Buscar

P 021 A Guerra Atômica Que Não Houve Kurt Mahr

Prévia do material em texto

A GUERRA ATÔMICA 
QUE NÃO HOUVE
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
�
Nenhum exército equipado com armas terrenas convencionais, por maior que seja, pode enfrentar os recursos da antiqüíssima técnica arcônida. Perry Rhodan sabe disso perfeitamente, e não se preocupa com os remanescentes de uma divisão espacial comandada pelo general Tomisenkow, que investira obstinadamente contra a fortaleza de Vênus. O que causa muita preocupação ao chefe da Terceira Potência é a evolução mais recente da política na Terra.
Com sua permanência no planeta Peregrino, Rhodan perdeu mais de quatro anos. Agora tem de regressar com a maior urgência ao seu mundo, para que não haja a guerra atômica...
= = = = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = = = =
Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência.
Coronel Freyt — Representante de Perry Rhodan na Terra.
Capitão Welinskij — Comandante de um esquadrão de caças.
Major Deringhouse — Que dá provas de sua qualidade de sabotador e agente secreto.
Fedor A. Strelnikov — Um novo ditador. 
Marechal Sirov — O braço direito de Strelnikov.
�
1
Vista da nave capitania Wladislav Kossygin, a frota se parecia com duas fileiras de pérolas reluzentes, cuidadosamente enfiadas em barbantes, a distâncias sempre iguais.
A frota se deslocava sob o brilho reluzente do Sol. Os pontos luminosos que representavam as naves, projetados nas telas da Kossygin, emitiam uma luz muito mais intensa que a das estrelas destacadas contra o céu negro.
O major Pjotkin se esforçou para reprimir o orgulho que essa visão ameaçava provocar em sua mente.
Era bem verdade que, comparados com outros veículos que povoavam o espaço, essas naves não passavam de patos desajeitados e de longas asas. Uma vez fora do âmbito da gravitação terrestre, possuíam apenas uma reserva de radiações que lhes permitiria realizar uma manobra de desaceleração antes de atingir a órbita de Vênus. O resto, o mais difícil do pouso propriamente dito, ficaria a cargo das asas. A aterrisagem seria aerodinâmica. Tinham que contar com uma perda de cinco por cento. Como a frota possuísse duzentas naves, dez jamais chegariam ao solo de Vênus; ou atingiriam o mesmo sob a forma de um meteorito incandescente. Eram estas as previsões dos cientistas.
O resultado também poderia ser diferente, segundo Pjotkin. Talvez fosse dez por cento.
A frota levava reforços para a expedição do general Tomisenkow. Os reforços consistiam principalmente num suprimento de aço, uma vez que, depois do pouso, as naves não mais estariam em condições de sair de Vênus. Não lhes restaria qualquer reserva de radiações. Juntamente com as quinhentas naves de Tomisenkow, aguardariam a chegada de outra frota de reforço com uma carga de combustível, que voltaria a colocar os patos metálicos em condições de voar.
Pjotkin procurou calcular se mil naves seriam suficientes para reabastecer as quase setecentas que se encontrariam em Vênus. E se fossem? Nesse caso, em vez de setecentas naves, mil ficariam retidas no planeta coberto de selva.
Sessenta por cento da tripulação da frota de Pjotkin era formada por mulheres. Pjotkin ficava se indagando o que os planejadores teriam tido em mente ao comporem dessa forma o pessoal conduzido pela frota. As mulheres eram especialistas: médicas, técnicas, biólogas.
Pretenderiam instalar em Vênus algo parecido com uma base permanente? Uma base que se tornasse independente da Terra em todos os sentidos, inclusive no campo biológico?
Sem dúvida Pjotkin teria encarado sua missão com maior seriedade se soubesse que, para Tomisenkow e sua expedição, o êxito da mesma representava a sobrevivência. Na posição atual dos astros — o Sol se interpunha entre os dois planetas — não havia qualquer comunicação pelo rádio entre Vênus e a Terra. Em nosso planeta ninguém sabia que Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência e comandante da supernave Stardust-III, havia dispersado a expedição de Tomisenkow pelos quatro cantos de Vênus e privado a mesma de quase todos os recursos técnicos.
* * *
Naquele mesmo instante, a Stardust-III se encontrava em sua viagem de regresso de Vênus à Terra. As componentes motrizes da enorme nave esférica funcionavam a plena potência e, dentro de poucos minutos, aceleraram a nave a um ponto extremamente elevado. Os imensos campos protetores e de absorção de choques fariam com que qualquer quantidade de matéria, desde a minúscula partícula cósmica até a rocha interplanetária, se desfizessem sob o efeito das radiações antes de poderem se tornar perigosas à nave.
Rhodan não apreciava esse tipo de vôo, pois, se utilizando do sistema de microondas, não teria chances para uma rápida localização de qualquer objeto que cruzasse seu caminho. E o rastreamento estrutural, que funcionava com base em princípios pentadimensionais, tinha seu campo de detecção situado a partir de uma unidade astronômica, ou seja, cento e cinqüenta milhões de quilômetros. Era bem verdade que mesmo dentro desse raio o rastreamento era possível; mas perdia todo o sentido, já que, numa distância tão reduzida, o sistema de observação por microondas funcionaria praticamente com a mesma rapidez.
Por isso a Stardust-III se deslocava numa espécie de vôo cego. Nada poderia lhe acontecer, já que os campos protetores lhe forneceriam proteção ininterrupta. Mas ai de quem se pusesse em seu caminho.
* * *
Na tela do radar da Kossygin surgiu uma estranha mancha verde. Aparecera naquele instante, mas, antes que o operador de radar desse pela sua presença, já havia percorrido a quarta parte do diâmetro da tela.
Num movimento treinado milhares de vezes, a mão do homem se deslocou para baixo e comprimiu a superfície vermelha da chave de alarma. Sereias uivaram e o telecomunicador transmitiu o alarma às duzentas naves que compunham a frota.
Subitamente a voz de Pjotkin soou no alto-falante.
— O que houve, radar?
— Objeto desconhecido aproxima-se da frota. Velocidade... quase igual à da luz!
O operador ouviu a respiração pesada de Pjotkin.
— Que setor de nossa frota está sendo ameaçado? Fale logo, homem!
— O centro.
A voz de Pjotkin se tornou mais fraca quando ele se voltou para outro microfone. O operador de radar ouviu as ordens por ele transmitidas:
— Corrigir rota. Toda força para bombordo. Imediatamente.
O ponto verde quase havia percorrido metade da tela do radar. Aproximava-se inexoravelmente do centro marcado em vermelho, que representava a posição do observador.
O operador de radar conteve a respiração. Se a correção não fosse completada imediatamente...
Mais dois segundos!
O homem cerrou os olhos e se agarrou ao painel, aguardando o choque iminente.
Não houve o choque esperado. A morte surgiu em forma de um raio azul e ofuscante, que transformou a Kossygin num enxame de moléculas e átomos que se disseminaram pelo espaço.
O operador de radar não percebeu nada. Uma morte que surge com a velocidade da luz nem chega a causar uma impressão dolorosa.
* * *
Na última fração de segundo, Rhodan fora avisado sobre a fileira dupla formada pelas duzentas naves. Num gesto instantâneo, levantou o braço para manobrar algum dispositivo de comando que desencadeasse uma manobra salvadora.
Mas era apenas um movimento reflexivo. Ao se dar conta disso, baixou o braço; a Stardust-III já deixara para trás a frota inimiga.
Imediatamente a nave executou uma manobra de frenagem, utilizando toda a potência de suas componentes motrizes. Uma desaceleração máxima — que representava o valor mais elevado que os neutralizadores poderiam absorver — atingiu em poucos minutos, não uma imobilização absoluta, mas uma redução de velocidade que permitia a observação ótica direta da frota parcialmente destroçada.
O quadro que se apresentava nas telas da Stardust-III era consternador. A fileira dupla de pérolas cintilantes, que o major Pjotkin observara meia hora antes, estava esfacelada. Impelidaspelo pânico, as naves se dispersavam em todas as direções. Apesar disso, ainda se percebia nitidamente a abertura que a Stardust-III fizera naquele front.
Rhodan mandou efetuar a sondagem radiofônica. Pretendia escutar as mensagens trocadas entre as naves. Reconhecera seu formato e por isso sabia que se tratava de uma frota do Bloco Oriental. Apesar disso, prestaria socorro imediato àqueles homens, se não conseguissem se arranjar por si.
Ouviu os informes expedidos das várias naves. O tradutor automático traduziu as mensagens russas para o inglês.
Rhodan ficou sabendo que, no início, a frota era composta de duzentas naves. Trinta e quatro delas — entre elas a nave capitania, que trazia a bordo o major Pjotkin — haviam sido destruídas; evaporaram-se sob o impacto dos campos protetores da gigantesca nave.
Um coronel assumiu o comando. Através de uma série de manobras complicadas voltou a unir as naves numa formação ordenada. Essas manobras consumiram uma quantidade considerável de material radiante. Os remanescentes da frota teriam dificuldades em reduzir a velocidade a um limite que não oferecesse perigo quando atingissem a órbita de Vênus.
Todos os observadores de radar da frota haviam percebido a causa do desastre poucos segundos antes da catástrofe, e agora viram o ponto verde se afastar com velocidade moderada.
Rhodan ouviu uma série de conjecturas sobre o que seria aquele ponto. Uma única pessoa teve a idéia de que poderia se tratar de um veículo da Terceira Potência, mas essa idéia foi logo abafada pelo comandante da frota.
Rhodan compreendeu a manobra. O coronel se veria diante de um problema insolúvel se confessasse que o inimigo dispunha de veículos capazes de atravessar uma frota compacta de naves sem sofrer o menor dano.
Percebia-se que as cento e sessenta e seis naves que restavam estavam em condições de prosseguir viagem sem auxílio de fora. Face à escassez de matéria radiante, não lhes restava outra alternativa senão prosseguir pela rota em que já se encontravam: a de Vênus.
A Stardust-III deixou-as entregues ao seu destino e reiniciou sua viagem.
Rhodan, no entanto, lamentou a destruição das trinta e quatro naves espaciais. Ainda mais que o encontro da Stardust-III com a frota do Bloco Oriental só podia ser atribuído exclusivamente a um acaso por demais infeliz. Era extremamente improvável que dois ou mais objetos, que se deslocassem pelo espaço em trajetórias mais ou menos arbitrárias, viessem se encontrar no mesmo ponto; muito mais improvável do que duas pedrinhas atiradas por pessoas diferentes virem a se chocar.
�
2
12 de junho.
Moscou.
Dez horas da manhã, tempo local.
O Estado-Maior das forças armadas do Bloco Oriental chegara à conclusão de que o ataque aos principais centros militares e industriais dos dois outros blocos de nações e da Terceira Potência teria de ser marcado para um dos próximos dias.
As condições nunca haviam sido tão favoráveis. O Bloco Oriental instalara sua base em Vênus, e uma poderosa frota com reforços estava a caminho desta base — não se desconfiava da sorte lamentável de Tomisenkow, tampouco da catástrofe que atingira a frota no meio do caminho. Tudo indicava que a Terceira Potência não tomara conhecimento das modificações políticas determinadas pelo novo curso de ação do Bloco Oriental, ou não se interessava pelas mesmas. No início temia-se uma intervenção dos homens de Galáxia, mas esta não se verificara.
Provavelmente isso seria devido ao fato de que Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, no momento não se encontrava na Terra, nem nas proximidades da mesma.
Em Moscou não se sabia nada sobre o paradeiro de Rhodan.
A grande conferência do Estado-Maior foi realizada no auditório de uma universidade. Todos estavam de acordo sobre os princípios pelos quais se orientaria a ação, e a idéia generalizada de que só faltava discutir alguns detalhes da execução do plano encheu os generais de uma certa euforia.
Um marechal búlgaro apresentou sua tese do cerco estratégico da Federação Asiática. Foi quando um ordenança entrou no recinto com o passo tranqüilo, mas com uma expressão de desassossego no rosto. Trazia um papel na mão e se dirigiu ao marechal Sirov que, sentado numa poltrona do centro da primeira fileira, dirigia a conferência.
Sirov passou os olhos pelo papel. Os que se encontravam mais próximos viram que franziu a testa, levantou os olhos e encarou o marechal búlgaro até que o mesmo estacou em sua fala. Sirov fez um gesto, se levantou e, com o papel na mão, se dirigiu à tribuna que o professor costumava usar para fazer suas preleções. Espantado, mas com a maior solicitude, o búlgaro lhe cedeu o lugar.
Sirov iniciou sua fala sem qualquer intróito:
— Vou ler as notícias vindas de todas as partes do país, que a central recebeu há poucos minutos.
— Primeiro: Às nove horas e trinta e oito minutos, tempo de Moscou, um posto de observações meteorológicas — fez uma pausa significativa, para que todos compreendessem que, sob o disfarce do posto, se ocultava um objeto muito mais importante — situado em Nowaja Sumlja, uma ilha da região ártica, foi arrancado do solo e carregado por um ciclone. O único sobrevivente encontrou um radiotransmissor intacto e enviou a notícia. Informa que, poucos segundos antes do início do fenômeno súbito e inesperado, a escuridão desceu sobre a Terra, como se a noite polar tivesse irrompido com uma antecedência de quatro meses.
“Segundo: Nowosibirsk, oito horas e cinqüenta e um minutos, tempo de Moscou. Um tipo de eclipse solar cai sobre a Terra. A base de foguetes situada nas proximidades da cidade é atacada por uma estranha ausência de gravidade. Os homens saem flutuando pelo ar, as rampas de disparo se soltam de suas bases, os foguetes são tangidos pela tormenta que desaba de repente.
“Terceiro: Molotov, Montes Urais, nove horas e quarenta e quatro minutos, tempo de Moscou. Uma coisa inexplicável obscurece o céu por instantes, provoca um ciclone de violência inacreditável e deixa atrás de si uma faixa de terra calcinada com cerca de um quilômetro de largura. Todas as instalações de mineração e processamento de minérios das usinas Sergej Iljuchin situadas acima do solo foram destruídas.”
Sirov fez uma pausa. Sentiu certa satisfação ao perceber que não era a única pessoa que tinha ficado abalada com essas notícias. O pavor e o desânimo se desenhavam em todos os rostos.
— A explicação destas ocorrências — prosseguiu em tom áspero — provavelmente está na quarta notícia, que vou ler.
“O posto de radar da península de Taimyr, situada no norte da Sibéria, informa ter localizado um objeto esférico de cerca de oitocentos metros de diâmetro, que se desloca sobre o território de nossos Estados nas mais variadas direções e altitudes; ao que tudo indica está sendo dirigido.
“Todos nós estamos lembrados dos fenômenos ligados à súbita ausência de gravidade, registrados na época em que a Terceira Potência começou a se estabelecer no deserto de Gobi. Portanto, sabemos quem é o inimigo que temos diante de nós. Não conhecemos todas as armas de que ele dispõe, mas estamos dispostos a lançar nossas armas contra ele. O tempo das discussões passou; chegou a hora de agir.”
* * *
12 de junho.
Karaganda.
Cerca de 14 horas, tempo local.
Há meia hora os aparelhos da 23a esquadrilha de caças estão em regime de rigorosa prontidão.
Fala-se num “veículo aéreo inimigo muito grande” que, pelo que se ouve, se diverte em cruzar os céus do país em todas as direções, deixando atrás de si a confusão e a destruição.
Os pilotos estão sentados nos seus aparelhos, com as carlingas abertas. Pelo que se ouve, o inimigo desenvolve uma velocidade extraordinária. Uma vez localizado o veículo inimigo, os aviões terão que decolar imediatamente.
O objetivo é a destruição do inimigo com todos os meios disponíveis.
* * *
Reginald Bell, companheiro de Rhodan desde os dias do primeiro vôo humano à Lua, dirigia a Stardust-III sem recorrer ao piloto automático.Numa tela fixada acima de sua mesa de comando via-se o mapa do hemisfério norte da Terra. As indicações de rota transmitidas por Rhodan chegavam a ele através de setas e pontos vermelhos projetados nesse mapa.
Rhodan fez o possível para poupar vidas humanas. Sabia que a chamada revolução, que há algum tempo arrancara o Bloco Oriental do seio do grupo das superpotências que buscavam a distensão, só era promovida por umas poucas pessoas ambiciosas. Os quatrocentos milhões de pessoas que habitavam essa região da Terra não podiam ser responsabilizados pela reviravolta.
Mas estavam em guerra, e nem mesmo o mais humano dos comandantes conseguiria evitar toda e qualquer perda de vida.
Rhodan sabia quais eram os pontos vulneráveis do inimigo. Seus agentes estavam espalhados pelos quatro cantos da Terra, e os prisioneiros capturados em Vênus tiveram de lhe dar as informações que desejava, quer quisessem, quer não.
Na região de Baku, a Stardust-III acabara de inutilizar uma usina de reatores que supria de energia elétrica as instalações técnico-militares do litoral do Mar Cáspio.
Rhodan introduziu no mapa projetado uma seta branca que apontava para a Sibéria Ocidental e colocou um ponto vermelho sobre a cidade de Karaganda.
Imediatamente Bell mudou de rota.
* * *
— Localização a duzentos e dez graus! — berrou a voz nos fones de ouvido. — Altitude: treze mil metros. Pista livre para a decolagem de todos os aparelhos.
A base aérea de Karaganda era uma das mais modernas do Bloco Oriental. O dimensionamento racional das pistas permitia a decolagem simultânea de toda uma esquadrilha de caças.
O capitão Welinskij, um homem de descendência polonesa, comprimiu o botão que fechava a carlinga e imprimiu a potência máxima ao motor. Com a ordem de decolar, os calços das rodas foram afastados automaticamente. A máquina rolou pela pista, aumentou de velocidade e subiu muito antes de atingir o fim da pista.
Welinskij assumiu o comando da esquadrilha.
— Virar para duzentos e dez graus. Altitude de dezoito mil metros.
Não era recomendável que um piloto de caça atacasse da mesma altitude ou mesmo de baixo um adversário superior em forças. Uma diferença de altitude de cinco mil metros aumentaria consideravelmente as chances que tinham Welinskij e seus companheiros de causar algum dano ao inimigo.
Os aviões de caça dispunham de dois mecanismos propulsores inteiramente independentes: um reator de jato, acionado por ocasião da decolagem, que levaria o aparelho rapidamente à altitude desejada, e um dos mecanismos convencionais de turboradiações, que permitiria, em vôo horizontal, uma velocidade de mach 4, ou seja, uma velocidade equivalente a quatro vezes a do som.
Os caças estavam equipados com foguetes e canhões automáticos, rigidamente montados na estrutura. Não haveria caça mais eficiente na Terra, se... há alguns anos o primeiro astronauta americano não tivesse encontrado na Lua os representantes de uma raça estranha, investindo-se na herança de suas conquistas tecnológicas.
— Chaminé para todos os limpa-chaminés! Chaminé para todos os limpa-chaminés! O veículo inimigo desloca-se a uma velocidade de mach 15, de duzentos e dez em direção a zero trinta. Dentro de quinze segundos sobrevoará a cidade. Limpa-chaminés, vocês já podem ver o inimigo. Não aguardem nova ordem de ataque. Confirmem!
Logo se ouviu a voz do comandante da esquadrilha:
— Limpa-chaminés para chaminé. Vemos o inimigo e atacaremos imediatamente. Fim.
Dirigindo-se aos pilotos, prosseguiu:
— Preparem-se, rapazes! Ação individual. Fim.
Welinskij observou o inimigo.
Viu uma parede tremeluzente de fogo surgir acima do horizonte. De início era pequena e bonita; seu aspecto, visto daquela altura, era mais ou menos o de um incêndio na estepe.
Mas cresceu numa velocidade espantosa, parecendo se desprender do solo, e se transformou numa esfera ofuscante. Com um movimento automático, Welinskij colocou os vidros antiofuscantes diante dos óculos de proteção.
— Meu Deus! — murmurou para si mesmo. — Falaram em oitocentos metros! Aquilo ali tem pelo menos dez quilômetros de diâmetro.
Não teve tempo para refletir. Viu a esfera de fogo se aproximar vertiginosamente. Supôs que fosse o inimigo, ou que este se escondesse no seu interior. Disparou todos os foguetes de uma só vez. Mas, de um instante para outro, teve dúvidas se os pequenos projéteis com suas cargas explosivas nucleares seriam capazes de causar qualquer dano àquela bola de fogo.
Dirigiu o avião para o alto. Cerrou os olhos, pois, apesar do vidro antiofuscante, a esfera fez com que lhe ardessem as conjuntivas.
Welinskij foi mais feliz que qualquer dos outros pilotos. Conseguiu manobrar seu aparelho de tal forma que apenas roçou nos gigantescos campos protetores da Stardust-III. O avião se esfacelou, e a força do impacto fez com que o ejetor arremessasse Welinskij mais algumas centenas de metros para o alto. Mas, quando começou a descer, o pára-quedas se abriu, foi atingido pelo ar aquecido e fez com que o capitão balouçasse em direção ao solo, são e salvo.
Os demais aparelhos se precipitaram para cima da bola de fogo. Evaporaram-se nas nuvens causadas pela explosão dos foguetes que eles mesmos haviam disparado poucos segundos antes.
A luta — se é que aquilo podia ser chamado de luta — durou exatamente cem segundos, desde o instante em que surgiu a Stardust-III. Quando chegou ao fim, a 23a esquadrilha de caças deixara de existir.
Só restava um vestígio insignificante: o capitão Welinskij, que, atingido pelo redemoinho causado pela Stardust-III, foi atirado a uma distância tal que pôde se livrar da radiatividade desencadeada pelos foguetes. Inconsciente, continuava em sua descida.
O destino poupara aquele homem para que pudesse contar algo aos homens que lhe haviam confiado a missão.
Mas às vezes o destino parece bastante míope. Se Welinskij contasse o que presenciara, seria considerado um idiota e encaminhado a um psiquiatra.
Enquanto isso acontecia, a fatalidade pôde se abater sobre a Humanidade.
Perry Rhodan observava a aproximação da esquadrilha de caças com um rosto que parecia petrificado. Sabia perfeitamente o que aconteceria se os caças não mudassem de rumo imediatamente.
A Stardust-III deslocava-se a uma velocidade que equivalia a quinze vezes a do som. A uma velocidade daquelas, o impacto dos campos protetores, cujo diâmetro correspondia a dez vezes o da nave, fazia com que as moléculas de ar entrassem em incandescência ou se ionizassem. O resultado era aquela bola de fogo de quase dez quilômetros de diâmetro, cuja visão o capitão Welinskij jamais esqueceria.
Os foguetes disparados pelos caças detonaram na periferia do campo protetor; no interior da nave não chegaram sequer a provocar um tremor, por mais leve que fosse. Mas os pilotos de caça voaram atrás dos projéteis por eles disparados, causando sua própria destruição.
A Stardust-III se manteve na rota, em direção à cidade de Karaganda. Rhodan aproveitou a oportunidade para, pela primeira vez durante aquela missão, fazer uso de uma arma psicológica.
* * *
A alta oficialidade da base aérea de Karaganda-Leste ficou com os rostos cadavéricos ao tomar conhecimento da destruição total da 23a esquadrilha de caças.
Que inimigo seria aquele?!
A Stardust-III sobrevoou a cidade com velocidade reduzida, produzindo uma tempestade que, em comparação às que haviam sido desencadeadas em outros lugares, podia ser chamada de pouco intensa. As rajadas chegaram à intensidade onze, mas não produziram qualquer dano à cidade ou à base.
Houve, porém, um fato muito mais interessante. A leste da cidade, a imensa nave interrompeu sua viagem, se imobilizou por um instante e começou a subir. Numa altitude de quarenta mil metros voltou a se imobilizar. Parecia pendurada no céu, causando pavor aos habitantes de Karaganda, que não viam mais o sol, e servindo de estímulo aos oficiais da base de Karaganda-Leste.
— Vamos atirar! — sugeriu um deles. — Devíamosdisparar todos os foguetes ao mesmo tempo.
A sugestão não foi aceita. Para causarem algum efeito, os foguetes deveriam ser equipados com cargas explosivas nucleares. E o comandante da base achou uma temeridade disparar uma salva de quase cem projéteis desse tipo na direção de um objetivo a apenas quarenta mil metros de altura, isto é, praticamente por cima da cabeça dos habitantes da cidade.
Todavia, o general-de-brigada Chandikarh se declarou disposto a disparar um único foguete contra a Stardust-III.
— Quero que a equipe técnica observe a explosão — disse. — Talvez o fenômeno permita alguma conclusão sobre a forma pela qual podemos atacar o inimigo.
Todos acharam a sugestão bastante razoável. O disparo do foguete foi preparado como se fosse uma experiência difícil, e marcado para as quinze horas e trinta minutos, tempo local, a fim de que a equipe técnica tivesse tempo para instalar seus instrumentos de observação.
— Procure verificar a altura da explosão, fotografe o fenômeno, meça a intensidade luminosa e as emanações radiativas — ordenou Chandikarh. — Depois diga-me o que acha de tudo isso.
Quinze horas.
Sentado na cantina com seus oficiais, Chandikarh tamborilava nervosamente com os dedos, esperando que os últimos minutos passassem. A Stardust-III continuava imóvel. Mas Chandikarh receava que reiniciasse a viagem antes que pudessem realizar a experiência programada.
* * *
Às quinze horas e três minutos, hora local, Perry Rhodan pôs a funcionar o grande projetor mental. Um enorme campo de influência hipnótica envolveu a cidade de Karaganda e a base de Karaganda-Leste.
* * *
Às quinze horas e três minutos, dúvidas começaram a surgir na mente do general Chandikarh: valeria a pena realizar a experiência? Ainda às quinze horas e três minutos chegou à conclusão de que devia ser suspensa.
Às quinze horas e quatro minutos, os membros da equipe técnica começaram a sacudir a cabeça, pois já não entendiam as ordens de Chandikarh. Ao mesmo tempo, porém, se tornou perceptível a sensação generalizada de alívio pelo fato de que não teriam mais de atirar contra o inimigo.
Às quinze horas e cinco minutos, Chandikarh disse aos seus oficiais:
— Sejamos francos, senhores. O que temos para opor a um inimigo destes? Ele espalhou o pavor e a devastação em todo o país; e isso, ao que tudo indica, com uma única nave espacial. O que será de nós no dia em que o inimigo lançar mão de duas ou três naves dessas, ou mesmo de uma esquadrilha?
Um major relativamente jovem o interrompeu, falando alto:
— Qualquer um pode adivinhar, general. Nós mesmos seremos destruídos, junto com tudo que possuímos, antes que tenhamos tempo para dar ordem de abrir fogo.
Outros oficiais manifestaram sua concordância em altos brados.
Chandikarh acenou a cabeça.
— Vamos redigir uma resolução — sugeriu. — Toda a oficialidade da base de Karaganda-Leste propõe ao Conselho Supremo do Bloco Oriental a cessação imediata da resistência contra este inimigo e o início de negociações. A experiência pela qual acabamos de passar fez com que constatássemos que seria uma irresponsabilidade continuar a luta e provocar o inimigo. Estamos convencidos de que o Conselho Supremo, mesmo a contragosto, também há de reconhecer que nos defrontamos com alguém contra o qual, com os recursos de que atualmente dispomos, nada podemos.
As palavras de Chandikarh foram recebidas com aplausos. O texto da resolução era relativamente moderado. As idéias que lhe andavam pela cabeça eram bem diferentes. “Façam as pazes com a Terceira Potência, seus cabeças-de-vento”, assim deveria ser o texto. Mas Chandikarh acreditava que a opinião dos outros oficiais não tivesse sofrido uma transformação tão radical como a sua; por isso se contentou com a redação mais suave.
Meia hora depois, o texto foi divulgado na cidade, onde provocou manifestações entusiásticas de apoio. A reação deixou Chandikarh perplexo e fez com que ele vencesse o constrangimento que sentia em transmitir o texto para Moscou.
Às quatorze horas, tempo de Moscou, o Estado-Maior e o Conselho Supremo, reunidos na capital do Bloco Oriental, estavam informados sobre a opinião que subitamente passou a reinar em Karaganda. Palavras duras foram proferidas; chegou-se a falar em motim. Ficou decidido que não se tomaria conhecimento da resolução, e que alguns homens do serviço secreto seriam enviados a Karaganda.
Era de admirar, mas, ao que parecia, ninguém estava compreendendo toda a gravidade da situação. Era bem verdade que ninguém contestava o fato de que o inimigo contava com recursos técnicos mais avançados. Mas, segundo se argumentava, um único veículo inimigo só poderia estar num lugar de cada vez. Se a Terceira Potência acreditava que bastava fazer cruzar uma única nave sobre o território do Bloco Oriental, provocando as maiores tolices para obrigar essa superpotência, armada até os dentes, a dobrar os joelhos, estava redondamente enganada.
* * *
Perry Rhodan acompanhou os acontecimentos que se desenrolavam em Karaganda e Moscou, na medida que seus instrumentos de observação o permitiram. Não se surpreendeu com nada. A mudança de opinião em Karaganda era inevitável, já que o território da cidade se encontrava sob os efeitos do projetor mental. Por outro lado, os homens do Estado-Maior de Moscou não seriam dignos do posto se, a essa altura, já entregassem os pontos.
Às dezesseis horas, tempo de Karaganda, o major Deringhouse — um jovem desajeitado e impetuoso que dominava o russo graças ao treinamento hipnótico e era um dos melhores elementos de que Rhodan dispunha — saiu da Stardust-III num traje transportador arcônida. O campo de deflexão do traje fez com que Deringhouse se tornasse invisível, e o poderoso neutralizador gravitacional suavizou sua descida. Deringhouse venceu os quarenta mil metros que o separavam do solo em vinte minutos. Enviou a Rhodan o sinal de OK convencionado através do hipertransmissor, para não assumir qualquer risco.
Depois disso, a Stardust-III pôs-se em movimento, permitindo que, depois de uma interrupção de mais de uma hora, o sol voltasse a brilhar no céu de Karaganda. Antes disso, o projetor mental fizera com que a mudança de opinião dos civis e militares de Karaganda fosse protelada. O condicionamento pós-hipnótico só exigia um aumento de potência de quarenta por cento em comparação com a irradiação hipnótica instantânea.
A Stardust-III dispôs-se a cumprir seu primeiro objetivo: inutilizar o potencial militar do inimigo.
* * *
A voz do marechal Sirov não exprimia a menor reverência. Fedor A. Strelnikov, membro e secretário do Conselho Supremo, a quem essa reverência seria devida, parecia não sentir falta dela.
As últimas notícias eram tão estranhas que ninguém se preocuparia com questões de etiqueta.
— Karaganda, Chulba, Tchyrgaki, Irkutsk, Tchita, Blagoviechtchensk — murmurou Strelnikov, perturbado. — Está notando alguma coisa?
Em vez de responder, o marechal Sirov pegou uma régua e colocou-a sobre o mapa. Se as cidades de Karaganda e Blagoviechtchensk fossem ligadas por uma reta, as de Chulba, Tchyrgaki, Irkutsk e Tchita ficariam nessa reta ou a poucos quilômetros da mesma.
— As resoluções são parecidas, até no texto — prosseguiu Strelnikov. — Pede-se o fim da atividade armamentista, o início de negociações com a Terceira Potência, o restabelecimento das discussões com os governos dos outros blocos com o objetivo de criar um governo único de toda a Terra.
Levantou os olhos do papel que segurava.
— O que acha disto, marechal? 
Sirov deu de ombros.
— O senhor deve achar alguma coisa — insistiu Strelnikov.
Sirov abriu a boca para dizer alguma coisa. Mas logo voltou a fechá-la e fez um gesto de contrariedade.
— O que é? — indagou Strelnikov. 
Sirov apontou para o mapa.
— Parece que alguém voou pelo trajeto Karaganda—Blagoviechtchensk e hipnotizou todo mundo. É a única explicação que me ocorre. Se achar que é uma tolice, não se zangue. O senhor fez questão de que eudissesse.
Strelnikov não se zangou.
— Acredita que o inimigo dispõe de recursos como este? — prosseguiu nas suas perguntas. — Acha que lhe basta sobrevoar nosso território uma única vez para desencadear, dentro de poucas horas, uma revolução de que participem mais de quatrocentos milhões de pessoas?
— Vejo-me forçado a admitir esta possibilidade — respondeu Sirov, passando a mão pelo mapa.
Em sua mente prolongou a linha até o litoral do estreito dos Tártaros, que separa a Sibéria da ilha da Sacalina. Qual era a cidade situada no prolongamento da linha?
Komsomolsk.
Strelnikov seguiu seu olhar.
— Está pensando em Komsomolsk? — perguntou.
Sirov fez que sim.
Ficaram calados por algum tempo.
O telefone soou. Sirov levantou o fone e o entregou a Strelnikov. Este deu seu nome e ficou ouvindo. Sirov ouviu uma voz metálica, mas não entendeu uma única palavra. Mas viu que Strelnikov empalidecia. Sua mão estava trêmula quando recolocou o fone.
— O senhor se enganou, marechal — disse. — De Komsomolsk não nos enviaram qualquer resolução que sugira a paz e o início de negociações.
— Ah, é?
— Não. Em Komsomolsk as tropas se amotinaram juntamente com a população e cortaram todas as comunicações com a cidade.
* * *
Na noite daquele dia, tempo de Moscou, o Conselho Supremo decidiu enfrentar a ameaça com todos os meios disponíveis. Isso significava levar a guerra a toda a Terra.
Só assim poderia se esperar que a gigantesca nave espacial, que traçara estreitas faixas de revolta pelo imenso território do Bloco Oriental, desistisse de seus planos e passasse a cuidar do bem-estar de toda a Humanidade, em vez de interferir nos assuntos internos do Bloco Oriental.
Com todos os meios disponíveis... Isso significava, ainda, o emprego da arma mais recente e terrível que a Humanidade jamais criara com seus próprios recursos: a bomba catalítica de fusão.
Todos estavam perfeitamente lembrados de que Perry Rhodan, quando ainda se encontrava no primeiro degrau da escada que o conduziria ao sucesso, evitara a guerra, envolvendo o planeta com um campo de absorção de nêutrons. Os nêutrons, que deviam provocar a cisão dos átomos de urânio, foram absorvidos por aquele campo. Nenhuma das bombas atômicas chegou a explodir, tampouco as bombas de fusão que seriam detonadas por uma bomba atômica.
As bombas catalíticas não poderiam ser prejudicadas pelo campo de absorção. O processo de fusão propriamente dito não dependia dos nêutrons; a detonação não era conseguida por via indireta, através de uma bomba de fissão.
A decisão de iniciar a guerra foi adotada pela unanimidade dos membros do conselho. O ataque foi marcado para a zero hora do dia 14 de junho, tempo de Moscou. Os militares disporiam de vinte e seis horas para os preparativos.
A sessão do conselho e principalmente a decisão tomada foram estritamente sigilosas. Sabia-se perfeitamente que nem mesmo no último segundo do ataque deveria transpirar qualquer coisa sobre as intenções do conselho.
* * *
Strelnikov e os outros membros do conselho não se sentiriam tão seguros se soubessem que o segredo em torno da sessão e da resolução não fora nada perfeito.
Todos os discursos, todos os apartes e todas as indicações foram irradiados no recinto da sessão por meio de microfones e alto-falantes. Nada disso chegaria para fora do recinto; mas as palavras, transformadas em impulsos elétricos, atravessaram os condutores situados no interior da sala.
A corrente alternada produz um campo eletromagnético em torno do respectivo condutor, e esse campo retrata os impulsos sob a forma de modulações. Apenas se precisaria de um receptor bastante sensível para captar o campo eletromagnético modulado a uma distância de milhares de quilômetros, onde sua intensidade era centenas de vezes menor que o farfalhar da atmosfera.
Além disso, precisava-se ter conhecimento da situação exata da origem do campo eletromagnético. Só assim o receptor direcional estaria em condições de reprimir o farfalhar atmosférico e, através de um comutador acoplado, selecionar, entre a multiplicidade dos impulsos captados, aqueles que se revestiam de interesse.
Qualquer técnico terreno teria apostado que ninguém seria capaz de construir um receptor desse tipo.
Mas teria perdido a aposta. A bordo da Stardust-III havia vários receptores com essas qualidades. Rhodan entendeu tudo que foi pronunciado naquela sessão, não com a mesma nitidez de quem a presenciasse, mas com uma clareza suficiente para compreender o horror do complô.
Sabia que o Bloco Oriental dispunha de bombas catalíticas de fusão, contra as quais o campo de absorção de nêutrons seria impotente. Poderia fazer partir imediatamente a Stardust-III, que naquele instante se encontrava cem mil metros acima da parte sul dos Montes Urais, e submeter o Conselho Supremo à influência hipnótica.
Mas acreditava que com uma tática diferente alcançaria um êxito maior e mais persuasivo.
* * *
No dia 13 de junho todo mundo prestou atenção.
Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, interrompeu os programas de rádio e televisão e dirigiu uma proclamação ao mundo.
Informou todos aqueles que quisessem ouvi-lo sobre os planos do Bloco Oriental.
Perry Rhodan se dispôs a defender a Terra contra qualquer agressor de dentro ou de fora. Uma surpresa especial para Strelnikov e os demais ouvintes ficou reservada para o fim do comunicado.
Em seu televisor, Strelnikov viu o rosto de Rhodan se aproximar dele.
— Preste atenção, Strelnikov — disse Rhodan. — Quero preveni-lo sobre o que farei hoje de noite, se você e seus comparsas não desistirem de seu intento. Para isso farei uma pequena demonstração. Hoje ao meio-dia, mais precisamente, entre as doze e as doze e trinta, hora de Moscou, toda transmissão de energia elétrica, com ou sem fio, será suspensa no território do Bloco Oriental. Dispõe de uma hora e meia para tomar suas precauções.
“Sabe perfeitamente o que isso significa. Faça aterrisar todos os aviões que se encontrem no ar e avise os hospitais. Ou melhor, faça o que quiser. De qualquer maneira, saberá o que vai acontecer com seus foguetes hoje de noite. Sem eletricidade não poderão ser disparados, nem encontrarão o alvo. E a catalise não funciona sem os processos eletrônicos que a regulam.
* * *
Strelnikov não fez nada. Não valia a pena tomar qualquer providência. Todo mundo ouvira o comunicado ou soubera dele por intermédio de terceiros. Todos sabiam o que teriam de fazer para evitar um acidente.
Pouco antes do meio-dia os médicos largaram os bisturis, os motoristas encostaram seus automóveis, os trens pararam por cautela, e quem tinha de visitar alguém num dos andares superiores de um arranha-céu preferiu subir as escadas para não se arriscar a ficar preso no elevador.
A inteligência de Strelnikov se rebelou contra a possibilidade de que Rhodan pudesse fazer o que prometera. Examinou a pilha de relatórios que tinha diante de si.
A revolta de Komsomolsk se alastrava. As tropas ali estacionadas avançavam terra adentro. Enquanto se mantinham na linha que ligava Blagoviechtchensk a Komsomolsk, eram recebidas de braços abertos. Mas, quando se desviavam dessa linha, avançando na direção norte ou sul, defrontavam-se com a resistência oferecida pelas tropas não submetidas à influência do projetor mental. De qualquer maneira Strelnikov se sentiu abalado ao perceber que mesmo nessas áreas os revoltosos venciam prontamente as resistências que se impunham a eles.
Até parecia que se sentiam tomados por um impulso irresistível, inexistente nos regimentos que continuavam fiéis ao governo.
“Que impulso será este?”, indagou Strelnikov a si mesmo, perplexo. “Um impulso para quê?”
Manteve o televisor ligado e deixou que o programa desfilasse diante dele, sem prestar muita atenção.
Levantou-se, foi à janela e olhou para a rua.
Eram cinco para o meio-dia.
O trânsito parara. Até os pedestres ficaram junto ao meio-fio, aguardando o milagre.
“Que idiotas”, pensouStrelnikov, contrariado. “Mesmo que consiga eliminar a corrente elétrica, será que ele acha que isso será o fim?”
Strelnikov continuou a pensar. Não podia parar de pensar. Era o homem de quem se esperava a iniciativa e as decisões depois da lição de trinta minutos que Rhodan pretendia ministrar ao mundo.
Ouviu-se a voz do locutor:
— Ao meio-dia transmitiremos o toque dos sinos da torre de Spasski.
Mas ninguém ouviu o toque dos sinos. A tela escureceu assim que a torre surgiu no fundo da paisagem formada pelo Kremlim. Parado diante do aparelho, Strelnikov lhe lançou um olhar sombrio.
— Apesar de tudo!... — resmungou.
�
3
No dia 14 de junho, às nove horas da manhã, tempo local, a Stardust-III pousou em Galáxia, que até então era a única cidade situada nos quarenta mil quilômetros quadrados do território da Terceira Potência, situado no deserto de Gobi.
O Bloco Oriental desistira de seus planos. Strelnikov divulgou a notícia cerca de uma hora depois da falta de energia elétrica. Assim mesmo a Stardust-III continuou a sobrevoar o território inimigo, a fim de verificar se Strelnikov dizia a verdade.
A noite desceu sobre o continente asiático; nenhum foguete saíra das rampas de disparo. A paz fora resguardada. Rhodan tomou providências para que, mesmo em qualquer momento posterior, um ataque de surpresa não pudesse ser coroado de êxito.
A Terra respirou aliviada, primeiro porque Rhodan voltara no momento exato, e depois porque cumprira sua promessa de evitar a guerra.
Quando a Stardust-III pousou, o coronel Freyt, que na ausência de Rhodan exercia as funções de chefe em Galáxia, estava de prontidão.
Uma multidão de espectadores se comprimia nos limites do campo de pouso.
Perry Rhodan saiu da nave em companhia de seu co-piloto, Reginald Bell, e de dois arcônidas, Crest e Thora.
Freyt parecia aliviado, mas não muito feliz, quando Rhodan lhe apertou a mão. Entraram no carro em que Freyt viera e Rhodan perguntou:
— Tem algum problema, coronel? 
Freyt hesitou. O carro já havia chegado perto do destino quando resolveu falar.
— Sou acusado de negligência — disse. — Afirmam que não percebi nem preveni em tempo a evolução da política do Bloco Oriental. Acreditam que isso ficava dentro do campo das minhas possibilidades e não compreendem por que não tomei nenhuma providência.
Rhodan acenou com a cabeça.
— É só isso?
Freyt parecia desolado.
— É quanto basta!
Rhodan conhecera os problemas de Freyt depois que a Stardust-III concluíra a transição a partir do planeta Peregrino, e surgira num ponto situado além da órbita de Plutão.
— Tenho que lhe dizer alguma coisa — respondeu Rhodan depois de algum tempo. — E quero que acredite que agi com as melhores intenções.
Freyt o olhou com uma expressão de espanto.
— Nunca seria capaz de duvidar disso.
— Pois espere. Tive que tomar precauções para que, na minha ausência, ninguém abusasse dos recursos técnicos da Terceira Potência, para... bem, para satisfazer suas ambições, ou para qualquer outro fim. Você compreende?
Freyt fez que sim. Começou a compreender por que estivera de mãos atadas. Não gostou muito, mas seu espírito era bastante objetivo para reconhecer que Rhodan tinha razão.
— Você recebeu instruções para interferir na política terrena somente se a Terceira Potência fosse atacada — prosseguiu Rhodan. — Eu não poderia confiar que você se limitaria a estas instruções, acontecesse o que acontecesse. As tentações com que o homem se defronta em nossa cidade são muito grandes. Você ainda não possui um grau de treinamento arcônida que me permita confiar unicamente nas instruções que lhe foram ministradas. Por isso foi submetido a um bloqueio hipnótico, pelo qual ficou preso às minhas instruções. Estava impedido de tomar qualquer providência contra o Bloco Oriental, enquanto nosso território não fosse violado.
Colocou a mão sobre o ombro de Freyt e o olhou com uma expressão séria.
— Sei perfeitamente que não vai gostar de mim por causa disso, Freyt. Mas não pude agir de outra forma. Da próxima vez não será mais necessário. Quanto aos quatro anos e meio que se passaram, o bloqueio hipnótico representa um tipo de álibi para você.
Sorriu, apenas para tentar. Sentiu-se bastante aliviado quando o coronel Freyt retribuiu o sorriso.
* * *
Uma atividade intensa tomou conta da cidade, cuja população crescera nos últimos anos para oitocentos mil habitantes.
O coronel Freyt estimulara a imigração de técnicos e cientistas. Tomara providências para que a General Cosmic Company construísse as enormes instalações de montagem e iniciasse a produção de naves e caças espaciais concebidos segundo os princípios arcônidas.
A Terceira Potência dispunha de dois cruzadores pesados da classe Terra; eram naves esféricas com duzentos metros de diâmetro. A construção de mais dois cruzadores se encontrava em fase bastante adiantada.
A frota de caças espaciais aumentara para dez esquadrilhas. Eram mil e oitenta aparelhos aptos a enfrentar as condições reinantes no espaço, e que só por si bastariam para garantir à Terceira Potência um predomínio absoluto sobre a Terra.
O exército era formado por dez mil homens. Estavam equipados com armamento arcônida e equivaliam pelo menos a vinte vezes esse número de soldados convencionais.
Rhodan passou os olhos pelos relatórios que Freyt lhe apresentou. Sua inteligência altamente treinada não gastou mais de trinta minutos para incorporar todos os dados. Tudo se passara conforme ele previra.
— Não gosto de usar palavras grandiosas — disse, dirigindo-se ao coronel Freyt. — Mas não posso deixar de constatar uma coisa. Você foi um representante extraordinário. Fico-lhe muito grato.
Freyt não teve tempo para se alegrar com o elogio. Rhodan tinha ordens a dar.
— Avise os governos dos diversos blocos de que... bem... — piscou para Freyt — como direi? Avise-os de que ficaria satisfeito em cumprimentar seus representantes em Galáxia quanto antes.
Freyt anotou.
— Enfatize o quanto antes — recomendou Rhodan. — Isso significa amanhã ou depois. Acrescente que, muito embora a guerra tenha sido impedida, considero a situação extremamente séria, motivo por que se torna indispensável uma série de consultas.
Freyt também anotou este trecho.
— Além disso, quero que designe uma pessoa de confiança para o controle de precisão do hipertransmissor. Quero revezar o homem que exercia essas funções a bordo da Stardust-III. Ficou muito tempo com os olhos abertos. Não há hora marcada para as mensagens do major Deringhouse. Poderá ser anunciado a qualquer momento que queira.
— Deringhouse? — perguntou Freyt, perplexo.
— Sim, Deringhouse. Larguei-o em Karaganda. Quero que ele me ajude a atingir o segundo objetivo do nosso plano. Sabe que devemos contar com as intenções hostis do Bloco Oriental enquanto o atual governo estiver no poder, não sabe?
— Naturalmente.
— Pois bem. Um belo dia prenderemos aqueles cavalheiros de um golpe. E Deringhouse abrirá o caminho para isso.
Em seu subconsciente, o coronel Freyt procurou analisar a impressão que estas palavras lhe causavam.
Representavam um trecho da história mundial. Subitamente, Freyt compreendeu que abismo imenso o separava de Perry Rhodan. Nos últimos quatro anos e meio supusera em várias ocasiões que fazia seu trabalho tão bem feito como Perry Rhodan, e que, com esse poderio imenso, qualquer um poderia dominar a Terra.
Acontece que não era tão fácil. Era necessário conservar em quaisquer circunstâncias a noção do alcance desse poderio. Quem se encontrasse nessa situação ocuparia uma posição bastante exposta e não poderia se dar ao luxo de deixar de cumprir qualquer promessa. Em outras palavras, tornava-se necessário jogar com a profusão das possibilidades como um malabarista que brinca com dez bolas ao mesmo tempo.
Um agente pode fazer muita coisa que é proibida às outras pessoas. Por outro lado, porém, não pode fazer certas coisas que um homem normal consideraria óbvias.
O majorDeringhouse trajava uma vestimenta transportadora arcônida que, quando desejasse, o tornaria invisível; mas por outro lado, quando fosse visível, provocaria suspeitas em qualquer um. Deringhouse resolveu iniciar seu trabalho em Karaganda. A cidade com seus habitantes e soldados submetidos a uma influência pós-hipnótica lhe parecia o melhor ponto de partida.
No entanto, não havia dúvida de que mesmo uma pessoa influenciada por Rhodan logo ligaria o aparecimento de uma pessoa em trajes estranhos com o surgimento da Stardust-III nos céus da cidade. Por isso, Deringhouse preferiu deixar passar algumas horas antes de entrar em Karaganda.
Não teria sido difícil a Rhodan influenciar a cidade de tal forma que, mesmo como agente da Terceira Potência, Deringhouse fosse recebido de braços abertos. Mas esse estado de espírito logo se tornaria conhecido em Moscou, e a cautela com que o serviço secreto passaria a agir depois disso teria dificultado desnecessariamente a tarefa de Deringhouse.
Dessa forma, o major resolveu aterrisar, invisível, nas proximidades da aldeia de Plachowskoje, cerca de cento e oitenta quilômetros de Karaganda. Ainda invisível, deu uma volta pela aldeia. Foi quando aconteceu um fato que, posteriormente, provocou nele a idéia de que o próprio destino se empenhara em prestar auxílio a ele e à Terceira Potência.
Plachowskoje era igual a qualquer outra aldeia da região. Ficava à beira da estrada e quase não tinha ruas transversais. As casas, baixas, eram rodeadas de campos imensos, envoltos numa nuvem de pó alimentada ininterruptamente pelas esteiras dos tratores e das máquinas agrícolas.
Deringhouse supôs que o melhor lugar para descobrir alguma coisa sobre o ânimo da população após o ataque da Stardust-III seria o edifício da prefeitura, mas teve algumas dificuldades em descobri-lo em meio às outras casas.
Finalmente o reconheceu por causa de um pequeno quadro de avisos, ao qual estava afixado um único bilhete. No bilhete lia-se o seguinte:
O Conselho Municipal reúne-se hoje de noite, às 20 horas.
O aviso estava manuscrito. Deringhouse acreditava que durante a reunião se falaria nos acontecimentos daquele dia.
O edifício da prefeitura era formado por dois pavimentos. Deu uma volta e viu uma ambulância estacionada, numa área dos fundos do prédio. Pelo letreiro, Deringhouse descobriu que o veículo vinha de Uspenskij.
Isso era de admirar, já que a cidade de Karaganda, muito maior, ficava mais próxima.
Deringhouse entrou no edifício e examinou o pavimento térreo. Não ouviu nenhuma voz e por isso abriu uma das portas que havia no hall de entrada. A porta rangeu. Deringhouse viu uma sala semi-deserta. Só havia uma mesa; atrás dela, um homem assustado se levantou de um salto e com uma expressão de culpa no rosto esfregou os olhos para espantar o sono.
Parecia não se perturbar muito com o fato de não ter visto ninguém que pudesse ter aberto a porta. Suspirou, voltou a sentar e murmurou uma expressão de alívio. Deringhouse recuou, deixando a porta aberta. O homem poderia acreditar que o vento a tivesse aberto. Mas, se ela se fechasse por si, ficaria espantado.
Nesse instante Deringhouse ouviu vozes vindas do andar de cima. Subiu a escada de dois em dois degraus sem se incomodar com o ranger produzido por seus pés. As vozes eram muito altas.
No andar superior havia um hall igual ao do térreo; apenas tinha alguns metros quadrados a menos. As vozes vinham de uma sala cuja porta estava aberta. Um homem de uniforme e outro que parecia um camponês estavam conversando.
Deringhouse parou diante da porta.
— O conselho faz questão de interrogar o homem hoje de noite — anunciou o camponês — sejam quais forem as condições em que se encontre. Falou coisas tão estranhas que talvez tenhamos de avisar o serviço secreto.
O homem de uniforme ergueu os ombros.
— Só posso dizer que o homem está em péssimas condições físicas e mentais. Se for submetido a um interrogatório hoje de noite, provavelmente não resistirá. Mas, se não puder agir de outra forma, paciência.
“É um médico”, constatou Deringhouse. “Deve ser a pessoa que veio na ambulância de Uspenskij.”
— Obrigado — respondeu o camponês. Parecia aliviado. — O senhor poderia ter me causado maiores dificuldades. Mas compreende que...
O médico o interrompeu com um gesto.
— Compreendo. O senhor pode melhorar sua fama na cidade se descobrir um inimigo do Estado e conseguir prendê-lo e entregá-lo ao serviço secreto. Por que acha que alguma coisa não está em ordem com esse homem?
O camponês respondeu sem hesitar.
— Algumas pessoas o viram descer lá fora, de pára-quedas e assento ejetável. Estava inconsciente. Ao ser colocado na maca, abriu os olhos. E a primeira coisa que disse foi o seguinte: “Parem com essa bobagem. Vocês não podem sair vitoriosos dessa luta; o inimigo é poderoso demais.”
— Por certo estava aludindo à nave espacial inimiga que sobrevoou esta região, não é verdade? — disse o médico.
O camponês acenou violentamente com a cabeça.
— Contou algumas coisas confusas sobre uma gigantesca bola de fogo e sobre vários aviões de caça que teriam entrado nas bolas de fogo produzidas por seus próprios foguetes e explodido. Será que uma coisa dessas pode ser verdade? Quem afirma uma coisa dessas é um traidor e um sabotador, não é mesmo?
O médico se mostrou cauteloso.
— Depois saberemos — respondeu. 
Deringhouse não estava interessado em saber como prosseguiria a palestra. Provavelmente estariam falando de um dos pilotos de caça que participaram do ataque à Stardust-III. Ao que parecia o homem estava extraindo da série de acontecimentos a única solução aceitável, e por isso estava prestes a ser imprensado entre as engrenagens do serviço secreto.
Onde estaria?
Sem ser notado pelos dois homens que conversavam numa sala de porta aberta, Deringhouse abriu cautelosamente uma série de outras portas. Finalmente entrou numa sala escurecida, da qual saía o ruído de uma respiração irregular.
Havia cortinas diante das janelas para impedir a entrada da luz ofuscante. Deringhouse fechou a porta e esperou até que os olhos se acostumassem à penumbra.
Num dos cantos havia uma cama de campanha bastante primitiva. Sobre a cama estava estendido um homem. Dormia e parecia precisar do sono. O rosto estava arranhado e desfigurado. Apesar disso parecia simpático.
Deringhouse gravou o rosto na memória e saiu da sala com a mesma cautela com que havia entrado. Voltou ao pavimento térreo e, depois de espiar por vários buracos de fechadura, encontrou uma sala um pouco maior, em que cadeiras e bancos se misturavam desordenadamente. Era a sala de reuniões. Por enquanto sabia o suficiente. Saiu do edifício da prefeitura. Para passar o tempo que faltava até o anoitecer, furtou alguns comestíveis da única loja existente na aldeia, tirou um jarro de água límpida do poço e matou a fome e a sede com sua presa de guerra.
Chegou à sala de reuniões muito antes das oito. Ocupou um lugar seguro em cima de um dos armários encostados à parede, onde ninguém esbarraria nele. Os membros do conselho não pareciam ser muito pontuais. Às oito horas só havia dois homens, além de Deringhouse. Os quatorze restantes foram chegando entre as oito e as oito e vinte.
O homem ferido que Deringhouse vira de tarde entrou carregado em sua cama de campanha. Não se percebia qualquer melhora considerável de seu estado. Mas estava acordado e se mostrava bastante interessado.
Os homens o fitaram com uma curiosidade indisfarçada. Finalmente o homem que de tarde conversara com o médico militar abriu a reunião.
E logo passou à ordem do dia.
— Este homem — disse, apontando para o ferido — é, ao que lhe consta, o único sobrevivente do ataque que a 23a esquadrilha de caças de Karaganda desfechou contra a nave espacial inimiga que hoje sobrevoou esta região. As declarações que prestou a respeito do ataque são tão estranhas que achei conveniente que ele as repetisse diante de vocês. Depois deliberaremos sobre o que devemos fazerface às suas declarações.
“Que idiota”, pensou Deringhouse. “Depois de ter ouvido isso, o homem não voltará a manifestar sua opinião.”
O camponês, que devia ser o prefeito da aldeia, se voltou para o ferido.
— Comece a falar! — ordenou. — Indique seu nome e posto e informe tudo que julgar importante. O senhor se encontra diante do Conselho Municipal da aldeia de Plachowskoje que, conforme sabe, terá que deliberar a seu respeito, já que desceu no território desta aldeia.
O ferido se apoiou sobre os cotovelos. Via-se que isso lhe exigia um grande esforço.
— Meu nome é Jaroslav Afimovitch Welinskij — principiou com a voz fraca. — Sou capitão e comandante do 5o esquadrão da 23a esquadrilha de caças, estacionados em Karaganda-Leste. Pelas quatorze e quinze decolei da base, em companhia dos meus companheiros de esquadrilha, a fim de atacar e destruir a nave inimiga que se aproximava da cidade de Karaganda. Nossa missão foi um fracasso. A maior parte, ou melhor, todos os nossos aviões foram destruídos.
Forneceu uma descrição minuciosa da bola de fogo que havia observado, e relatou como os caças se tornaram vítimas dos foguetes por eles mesmos disparados. Concluiu com estas palavras:
— Parecia que para o inimigo isso não passava de uma brincadeira. Não teve de fazer o menor esforço para destruir nossa esquadrilha. Não precisou mexer um dedo. A parede de fogo que espalhou em torno de si provocou a explosão dos foguetes e, com eles, dos nossos caças. Na minha opinião seria uma irresponsabilidade lutar contra um inimigo destes. Não dispomos de nada comparável com os recursos de que ele dispõe. Quem quisesse resistir estaria agindo com o mesmo senso de um menino que pretendesse deter um tanque pesado com as mãos.
O protesto foi súbito e violento, como se viesse por encomenda. Welinskij ouviu os piores insultos; as palavras traidor e sabotador foram as mais suaves.
Deringhouse admirou a coragem daquele homem. Tudo seria muito mais fácil para ele se tivesse relatado a ocorrência em termos menos fortes. Face ao intenso treinamento hipnótico a que fora submetido, Deringhouse sabia o que esperava o capitão: seria denunciado aos serviços de segurança e encaminhado a um dos postos para ser submetido a um interrogatório bastante minucioso.
A decisão de Deringhouse estava tomada.
Mas antes de executá-la queria saber o que aconteceria em seguida.
O chefe do conselho formulou a proposta que todos esperavam: a transmissão de um aviso imediato aos serviços de segurança.
Welinskij não manifestou qualquer oposição. Até o fim respondeu a todas as perguntas com a maior tranqüilidade e objetividade. Depois de hora e meia de interrogatório, as forças o abandonaram. Desmaiou e deixou-se cair na cama.
Foi levado para fora. O chefe do conselho usou o telefone para transmitir o aviso. Das palavras que foram proferidas Deringhouse concluiu que o aviso foi encaminhado ao posto do serviço de segurança sediado em Akmolinsk, não ao de Karaganda.
Ao que parecia, conheciam a notícia de que naquela cidade remava um espírito revolucionário depois que a Stardust-III ali permaneceu por uma hora. Via-se que os camponeses de Plachowskoje continuavam fiéis ao governo.
* * *
Pela meia-noite o silêncio da grande planície foi interrompido pelos estalos e chiados produzidos pelos rotores de um helicóptero. Um veículo fracamente iluminado desceu do céu nublado e aterrizou na estrada, junto às primeiras casas da aldeia.
O prefeito, mais dois membros do conselho e dois camponeses que carregavam a maca em que se encontrava Welinskij estavam à espera. Welinskij havia acordado.
Deringhouse estava invisível, parado à beira da estrada. Observou o jovem capitão e procurou descobrir como o mesmo se sentia. Mas Welinskij não revelava a menor emoção.
O helicóptero dispunha de um amplo compartimento de carga. Deringhouse não teve a menor dificuldade em entrar sem ser notado e se acocorar junto à cama de campanha de Welinskij.
Ouviu as pessoas conversarem por algum tempo do lado de fora. Mas logo o motor voltou a chiar, os rotores bateram e o aparelho se levantou com um forte solavanco.
“Até aqui tudo bem”, pensou Deringhouse.
É verdade que pretendia ir a Karaganda, mas parece que os acontecimentos tomaram outra direção. Será que a modificação se revelaria útil à sua missão?
Ficou quebrando a cabeça a respeito e chegou à conclusão de que pouco importava o ponto em que iniciaria sua marcha propriamente dita.
De qualquer maneira teria de ir a Moscou, e tanto fazia que partisse de Akmolinsk ou de Karaganda.
O vôo para Akmolinsk não durou mais de trinta minutos. Apesar do barulho causado pelo helicóptero Welinskij adormecera. Só despertou quando sua maca foi retirada do compartimento de carga.
Deringhouse saiu atrás dela, e foi então que aconteceu o primeiro incidente.
A porta do compartimento ficava cerca de metro e meio acima do solo. Os homens que aguardavam o helicóptero conversavam em altas vozes; por isso Deringhouse acreditava que não haveria o menor risco em saltar para fora. Mas não percebeu que, próximo à porta, havia um tipo de encaixe. Ao saltar, ficou com o pé direito preso ali. Tombou para a frente e caiu sobre o ombro do homem que se encontrava mais próximo ao helicóptero.
De início houve uma tremenda confusão. O homem foi atirado para a frente pela força do impacto e arrastou mais algumas pessoas.
Mas logo todos se viraram, de pistola na mão. À luz das lâmpadas que iluminavam o campo de pouso, Deringhouse viu seus rostos decididos e perplexos.
— O que foi isso? — perguntou um deles.
— Alguém saltou sobre as minhas costas — disse o homem sobre o qual Deringhouse havia caído.
— Deixe de bobagens — disse outro. — Não há ninguém aqui além de nós!
— Pois eu lhe digo...
O homem se aproximou cautelosamente da porta e olhou para dentro. O compartimento de carga estava escuro.
— Há alguém aí dentro? — perguntou em voz alta. — Saia!
Não houve resposta. Deringhouse já se levantara e se colocara de pé junto à cabina do piloto. Viu que Welinskij observava tudo com o maior interesse.
— Eu lhe disse que não há ninguém — disse um dos homens que permaneceram de pé.
Mas seu companheiro não se perturbou. Deringhouse não pôde deixar de reconhecer que era um rapaz corajoso. Entrou imediatamente no compartimento de carga e revistou-o. Quando voltou, tinha o rosto ainda mais perplexo.
— É verdade, não há ninguém — disse com a voz baixa.
Os outros riram.
Pegaram a maca de Welinskij e saíram com ela. O homem sobre cujos ombros Deringhouse caíra voltou a cabeça mais de uma vez, lançando olhares desconfiados para o helicóptero.
* * *
Welinskij passou uma noite desassossegada. Sua cama fora colocada num cubículo com cheiro de mofo que ficava num galpão do campo de pouso. Ninguém se incomodou com ele. Aproveitou o tempo para dormir um pouco.
Pelas sete da manhã serviram-lhe um café reforçado e perguntaram se já estava em condições de levantar.
Experimentou e conseguiu, embora dali a cinco minutos já visse manchas coloridas diante dos olhos.
Foi levado por um longo corredor que dava para outra sala do mesmo galpão. Um major estava sentado atrás de uma escrivaninha.
Welinskij fez continência. O major retribuiu. Os dois homens que haviam acompanhado Welinskij se retiraram.
— Sente-se — disse o major. — Acho que ainda não está muito bom das pernas.
Welinskij sentou; estava surpreso com tamanha gentileza.
— O senhor vai contar a história mais uma vez — disse o major com um sorriso. — Tenho diante de mim o relatório vindo de Plachowskoje, mas não estou entendendo bem.
Welinskij voltou a relatar tudo. Pela terceira vez contou a história por ele vivida.
O major o escutou com muita atenção. Assim que Welinskij terminou, perguntou:
— E daí?
Welinskij estava perplexo.
— Por causa destas declarações — explicou — aquela gente de Plachowskoje fez de mim um traidor e sabotador e me encaminhou ao serviço de segurança.
O majorpareceu se divertir com esse fato.
— Meu Deus! — disse, rindo. — Se eu tivesse passado pelo que o senhor passou, teria contado exatamente a mesma coisa. Não vejo onde está a sabotagem ou a traição.
Welinskij não acreditou no que estava ouvindo.
— Está falando sério? — perguntou em tom hesitante, se inclinando para a frente.
O major fez que sim.
— Sem dúvida.
— Quer dizer que posso voltar para Karaganda?
— Não pode, não.
Welinskij se assustou. Não permitiam que voltasse. Quer dizer que havia alguma coisa.
— Seu caso foi muito comentado — prosseguiu o major. — O Conselho Supremo nos enviou um homem de confiança, que vai levar o senhor a Moscou. O conselho pede que relate os acontecimentos em sessão secreta. Evidentemente fará isso como homem livre. Não há motivo para acusá-lo de traição, sabotagem ou derrotismo.
Os ouvidos de Welinskij começaram a zumbir. Mal ouviu a pergunta:
— O senhor concorda?
— Sim... sim, naturalmente.
O major preencheu um formulário. Entregou-o a Welinskij e disse:
— Vá até o galpão C e bata à porta da sala número vinte e cinco. Ali encontrará o homem que deverá levá-lo a Moscou. Mostre-lhe este bilhete. Boa viagem!
Welinskij se sentia confuso. Agradeceu e se retirou. Subitamente esquecera a fraqueza que sentia; estava curioso para ver o homem que o levaria a Moscou.
Viajariam por terra? Por que não iriam...
Quando encontrou o galpão C esqueceu a pergunta. Atravessou o corredor e encontrou a porta com o número vinte e cinco. Bateu.
— Entre! — disse alguém. 
Welinskij entrou.
Na sala havia uma mesa e uma cadeira. Sobre a mesa, Welinskij viu um par de solas de bota bem frisadas. Deu um passo para o lado e viu as pernas em que as botas estavam enfiadas e o homem ao qual pertenciam essas pernas.
Seu aspecto não tinha nada daquilo que Welinskij imaginara num elemento de comunicação do Conselho Supremo. Não havia dúvida de que tinha menos de trinta anos. Os cabelos estavam cortados à escovinha, e os olhos emitiam um brilho azulado.
O mais estranho naquele homem era seu equipamento. Usava um traje que parecia uma combinação de vestimenta de mergulhador, alpinista e mecânico. Welinskij nunca vira coisa parecida. Com um certo respeito contemplou as coronhas das armas, que sobressaíam dos coldres existentes na altura do quadril ou na parte superior da coxa.
— Terminou a inspeção? — perguntou o homem, tirando as pernas de cima da mesa.
Welinskij se lembrou do que tinha a fazer. Ficou em posição de sentido e fez continência:
O louro — Welinskij notou que tinha perto de dois metros de altura — fez um gesto displicente.
— Sim, já sei. O prenome é Jaroslav Afimovitch. Capitão-comandante do 5o esquadrão da 23a esquadrilha de caças, estacionada em Karaganda-Leste. Correto?
— Perfeitamente — respondeu Welinskij, perplexo.
— Sou Lub — disse o louro. — Veja bem: não digo que meu nome é Lub. Esqueci meu verdadeiro nome. Os homens que importam me conhecem como Lub. O senhor também me chamará assim.
— Está bem — respondeu Welinskij.
— Iremos juntos a Moscou — prosseguiu Lub.
— Perfeitamente. Permita que lhe faça uma pergunta?
— Naturalmente.
— Por que não vamos de avião? Chegaríamos mais cedo.
Lub deu um sorriso de escárnio.
— É um rapaz esperto, não é? Acontece que iremos por terra.
Welinskij logo formou sua opinião. Nunca vira um homem mais descontraído e lacônico que Lub. Não seria fácil tirar dele alguma coisa que não quisesse revelar.
Apesar disso Welinskij o achou simpático, até muito simpático.
Lub não se demorou muito no aeroporto. Todos pareciam conhecê-lo, pois ninguém lhe pedia que se identificasse. Welinskij o seguiu.
Às dez horas embarcaram num dos modernos trens elétricos da Estrada de Ferro Transiberiana, que os levaria a Moscou, passando por Magnitogorsk e Kufbychev.
— É mais confortável — explicou Lub em termos lacônicos. — Mandei reservar um compartimento só para nós. Até pode dormir.
No momento Welinskij não tinha disposição para isso. Enquanto o trem atravessava a paisagem numa velocidade de trezentos quilômetros por hora, voltou a examinar Lub. Viu que este o percebia e formulou uma pergunta, para se antecipar a uma observação irônica:
— Que terno é esse? 
Lub sorriu.
— É um traje especial — respondeu. — Não deixa passar balas ou outras coisas desagradáveis. Além disso, pode executar uma série de truques. Oportunamente lhe mostrarei.
Ao que parecia quis fugir a outras perguntas, pois ligou o televisor que se achava instalado neste como em todos os demais compartimentos do trem sumamente confortável. Um programa insosso se desenrolou diante deles... até o momento em que Perry Rhodan interferiu na rede terrena de televisão e transmitiu sua advertência dirigida ao governo do Bloco Oriental.
Welinskij acompanhou a alocução com os olhos atentos. Mas Lub se reclinou num canto e fez como se achasse aquilo muito tedioso. Quando Rhodan terminou e o programa anterior voltou ao ar, Welinskij disse:
— Será que Strelnikov concordará? Será que tomará em consideração os ensinamentos dos últimos dias?
Lub deu de ombros.
— Como vou saber? 
Welinskij se exaltou.
— Será que isso não o comove? Todo mundo deve refletir se vale a pena se engalfinhar com um inimigo destes, ou se é preferível entrar em negociações para salvar a pátria.
Lub sacudiu a cabeça.
— Pois eu, por princípio, não quebro a cabeça sobre estas coisas.
Welinskij achou que a atitude de Lub era repugnante, mas não disse mais uma palavra a este respeito.
Às onze e meia o trem parou em Atbassar, uma pequena localidade onde a parada do trem não era prevista. Lub sorriu.
— Sabe por que o trem parou? — perguntou a Welinskij.
— Para não se encontrar em qualquer lugar no meio da linha quando faltar energia — disse o capitão com toda franqueza.
Lub fez que sim. Depois disse:
— Venha comigo; vamos descer. Welinskij se assustou.
— Por quê?
— Depois explico.
Welinskij obedeceu. Quando desceram foram abordados pelo condutor.
— Aqui a descida não é permitida. Fiquem no trem.
— Não vou ficar coisa alguma — resmungou Lub. — Quero esticar as pernas.
O condutor não tinha qualquer objeção. Lub marchou em companhia de Welinskij pela plataforma arenosa. Examinaram a cabana do guarda-trilhos e contornaram-na.
— Fique aqui mesmo! — ordenou Lub de repente. — Voltarei logo.
Welinskij obedeceu. Lub voltou a contornar a cabana e retornou dali a dois minutos.
— Tudo em ordem — disse com um sorriso. — Vamos andando.
— Para onde? — perguntou Welinskij perplexo.
Lub apontou para os telhados achatados da pequena localidade, que sobressaíam em meio à névoa que cobria a planície.
— Para lá. Gosto de aproveitar os intervalos que me são impostos. Conheço pouca coisa desta terra imensa. Gostaria de ver Atbassar.
— Vamos voltar em tempo? — perguntou Welinskij, preocupado.
Lub deu de ombros.
— Não sei — respondeu.
Foram andando, e fizeram-no sem rebuços. Todo mundo os via, inclusive o solícito condutor, mas ninguém procurou detê-los. Foi outra coisa que deixou Welinskij admirado.
Atbassar ficava cerca de seis quilômetros da estação. Ainda não haviam percorrido a metade da estrada poeirenta e esburacada, quando o chiado dos jatos de um avião se fez ouvir, vindo do leste. Lub levantou o braço e olhou para o relógio. Welinskij o viu estremecer.
— Que idiota! — disse por entre os dentes. — Por que não aterrizou?
Pararam.
Welinskij não saberia dizer o que havia de errado naquele avião. Mas percebeu-o assim que o ponteiro de segundos do relógio de Lub saltou para o número doze.
De um instante para outro o ruído vigoroso dos jatos cessou, já que o suprimento de energia das bombas de combustível, compressores, ativadores e outros componentes importantes do mecanismo foi interrompido. O chiado se transformou num uivo, e este acabou num miserável apito. Um minuto depois das doze, a máquina, que antes era um ponto brilhante no azul do céu, estava transformadanuma grande mancha cinzenta.
Lub não respondeu.
O avião passou em disparada por cima da aldeia de Atbassar.
As asas estreitas, concebidas para um deslocamento em alta velocidade, não davam sustentação ao avião. Sua queda foi semelhante à de uma pedra achatada.
Tudo terminou numa labareda ofuscante que surgiu bem além da aldeia de Atbassar, e num estrondo abafado que segundos depois percorreu a planície.
— Que Deus tenha compaixão deles! — disse Lub e voltou a se descontrair.
Quando reiniciaram a marcha, os joelhos de Welinskij estavam trêmulos.
Pela uma e meia chegaram à aldeia. Lub ordenou:
— É preferível que espere aqui. Quero dar uma olhada.
Welinskij estava tão deprimido que não se encontrava em condições de formular qualquer objeção. Sentou na beira da estrada e esperou. Lub foi andando.
Só se sobressaltou uma vez em sua atitude cismarenta. Foi quando, ao meio-dia e meia em ponto, os motores dos tratores entraram em funcionamento com um rugido e transportou uma caravana de enfermeiros e voluntários — mas também de curiosos — em direção ao local em que o avião havia caído.
“Provavelmente Lub não vai encontrar ninguém na aldeia”, pensou Welinskij; mas em face do desastre que testemunhara isso não o preocupou.
Meia hora depois se aproximou aos solavancos uma daquelas carroças motorizadas que, nos últimos anos, vinham sendo usadas pelos camponeses. Lub estava à direção e, quando parou diante de Welinskij, sorriu alegremente como se acabasse de fazer um bom negócio.
— Suba! — disse.
Welinskij subiu e sentou perto de Lub.
— Onde arranjou isso? — perguntou.
— Comprei — foi a resposta.
— Onde pretende ir?
— A Kosgorodok.
Welinskij quase ficou sem fôlego.
— O que vamos fazer em Kosgorodok? Não pretendia me levar a Moscou?
Lub fez que sim.
— Sei que estou pedindo muito — disse. — Mas vamos fazer um acordo. Em Kosgorodok eu lhe digo exatamente o que está havendo. Em compensação você promete que não fará mais perguntas. Combinado?
Welinskij refletiu.
— De acordo — disse depois de algum tempo.
Pelo que dizia Lub, Kosgorodok ficava a pouco mais de duzentos quilômetros de Atbassar. Só chegariam no fim da tarde, isso se não houvesse nenhum enguiço no veículo.
�
4
O coronel Freyt fez-se anunciar. Rhodan fez com que entrasse imediatamente.
— Já temos a concordância dos governos da Federação Asiática e do bloco da OTAN — disse Freyt. — O Bloco Oriental ainda não acusou o recebimento de nossa nota, nem deu qualquer resposta.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Isso era de esperar. Estaremos em três, Freyt. Conseguiu combinar dia e hora?
— Sim senhor. Amanhã, dia 16 de junho, se possível às quatorze horas, tempo local.
— Ótimo. Já confirmou?
— Sim senhor. Fui eu que sugeri esse dia e hora.
Rhodan levantou as sobrancelhas, num gesto zombeteiro.
— Houve alguma objeção?
— Nenhuma — respondeu Freyt com um sorriso.
— Isso representa um bom atestado da nossa reputação.
Freyt se retirou e Rhodan voltou a mergulhar nas suas meditações.
O que realmente o incomodava na situação atual da política terrena não eram os desvios de que o Bloco Oriental se fizera culpado. Os recursos técnicos e psicológicos da Terceira Potência poderiam vencer qualquer atitude deste tipo dentro de poucas horas.
O principal motivo de suas preocupações era a imaturidade humana que se revelava na conduta dos Estados do Bloco Oriental.
Rhodan não era o tipo de homem que se entregava a ilusões. Estava firmemente convencido de que conseguiria abrir os olhos da Humanidade não só através da instalação da Terceira Potência, levada a efeito apesar de todos os obstáculos e hostilidade, mas também através de uma abundância de informações sobre os acontecimentos desenrolados na cidade de Galáxia, que fez fluir para todos os países da Terra através de numerosos canais. Convencera-se de que, recorrendo a um material ilustrativo adequado, conseguiria dentro de um tempo muito reduzido transformar o homem num terreno, isto é, num ser com uma visão realista de sua verdadeira terra natal; o homem se transformaria numa partícula de pó tão impregnada do pensamento galático que consideraria ridículas quaisquer disputas particularistas em sua minúscula pátria, e não perderia tempo com elas.
Mas, qual a realidade atual?
Por ocasião do primeiro vôo tripulado à Lua realizada pelo homem, Rhodan encontrou no satélite de nosso planeta os representantes de uma raça humanóide desconhecida. Vinham de um mundo que eles chamavam de Árcon, e que ficava a trinta e quatro mil anos-luz da Terra. Haviam pousado na Lua com uma nave exploradora e Crest, o chefe científico da expedição, sofria de leucemia.
Rhodan aproveitou a oportunidade. Retornou à Terra em companhia de Crest, a quem prometera a cura, e fez de sua nave, pousada no deserto de Gobi, o centro da Terceira Potência.
Crest foi curado e manifestou sua gratidão, colocando à disposição de Rhodan os recursos criados pela tecnologia arcônida. Rhodan se defendeu dos ataques desfechados pelos blocos de potências terrenas e consolidou seu pequeno Estado. Recorreu ao campo de absorção de nêutrons, uma invenção dos arcônidas, para impedir uma guerra que teria significado o fim da Humanidade.
A nave exploradora arcônida era comandada por uma mulher chamada Thora. Era a mulher mais bela e fascinante que Rhodan já vira. Mas, na opinião da comandante, os homens não passavam de um bando de criaturas semi-selvagens, e foi assim que ela os tratou. No entanto essa humanidade miserável conseguiu, num esforço inaudito e sem que Rhodan o soubesse, destruir a nave arcônida. Quando isso aconteceu, Thora não se encontrava a bordo, e Crest já se radicara na Terra. Thora e Crest sobreviveram à catástrofe, e o produto mais importante de sua civilização que conseguiram salvar foi uma nave auxiliar esférica de sessenta metros de diâmetro, que não poderia realizar a viagem de volta ao seu mundo natal.
Os arcônidas não tiveram outra alternativa senão colaborar com a Humanidade. Precisavam de um veículo apto a enfrentar as condições reinantes no espaço. Para obtê-lo foi criada a General Cosmic Company, dirigida pelo mutante Homer G. Adams.
Surgiram muitos perigos. Alguns deles ameaçavam a Terceira Potência, vindos de um ou de alguns dos blocos de potências roídos pela inveja; outros punham em risco toda a Terra, provocados por inteligências extraterrenas, que haviam encontrado a pista do cruzador destruído e esperavam encontrar em nosso planeta uma presa fácil e abundante.
Sobreviveram a tudo. No sistema Vega, situado a uma distância de vinte e sete anos-luz, ajudaram uma raça desesperada na sua luta contra um grupo de invasores reptilóides. Depois da vitória, encontraram indicações que lhes revelaram pistas do mundo em cuja busca a nave exploradora dos arcônidas se lançara ao espaço: o planeta da vida eterna.
Um poderoso desconhecido fez seu jogo com eles. Conduziu-os a armadilhas e os libertou das mesmas, para que provassem que eram dignos de se tornarem seus herdeiros.
Encontraram o mundo do desconhecido. Era um planeta artificial, que percorria uma trajetória também artificial, realizando no curso de vários séculos um movimento de translação em torno de mais de uma dezena de sistemas solares. Deram a esse planeta o nome de Peregrino. Encontraram o desconhecido e com ele o segredo da vida eterna. Mas ficaram sabendo que a vida eterna só caberia a Rhodan e aos homens que o mesmo julgasse dignos de receberem essa dádiva.
O grande relógio da história galáctica assinalava o fim do tempo dos arcônidas. A vida eterna não seria para eles. Crest e Thora encontraram o mundo que procuravam, mas essa descoberta não lhes trouxe qualquer vantagem.
Rhodan e os terranos seriam os homens do futuro.
Retornaram do planeta Peregrino, depois de terem ficado longe da Terra por alguns meses, segundo sua contagem de tempo.
Mas durante a permanência no planeta Peregrino, onde prevalecia um tempo diferente, a Terra

Continue navegando