer isso, capitão — respondeu Rayleigh. — Nos primeiros três sinais, o intervalo entre os ângulos é de vinte a trinta segundos. Nos sinais de números quatro a seis esse intervalo é de um minuto e meio. E, nos últimos três, volta a ser vinte a trinta segundos.
O Capitão Rous confirmou com um gesto; parecia satisfeito.
— Muito bem. Isso significa curto, curto, curto... longo, longo, longo... curto, curto, curto. O que vem a ser isso?
— São... são... — gaguejou Rayleigh em tom exaltado — são sinais Morse.
— Sargento, você é um rapaz inteligente — disse Rous. — Sim, são sinais Morse. E esta mensagem é o velho pedido de socorro da navegação marítima e aérea do planeta Terra: S.O.S.!
Levantou-se.
— Continue no seu posto, sargento — ordenou a Rayleigh. — A partir deste momento, a estação está em alarma. Chame-me assim que haja alguma novidade. Se não estiver presente, chame um dos outros oficiais. Entendido?
— Sim senhor.
O capitão saiu com uma pressa extraordinária e deixou Rayleigh mergulhado em suas reflexões.
Marcel Rous ainda não sabia o que significavam esses estranhos sinais Morse; a única coisa que sabia era que alguém se encontrava em perigo. Era alguém que conhecia o alfabeto Morse terrano, e, por isso, muito provavelmente, era também um terrano. Dentro de pouco tempo saberiam de onde vieram os sinais. Em Hades havia várias estações observadoras como a que estava sendo guarnecida pelo sargento Rayleigh. Hades era uma base avançada, situada bem atrás das linhas inimigas, dispondo de todo o equipamento de segurança. Bastava que mais um antigravímetro, situado a algumas centenas de metros do de Rayleigh, tivesse fornecido uma indicação para apurar o ponto exato de onde tinha vindo o S.O.S.
Marcel Rous voltou ao seu gabinete pelo caminho mais rápido, pegou o microfone, anunciou o estado de alarma para toda a base e enviou alguns técnicos positrônicos para recolher os registros automáticos de todos os gravímetros. A seguir, elaborou um programa para o pequeno computador , positrônico da base. Dessa forma bastaria introduzir os dados fornecidos pelos outros aparelhos nos lugares adequados, a fim de que os mesmos pudessem ser processados imediatamente.
Enquanto fez isso, ficou pensando no desconhecido que expedira a mensagem.
Há alguns dias estava interrompida, por um tempo indeterminado, aligação entre a Terra e a base de Hades, realizada por meio de três naves de abastecimento. A interrupção fora ordenada por motivos de segurança. O setor espacial adjacente à área de superposição estava cheio de naves dos druufs e dos arcônidas. Qualquer espaçonave terrana que operasse sozinha teria de assumir um grande risco, para entrar em contato com Hades por meio do transmissor de matéria. O grosso da frota fora retirado para o sistema de Vega, uma vez que ninguém sabia qual seriam os caminhos da política terrana depois da morte de Perry Rhodan. Por isso, as três naves de abastecimento se haviam retirado para um setor menos perigoso, onde aguardavam novas instruções.
Marcel Rous concluiu que, a não ser que algum dos três comandantes tivesse desobedecido às instruções que lhe haviam sido fornecidas, nenhuma das naves poderia encontrar-se em situação difícil no Universo dos druufs. Portanto, o S.O.S. devia provir de alguém que não fosse tripulante dessas naves. E de alguém que evidentemente não dispunha dos recursos técnicos usuais, motivo por que teve de recorrer a um meio de comunicação tão inusitado.
Suas reflexões foram interrompidas subitamente, quando recebeu os primeiros dados das medições.
Um cabo da divisão positrônica trouxe uma pilha de papel especial, na qual estavam registradas, quase exatamente, as mesmas curvas pontudas traçadas pelo aparelho do sargento Rayleigh. A intensidade variava de caso para caso, e variava sensivelmente. Rous ficou satisfeito com isso, pois a posição do estranho transmissor só poderia ser determinada por meio da comparação dos níveis de intensidade.
Rous pôs-se a trabalhar. Introduziu os novos dados no seu programa básico e deixou que o mesmo passasse pelo computador. Este forneceu duas coordenadas de ângulo, que, no momento, não significavam coisa alguma para Rous, e uma indicação de distância. Esta era de um bilhão e trezentos milhões de quilômetros. O resultado era tão surpreendente que Rous fez com que a máquina repetisse a operação. Só se convenceu da exatidão da cifra quando ela foi confirmada.
Acrescentou as novas séries de dados à medida em que as mesmas lhe chegavam às mãos. E, dispondo de um maior volume de informações, o computador pôde oferecer um resultado mais preciso.
Enquanto o computador positrônico zumbia e dava estalos, ordenou ao cabo, que se mantinha de pé a seu lado, que consultasse o catálogo, a fim de verificar o que havia no lugar correspondente às coordenadas fornecidas pela máquina. O cabo retirou-se com os resultados do processamento, fornecidos por Rous, e voltou depois de alguns minutos.
Rous fitou-o com uma expressão de curiosidade.
— Trata-se de um dos sessenta e dois planetas deste sistema — disse o cabo.
— Qual deles? — perguntou Rous.
— O trigésimo sexto, capitão, se adotarmos o critério da distância média crescente ao sol. O planeta ainda não tem nome.
— Sabemos mais alguma coisa a respeito dele?
— É o maior planeta do sistema — respondeu o cabo. — O diâmetro é superior a duzentos mil quilômetros. A atmosfera é de metano e amoníaco. A gravitação na superfície é de 2,6 G. A temperatura média anual chega a cinco graus centígrados. Vê-se que é um planeta muito frio. Com certeza é desabitado.
Rous interrompeu-o com um gesto.
— Não diga com certeza. Os sinais vieram de lá!
O cabo, que ainda não tinha conhecimento dos significados dos sinais, fitou-o com uma expressão de perplexidade, mas Marcel Rous não se sentiu incomodado com isso.
Refletiu intensamente.
Como é que um terrano, que conhece ao menos duas letras do alfabeto Morse, foi parar num planeta de metano do sistema dos druufs? Sem dúvida não foi para lá de sua livre e espontânea vontade. Logo, trata-se de um caso de avaria, ou então o expedidor da mensagem é um prisioneiro dos druufs. A hipótese da avaria poderia ser excluída com uma certeza quase absoluta. Desde o tempo em que foi criada a base de Hades, nenhum terrano teve de expor-se aos riscos de um vôo direto. Todos foram transportados à base por meio do transmissor de matéria instalado em alguma nave, que se mantinha à espera junto à área de superposição.
Então era um prisioneiro dos druufs. Alguma nave terrana caiu nas mãos dos seres-toco? Onde é que estes poderiam ter capturado prisioneiros terranos? Quais os membros da frota terrana que eram dados como desaparecidos?
Marcel Rous não podia afirmar se alguém lhe informara ou não sobre o desaparecimento de um soldado raso. Mas Rous não acreditava que um soldado fosse capaz de usar um gerador gravitacional na transmissão de sinais.
Mas havia quatro pessoas cujo desaparecimento a Humanidade lamentava há dez dias. Até então se tinha por certo que esses quatro terranos estavam mortos; teriam perecido sob os efeitos das bombas arcônidas, lançadas no ataque-surpresa contra Fera Cinzenta. Seria possível que esses quatro homens tivessem escapado de Fera Cinzenta e caído nas mãos dos druufs?
O Capitão Rous fez um exame de consciência. Será que aquilo era apenas um pensamento inspirado pelo desejo?
Não. Por enquanto não havia prova objetiva de que Perry Rhodan realmente estivesse morto.
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3
Depois da segunda transição, que a transportou a uma distância de mais de seis mil anos-luz, a Califórnia emergiu num setor espacial repleto de sinais de naves estranhas. Os remanescentes do combustível de plasma provocaram verdadeiras avalanches de impulsos nas pequenas câmaras de ionização que registravam a presença de minúsculas partículas na parte exterior da nave. Os detectores de cristal, regulados para faixa de ondas características dos mecanismos propulsores, emitiam seguidos lampejos. Essas cintilações vinham de distâncias situadas entre dez e cem milhões de quilômetros; por enquanto as naves de cujos propulsores provinham não representavam nenhum perigo para o cruzador Califórnia.
Mas isso poderia mudar. Para uma nave que alcança facilmente uma aceleração correspondente a 50 mil vezes o valor normal, dez ou mesmo cem milhões de quilômetros tornam-se uma distância ridícula. E a uma distância de milhões de quilômetros, a Califórnia já apareceria como um pontinho de luz no rastreador de matéria da nave inimiga, e, dali em diante, as chances de escapar, sem ser molestada, eram mais que reduzidas.
A frota de bloqueio arcônida, que se encontrava em posição para que nenhuma nave dos druufs pudesse atravessar a área de superposição e penetrar no Universo einsteiniano, era formada de trinta mil unidades. Para os arcônidas, não haveria nenhum problema em destacar algumas centenas dessas naves, a fim de caçar o cruzador terrano. A Califórnia era ágil e veloz, porém seu armamento era bastante escasso.
Conrad Deringhouse transferiu o comando da nave ao Major Ostal. Clyde Ostal era um daqueles homens que, na gíria da frota, são designados como raposas do espaço. Sabia o que estava em jogo naquela missão. Já acumulara bastante experiência na técnica de combate das naves arcônidas tripuladas por robôs. A transição, que o levou da Terra até a área de superposição onde se verificava o encontro de duas dimensões temporais, era uma verdadeira façanha galatonáutica.
O grupo de ação de Deringhouse estava pronto para partir. Era composto de três homens, mas deve-se ressaltar que a palavra homens não pode ser tomada ao pé da letra. Os três membros do grupo eram o próprio Deringhouse, o teleportador Ras Tschubai e o rato-castor Gucky, o mutante mais competente da frota.
Os três já haviam colocado seus trajes protetores e aguardavam o momento em que a Califórnia atingisse o ponto em que o transmissor tornasse possível o salto direto para Hades. A nave estava perfeitamente equipada para a operação. Três transmissores semelhantes a gaiolas enchiam quase toda a sala de comando. O Major Ostal e os três oficiais de elevada patente mal conseguiam mover-se no interior da mesma. Uma vez que não havia lugar para sentar, Deringhouse e seus companheiros já se encontravam no interior dos transmissores, observando pelas gradeadasportas abertas o que se passava na grande tela panorâmica. O aspecto da imensa frente de superposição era medonho. Do lugar em que se encontrava a Califórnia, toda a área era visível. Parecia uma fina nuvem de gases vermelhos incandescentes; atravessava o firmamento de lado a lado e absorvia o brilho das estrelas. Tinha o aspecto de um monstro ameaçador, prestes a devorar o Universo.
A luminosidade vermelha provinha das aberturas circulares de inúmeros funis, pelas quais se descarregava a diferença dos níveis energéticos que prevaleciam no Universo einsteiniano e no dos druufs. Com isso, era criada uma ponte que permitia a passagem de uma dimensão à outra. Em virtude do surgimento desses funis de descarga, a passagem de um Universo para outro se tornou possível. O salto executado pelo Major Ostal, que levara a nave para as proximidades da área de superposição, era uma verdadeira façanha; no entanto, a Califórnia ainda se encontrava a mais de quinze milhões de quilômetros do funil de descarga mais próximo, e ninguém iria executar um salto que faria a nave transpor essa distância e parar em lugar incerto.
Essas preocupações martirizavam a mente do Major Ostal. Com uma expressão pensativa, examinou os instrumentos. Sabia que a Califórnia seria atacada, caso ligasse os mecanismos propulsores por uma única vez que fosse. Os arcônidas não estavam na área para fazer um piquenique.
Mantinham os olhos bem abertos, para que nenhuma nave dos druufs lhes escapasse, e esses mesmos olhos enxergariam prontamente a luminosidade dos mecanismos propulsores da Califórnia. Por enquanto, esta se deslocava livremente, desenvolvendo a reduzida velocidade remanescente, sempre em sentido paralelo à frente de superposição.
Clyde Ostal dirigiu-se ao General Deringhouse, que estava sentado tranqüilamente em seu transmissor.
— Só temos duas alternativas, Sir — disse. — Podemos acelerar por meio do propulsor, ou então realizaremos uma transição a pequena distância que nos levará para junto da frente.
Deringhouse viu os lampejos que surgiam constantemente nas superfícies de projeção dos detectores de cristal.
— Uma alternativa é tão miserável como a outra — respondeu em tom contrariado. — Se usarmos o propulsor, com o tempo seremos localizados; em compensação poderemos ver o que se passa em torno de nós. Se realizarmos uma transição, não seremos localizados. Entretanto, por outro lado, não sabemos se iremos parar em meio a um enxame de naves. Na minha opinião poderíamos tirar a sorte, major.
— Gosto de tomar decisões baseadas nos aspectos lógicos do problema, mas desta vez tais aspectos parecem estar ausentes — disse.
Deringhouse levantou-se e saiu do transmissor. Espremeu-se junto a outra jaula e, praticamente, teve que jogar-se por cima do ombro de Ostal, para ver as indicações dos detectores. O visor ótico trabalhava pelo sistema de radar: quanto mais próximos à periferia da superfície de projeção surgiam os lampejos, maior era a distância da Califórnia.
Depois de fitar atentamente a tela por alguns minutos, Deringhouse apontou para o lugar onde vira o menor número de lampejos.
— Por aqui o movimento não parece ser muito grande — disse, dirigindo-se a Ostal. — Se saltarmos para este lugar será melhor.
— A não ser — ponderou Ostal — que nesta área haja um grupo de naves arcônidas com os propulsores desligados.
— É verdade — confirmou Deringhouse. — Mas não podemos deixar de assumir um risco. E tenho a impressão de que este será o risco menor.
Clyde Ostal leu cuidadosamente os dados da tela.
— Esta área fica a vinte e cinco milhões de quilômetros do lugar em que nos encontramos— constatou. — Mas fica a apenas oitenta mil quilômetros da frente de superposição.
— Pois é justamente o que precisamos — disse Deringhouse em tom animado. — Vamos! O que estamos esperando?
Clyde Ostal tomou às pressas os preparativos para a transição. Os dados foram introduzidos no piloto automático e o mecanismo de hiperpropulsão foi preparado para entrar em funcionamento. Os homens dos postos de artilharia receberam ordens de redobrar a vigilância. Os homens que se encontravam no interior das jaulas gradeadas dos transmissores instalaram-se o mais confortavelmente que puderam.
A dor provocada pela transição foi ligeira e perfeitamente suportável. O quadro surgido na tela sofreu uma modificação repentina. A luminosidade vermelha tornou-se mais intensa e mais escura, e a boca de um gigantesco funil de descarga parecia a de um monstro, tentando devorar a pequena Califórnia. A tremenda figura trêmula e incandescente parecia precipitar-se sobre o cruzador. As paredes vermelhas pulsavam, enquanto se processava a compensação energética. Bem ao longe, a abertura do funil se estreitava, transformando-se num ponto luminoso. A luz, que fazia brilhar esse ponto, vinha de outro mundo. O ponto era a fronteira entre dois universos. Quem o ultrapassasse estaria na dimensão temporal dos druufs.
Conrad Deringhouse inclinou-se para a frente, puxou a porta gradeada e fechou-a. Gucky e Ras Tschubai seguiram seu exemplo. O estalo das fechaduras era o único som que se ouvia em meio ao silêncio tenso da sala de comando.
Deringhouse fechou o capacete do traje protetor, colocou a mão sobre o pequeno painel de controle, que ficava à direita do assento, e comprimiu o botão que acionava o sinal do transmissor colocado na outra extremidade da trajetória de salto, no subterrâneo da base de Hades. Esse sinal significava que um salto era iminente. Deringhouse sabia que o transmissor de Hades era vigiado ininterruptamente. Dentro de alguns segundos devia iluminar-se o sinal de confirmação, indicando que o operador estava atento e que o aparelho achava-se pronto para receber o objeto do salto.
Esses poucos segundos quase bastaram para condenar a operação ao fracasso.
A voz de Clyde Ostal e as sereias de alarma soaram ao mesmo tempo. Sobre a superfície verde da grande tela de observação, viu-se o rastro de um ponto luminoso que avançava em direção ao centro. Outros pontos surgiram na extremidade inferior esquerda e também se dirigiram ao centro. A Califórnia estava cercada por naves arcônidas. Estas já haviam localizado o cruzador terrano, e dispuseram-se a verificar qual era o objeto provocador do reflexo em seus aparelhos de localização. O alcance dos aparelhos inimigos era de um milhão de quilômetros.
Concluía-se que a nave arcônida, que primeiro localizou a Califórnia, não podia encontrar-se a uma distância maior que esta. E isso significava que a mesma chegaria dentro de alguns segundos.
Clyde Ostal interrompeu o ruído estridente das sereias de alarma, a fim de poder comunicar-se com os tripulantes. As ordens foram lacônicas e precisas. Os postos de artilharia da Califórnia obtiveram a liberação do fogo, enquanto a tripulação se preparava para outra transição.
Conrad Deringhouse encontrava-se no interior de seu transmissor, aguardando o sinal verde expedido pelo outro aparelho. Estava com a mão pousada na chave que executaria o transporte, assim que o caminho estivesse desimpedido. Olhou pelas grades de sua jaula e viu que Ras Tschubai e Gucky também aguardavam com enorme tensão o momento decisivo.
O que estaria acontecendo com o sinal? A Califórnia abriu fogo. O campo antigravitacional absorveu prontamente o choque de aceleração provocado pelo recuo dos canhões de impulsos. Uma pessoa não familiarizada com a nave não acreditaria que os canhões haviam disparado. A única prova do disparo era um pontinho luminoso branco que subitamente surgiu na tela, contrastando com o negrume do espaço. Uma das naves arcônidas fora atingida.
— Se o sinal não chegar dentro de dez segundos, desapareça — gritou Deringhouse.
Clyde Ostal confirmou com um gesto, sem olhar para Deringhouse. Tinha os olhos pregados na tela verde do aparelho de localização, que constantemente mostrava os reflexos de outras naves arcônidas.
Conrad Deringhouse contou mentalmente os segundos:
“... cinco... seis... sete...”
Conrad Deringhousetirou a mão de cima da chave.
O sinal não chegaria antes que a situação da Califórnia se tornasse crítica. Um único disparo de radiações do inimigo atingiu os campos defensivos do cruzador terrano e fez com que estes se iluminassem.
No mesmo instante, a luz verde acendeu-se!
A mão de Deringhouse estava apenas a alguns centímetros da chave. Deixou-a cair para a frente e gritou:
— Já não estamos aqui! 
Depois moveu a chave, que cedeu com um clique. Naquele instante, a sala de comando da Califórnia desapareceu para Conrad Deringhouse e os dois mutantes.
* * *
O recinto estava frio e escuro. Perry Rhodan acordou com um pensamento pouco amistoso, provocado por aquilo que os druufs chamavam de hospitalidade.
Levantou-se. Para seu espanto, isso não lhe custou nenhum esforço. Ao menos o medicamento cumprira aquilo que fora prometido pelos druufs: não apresentava nenhum efeito colateral.
Rhodan estendeu a mão e procurou tatear as paredes da cela em que se encontrava. Era simples. O recinto tinha o formato aproximado de um quadrado de quatro metros de lado. Nem mesmo com um salto conseguiu atingir o teto. Devia ficar a quatro ou cinco metros de altura.
Numa das paredes parecia haver uma porta. Rhodan sentiu duas ranhuras paralelas. Além disso, havia um campo de gravitação artificial, pois a gravidade no interior do recinto não ultrapassava a intensidade normal da gravidade da Terra. Rhodan ficou espantado. Era estranhável que os druufs, que o haviam trancafiado numa cela fria e pequena, na qual não havia nada além dele mesmo, se tivessem dado ao trabalho de tornar-lhe a situação mais suportável por meio de um campo de gravitação artificial.
De repente lembrou-se da idéia que tivera no momento em que a injeção o deixou inconsciente. Agachou-se no chão e começou a concentrar-se. Esforçou-se para imaginar a presença de Fellmer Lloyd. Depois de alguns minutos conseguiu. O rosto de Lloyd surgiu num pálido círculo luminoso que se destacava na escuridão. Estava sorrindo.
— Onde está o senhor? — emitiu Rhodan.
— Numa cela escura — respondeu Lloyd imediatamente. — Seu tamanho é de quatro metros por quatro metros. O teto é bem alto, não há móveis, é fria, tem uma porta que está trancada e há um terrível mau cheiro.
— É amoníaco — disse Rhodan. 
Proferiu a palavra em voz alta, porque os pensamentos se formulavam com maior precisão, quando concebidos juntamente com a palavra falada.
Também ouvia as palavras de Fellmer Lloyd como se este as pronunciasse à sua frente. Mas isso não passava de uma ilusão dos sentidos. Era o dom telepático de Lloyd que provocava uma espécie de ressonância em suas células cerebrais.
Perry Rhodan não era um telepata nato. Ou melhor, sempre possuíra essa qualidade, mas a mesma era recessiva. Só depois de um treinamento intensivo e do apoio de telepatas experimentados, Rhodan pôde colocar-se em condições de usar a faculdade. Continuava a ser um telepata fraco, pois só conseguia receber mensagens, quando as condições fossem extraordinariamente favoráveis. Mas o dom lhe permitia entrar em contato com outro telepata.
— Preste atenção — disse, dirigindo-se a Lloyd. — Deve haver um meio de abrir a porta. Os druufs não têm nenhuma necessidade de prender-nos. Sabem perfeitamente que nunca sairíamos espontaneamente, pois existe o ar venenoso do planeta.
Lloyd parecia fazer um gesto afirmativo.
— Isso parece bastante razoável — emitiu. — Acontece que na porta não há maçaneta nem botão.
— Lembra-se da mesa? — perguntou Rhodan. — Bastou aproximarmo-nos de determinado lugar e logo a mesa ficou na sua posição normal.
— Ah, sim. Então o senhor acha que basta colocar a mão em determinado lugar para que a porta se abra?
— Exatamente. Provavelmente para os druufs isso nem chega a ser um mistério. É de supor que estejam acostumados a abrir portas dessa forma.
— Mas é possível que esse lugar fique tão alto que nem conseguiríamos alcançá-lo — ponderou Lloyd. — Afinal, os seres-toco têm três metros de altura.
— Temos de experimentar — decidiu Rhodan. — Não podemos ficar parados, esperando que os druufs tenham outra idéia. Precisamos sair.
Assim que terminou de proferir estas palavras, sentiu a perplexidade de Lloyd. Adiantando-se à pergunta deste, disse:
— Por quanto tempo você agüenta sem respirar?
Lloyd ficou confuso.
— Como?
— Quanto tempo o senhor pode passar sem respirar?
Uma luz acendeu-se na mente de Lloyd.
— Não sei exatamente — respondeu. — Talvez seja mais ou menos um minuto.
— Não se esqueça de que terá de trabalhar durante esse tempo — lembrou Rhodan. — De qualquer maneira terá tempo de sobra. Preste atenção. Passarei a expor meu plano. Repita cada frase, para que eu saiba que a transmissão está funcionando.
* * *
Os terranos passaram a chamar esse druuf de Tommy, um comandante político. Na verdade, seu nome era composto de uma série de ultra-sons, imperceptíveis ao ouvido e impronunciáveis pela língua do homem.
O conjunto usado dava a entender que se tratava de um alto dignitário. Esse conjunto era ao mesmo tempo um traje especial de trabalho e de proteção contra radiações. Para os druufs, o cinza-escuro era a cor mais bela do mundo. Por isso, várias faixas cinza-escuras enfeitavam o traje quase negro do druuf, a fim de indicar sua graduação.
Por mais que esses seres diferissem dos homens, os pensamentos de ambas as raças seguiam trilhas idênticas. Este druuf, por exemplo, estava sentado atrás de uma monstruosa mesa, e trabalhava em alguma coisa. Procurava calcular por quanto tempo ainda teria de esperar nos recintos pouco agradáveis da base subterrânea do planeta de metano, antes que viesse o revezamento.
Aceitara o posto de comandante da base, pois, assim que voltasse para Druufon, este lhe renderia uma promoção. Para isso, teria de passar meio ano fora de Druufon, no interior das cavernas. E agora só faltavam poucos dias para completar meio ano. Seu sucessor deveria chegar a qualquer momento.
Tommy lembrou-se de que a acomodação adequada dos prisioneiros e a frustração da tentativa de fuga — para ele, a manipulação do gerador antigravitacional pelos prisioneiros representava nada menos que isso — seriam atos que pesariam a seu favor, quando chegasse o momento de ser avaliada sua atuação.
Quando voltou a dedicar sua atenção ao trabalho que tinha sobre a mesa, seus quatro olhos facetados brilhavam. Uma comissão de altos funcionários anunciara sua chegada. Desembarcariam no planeta de metano dentro de alguns dias de Druufon. Não sabia se nessa oportunidade a base ainda se encontraria sob seu comando ou se seu sucessor já teria assumido as funções.
Ao lembrar-se de que devia tomar todas as providências para que os visitantes fossem tratados condignamente, Tommy sentiu-se contrariado.
O anúncio da próxima visita trouxe certo mistério. Os funcionários viriam para interrogar os prisioneiros. Entre os nomes anunciados havia os de alguns membros da aristocracia de Druufon.
Por que essa gente se daria ao trabalho e aos incômodos de uma visita ao planeta de atmosfera venenosa? Por que não mandaram levar os prisioneiros a Druufon para interrogá-los?
Tommy não sabia quem eram os prisioneiros dos quais tinha de cuidar. Uma espaçonave os trouxera e os mesmos lhe foram entregues com a indicação de que se tratava de terranos. Ainda lhe disseram que, em hipótese alguma, deveria deixar que fugissem. Também outras pessoas com as quais entrou em contato não sabiam qual a grande importância dos prisioneiros.
O simples fato de a comissão pretender vir de Druufon parecia indicar que, naquela cidade, desejavam manter em segredo não só a identidade dos prisioneiros, mas até mesmo o próprio ato de prisão.
Tommy voltou a estudar a lista dos nomes. Depois de algum tempo, teve a impressão de que deveria procurar um dos subordinados para falar sobre o problema. Pegou o pequeno videofone, que se encontrava sobre a mesa, e comprimiu uma tecla. A tela iluminou-se e o sinal de linha livre se

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