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P 331 Um Homem Igual a Rhodan William Voltz

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A REVOLTA
DA HUMANIDADE
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
�
Uma arma terrível da polícia do tempo arremessou a Crest IV ao sistema estelar M-87, com Perry Rhodan, Atlan, Roi Danton e outros personagens importantes do Império Solar a bordo.
Os homens a bordo da Crest encontram-se a cerca de trinta milhões de anos-luz da Terra, o que é uma distância fantástica, considerando que até então o máximo que os terranos tinham conseguido fora atingir a nebulosa de Andrômeda, relativamente próxima, com as próprias forças. Mas apesar da situação desesperadora em que se encontram, os homens não desanimam.
Enfrentam a luta com o estranho anão pertencente à frota dos esquifes voadores, que praticou atos de sabotagem e espalhou o terror a bordo da Crest. Mal e mal conseguem sair vencedores no conflito que se verificou num planeta cujos seres vivos parecem ter enlouquecido com a chegada da Crest.
Mas apesar disso a situação de Perry Rhodan e seus companheiros não é nada brilhante, ainda mais que perderam o contato com a Terra e o Império Solar. E na Terra, num momento em que o sistema de origem da humanidade é ameaçado em sua própria existência por Old Man e os policiais do tempo, os subversivos entram em ação. O medo é sistematicamente fomentado entre os homens, e um político que conta com o apoio secreto de uma organização criminosa acha que sua hora chegou.
Heiko Anrath, que contra sua vontade se transforma em sósia de Perry Rhodan, desempenha o papei do Administrador-Geral. Entra em ação para evitar que a notícia do desaparecimento de Perry Rhodan alcance o público. Reginald Bell, Allan D. Mercant e os dirigentes da Frota Solar sabem perfeitamente que somente a encenação de uma mentira poderá frustrar a conspiração que promove A Revolta da Humanidade...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Croton Manor — Um combatente pela luz e pela felicidade.
Heiko Anrath — O falso Administrador-Geral que deverá ser desmascarado.
Gwydlin Grichert — Administrador de um mundo colonial e inimigo de Perry Rhodan.
Setereyns — Um homem de confiança de Grichert.
Caarn e Jook Ahnquork — Membros de um grupo de criminosos cósmicos.
Reginald Bell, Allan D. Mercant, Julian Tifflor e Mory Rhodan-Abro — Que permanecem na Terra, apesar da revolta da humanidade que está para eclodir.
�
1
A Stardust estava estacionada perto do parque de Gobi, junto à entrada principal. A velha nave, na qual Perry Rhodan voara para a Lua há 465 anos, fora limpa da ferrugem e dos outros sinais exteriores da idade.
Mas naquele dia ninguém estava interessado na Stardust. As pessoas entravam no parque em grandes multidões, mas não queriam saber da velha nave nem das outras coisas que havia para ver no parque. Emílio Alberto Aboyer, encarregado-geral da Segurança Solar, olhou para o relógio. Dentro de uma hora Croton Manor, o pintor das nuvens carregadas de felicidade, dirigiria a palavra aos combatentes pela luz e pela felicidade reunidos no parque. Há cerca de quinze dias a seita de Manor conseguira cem milhões de adeptos. Assim não era de admirar que a grande área livre do parque já estivesse repleta de gente. Cem mil pessoas tinham comparecido para ver e ouvir Croton Manor. E bilhões de pessoas acompanhariam o discurso do chefe da seita pela televisão terrana.
Aboyer apoiou-se no tronco de um velho olmo que ficava a uns vinte metros do caminho principal do parque. Usava pulôver amarelo de gola de enrolar, calças pretas e botas de couro macias. Seu rosto não mostrava nenhuma emoção. Há trinta anos Aboyer ajudara a evitar um atentado dos senhores da galáxia contra a Terra. Nestes trinta anos seus cabelos, que eram de cor cinza, tinham-se tornado brancos como neve. Era difícil calcular a idade daquele homem. Podia ter sessenta anos ou cem. Era um tipo baixo e robusto. O rosto enrugado com o nariz adunco dava-lhe um aspecto de índio. A única coisa viva naquele rosto pareciam ser os olhinhos azuis.
Aboyer suspirou e apoiou o peso do corpo na outra perna. Estava fresco no parque. Aboyer pegou uma garrafa que trazia no bolso e tirou a rolha. Deixou que metade do conteúdo lhe descesse pela garganta sem fazer qualquer movimento de deglutição.
Há quinze dias ninguém se interessaria por Croton Manor. Mas os acontecimentos que se verificavam no Sistema Solar fizeram com que várias seitas conseguissem grande número de adeptos. Dessa forma Croton Manor, fundador e chefe da seita dos combatentes pela luz e pela felicidade, se transformara num fator de poder que não podia ser negligenciado. Manor não era um homem mau, que só quisesse o poder. Mas era capaz de influenciar grande número de pessoas. E na situação reinante, a Segurança Solar não estava nem um pouco interessada em que houvesse maiores tumultos. Por isso Aboyer fora enviado ao parque de Gobi. Recebera ordem de falar com Croton Manor antes do início da reunião, pedindo-lhe que aconselhasse os adeptos de sua seita a manterem a paz e a ordem.
Aboyer voltou a guardar a garrafa. Quando levantou os olhos viu um homem baixo caminhando pela grama em sua direção.
O rosto do desconhecido parecia extasiado. Parecia ter um belo sonho, mesmo acordado. Não se sabia por quê, mas o fato era que os homens que se encontravam perto de Croton Manor sempre pareciam felizes.
“Não é de admirar”, pensou Aboyer.
Croton Manor era um mutante positivo que possuía várias faculdades. O pintor não sabia disso. Seus dons não podiam ser usados em benefício da humanidade, pois nunca se podia prever qual seria o comportamento de Manor em determinadas situações.
Manor era um DNI, um dotado não identificado. Havia muitas pessoas que, como ele, possuíam dons parapsíquicos sem que o soubessem.
— Quer ficar longe quando Croton Manor estiver falando? — perguntou o homem baixo que parou à frente de Aboyer. 
Nem tomou conhecimento das vestes estranhas que este estava usando.
— Não pertenço ao grupo dos combatentes pela luz e pela felicidade — respondeu Aboyer. — Vim para respirar um pouco de ar puro.
— O senhor deveria ver e ouvir Croton Manor — recomendou o homem baixo. — Só assim conhecerá a verdadeira felicidade.
Aboyer tinha idéias bem definidas a respeito da verdadeira felicidade e não gostava que alguém quisesse fazê-lo mudar de idéia. Inclinou o corpo e deixou que seu hálito impregnado de uísque roçasse a face do homem.
— Talvez acabe indo mesmo — disse.
— Trate de apressar-se para conseguir um bom lugar — disse o adepto de Manor.
Parecia que acabara de lembrar-se de que, se continuasse mais tempo onde estava, ele mesmo poderia perder as chances de arranjar um bom lugar. Virou-se abruptamente e saiu às pressas. Aboyer dirigiu-se ao caminho principal e deixou-se arrastar pela multidão. Quando chegou perto da grande área livre, separou-se da multidão e seguiu outro caminho. Caminhou por uma trilha estreita ladeada de arbustos floridos. Às vezes Aboyer enxergava entre os arbustos a rocha de cujo topo Croton Manor falaria à multidão. Em toda parte tinham sido instaladas câmeras de televisão. Manor anunciara que durante o discurso faria algumas profecias. Era um acontecimento que os repórteres da televisão terrana não iriam perder. O espetáculo também seria transmitido nos outros planetas do Sistema Solar e em vários planetas coloniais.
Aboyer alcançou uma barreira. Um guarda mal-humorado impediu-o de seguir adiante.
— Por aqui o senhor não pode ir — explicou o guarda. — Se quiser ouvir esse maluco, terá de voltar ao parque.
Há algumas semanas Croton Manor e outros chefes de seitas e fanáticos não seriam ouvidos por mais de cinqüenta pessoas, caso resolvessem falar no parque de Gobi. Mas naquele momento havia necessidade de providências especiais para que a reunião corresse sem incidentes.
— Quero falar com Croton Manor — disse Aboyer em tom paciente.
— Agora ninguém pode falar com ele. Está se preparando em sua tenda. — O guarda deu umarisadinha: — Se deixasse passar todos que querem ir para lá, o topo desta rocha logo se transformaria num inferno.
— E estes dois homens? — perguntou Aboyer, aborrecido, enquanto apontava para um grupo de cinco bétulas que ficavam cinqüenta metros atrás do guarda.
O homem virou a cabeça. Aboyer aproveitou a oportunidade para sair correndo. Não se incomodou com os gritos de ameaça do guarda. Sabia que este não podia abandonar seu posto. Os carros com os transmissores da televisão terrana estavam estacionados ao pé da rocha. Ainda havia alguns técnicos trabalhando na montagem dos aparelhos. Aboyer passou a ir mais devagar e olhou em volta. A tenda de Manor fora montada no alto da rocha do meio. Croton Manor levava vida simples. O dinheiro auferido com a venda dos seus quadros era quase todo doado a hospitais ou instituições culturais.
Aboyer passou entre os carros. Viu as barreiras montadas junto à rocha. Os espectadores olhavam para a tenda, esperando ansiosamente que o pintor aparecesse. Quase não se ouvia nenhum ruído vindo da grande área livre. A multidão permanecia num silêncio cheio de devoção. Havia alguns policiais atrás das barreiras. Carros de jato de água estavam estacionados de ambos os lados da rocha. Aboyer não acreditava que fossem usados. Manor sabia manter a disciplina entre os combatentes pela luz e pela felicidade.
— Olá! — gritou alguém para Aboyer. — O senhor faz parte da equipe?
Aboyer virou lentamente a cabeça. Um jovem técnico fitava-o da cobertura de um dos carros da televisão. Aboyer sorriu gentilmente e deu de ombros.
— Não acredito que faça parte da seita — opinou o técnico. — Faça o favor de me dar o cabo azul que está perto do carro.
— Quando será iniciada a transmissão? — perguntou Aboyer.
— Assim que Croton Manor sair da tenda — respondeu o homem parado em cima do carro. — Será um espetáculo bem interessante.
Aboyer fez um gesto afirmativo e saiu andando devagar. O acesso da rocha estava sendo vigiado. Aboyer mostrou sua identidade aos dois policiais.
— Croton Manor está à minha espera — disse. — Certamente já foram informados.
Os policiais acenaram nervosamente com a cabeça e deixaram Aboyer passar. O encarregado especial se perguntou se Croton Manor estava só em sua tenda, ou se havia alguns adeptos reunidos em torno dele. Aboyer crispou o rosto, contrariado, enquanto subia os degraus esculpidos na rocha. Numa época em que a humanidade corria perigo de ser atacada pelas naves robotizadas de Old Man e pelos dolans da polícia do tempo, um homem como Croton Manor deveria ser impedido de reunir milhões de adeptos em torno de sua pessoa.
Aboyer subiu tão depressa que quando chegou no alto da rocha estava ofegante. Parou e olhou para a gigantesca área livre. A multidão que se comprimia formava um quadro impressionante. Como devia sentir-se um homem até então incompreendido ao poder dirigir-se a uma multidão destas?
Aboyer saiu andando em direção à tenda. Havia uma mulher jovem sentada junto à entrada, olhando fixamente para o chão. Mas parecia que estava vendo Aboyer, pois levantou a mão quando este chegou perto dela.
— Agora não pode falar com o mestre — disse a mulher em tom delicado. — Ainda está meditando.
Aboyer afastou a lona que fechava a entrada. A mulher soltou um grito estridente e tentou segurá-lo pelo braço. Aboyer não teve nenhuma dificuldade em escapar às suas mãos.
— Deixe-o entrar! — disse uma voz retumbante saída da penumbra.
A mulher retirou-se. A lona caiu. Os olhos de Aboyer demoraram alguns segundos para adaptar-se à penumbra reinante na tenda. No meio da tenda havia uma figura magra de pé. Estava empertigada. Os cabelos caíam sobre os ombros. A barba negra chegava ao umbigo.
Aboyer teve uma sensação estranha. Estava perto de um homem extraordinário. Mas Aboyer não costumava deixar que sua autoconfiança ficasse abalada por isso. Por isso dirigiu-se resolutamente à única cadeira que havia na tenda e sentou-se nela. Croton Manor acompanhava atentamente os movimentos de Aboyer. O pintor tinha olhos escuros afundados nas órbitas. O gigantesco nariz encurvado quase chegava a cobrir os lábios.
— Um momento — disse Croton Manor. — Acenderei a luz para que nos vejamos melhor.
Sua voz parecia vir de um profundo abismo. Manor antes parecia uma sombra levitando. Logo clareou. Na ponta da tenda havia uma lâmpada redonda, que espalhava uma luz agradável.
Manor entrou na luz da lâmpada. Parecia que queria perfurar Aboyer com os olhos.
— Antes de vir para cá recebi uma injeção que paralisa o setor do cérebro sujeito a influências parapsíquicas — disse Aboyer, calmo. — Meu nome é Emílio Aboyer. Sou agente especial da Segurança Solar. Quer ver meus documentos?
— Não — respondeu Manor com a voz abafada. — Por que lhe deram esse tipo de injeção?
— Para que eu possa conversar com o senhor sem estar sujeito a influências estranhas — respondeu Aboyer prontamente. — Como sabe, quase todas as pessoas que se aproximam do senhor experimentam uma sensação de paz e felicidade. E estes sentimentos poderiam impedir-me de ser objetivo.
— Nunca influenciei ninguém contra sua vontade — resmungou Manor. — E nunca influenciarei.
— O senhor é um DNI — retrucou Aboyer. — por isso não é capaz de controlar suas faculdades. Não se deve subestimar a possibilidade de o senhor usar seus dons sem dar-se conta disso.
Manor abriu as mãos esguias, que ficaram parecidas com garras. Virou abruptamente as costas para Aboyer. Este ouviu-o mexer em alguma coisa nos fundos da tenda. Quando voltou, o chefe da seita segurava um quadro. Segurou-o de tal forma que Aboyer pudesse vê-lo. Aboyer sabia que Manor era um bom artista. Preferia os cenários com montanhas sombrias nos fundos. Mas o tema dominante sempre eram as nuvens, brilhando em várias cores e atravessadas pelos raios de sol. Manor fazia suas pinturas sobre telas antiquadas. Seu estilo tinha certa semelhança com o de Rubens.
Os donos desses quadros muito caros afirmavam que estes transmitiam felicidade e paz espiritual. As investigações do Serviço Secreto confirmaram a veracidade destas afirmações.
Aboyer concentrou-se no quadro. No plano da frente apareciam três pessoas, um homem e duas mulheres, que pareciam não ter a menor ligação com a estranha paisagem apresentada no quadro. Os rostos pintados em cores claras não revelavam nenhuma emoção. Aboyer não pagaria um solar por este quadro. Mas não se devia esquecer que estava sob os efeitos de uma injeção que paralisava determinados setores de seu cérebro, tornando-o incapaz de experimentar as sensações que faziam com que outras pessoas se sentissem irresistivelmente atraídas pelos quadros.
— Gostou? — perguntou Manor.
— Não gostei muito — confessou Aboyer. — Não exprime nada.
— A expressão de meus quadros não se vê — explicou Croton Manor. — Sente-se.
Manor levantou a manga esquerda da túnica ampla, pondo à mostra o antebraço muito magro. Mostrou uma mancha escura na carne.
— Está vendo? — Aboyer fez um gesto afirmativo, e o pintor prosseguiu: — Vou contar-lhe meu segredo. Provarei que não sou nenhum dotado não identificado. Sou um artista com muito talento.
Manor apertou várias vezes a mancha escura da carne do antebraço com o polegar. De repente esta começou a sangrar. Manor recolheu as gotas de sangue num pequeno recipiente.
— Eis aí o segredo dos meus quadros — disse em tom de triunfo. — Sempre misturo um pouco de sangue com a tinta. Graças a um catalisador cristalino contido nas tintas comuns, as células sangüíneas continuam vivas, num estado de contração e passam a irradiar impulsos que espalham a felicidade.
Aboyer teve a impressão de que uma brisa fria estava atravessando a tenda. Estremeceu. Manor tornava-se cada vez mais assustador.
— Quer dizer que seu sangue irradia impulsos parapsíquicos — disse Aboyer. — O que o senhor acaba de revelar não contraria em nada os resultados das investigações realizadas pela Segurança.
Manor voltou a comprimir o braço várias vezes com o polegar,e o fluxo de sangue foi estancado. Deixou cair a manga. Manor saiu com o recipiente. Sua voz veio do outro lado da tenda.
— Sou uma criatura eleita, Mr. Aboyer. A parapsicologia é uma ciência. Mas para minhas faculdades não existe nenhuma explicação científica.
Aboyer ansiava pela luz do sol. Teve de reprimir o desejo de levantar e sair. No interior da tenda reinava um frio desagradável. A sombra do corpo magro de Manor dançava pela lona enquanto ele se sentava no chão à frente de Aboyer.
— Sente as pessoas que estão lá fora? — cochichou. — Pobres criaturas enganadas! Anseiam pela verdade.
Aboyer começou a interessar-se.
— Que tipo de verdade? — quis saber.
Manor levantou a mão, com o dedo indicador apontando para Aboyer.
— O senhor veio para descobrir sobre que assunto pretendo falar.
— Isso mesmo — respondeu Aboyer laconicamente. — A Segurança espera que sua fala concorra para tranqüilizar a população. Sabemos perfeitamente que exerce uma grande influência sobre muitas pessoas. Por isso pedimos seu apoio. Diga aos seus adeptos que, para superar os perigos, a humanidade tem de permanecer unida.
Croton Manor baixou a cabeça.
— Nunca falei de forma irresponsável — disse.
— Isso nós sabemos. O senhor é um homem inteligente. 
O pintor levantou-se de repente. Foi à entrada da tenda e afastou a lona, deixando penetrar a luz do sol. Aboyer respirou aliviado. De repente Manor não tinha mais nada de assustador. Aquela figura magra que se destacava contra a luz do sol parecia antes ridícula que perigosa.
Aboyer levantou-se e foi para perto de Manor. A área junto à rocha estava apinhada de gente. As pessoas acotovelavam-se até mesmo junto às árvores mais distantes.
— Espere aqui — disse Croton Manor. — Vou falar aos combatentes pela luz e pela felicidade. O pintor aproximou-se do microfone que ficava perto da descida da rocha. Parecia que o silêncio reinante no parque aumentara ainda mais. Os dois operadores de câmeras de televisão, que estavam suspensos sobre placas antigravitacionais em cima da rocha, aproximaram-se para captar a imagem do chefe da seita nas mais variadas posições.
Manor parou e atirou os braços para cima. Para os que estavam mais afastados, não passava de um vulto pequeno que vestia uma manta escura. Mas os alto-falantes levavam sua voz a todos os cantos do parque. Manor ficou quase um minuto nessa estranha posição. De repente seus ombros fraquejaram.
— Eu lhes anunciei a luz das nuvens carregadas de felicidade! — gritou Manor para dentro do microfone. — Falei sobre a convivência pacífica de todos os seres inteligentes do Universo.
Mesmo contra a vontade, Aboyer sentiu-se fascinado por esta voz penetrante. Qual não seria a influência exercida por Croton Manor sobre as pessoas que não estavam sob os efeitos de uma injeção?
— Hoje não posso prometer nem a luz nem a felicidade — prosseguiu Manor. — Vejo uma nuvem escura que se tornará perigosa para a humanidade. Mas a maior desgraça é o homem que diz ser o Administrador-Geral e usa o nome de Perry Rhodan para enganar os homens.
Aboyer olhou incrédulo para a figura magra. Será que o pintor enlouquecera?
O agente especial não se interessou pelo resto da reunião. Saiu correndo pelo platô de rocha e desceu pela escada aos saltos. No fim do parque havia um planador pronto para decolar à sua espera.
�
2
Heiko Anrath estava sentado na sala de comando da nave que era apresentada como sendo a Crest IV, quando na verdade seu nome era Teodorico II. Fora há seis dias, em 2 de fevereiro de 2.436, que Anrath se apresentara pela primeira vez em público como se fosse Perry Rhodan. O sangue-frio que mostrara ao dirigir-se ao Parlamento evitara a catástrofe.
Mas aquele homem que estava encolhido numa poltrona, bastante deprimido, só tinha uma semelhança exterior com o Administrador-Geral. Depois que quase entrara em colapso, logo após os debates travados no Parlamento, Anrath nunca mais conseguira assumir uma postura que se parecesse com a de Perry Rhodan. Durante as horas de folga ficava sentado em algum canto da sala de comando, absorto em pensamentos. Olhava vagamente para a frente. Paciente, e sem demonstrar muito interesse, deixava que os cientistas e oficiais tentassem ensinar-lhe alguma coisa.
Os responsáveis estavam satisfeitos por não ter surgido nenhuma situação que exigisse outra apresentação do falso Administrador-Geral. Uma calma enganadora reinava no Sistema Solar. Old Man fizera sair dez mil ultracouraçados. Isso certamente fora feito por ordem dos cinco vigilantes de vibrações que se encontravam a bordo do robô gigante juntamente com os dolans. As cinqüenta mil unidades da frota metropolitana, comandadas por Reginald Bell e Tifflor, não seriam capazes de impedir o ataque das naves de Old Man. Mas depois da destruição de um dos dolans os policiais do tempo mostraram-se menos arrojados.
Natã, o gigantesco centro de computação biopositrônica instalado na Lua, achava que no momento era pouco provável que a polícia do tempo lançasse outro ataque. Os condicionados em segundo grau tinham problemas com seus executores. Natã ainda informou que os vigilantes de vibrações tratariam de sondar a situação.
Heiko Anrath conhecia o pensamento dos principais dirigentes do Império Solar. Era mantido a par dos acontecimentos. Sabia tudo que Rhodan saberia se estivesse lá.
Anrath recebeu as notícias com indiferença. Sabia que estava havendo constantes tumultos nos inúmeros mundos coloniais terranos que ainda não haviam alcançado a independência, bem como nas bases dos aras, dos arcônidas, dos aconenses e dos antis. Estes povos só aguardavam a oportunidade de desferir um golpe mortal ao Império Solar. Nestas condições era importante que o misterioso desaparecimento de Rhodan permanecesse em segredo.
Heiko Anrath conhecia as dificuldades que Reginald Bell tinha de enfrentar. O Administrador-Geral desaparecera justamente no momento em que mais precisavam dele. Havia pouca esperança de que voltasse.
O sósia de Rhodan tinha consciência da importância do papel que estava desempenhando. Mas o fato de ser obrigado a permanecer inativo o incomodava. A única coisa que tinha de fazer era cumprir as ordens de Bell, Mercant e Tifflor. Não podia influir no próprio destino. Era uma pessoa importante, mas não passava de uma marionete. Seus pensamentos voltavam constantemente ao passado. Triste, recordava dos tempos em que trabalhara como encarregado dos controles do conjunto de bombas de irrigação Saara XI. Nunca fora um homem ambicioso. Só queria exercer a profissão de engenheiro.
Os psicólogos da Segurança Solar mostraram-se muito hábeis ao levarem Anrath a abandonar sua verdadeira personalidade. É bem verdade que não conseguiram fazer com que aceitasse integralmente sua nova personalidade. Por isso seis dias depois de sua apresentação no Parlamento, Heiko Anrath estava sentado na sala de comando da falsa nave-capitânia, física e psiquicamente arrasado, refletindo se não havia mesmo nenhum meio de sair da situação em que se encontrava.
Não se interessava pelo que acontecia dentro da nave. Ficara conhecendo muita coisa sobre os detalhes técnicos das naves terranas. Teoricamente estaria em condições de assumir o comando de um supercouraçado. Continuava a receber aulas hipnóticas durante duas ou três horas por dia. O Dr. Copson, que fora seu professor na Lua, encontrava-se a bordo da Teodorico II para continuar a cuidar de Anrath. Nos últimos dias seu relacionamento com o médico melhorara bastante. Depois de sua apresentação diante do Parlamento, Copson o tratava com respeito. Além disso, parecia que, na opinião do médico, o comportamento de Anrath durante a sessão do Parlamento era em parte resultado de seus métodos de ensino.
Anrath estava tão absorto em pensamentos que nem notou que o Coronel Norg Etron se colocara atrás de sua poltrona. O epsalense era o comandante da Teodorico II. Tinha uma semelhança surpreendente com Merlin Akran, comandante da Crest IV, que continuava desaparecida.Etron colocou a mão no ombro de Anrath. O sósia de Rhodan virou o rosto. Anrath já se acostumara a este epsalense de estatura quadrada. Etron era um homem gentil, que quase não tinha problemas com a tripulação de elite de sua nave.
— Recebemos uma notícia importante da Terra — disse Etron. — É possível que daqui a pouco voltemos para lá.
Anrath obrigou-se a fingir algum interesse. Sorriu.
— O que houve? — perguntou.
— Já ouviu falar num certo Croton Manor? — perguntou o comandante.
Anrath pôs-se a refletir. Muitos nomes que faziam parte de sua vida anterior tinham desaparecido de sua memória. Estes nomes foram substituídos por outros, que eram importantes para Perry Rhodan. 
“Croton Manor”, repetiu Anrath em pensamento. Parecia que já conhecia este nome. Se não estava enganado, já lera um artigo sobre um estranho personagem que se chamava assim.
— É algum profeta? — perguntou Anrath.
— É um dos homens que costumam falar aos homens no parque de Gobi — explicou Etron. — Já conseguiu centenas de milhões de adeptos.
— Qual é mesmo o problema?
— No momento está proferindo um discurso que é transmitido para quase todos os planetas habitados — informou Etron. — Nas primeiras frases do discurso afirmou que Perry Rhodan desapareceu e que seu lugar foi ocupado por um farsante.
Anrath não disse nada. Perguntou a si mesmo se Croton Manor teria alguma prova do que dizia. Era possível que o papel de Anrath como Administrador-Geral terminasse dentro de alguns minutos.
Norg Etron fitou-o demoradamente.
— Parece que a notícia não o deixou muito abalado — constatou o epsalense com a voz retumbante.
Anrath sacudiu a cabeça.
— Não — reconheceu.
— Certamente ficaria satisfeito se pudesse voltar à Terra e permanecer no anonimato.
— É verdade, coronel.
— Hum! — fez Etron. — Seja como for, Allan D. Mercant deu ordem para que estejamos preparados. Parece que ainda não está disposto a desistir. Temos de aguardar qual será a reação diante das afirmações de Manor.
Não era necessário ser profeta para imaginar que o discurso de Manor, ouvido por bilhões de pessoas, iria produzir o efeito de uma bomba. Quem dera estas informações a Manor? Será que ele era mesmo um profeta?
— Este homem deve ser amigo de Gwydlin Grichert — disse Anrath.
Etron fez um gesto negativo. Entregou a Anrath o texto decifrado de uma mensagem de rádio. O engenheiro passou os olhos pelas poucas frases. Ficou sabendo que Croton Manor era um DNI, que até então nunca dera motivo de queixas. Pelo contrário. Manor vivia falando numa humanidade unida e pregava contra a violência. Muitas de suas profecias se tinham realizado.
Anrath levantou os olhos.
— Um dos astronautas que sabem da história deve ter dado com a língua nos dentes — opinou. — É impossível fazer com que tantas pessoas guardem silêncio.
— Não acredito que alguém o tenha traído — disse Etron. — Manor é um mutante positivo. Possui uma série de capacidades que se manifestam esporadicamente. Provavelmente descobriu a verdade sozinho. Sem dúvida quer o bem da humanidade, mas sem querer está cometendo um erro grave.
Anrath teve medo de que Mercant exigisse que ele desmentisse em público as declarações de Manor. Mercant e Bell eram homens que não desistiam tão depressa, mas, de qualquer maneira, as pessoas ficariam desconfiadas. Há poucos dias o administrador do sistema de Semprom manifestara perante o Parlamento suas dúvidas de que o homem que aparecera lá fosse mesmo Perry Rhodan. E agora outro homem que não mantinha nenhuma ligação com Grichert afirmava que um impostor ocupara o lugar de Rhodan. Anrath se perguntou o que fariam os dirigentes do Império Solar.
— Faço o possível para compreender sua posição — disse Etron. — Não quer desempenhar mais o papel que assumiu. Deseja uma vida tranqüila na Terra. Mas se a população descobrir que Rhodan desapareceu, ninguém mais terá uma vida tranqüila por lá. Será a anarquia. Provavelmente só o senhor poderá evitar a catástrofe. Antes de voltar à sua vida normal, terá de prestar sua contribuição para manter a paz e a ordem na Terra.
Anrath não respondeu. Já estava cansado de ouvir estes argumentos.
— Venha comigo — pediu Etron. — Vamos assistir pela televisão ao fim do discurso de Croton Manor.
Heiko Anrath acompanhou o epsalense, que foi para perto dos controles. Perguntou-se como seria o homem que afirmava que ele era um impostor.
* * *
As luzes do teto tremeram. Pareciam irradiar frieza. A temperatura da sala era regulada por um sistema de climatização. Mas Aboyer estremeceu ao olhar para a tela que mostrava o homem magro de barba negra, que há duas horas dirigia a palavra aos adeptos de sua seita.
Aboyer já descobrira que Croton Manor só dizia a verdade.
O homem que se apresentara perante o Parlamento no dia 2 de fevereiro não era Perry Rhodan. Chamava-se Heiko Anrath.
Mercant informara Aboyer a este respeito, quando o agente especial lhe entregara a espula na qual fora gravada com todos os detalhes a conversa entre Aboyer e Manor. Aboyer nunca teria sido capaz de supor que esta gravação fosse importante a ponto de, só por causa dela, ser convocado para uma reunião à qual compareceram, além de Allan D. Mercant, o Marechal-de-Estado Reginald Bell e vários oficiais de alta patente.
Alguém desligara o som da televisão. Aboyer via o pintor das nuvens carregadas de felicidade, mas não podia ouvi-lo. Mas na Administração Solar já se sabia o que Croton contara a bilhões de seres humanos.
Croton falara numa nuvem sombria, que representava um perigo para a humanidade somente porque esta se deixava levar por um impostor que afirmava ser Perry Rhodan. A nuvem sombria a que Croton Manor se referira certamente era Old Man. O DNI pediu à humanidade que se recusasse a prestar o serviço militar e não lutasse por um falso Administrador-Geral. 
“Só assim”, gritara Manor para dentro do microfone, “a grande desgraça pode ser evitada.”
— Descobrimos que Croton Manor se encontrava no Parlamento no dia dois de fevereiro, quando Heiko Anrath assumiu o papel de Rhodan — disse um dos oficiais em meio às reflexões de Aboyer. — Manor deve ter sido informado e instigado por amigos de Grichert, ou então descobriu graças aos seus dons parapsíquicos que Heiko é um sósia do Administrador-Geral.
Aboyer olhou para a enorme escrivaninha, atrás da qual Allan D. Mercant parecia meio perdido. O chefe da Segurança, um homem de estatura baixa, bateu numa volumosa pasta.
— O que já descobrimos a respeito de Croton Manor me leva a duvidar de que ele concorde em juntar-se a aventureiros como Grichert. Acho que o pintor está agindo assim por estar convencido de que é o certo. Acredita que ajudará a humanidade contando-lhe a verdade. Não sabe que sua exposição provocará uma catástrofe.
Aboyer sentiu os olhos cor de água de Reginald Bell pousados nele.
— O senhor logo deveria ter tomado uma providência — acusou-o o Marechal-de-Estado. — Poderia ter prendido ou paralisado Croton Manor. Assim ele não teria tido oportunidade de convidar os homens a abandonar a luta contra a polícia do tempo.
Aboyer não demonstrou quão profundamente se sentira atingido pelas palavras do substituto de Rhodan.
— Em minha opinião Mr. Aboyer fez o que era certo — disse Mercant em defesa do agente especial. — Recebeu ordens somente para conversar com Croton Manor. Ninguém podia saber o que este diria em seu discurso. Se tivesse tomado alguma providência, Aboyer teria cometido um abuso de poder. Além disso, ele não podia saber que Manor poderia colocar-nos em dificuldades, justamente porque estava dizendo a verdade.
Bell fez um gesto. Até parecia que queria espantar uma mosca.
— Está bem — disse em tom áspero. — A pessoa de Mr. Aboyer não interessa no momento. Há coisas mais importantes em jogo. Croton Manor ainda está falando. Faz trinta minutos que eu lhe disse que em minha opinião deveríamos prender Croton Manor e desmentir publicamente suas afirmativas.
Mercant apontou para a tela.
—Acompanhei o discurso de Manor desde o início. Assim que ele revelou o que Anrath estava fazendo, entrei em contato com Santanjon.
Todos olharam para o galatopsicólogo de estatura alta e cabelos louros, que escorregava nervosamente de um lado para outro em sua poltrona.
— O Major Santanjon — prosseguiu Mercant, levantando a voz — recomendou terminantemente que não tomássemos qualquer providência contra Croton Manor.
Alguns oficiais soltaram gritos de discordância. Mercant levantou-se e apoiou as mãos na mesa. Ficou com os olhos semicerrados.
— Antes de arrancarmos a cabeça do major, gostaria de salientar que foi ele quem treinou Heiko Anrath na Lua. Acho que foi graças a ele que a apresentação de Anrath perante o Parlamento não foi um fracasso.
Santanjon ergueu os braços e sorriu ligeiramente.
— Não pensem que o major tomou a decisão sozinho — prosseguiu Mercant. — Discutimos o assunto imediatamente com outros psicólogos. E a resposta à minha pergunta foi sempre um não. A prisão de Croton Manor provocaria uma revolta. É preferível deixá-lo à vontade.
Reginald Bell saltou da poltrona e apontou para a tela. Os operadores das câmeras acabavam de dirigir as objetivas para os espectadores, que permaneciam em silêncio.
— Na melhor das hipóteses conseguimos retardar a revolta — exclamou. — Já recebemos quatorze mensagens de hiper-rádio de administradores de várias colônias que exigem explicações. Por enquanto as pessoas continuam calmamente sentadas à frente dos televisores. Mas quando Croton Manor terminar seu discurso, será um inferno em toda parte. As pessoas confiam no pintor. Por enquanto suas profecias se realizaram.
Emílio Alberto Aboyer apalpou cuidadosamente a garrafa no bolso. Era impossível tirá-la na presença destes homens. Por que justamente ele fora escolhido para falar com Croton Manor? Aboyer não esperara que um dia ainda o interesse dos outros fosse convergir nele. Nos últimos anos só lhe tinham dado trabalhos de rotina. E a visita ao artista maluco fora encarada como mais uma operação de rotina, pelo menos até o momento em que Manor começara a atacar o falso Rhodan.
Neste instante o interfone zumbiu. Aboyer levantou os olhos.
— Por enquanto não queremos ser incomodados! — gritou Mercant para dentro do aparelho. — Encaminhe as pessoas que querem falar conosco aos respectivos setores.
— Não podemos recusar-nos a falar com as pessoas que querem uma resposta às suas perguntas — disse Bell. — Haverá tumultos e revoltas na Terra e nos planetas coloniais. Receio que até mesmo na Frota o ambiente seja tenso.
Aboyer não conseguiu livrar-se da impressão de que aqueles homens sabiam o que iria acontecer, mas ainda não sabiam como evitar a desgraça. Mercant e Bell puseram em alerta todos os funcionários da Administração Solar, mal Manor iniciara seu discurso. Os agentes e especialistas da Segurança Solar espalhados em todas as regiões da galáxia receberam ordem de tomar medidas contra os subversivos e os rebeldes. Aboyer, que já trabalhara como agente fora do Sistema Solar, sabia que os homens que se encontravam nos mais diversos lugares, ocupando posições perdidas, teriam muita dificuldade em cumprir essas ordens. Além disso, muitos especialistas que nem sabiam quem era Heiko Anrath ficariam sem saber se as instruções tinham sido dadas pelos legítimos representantes da humanidade.
Nestas condições, era bem compreensível que Mercant e Bell preferissem aguardar para ver quais seriam as conseqüências do discurso de Manor.
Bell foi para perto do televisor e voltou a ligar o som. A voz profunda de Manor ressoou na sala.
—... será sem dúvida o fim da humanidade, a não ser que o falso Perry Rhodan seja impedido de levar-nos à luta. Por isso os combatentes pela luz e pela felicidade não participarão de ações bélicas que...
Bell deu uma pancada nos controles. A voz silenciou. A tela apagou-se.
— Este idiota é um esquizofrênico! — exclamou Bell. — Nem sabe o estrago que está fazendo.
— Sem dúvida acha que está com a razão — disse o Major Santanjon. — Cada uma de suas frases exprime uma ligação estreita com um grupo levado ao erro, que não pode ser confundido com a humanidade. Manor ficou desesperado com o que ele descobriu. No fundo, o pintor é um dos adeptos mais fervorosos de Perry Rhodan.
— Acha que isso poderá servir-nos de consolo? — perguntou um dos oficiais em tom sarcástico. — Já está na hora de tomarmos providências. Não podemos esperar que Manor instigue bilhões de pessoas contra nós.
— Por que não usamos os mutantes contra Manor? — gritou outro homem.
— Manor é um DNI — respondeu Mercant em tom paciente. — Nunca se pode ter certeza de qual será a reação de um homem destes diante de uma influência parapsíquica. Além disso as pessoas estranhariam se, de repente, sem qualquer motivo conhecido, Croton Manor passasse a afirmar o contrário do que vinha dizendo. O Major Santanjon já tentou explicar-lhes as complicações que surgiriam se tentássemos interferir.
Um homem baixo saltou da poltrona. Gritou para Mercant, com o rosto vermelho de tão exaltado que estava:
— O erro não foi cometido agora. Por que nunca se tomaram providências contra homens do tipo de Croton Manor? Qualquer um que tivesse vontade podia fazer discursos subversivos no parque de Gobi. A Administração Solar nem tomava conhecimento. As palavras de Manor só costumavam ser ouvidas por algumas pessoas que passeavam no parque, mas hoje bilhões de pessoas acompanham seus discursos. Era o que ele esperava.
Aboyer viu Bell e Mercant entreolharem-se ligeiramente. Mercant deu de ombros. Parecia que não estava disposto a responder às palavras do oficial. O governo de Rhodan nunca tomara qualquer providência contra quem simplesmente manifestasse sua opinião. As pessoas que discursavam no parque de Gobi tinham os mesmos direitos que alguém que falava no Parlamento. Era bem verdade que havia alguns oficiais que gostariam de eliminar a liberdade de expressão irrestrita.
— Assim não chegaremos a nada — disse Mercant, contrafeito. — Criticar a Administração não nos ajudará a resolver a situação em que nos encontramos. Alguém tem uma sugestão?
Um homem esbelto de rosto pálido pediu a palavra. Aboyer viu pelo uniforme que se tratava de um coronel.
— Por que não contamos a verdade a Croton Manor? — perguntou. — Se ele realmente for um adepto das idéias de Rhodan conforme afirma o Major Santanjon, certamente ficará do nosso lado e corrigirá o erro que cometeu.
— Já pensei nisso — disse Reginald Bell. — Mas não acredito que o DNI acreditaria em nós. Mas mesmo que resolvesse ajudar-nos, o que não é provável, ainda haveria um problema. Como consertar o estrago que já foi feito? Os adeptos de Manor não acreditariam nele, se retirasse o que disse pouco antes. As pessoas logo desconfiariam de que o Governo está metido nisso.
Uma luz vermelha acendeu-se em cima de uma porta que ficava do outro lado da sala.
— Um momento, por favor — pediu Bell. 
Levantou-se e dirigiu-se à entrada.
— Chegou uma notícia importante — afirmou Mercant. — O Marechal-de-Estado Bell voltará logo.
Aboyer se perguntou se já tinham estourado revoltas. Nos dias anteriores ao aparecimento do falso Rhodan diante do Parlamento houvera graves distúrbios. E coisas piores estavam para acontecer.
Bell voltou. Segurava um pequeno bilhete. Havia em seu rosto uma expressão fria e obstinada.
— Acabo de receber os primeiros resultados do processamento dos dados — disse o substituto de Rhodan. — O centro de computação biopositrônica chamado Natã prevê uma revolta da humanidade, se não for tomada logo alguma providência.
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3
Gwydlin Grichert, administrador do sistema de Semprom, costumava dormir quatro horas por noite. Gastava o resto do tempo para consolidar seu poder pessoal. Ficava tão obcecado por seus objetivos que, por mais de uma vez, seus adeptos se viram tomados de surpresa por sua determinação e falta de escrúpulos. A história da ascensão de Grichert era a história de uma vidadedicada exclusivamente à conquista do poder. O sistema de Semprom, pertencente ao grupo das Plêiades e colonizado há vinte e oito anos, nunca fora importante política ou economicamente — até o momento em que um arquiteto chamado Gwydlin Grichert saíra das selvas do planeta Semprom I, por não estar mais disposto a construir estradas e cúpulas numa selva inacessível. Grichert fez oposição ao administrador do sistema então no poder, contando com o apoio de um grupo de colonos. Nas eleições para o cargo de administrador de Semprom I houve graves violências. Uma máquina eleitoral desapareceu misteriosamente. Um político importante, que era adversário de Grichert, nunca voltou de uma viagem política às cidades-cupúlas de Semprom I.
Seis meses depois da eleição de Grichert houve uma grande mudança no sistema de Semprom. Grichert providenciou para que Semprom I e os postos exteriores de Semprom IV e Semprom XI passassem a ser visitados regularmente pelas naves mercantes. Além disso, nestes mundos costumavam pousar naves que não traziam o emblema do Império Solar no casco. A economia do sistema de Semprom desenvolveu-se de uma forma nunca vista. Um ano depois da eleição de Grichert, seus adversários mais intransigentes calaram-se diante do fato de que as colônias de Semprom estavam tendo um desempenho muito melhor que outros mundos coloniais parecidos.
Grichert aproveitou o poder assim conseguido para chantagear as autoridades terranas, obrigando-as a fazer concessões. Conseguia quase tudo que queria. Mas num ponto a Administração Solar mostrou-se inflexível. Por mais que se esforçasse, Grichert não conseguiu que as colônias por ele governadas alcançassem a soberania antes do tempo.
Grichert tentava resistir obstinadamente à tutela exercida pelas autoridades terranas, mas graças à existência da Frota Solar não teve alternativa. Foi obrigado a cumprir a lei. Mas nem por isso deixava de combater Perry Rhodan e os outros dirigentes do Império Solar.
O dia 2 de fevereiro de 2.436 deveria ser um dia de triunfo para Gwydlin Grichert. Sonhara com a oportunidade de desmascarar o falso Perry Rhodan perante o Parlamento. Mas Heiko Anrath estragara os planos do administrador. Grichert voltou ao sistema de Semprom politicamente derrotado.
Mas dali a alguns dias, em 9 de fevereiro, Grichert voltou a aparecer na Terra.
Desta vez tinha certeza de que seria vitorioso...
* * *
Era uma noite clara. O céu estava sem nuvens. A área aberta coberta de capim brilhava ao luar que nem um lago congelado. Lá em cima, no alto da rocha escarpada, onde fora montada a tenda de Croton Manor, havia luzes acesas. A sombra do chefe da seita aparecia vagamente na lona da tenda. Atrás do parque o céu brilhava. Em Terrânia as luzes nunca se apagavam.
— É aqui que ele falará — disse Gwydlin, sem esforçar-se para falar baixo. 
O administrador do sistema de Semprom saiu entre duas árvores e olhou para a rocha. Além dele um homem baixo estava saindo para a área livre. Olhou apressadamente em volta, dando a impressão de que estava com medo de ser visto por algum desconhecido.
Grichert deu uma risada áspera.
— Vejo que está nervoso, Setereyns — afirmou. — Acha mesmo que o homem solitário que está lá em cima desconfia de nossa presença?
— Faz duas horas que chegamos — resmungou Setereyns.
— Na Administração Solar já sabem que o senhor se encontra novamente na Terra, administrador. Acho que não foi prudente termos vindo. Os agentes da Segurança terão uma excelente oportunidade de prendê-lo.
— Tolice! — exclamou Grichert. 
Enfiou as mãos nos bolsos. Saiu andando, fazendo avançar a cabeça como se estivesse farejando. Setereyns apressou-se a acompanhar o colono.
— Não é bom que Croton Manor esteja em cima da rocha, falando aos seus adeptos — disse Grichert. — Há barreiras em toda parte. Não será fácil chegar perto dele no momento exato.
— Viemos para procurar um bom lugar — respondeu o homem baixo. — Poderia ter deixado isso por minha conta.
— O senhor está me deixando nervoso! — disse Grichert em tom áspero. — Será que...?
Grichert interrompeu-se de repente. Acabara de divisar alguns vultos do outro lado da área livre.
— Vamos embora! — chiou Setereyns.
— São adeptos de Manor — tranqüilizou-o Grichert. — Acha que se fossem agentes da Segurança eles atravessariam a área livre?
— Assim mesmo acho que devemos dar o fora — obstinou-se Setereyns. — Assim que clarear o dia voltarei para escolher um bom lugar. Enquanto o pintor estiver falando, faremos com que alguns homens criem um tumulto. Aí o senhor terá oportunidade de aproximar-se de Croton Manor.
Grichert não respondeu. Os desconhecidos que tinham aparecido do outro lado da rocha estavam parados embaixo da tenda de Manor. Grichert fungou em tom de desprezo. Acertara ao pensar que os visitantes noturnos eram alguns adeptos fanáticos do chefe da seita.
— Gostaria de saber como ele descobriu — murmurou Setereyns, aborrecido.
Grichert virou o rosto para o homem que estava a seu lado. Estava tão absorto em suas reflexões que levou alguns segundos para compreender o sentido das palavras de Setereyns. Este era o último companheiro saído da selva com Grichert, tempos atrás, para assumir o poder, que ainda restava. Grichert se indispusera com os outros. Muitos deles tinham pago com a própria vida a ousadia de terem uma opinião própria.
Setereyns não corria perigo de cair na desgraça do administrador. Já dera muitas provas de lealdade.
— É um dotado não identificável — disse Grichert depois de algum tempo. — Deve ter imaginado que estão usando um sósia de Rhodan.
Setereyns lançou um olhar desconfiado para os adeptos de Manor que tinham vindo no meio da noite para estar perto do artista.
— Por que não fala com ele agora, administrador? — perguntou.
— Quanto tempo ainda levará para aprender que em toda ação se tem de alcançar o maior efeito possível para obter sucesso? — retrucou Grichert em tom irônico. — Se eu o procurar agora, é possível que ninguém fique sabendo. Croton Manor é amigo de Perry Rhodan. Se descobrir que sou inimigo do Administrador-Geral, recusará qualquer colaboração. — Grichert sacudiu fortemente a cabeça: — Não, Set! Temos de pegar Manor de surpresa.
— Como vai fazer para atravessar as barreiras? — perguntou Setereyns. — Sem dúvida as medidas de segurança serão ainda mais rigorosas depois do discurso surpreendente que Manor proferiu ontem.
— Tive uma idéia — disse Grichert. — Arranje um lugar junto à rocha para mim, Set.
— Não há problema — confirmou o pequeno sempronense.
Grichert saiu andando. Pretendia chegar perto dos homens que estavam reunidos perto da rocha. Antes que chegasse lá, um homem de estatura baixa separou-se do grupo e veio ao seu encontro. Seus cabelos brancos brilhavam ao luar. Parecia que o corpo era robusto, mas o rosto era de ancião. Grichert sorriu ao ver o colarinho de enrolar amarelo que o desconhecido usava.
— Também são combatentes pela luz e pela felicidade? — perguntou o homem de cabelos brancos.
Grichert respirou profundamente. Estava enganado, ou o adepto de Manor realmente exalava cheiro de álcool?
— Viemos para procurar um bom lugar — respondeu Setereyns apressadamente.
— Quer dizer que querem estar presentes quando Croton Manor falar a respeito da nuvem sombria.
Grichert logo desconfiou. Olhou melhor para o estranho. O desconhecido enfrentou seu olhar. Setereyns sentiu a tensão que se formara entre os dois. Arranhava nervosamente o chão com os pés.
— Não sei se Manor tem razão quando diz que a humanidade está sendo levada à desgraça por um impostor — disse Grichert, cauteloso.
— Por enquanto Manor nunca se enganou — respondeu o desconhecido em tom convicto.
Grichert respirou aliviado. Teve a impressão de que aquele homem não era perigoso. Era um adepto fanático do pintor das nuvens carregadas de felicidade. Isso explicava suas vestes e o comportamento estranho.
— Falar não adianta — retrucou Grichert, fazendo-se de indignado. —O pessoal da Administração Solar ri de Manor e seus amigos.
— Não acredito que alguém ria dele — disse o homem de pulôver. Seus olhos pareciam atentos. Grichert não gostou. O administrador se perguntou se o desconhecido podia ser um guarda pessoal do chefe da seita. — Assim que terminar a próxima reunião, Croton Manor fará uma demonstração nas principais ruas de Terrânia — prosseguiu o homem. — Espero que muita gente participe.
— Também espero — disse Grichert e deu-lhe as costas. Arrastou Setereyns, segurando-o pelo braço. Virou a cabeça. O fanático de cabelos brancos voltara para junto dos companheiros. — Uma demonstração! — falou Grichert. — Isto nós nem sabíamos. Quer dizer que desta vez o discurso de Manor não será comprido. Teremos de agir depressa.
— Quer que entre em contato com Caarn? — perguntou Setereyns.
Caarn era o homem de ligação da Condos Vasac. Sempre que se lembrava desta organização, Grichert experimentava uma sensação desagradável. Talvez fosse um erro juntar-se a essas organizações secretas. Grichert já tivera de fazer muitas concessões aos aconenses e aos antis. Talvez se tivesse envolvido numa coisa de que ainda iria arrepender-se. Grichert entesou-se. Depois que tivesse alcançado seu objetivo, a Condos Vasac não representaria mais nenhum perigo para ele. Encontraria um meio de livrar-se dos homens que o tinham ajudado, caso eles se tornassem inconvenientes.
Grichert olhou para a rocha. Parecia que Croton Manor caminhava de um lado para outro em sua tenda, pois sua sombra corria de um lado para outro. Grichert tinha certeza de que os acessos da rocha estavam sendo vigiados. Seria inútil tentar aproximar-se de Manor naquele momento.
Grichert notou que Setereyns estremecera. Seus lábios crisparam-se num gesto de desprezo.
— Vamos embora — disse. — Ainda temos muito que fazer.
* * *
Aboyer ligou o pequeno rádio que trazia consigo. Lembrou-se do homem solitário que estava em sua tenda, em cima da rocha, e que se transformara, provavelmente sem querer, em um dos personagens mais importantes do Império Solar. Quem sabe se Manor não pensava com saudades no silêncio de seu ateliê?
O aparelho deu um estalo.
— A espula foi ligada — sussurrou uma voz. — Fale!
Aboyer teve de fazer um esforço para não soltar um palavrão. Colocou uma pequena tecla na posição prevista. Não podia permitir que recusassem seu pedido. Teve de esperar dois minutos para que uma voz contrariada saísse do alto-falante.
— Por que não quer que sua mensagem seja gravada? O que o levou a usar a ligação de emergência?
Aboyer tentou imaginar como era o rosto do oficial irritado que trabalhava no edifício da Administração Solar. Depois do discurso de Manor nenhum destes oficiais tinha motivo para queixar-se de não ter o que fazer. As notícias alarmantes se atropelavam.
— Aqui fala Aboyer — disse o agente especial. — Acabo de encontrar Grichert no parque de Gobi.
O rádio ficou em silêncio por algum tempo. Talvez o interlocutor tivesse ficado mudo de espanto, ou então resolvera chamar um dos seus superiores. Aboyer não se impacientou. Esperou. Sabia que Grichert chegara há cerca de duas horas em sua nave. Mas ninguém esperara que o administrador aparecesse no parque de Gobi. Aboyer desconfiava de que a presença inesperada de Grichert tivesse alguma ligação com o discurso de Croton Manor, mas não sabia qual era a ligação entre os dois.
— Aboyer?
O agente especial encolheu-se instintivamente. Reconhecera a voz de Mercant.
— Sim, senhor. Grichert e seu companheiro estiveram aqui há alguns minutos. Falei com eles.
— Foram falar com Manor?
— Não sei — confessou Aboyer. — Não acredito que tenham subido na rocha. De qualquer maneira, Grichert deve ter tido um motivo para vir para cá. Certamente foi por causa do DNI.
— Deu ordem para que alguém seguisse Grichert?
— Não, senhor.
Aboyer espantou-se. Acreditara que alguns agentes tivessem ficado nos calcanhares de Grichert desde que ele chegara ao porto espacial.
— Hum — fez Mercant. — Gravou a conversa que teve com ele?
— Gravei — respondeu Aboyer. — Mas não deu em nada. Grichert ainda não sabia que vai haver uma demonstração.
— Está tramando alguma coisa — disse Mercant, pensativo. — Fique no posto.
A ligação foi interrompida. Aboyer enfiou o aparelho no bolso e bocejou. O resto da noite seria bem monótono. Aboyer andou lentamente sobre a grama. Seus companheiros o esperavam perto da rocha. Eram sete jovens especialistas da Segurança. Tinham sido destacados para reforçar os guardas de Croton Manor.
Aboyer sorriu ironicamente. Além de tudo, a Segurança tinha de proteger o homem que estava prejudicando o Império. Se alguma coisa acontecesse a este homem, a Administração seria culpada por isso.
Aboyer parou e mordeu o lábio.
“Será que foi por isso que Grichert veio?”, pensou.
Talvez o administrador do Sistema de Semprom quisesse eliminar o pintor, para criar problemas para Reginald Bell e Mercant.
Aboyer levantou os olhos. A luz que estivera acesa na tenda de Manor se apagara. Aboyer ficou na escuta, desconfiado. Estava tudo calmo. Croton Manor certamente resolvera dormir um pouco.
Aboyer ficou de costas para os companheiros. Não queria ser visto ao tomar um grande gole da garrafa. 
“Estes meninos da Segurança não precisam ver como um velho se fortalece”, pensou Aboyer contrariado.
* * *
A porta fechou-se atrás dele. Por um instante Reginald Bell teve a impressão de que uma veia vital de seu corpo, que o mantivera ligado à grande sala de conferências, acabara de ser cortada. Apoiou as costas na porta e fechou os olhos. Sentiu as batidas do coração nas têmporas e nas pontas dos dedos que tocavam o material frio e pareciam transmitir o movimento.
Uma pausa para respirar.
“Não”, pensou Bell com raiva de si mesmo. Era uma fraqueza. Retirara-se por não querer ouvir mais as consultas e as notícias alarmantes que não paravam de chegar.
Percorreu o trecho curto que o separava da escrivaninha e remexeu os papéis sem saber o que estava procurando. Estava com a garganta ressequida. Poucas vezes se sentira tão mal nos últimos anos. Até mesmo alguns comandantes de unidades da Frota Solar estavam criando problemas. Pediam explicações por meio de mensagens de rádio que não deixavam nada a desejar em matéria de clareza.
Bell lembrou-se do discurso que proferira, no dia 12 de janeiro, para os tripulantes das naves que operavam na grande nuvem de Magalhães no momento em que a Crest IV desapareceu. Bell fizera questão de ressaltar que a perda da nave-capitânia devia permanecer em segredo. Os astronautas certamente não sabiam o que pensar, quando de repente aparecia um Perry Rhodan que era publicamente acusado de trair a humanidade.
O interfone emitiu o sinal de chamada. Bell desligou a conexão geral. Queria refletir calmamente. Os pensamentos e os planos atropelavam-se em sua cabeça. Tudo já fora apresentado aos oficiais. O Marechal-de-Estado teve a impressão de que nenhuma das propostas prometia bons resultados.
Se num momento destes, em que a desordem ameaçava instalar-se na Terra e nos planetas coloniais, o pessoal da Frota Solar se amotinasse, os policiais do tempo não teriam muito trabalho. Bastaria que recolhessem os despojos da luta.
A situação era cada vez mais crítica.
Bell sentiu-se desamparado. Dentro de uma hora Croton Manor falaria de novo. Desta vez a humanidade demonstraria um interesse ainda maior por seu discurso.
Quem dera que pelo menos os oficiais da frota se tivessem acalmado. Bell deixou-se cair na poltrona junto à escrivaninha. Bem no íntimo admirava Mercant, que com uma determinação férrea esforçava-se para usar seu exército de agentes e especialistas, de maneira a alcançar os melhores resultados possíveis.
Bell se perguntou onde estaria Tifflor e Mory naquele momento. A esposa de Rhodan provavelmente também tentava desesperadamente encontrar uma solução. Mas nem ela nem Julian Tifflor possuíam a mesma influência que Perry Rhodan.Uma lâmpada acendeu-se em cima da porta. Havia alguém do lado de fora. Bell hesitou. Não queria ser incomodado. De qualquer maneira resolveu ligar o sistema de imagem, para ver quem queria falar com ele. O Major Santanjon, o galatopsicólogo que treinara Heiko Anrath, estava parado no corredor. Santanjon apresentava a postura nervosa que era uma das suas características. Sorria, dando a impressão de que sabia que estava sendo observado através de uma objetiva de televisão.
Bell acionou o mecanismo que abria a porta. O major entrou apressadamente. Bell não seria capaz de gravar o rosto deste homem por um segundo que fosse. Se olhasse para o lado, não se lembraria de nada além dos cabelos louros e de um perfil comum.
Os movimentos rápidos de Santanjon espantaram o silêncio reinante na sala. Ficou à frente da escrivaninha que nem uma máquina incapaz de funcionar em ponto morto. Bell desconfiou de que este comportamento não passava de uma máscara que Santanjon adquirira em vários anos de atuação como psicólogo experimentado.
— Procurei-o na sala de conferências — disse Santanjon. — Aquilo até parece um pombal. Receio que os nervos de alguns oficiais acabem se descontrolando.
Bell fitou atentamente o psicólogo.
— Foi Mercant que o mandou?
Santanjon fez um gesto que poderia significar qualquer coisa.
— Está havendo problemas na frota, senhor — disse. 
Santanjon certamente sabia que Bell era o primeiro a ser informado sobre incidentes como estes. Por isso o Marechal-de-Estado interpretou as palavras do visitante como uma introdução cuidadosa. Lembrou-se das coisas desagradáveis que tinham acontecido nas últimas horas.
— Provavelmente o segundo discurso de Croton Manor terá conseqüências piores que o primeiro — prosseguiu Santanjon. — Por isso é importante que os comandantes estejam completamente do nosso lado. Mas eles se voltarão contra nós se descobrirem que o Administrador-Geral é um impostor.
— O que deseja mesmo? — exclamou Bell. 
Aborreceu-se por ter dado um tom áspero à sua voz, mas Santanjon não parecia nem um pouco abalado.
— Para que serve Heiko Anrath? — perguntou o psicólogo. — Mande-o dirigir a palavra aos astronautas.
— Anrath — repetiu Bell em voz baixa. — Seria uma possibilidade. Teríamos que explicar detalhadamente a trinta milhões de astronautas o que aconteceu. Anrath teria de cuidar disso. Temo que não esteja em boas condições.
— Nunca estará — objetou Santanjon. — Enquanto for obrigado a desempenhar o papel de Rhodan, sempre estará submetido a uma forte carga psicológica. Mas assim mesmo devemos tentar. Se garantirmos a lealdade da frota teremos andado um bom pedaço.
Bell olhou para o relógio. Se se apressasse, a exposição de Anrath poderia estar pronta antes que Croton Manor iniciasse o segundo discurso. Depois disso os astronautas encarariam com mais calma as acusações do pintor.
— Fico-lhe muito grato — disse Bell a Santanjon. — Entrarei imediatamente em contato com a Teodorico II.
* * *
Depois de quatro ou cinco frases no máximo, até mesmo os astronautas menos inteligentes a bordo das naves terranas perceberam que o homem que lhes dirigia a palavra não era Perry Rhodan. Heiko Anrath fez um relato minucioso das circunstâncias que o tinham levado a figurar como sósia de Rhodan. Via-se e percebia-se pela sua voz que não se sentia feliz naquele papel. O antigo encarregado dos controles das bombas indicou os motivos que tinham levado Reginald Bell e Allan D. Mercant a manter em segredo o desaparecimento de Rhodan.
— Croton Manor afirma que tive a intenção de enganá-los e causar-lhes uma desgraça — concluiu Heiko Anrath. — Mesmo que quisesse fazer isso, não teria nenhuma oportunidade. Só faço aquilo que o Marechal-de-Estado Bell ordena. O que mais desejo no momento é que o Administrador-Geral volte logo.
Reginald Bell, que acompanhara o discurso de Anrath pelo rádio, desligou a tela de imagem. Estava satisfeito. Anrath parecera cansado e distraído. Mas não havia dúvida de que conseguira convencer os astronautas de que estava sendo sincero.
Dentro de alguns minutos chegaram à Administração Solar mensagens de quatro comandantes de unidades, confirmando que na frota não haveria problemas.
Bell já podia dedicar sua atenção ao pintor das nuvens carregadas de felicidade e ao administrador do sistema de Semprom.
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4
Já se sentia melhor a desgraça que no dia anterior.
Croton Manor não sabia qual era o motivo. Passou a mão distraidamente pela barba longa, enquanto caminhava de um lado para outro na tenda. Do lado de fora não estava tão quieto como no dia anterior. Os repórteres tentavam constantemente romper as barreiras. Os espectadores também pareciam nervosos. Era a primeira vez que a idéia de dirigir-se aos combatentes pela luz e pela felicidade repugnava a Manor.
— Shreen! — gritou com a voz profunda.
Uma moça entrou e baixou humildemente a cabeça. Manor fitou-a com uma expressão pensativa. Não tivera nenhum motivo especial para chamá-la. Talvez o tivesse feito por sentir-se muito só. Sentiu a proximidade da moça, a delicadeza de seus pensamentos. Fazia três anos que estava com ele e ajudara-o mais que qualquer outra pessoa. Mas assim mesmo não estavam unidos por laços de amor ou amizade. O relacionamento se originara de uma necessidade recíproca. Manor servia de apoio ao espírito fraco da moça, enquanto a bondade desta fazia com que de vez em quando pudesse utilizar em seu benefício a calma e a satisfação que ela transmitia aos outros.
— Hoje tem-se uma sensação mais forte da nuvem sombria — disse Manor.
A moça fitou-o com uma expressão de pasmo, enquanto sua inteligência rudimentar tentava descobrir os motivos que pudessem ter levado Manor a dizer aquilo.
Manor ergueu o braço num gesto de acusação.
— Lá fora está havendo uma feira de sentimentos equivocados — disse. — Tenho certeza de que muitas das pessoas chegadas por último não compreenderam minha mensagem. Sinto o ódio que invade muitos deles.
Manor voltou a caminhar nervosamente de um lado para outro.
— Mas o ódio não é um meio de afastar o falso Administrador-Geral, que só poderá trazer-nos a desgraça?
Shreen não conseguiu acompanhar o raciocínio de seu interlocutor. Sentou-se na cadeira e apoiou os cotovelos nos joelhos. Manor sorriu para ela. Era raro ele demonstrar suas emoções dessa forma.
— Você é a mais leal das minhas adeptas — disse. — Ficará comigo, aconteça o que acontecer.
Shreen acenou fortemente com a cabeça.
O pintor foi à entrada da tenda e afastou a lona para ver o que havia do lado de fora. Da tenda só via os fundos da área livre. Havia mais gente que no dia anterior. Muitas pessoas tinham subido nas árvores ou haviam construído postos de observação rudimentares. A multidão estava em constante agitação. Balançava de um lado para outro que nem um campo de trigo batido pelo vento. Em alguns lugares havia placas e letreiros luminosos. Um bando de planadores e plataformas antigravitacionais circulava sobre a rocha. Manor ouviu os operadores das câmaras da televisão terrana gritarem informações uns para os outros. Sabia que o discurso que proferiria naquele dia seria transmitido para todos os planetas habitados por homens em que existisse uma estação receptora.
Shreen colocou-se atrás dele e tocou suavemente em seu ombro.
— Ainda não faz muito tempo que só umas poucas pessoas me ouviam quando falava lá embaixo — disse Manor. — Por que só consegui ser ouvido depois que houve uma catástrofe?
Um dos planadores aproximou-se. Manor viu o rosto tenso do piloto e do passageiro.
— Agora não posso dar-lhes paz nem felicidade — queixou-se Manor. — Têm de ser despertados à força para fugir à desgraça.
O pintor soltou a lona.
— Nunca lhe dei um presente — disse a Shreen. 
Entregou-lhe o único quadro que havia na tenda. Era o mesmo que fora mostrado a Aboyer. Sabia que era muito mais impressionante que os outros que já pintara. Justamente por isso ainda não o vendera. 
— Se acontecer alguma coisacomigo, fique com este quadro — disse à moça.
Esta parecia confusa. Manor passou-lhe a mão pelos cabelos para acalmá-la.
Por que de repente tivera a idéia de que alguma coisa lhe poderia acontecer?
Shreen ficou agarrada ao pintor, apavorada. Este obrigou-a delicadamente a soltá-lo. A moça não era mais inteligente que uma criança e via as coisas de um ângulo completamente diferente que ele. Aborrecido com o que fizera, tirou o quadro das mãos dela e guardou-o.
Neste instante ouviram-se passos à frente da tenda.
— Está na hora, Croton Manor! — gritou uma voz masculina.
Era Jopun, um dos homens de confiança de Manor que montavam guarda na rocha. Manor lançou um olhar ligeiro para Shreen e saiu com uma pressa exagerada. Jopun saiu respeitosamente de seu caminho e esboçou uma mesura. Manor não tomou conhecimento de sua presença. Foi diretamente para junto do microfone instalado no limite da rocha. Queria acabar com a reunião quanto antes.
A multidão sussurrava, mas logo ficou em silêncio. Até mesmo os repórteres que tentavam atravessar as barreiras instaladas junto à rocha desistiram. Manor fitou o oceano de rostos. Para ele aqueles homens não passavam de peças anônimas. Lamentava não poder falar pessoalmente com cada um deles.
Antes que Manor pudesse iniciar o discurso, um homem sobre um disco antigravitacional separou-se da multidão de espectadores. O disco veio na direção de Manor. O homem acenava com as mãos. Lá embaixo homens armados corriam de um lado para outro, para evitar que a multidão tentasse subir na rocha. Alguém soltou um grito estridente.
Jopun veio correndo com uma borduna, mas bastou um olhar do pintor para fazê-lo recuar. O disco pousou junto a Manor. Dele desceu um homem alto e robusto, que colocou o braço em torno dos ombros de Croton Manor. Croton o conhecia. Era Gwydlin Grichert, administrador do sistema de Semprom, que se encontrava a seu lado, perto do microfone.
— Tenho orgulho em cumprimentá-lo — exclamou Grichert, com o rosto voltado para o microfone e para Croton Manor. Antes que este pudesse impedi-lo, o colono agarrou sua mão direita e sacudiu-a violentamente. — Este homem veio para salvar a humanidade! — gritou Grichert para dentro do microfone enquanto apontava para Croton Manor. — Teve coragem de anunciar a verdade sobre o falso Perry Rhodan. Minhas tentativas bem-intencionadas perante o Parlamento falharam, mas Croton Manor assumiu a causa praticamente perdida.
Manor ficou confuso. Não sabia qual era a finalidade da encenação levada a efeito por Grichert. Sentiu perfeitamente o ódio que emanava deste. O administrador certamente não viera somente para elogiá-lo. Queria alcançar certas vantagens.
Grichert abraçou o pintor.
— Quem estiver interessado no bem-estar da humanidade terá de apoiá-lo! — berrou.
Manor conseguiu livrar-se do abraço. Queria fazer alguma coisa contra esse tipo importuno. Mas o que poderia alegar contra Grichert? Se falasse mal do administrador, perderia a credibilidade. Afinal, a única coisa que Grichert fizera fora apoiá-lo entusiasticamente.
Manor percebeu que Grichert começara um jogo muito inteligente.
— Croton Manor deve saber que não está só em sua luta — declarou Grichert. — Eu e meus amigos o apoiaremos em toda linha. Unidos conseguiremos depor o falso Administrador-Geral e afastar a desgraça.
De repente Manor compreendeu. Grichert queria tirar dividendos políticos da situação. Sabia perfeitamente que Manor não desejava o poder. Grichert tiraria proveito da popularidade de Manor.
O administrador subira à rocha para provar diante de bilhões de pessoas de que lado estava. Depois que o falso Rhodan tivesse sido expulso do cargo, os cidadãos do Império Solar não poderiam deixar de reconhecer que Gwydlin Grichert fizera tudo para evitar uma catástrofe. Além de ficar reabilitado, Grichert encabeçaria o novo governo.
Grichert afastou-se sorrindo, para que Manor tivesse acesso ao microfone. Todos os seus movimentos tinham sido ensaiados para mostrar que se dava muito bem com o novo aliado.
Manor sentiu-se impotente. Sentiu os pensamentos impuros de Grichert, mas não sabia o que fazer naquele momento. Sem dúvida o falso Rhodan era um perigo mais grave que o administrador do sistema de Semprom. Por isso seria pouco inteligente tomar naquele momento qualquer providência contra Grichert. A mesma coisa certamente ocorrera a este, pois o sorriso que exibia era confiante.
Manor imaginou que Grichert ficaria lá durante toda a reunião, para ser visto por aqueles que acompanhavam o discurso do pintor pela televisão terrana.
De repente Manor sentiu-se degradado. Transformara-se em porta-voz daquele homem.
Mas não havia nada que ele pudesse fazer.
Seu objetivo era salvar a humanidade da desgraça que ameaçava atingi-la por causa do falso Administrador-Geral. Por isso era obrigado a tolerar Grichert perto dele.
* * *
— Por que não nos lembramos desta hipótese? — murmurou Allan D. Mercant. — Receávamos que Grichert pudesse praticar um atentado contra o pintor, mas não ocorreu a ninguém que ele pudesse transformar-se em seu aliado.
Mercant olhou primeiro para Julian Tifflor e depois para Reginald Bell. Não obteve nenhuma resposta. Os três homens e Mory Rhodan-Abro estavam sentados numa sala do andar superior do edifício da Administração Solar, acompanhando a transmissão do discurso de Manor. O pintor dirigia a palavra a seus adeptos, enquanto Grichert permanecia a dois metros dele, acenando regularmente com a cabeça para demonstrar sua concordância.
— Os dois se juntaram — disse Tifflor. — Manor não é o homem que pensávamos.
— Pois aí o senhor está enganado, Tiff — respondeu Mercant, usando sem querer o tratamento familiar que antigamente costumava dispensar a Tifflor. — Croton Manor não mantém qualquer ligação com Gwydlin Grichert.
— Se é assim, por que ele não procura distanciar-se do administrador? — perguntou Bell, contrariado. — Já deve ter notado que Grichert o está usando.
Mercant acenou calmamente com a cabeça.
— É claro que percebeu — confirmou. — Mas o que poderia fazer? Grichert foi muito esperto. Soube aproveitar a situação. Se formos obrigados a sacrificar Heiko Anrath, Grichert poderá apresentar-se como o homem que salvou o mundo da desgraça.
— Há poucos dias a idéia de que Grichert tivesse a intenção de ocupar o cargo de Administrador-Geral poderia parecer ridícula — Bell evitava enfrentar o olhar de Mory. Depois do desaparecimento de Perry Rhodan passara a não sentir-se muito à vontade em sua presença.
— Não há dúvida de que Grichert quer isso mesmo — reforçou Mercant. — Ainda está no começo. Terá de fazer um grande esforço para recuperar a popularidade perdida naquela sessão do Parlamento. Por isso precisa do falso Rhodan como vítima da campanha que acaba de ser iniciada.
— Não podemos prender Croton Manor por motivos psicológicos — disse Tifflor. — Mas não acham que poderíamos prender Gwydlin Grichert?
— Não podemos fazer isso pelos mesmos motivos — respondeu Mercant. — Por enquanto não podemos culpar Grichert de nada. Apoiar oficialmente o chefe da seita não é nenhum crime. É o que estão fazendo quase todas as pessoas que neste momento se encontram no parque de Gobi.
— Quanto tempo levaria Heiko Anrath para chegar à Terra? — perguntou Mory Abro.
— A Teodorico II encontra-se entre Marte e Júpiter — respondeu Bell. — Não sei quais são suas intenções, mas o fato é que Anrath pode estar aqui antes que Manor conclua seu discurso.
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5
A bordo da Teodorico II, o segundo comício de grandes proporções realizado por Croton Manor estava sendo acompanhado com o mesmo interesse demonstrado em todos os lugares em que havia pessoas reunidas à frente de um aparelho de televisão.
Heiko Anrath encontrava-se num recinto que ficava ao lado da sala de comando principal, juntamente com o Coronel Norg Etron e o Dr. Copson. O epsalense de estatura quadrada trouxera uma poltrona especial, uma vez que naquela salinha não havia nenhuma peçade móvel capaz de abrigar seu corpo. Toda vez que Grichert era mostrado num close, as mãos de Etron faziam estalar as braçadeiras da poltrona.
Já o Dr. Copson parecia indiferente à transmissão que acompanhava na tela. Estava absorto no estudo de um relatório. De vez em quando olhava para o televisor.
Heiko Anrath tinha certeza de que logo chegaria o momento em que poderia abandonar o papel desagradável que lhe fora confiado. Sozinho, Croton Manor já representava um perigo, mas com o apoio de Gwydlin Grichert certamente alcançaria seu objetivo.
Depois da sessão do Parlamento realizada no dia 2 de fevereiro, Gwydlin Grichert parecera um homem frustrado, mas surpreendentemente acabara surgindo uma nova oportunidade de agir contra o governo. Se o público descobrisse que o Império Solar estava sendo dirigido não por Perry Rhodan, mas por um antigo engenheiro, a vergonhosa apresentação de Grichert perante o Parlamento logo seria esquecida. E o homem vindo do sistema de Semprom só podia ficar satisfeito com isso.
Certamente Grichert não teria a menor dúvida de espalhar a anarquia pela Terra. Era um homem sem escrúpulos. A morte de milhares de seres humanos não significava nada para ele.
As autoridades viram-se impotentes diante do rumo que estavam tomando os acontecimentos. Por enquanto não fora prestada nenhuma declaração. Será que Reginald Bell e Allan D. Mercant esperavam que os adeptos de Manor se acalmariam se ignorassem o pintor e as pessoas que ele acusava?
Mais uma vez, compreendeu Anrath, tudo dependia de que Perry Rhodan não demorasse muito a chegar. Com sua presença, a confusão acabaria dentro de poucas horas.
— Grichert sabe perfeitamente até onde pode chegar — resmungou Norg Etron. — Por causa de sua intervenção o problema transformou-se num jogo de alta política, no qual todos os trunfos estão em suas mãos.
O Dr. Copson interrompeu a leitura do relatório. Anrath notou mais uma vez que o cientista era incapaz de concentrar-se numa coisa que não tivesse uma ligação direta com seus problemas. Não se interessava em nada que não influenciasse diretamente sua vida.
— Por que não prendem Grichert? — perguntou Copson, mostrando que não compreendera nada.
— É o que o sempronense deve estar querendo — respondeu Etron. — Um ato destes certamente provocaria uma revolta generalizada.
— De qualquer maneira haverá uma revolta, a não ser que alguém impeça Croton Manor e Grichert de continuarem a agir desta forma — objetou Anrath.
— O Marechal-de-Estado Bell deveria tomar uma providência — disse o epsalense. — Por enquanto a Administração Solar não publicou qualquer desmentido.
Anrath refletiu sobre os efeitos que um desmentido poderia produzir. Só serviria para fazer com que o governo caísse no ridículo e aumentaria os tumultos. A única coisa capaz de salvar a situação seria a intervenção pessoal de Perry Rhodan.
Neste instante o intercomunicador deu o sinal de chamada. Norg Etron ligou o aparelho na recepção. Era a sala de rádio da Teodorico II.
— Recebemos uma mensagem da Terra, senhor! — exclamou o operador. — Querem que desçamos o mais depressa possível no porto espacial de Terrânia.
Norg Etron saiu da poltrona. Até parecia que sua figura quadrada estouraria o uniforme.
— Vamos! — pediu a Copson e Anrath. — Vejamos o que há atrás disso.
O Dr. Copson enrolou apressadamente os papéis que estivera examinando.
— Acho que deve ser por causa de Mr. Anrath — disse. — Certamente precisam dele na Terra.
Anrath sentiu um nó no estômago. Será que queriam que ele interferisse nos acontecimentos? O que poderia fazer diante de bilhões de homens indignados que o julgavam um criminoso e um impostor? Anrath parou.
— Vamos! — insistiu Norg Etron, impaciente.
Ao sair o Dr. Copson apertou os controles que ficavam junto à porta. A tela apagou-se e a sala escureceu. Anrath foi o último a sair.
Os oficiais de serviço na sala de comando já tinham tomado as providências necessárias. A única coisa que Norg Etron teve de fazer foi dar a ordem de partida.
Anrath gostaria de saber se a mensagem vinda da Terra trazia quaisquer explicações, mas ninguém lhe deu informações a este respeito. Concluiu que o estado de incerteza em que se encontrava duraria até que a nave pousasse, talvez mais.
— O senhor aprendeu muita coisa nestes últimos dias — disse o Dr. Copson em tom amável ao sentar-se perto de Anrath. — Basta fazer um esforço para fazer tudo que pedem do senhor.
Anrath não respondeu. Ninguém melhor do que ele para saber. De que serviam todos os conhecimentos acumulados se, psicologicamente, não estava em condições de cumprir a tarefa? Nos últimos dias esforçara-se em vão para estabelecer uma forma de ligação interior com o papel que lhe fora confiado. Levara horas ensaiando às escondidas em seu camarote. Chegara à conclusão de que a forma pela qual representava o papel de Perry Rhodan era cada vez pior.
— Não deixe que as coisas o atinjam — recomendou o Dr. Copson, estalando os dedos. — Se não parar de pensar nos seus problemas só sairá perdendo.
Era claro que o professor tinha razão, mas Anrath sentia-se incapaz de distanciar-se dos acontecimentos. A ligação interior com a vida que levava no Saara era tão forte que não conseguia esquecer o passado. Para ele Perry Rhodan continuava a ser uma pessoa estranha.
— Lá está o senhor matutando de novo — acusou-o Copson. — Sem dúvida já está pensando no que lhe está reservado na Terra. Deixe que as coisas se aproximem do senhor. Reginald Bell e o Marechal Solar Mercant seriam incapazes de exigir uma coisa que o senhor não possa fazer.
Estas palavras não serviram para tranqüilizar Anrath. Naquela nave, onde todos sabiam que não passava de um sósia de Rhodan, a convivência com outras pessoas era mais suportável. Mas na Terra, onde bilhões de pessoas se perguntariam se aquele homem realmente era o Administrador-Geral, Anrath estaria condenado ao fracasso.
O Dr. Copson desistiu de querer arrancar o sósia de Rhodan de suas reflexões. Só voltou a dirigir-lhe a palavra quando a permissão de pouso foi transmitida pelo rádio.
— Prepare-se para sair — disse. 
Falou de propósito num tom áspero, para sacudir aquele homem deprimido.
Anrath levantou a cabeça e olhou para os controles.
— Ainda estamos no espaço — observou.
O Dr. Copson deu uma risada. Anrath parecia sentir-se feliz por cada segundo que podia passar no interior da nave.
Norg Etron entregou o comando ao imediato e aproximou-se de Copson e Anrath. O epsalense parecia um pouco lerdo ao caminhar. Pisava fortemente.
— Mercant, Bell e Tifflor pretendem subir a bordo assim que a nave tiver pousado — informou Etron. — Logo, tomaram uma decisão.
O epsalense olhou para Anrath:
— Acho que o senhor terá de entrar em ação.
— Por que disse isso a ele, coronel? — perguntou o Dr. Copson. — Ficará se preocupando.
— Eu acabaria sabendo de qualquer maneira — observou Anrath. — Nunca achei que tivesse sido treinado para me divertir.
O Dr. Copson inclinou-se na poltrona.
— Ainda bem que o senhor encara o assunto dessa forma. Não seria bom se a esta altura ainda quisesse opor-se.
Norg Etron apoiou as mãos nos quadris. O tórax enorme subia e descia.
— O senhor o trata como se fosse uma criança! — resmungou. — Preste atenção, Anrath! Faça um esforço para livrar-se dos cientistas. Estes caras vivem analisando seu comportamento. Só vão parar depois que o tiverem matado.
— Não é nada disso! — protestou o Dr. Copson. Heiko Anrath não agüentava mais ouvir isso. Saltou da poltrona e atravessou a sala de comando. Etron e Copson ficaram parados, perplexos.
Anrath voltou ao seu lugar assim que a nave pousou. Demorou somente três minutos até que Bell, Mercant e Tifflor entrassem na sala de comando. Mory Rhodan-Abro os acompanhava. Anrath levantou-se. Mercant apertou-lhe a mão. Tifflor cumprimentou-o com um gesto. Bell limitou-se a encará-lo demoradamente, como se quisesse verificar quanto antes qual era seu estado. Mory sorriu ligeiramente.

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