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P 278 Missão Secreta na Lemúria William Voltz

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MISSÃO SECRETA
NA LEMÚRIA
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
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Enquanto Perry Rhodan e sua Crest III — que se encontra a mais de cinqüenta milênios distante do tempo real do ano 2.404 — só consegue escapar, a muito custo, de uma nova investida da parte dos senhores de Andrômeda, Mory Rhodan-Abro, esposa do Administrador-Geral, tentou encontrar uma possibilidade para o regresso dos que se encontram retidos no passado.
A operação de Mory falhou, e a seguir os homens de Reginald Bell entraram novamente em ação. Um novo plano para resgatar os que se encontram sumidos no tempo, toma forma. Astronautas e técnicos do Império Solar dão início à “Operação Secreta Miosótis”, também chamada “Não te esqueças de mim”.
O tender da frota Dino-3 ilude o alçapão do tempo, penetrando no passado para levar ajuda a Perry Rhodan.
Apesar dos homens da Dino-3 já não terem mais futuro para si mesmos, cuidaram do futuro de Perry Rhodan e do seu Império Solar, colocando memotransmissores em pontos estrategicamente importantes.
A mensagem dos mortos ajudou aos vivos a abandonar a galáxia e voar até a Nebulosa de Andrômeda, de onde um salto de cinqüenta mil anos deve ser preparado.
Pioneiros e preparadores do caminho desse ousado empreendimento são nove sujos vagabundos espaciais e o rato-castor Gucky, que pousam em “Missão Secreta na Lemúria”...
= = = = = = = Personagens Principais:...= = = = = = =
Perry Rhodan, Atlan, L. Papageorgiu, Don Redhorse, Tako Kakuta, André Noir, Brazos Surfat, O. Doutreval e Chard Bradon — Homens da Crest III que fazem o papel de vagabundos, para iludir o tempo.
Assaraf — Um astronauta alariano.
Tannwander — Chefe de uma organização subversiva.
Nevis-Latan — Um dos senhores da galáxia.
Gucky — O rato-castor é tratado como “bagagem”.
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No nosso Universo o que não falta são malucos.
E nove deles nós viemos a conhecer no dia 17 de outubro de 2.404. Esta data refere-se ao tempo real, pois a Crest ainda se encontrava, como antes, no ano 49.488 a.C.
Nós havíamos chegado às bordas da Nebulosa de Andrômeda há quatorze dias. Rhodan e Atlan fizeram questão de que, antes de mais nada, devíamos nos informar muito bem sobre a situação dentro da Nebulosa de Andrômeda — e foi o que fizemos. Corvetas haviam sido lançadas, e em rápidas missões em leque, tinham examinado todo o setor espacial que ficava diante de nós. Isto, naturalmente, não acontecera sem alguns incidentes, pois os comandantes das naves auxiliares precisavam tomar todo o cuidado para que suas unidades não fossem descobertas. De modo algum os senhores da galáxia deviam descobrir que nós tínhamos conseguido abandonar a Via Láctea, para penetrar na Nebulosa de Andrômeda.
Agora já se tinha como certo de que os lemurenses que haviam fugido da Terra, haviam povoado, em primeira linha, o centro da Nebulosa de Andrômeda. Fora do centro eram travadas lutas violentas entre maahks e lemurenses. Entrementes, confirmara-se que a verdadeira pátria dos maahks era a Nebulosa de Andrômeda. As armas dos respiradores de metano, entretanto, não eram absolutamente tão boas como no tempo real. E nada mais restara aos maahks do que retirar-se para a galáxia vizinha. Esta distância quase inacreditável foi transposta por eles, com a ajuda de estações intermediárias no espaço cósmico intergaláctico, que serviam às imensas naves, como postos de abastecimento e reparos. Os lemurenses nem desconfiavam dessa extensa emigração. Não nos era muito claro, também, se os halutenses, que a este tempo dominavam a Via Láctea, sabiam de alguma coisa acerca da penetração dos maahks, na região por eles controlada.
Nos dias passados, constantemente havíamos rastreado naves maahks, em fuga, tendo também topado com planetas de metano completamente destruídos. Os lemurenses emigrados atacavam com suas armas muito superiores, destruindo tudo impiedosamente. Eles conquistaram a Nebulosa de Andrômeda, penetrando na mesma, em forma de leque, saindo do seu centro, até as franjas da nebulosa.
Icho Tolot e os cientistas a bordo da Crest III tinham calculado que o planeta Vario, que cinqüenta mil anos mais tarde seria um mundo deserto e o alçapão do tempo dos senhores da galáxia, devia ser a sede do poder lemurense. Os senhores da galáxia só podiam ter surgido, no decorrer dos milênios, em Vario. Icho Tolot partia da premissa de que o formidável transmissor do tempo só podia ter surgido em Vario, porque este mundo estava destinado à conservação das camadas superiores lemurenses. E baseado nisto, o halutense deduziu que os chamados senhores da galáxia deviam ser um povo pequeno.
Mas a teoria de Tolot tinha lacunas. Para fechar estas lacunas, nós tínhamos que voar até o único planeta do sol gigante Big Blue, para ficarmos sabendo o que se passava ali. Além disso, Vario era nossa única esperança para conseguirmos chegar novamente ao tempo real. Portanto, havia duas razões muito importantes para visitarmos este planeta.
Quando topamos com os nove malucos, a Crest III estava voando na direção do sistema Tefa. Ali, Rhodan pretendia ainda fazer algumas averiguações, antes de tomarmos o rumo de Big Blue.
O primeiro contato com os malucos foi feito pelos aparelhos, muito sensíveis, de rastreamento, do ultracouraçado. Os rastreadores de massa deram o sinal, e o computador central calculou que, a uma distância de pouco mais de um ano-luz, um corpo metálico voava através do espaço cósmico, a uma velocidade relativamente pequena.
Rhodan, que verificava todas as avaliações imediatamente, chamou-me à sala de controles principal. O Chefe não perdia uma só oportunidade para esclarecer-me a respeito de todas as tarefas de um oficial. A bordo do ultracouraçado havia cerca de uma dúzia de aspirantes a oficial. Eu, Lastafandemenreaos Papageorgiu, era um deles. Os aspirantes a oficial tinham que tirar serviço, alternadamente, na sala de comando da Crest III, para irem se acostumando à vida cheia de responsabilidades de um oficial. Talvez quisessem, deste modo, descobrir se, entre nós, havia alguém que pudesse fraquejar. Porém, dentro da sala de comando, eu nunca tive muito tempo para pensar nisso. O chefe e os oficiais de bordo cuidavam para que eu estivesse constantemente ocupado.
Quando cheguei perto de Perry Rhodan, ele entregou-me uma tira estreita de plástico.
— Olhe bem para isso, Papageorgiu — exigiu ele. — O que me diz sobre isso?
Eu sou um rapaz alto, com quase dois metros de altura, e sempre tenho dificuldade de encontrar um uniforme que me sirva. Minhas mãos parecem pás, e eu consigo quebrar uma tábua, facilmente, com um soco.
Apesar disso, quando me vejo diante do Chefe, sempre tenho a impressão de ser um pouco baixo demais. Nervosamente virei aquela tira de plástico por entre os dedos, de um lado para outro. Depois lancei um olhar para Atlan, em busca de socorro — pois ele estava sentado praticamente à nossa frente. O arcônida olhou para mim, com a cara mais inexpressiva, como se estivesse dizendo: “Faz essa cachola funcionar!”
— Parece ser um destroço — disse eu, cautelosamente. 
Esperei que Rhodan sorrisse, concordando, mas ele não o fez.
— Por que acha que se trata de um destroço — a matéria que foi rastreada?
— Se fosse uma nave intacta, estaria voando mais rapidamente — retruquei. — E, pelo menos, estaria com algum sistema de proteção contra rastreamento ligado.
— Há muitas razões para que até mesmo uma nave intacta tenha que voar lentamente — ponderou Rhodan, olhando para mim. — Por que chegou à conclusão de que esta nave estaria fazendo uso de seus propulsores de velocidade ultraluz, se estivesse em condições de fazê-lo?
Eu levantei a tira de plástico e disse:
— Sir, a avaliação verificou que esta nave está voando em rumo direto para o sistema de Tefa. Sua velocidade é de pouco menos da velocidade simples da luz. Isso significa que, à distância atual, ainda precisará de três meses para chegar ao seu prováveldestino. Caso a nave estivesse intacta, estaria voando mais depressa, para alcançar o sistema de Tefa em algumas horas.
Rhodan deu-me as costas, sem que eu ficasse sabendo se ele concordava comigo ou não.
— Vamos aproximar-nos um pouquinho mais, coronel — disse ele para Cart Rudo.
Quando a distância diminuíra tanto que a nave desconhecida já era um ponto brilhante nas telas de imagem do rastreamento, Rhodan mandou lançar três corvetas. Os comandantes das naves auxiliares receberam ordens para aproximar-se, cautelosamente, do objeto desconhecido. A Crest III ficaria à retaguarda.
Minutos mais tarde, chegou a primeira comunicação. Gucky, que se encontrava a bordo de uma das corvetas, informava pelo rádio, que a bordo da nave, antiqüíssima, encontravam-se nove homens, cujo destino era realmente o sistema Tefa. Os propulsores ultraluz de sua nave de 46 metros de diâmetro haviam pifado. Provavelmente outros aparelhos, a bordo desta espaçonave, também já não mais funcionavam.
— Eu acho que isso é exatamente o que procuramos — disse Atlan, de repente.
Eu olhei-o, perplexo, já que não entendi o sentido de suas palavras. Rhodan, entretanto, parecia entender perfeitamente o que o seu amigo arcônida estava querendo dizer, pois anuiu, concordando.
— Vamos aproximar-nos ainda mais, coronel — ordenou ele a Cart Rudo. — Segurem a pequena nave com raios de tração, até que a tenhamos abordado.
Eu fiquei de olhos presos na tela de imagem. Perplexo, eu me indagava por que Rhodan e o arcônida demonstravam tamanho interesse nessa nave de aspeto pré-histórico. Se tivéssemos azar, acabaríamos tendo chateações. Caso a tripulação de nove homens nos descobrisse em tempo, certamente enviaria alguma mensagem radiofônica, antes do comando de abordagem ter penetrado na nave. E então a presença da Crest III na Nebulosa de Andrômeda deixaria de ser um segredo.
— Esses nove rapazes parecem ser muito negligentes, sir — observou o Major Don Redhorse. — Caso contrário, eles não estariam voando por aqui, com a maior calma, sem qualquer proteção contra rastreamentos. Afinal de contas, têm que levar em conta que podem ser atacados pelos maahks.
Rhodan levantou-se e fez-me um sinal com a cabeça.
— O que me diz de uma pequena excursão? — perguntou ele.
— O senhor está querendo dizer que eu devo acompanhar o comando de abordagem? — consegui perguntar.
— O senhor vai chefiá-lo — corrigiu-me ele. — Dirija-se imediatamente para o hangar.
Eu estava tão nervoso que cheguei a tropeçar, passando, quase sem vê-lo, do elevador antigravitacional. Enquanto pairava para baixo, procurei controlar meu nervosismo. Eu sabia que, através do intercomunicador, o Coronel Rudo estaria arregimentando um comando de abordagem. Os homens já estariam esperando por mim no hangar. Eu estava convencido de que iríamos voar até a nave desconhecida, em trajes espaciais apropriados. Era demasiadamente complicado, para isso, lançar uma nave auxiliar.
Quando pus os pés no hangar, logo vi cinco homens, esperando por mim, perto da eclusa. Um deles estava com o meu traje espacial.
— Sou o cabo McClelland, sir! — disse o homem, entregando-me o traje. — Por ordem do Coronel Rudo, nós vamos acompanhá-lo.
Eu admirei a sua calma. Meio sem jeito, vesti o traje. McClelland ajudou-me a fechar o capacete. O sibilar do aparelho de oxigênio demonstrava que eu já não mais respirava o ar esterilizado da Crest III. Imediatamente liguei o rádio-capacete.
— Cada um está com sua arma? — perguntei. 
Fiz o possível para que minha voz tivesse um tom autoritário, mas não consegui me livrar da impressão de que a pergunta saíra meio tremida.
Os homens disseram que sim.
— A bordo da nave estranha há nove membros da tripulação — disse eu para McClelland. — Não seria melhor reforçarmos o comando de abordagem com mais alguns homens? — antes mesmo de terminar a frase, eu já estava arrependido da pergunta. Eu jamais deveria ter-me exposto, desse modo, ao cabo.
— Nós somos homens testados na luta — disse McClelland. — Cada um de nós dá conta de pelo menos três adversários.
Engoli em seco. Eu bem que merecera essa estocada. Os astronautas que deviam acompanhar-me estavam, silenciosos, de pé, junto da eclusa. Eu teria preferido que eles estivessem conversando, entre si, sobre alguma coisa. Eram cinco rapazes magros, de poucas palavras, rijos e com aquele humor macabro que permitia-lhes suportar a idéia de que estavam a cinqüenta mil anos no passado.
Finalmente chegou o sinal para a partida. Sem perder mais tempo, McClelland fez a eclusa deslizar para um lado. Eu tinha certeza que a Crest III agora estaria segurando a nave estranha. Apesar de saber que o inimigo não tinha qual quer possibilidade de rastrear seis homens que se aproximavam de sua nave, o meu coração bateu mais forte. Não conseguia livrar-me do pensamento de que atirariam em nós, tão logo saíssemos de dentro da eclusa.
— Podemos ir, sir — disse McClelland, indiferente.
Eu entrei na eclusa. O cabo ficou do meu lado. Evidentemente ele notara que eu estava inseguro. O pensamento de que o Coronel Rudo lhe dera alguns bons conselhos a respeito de minha pessoa fez com que o sangue me subisse à cabeça.
Eu estava de pé, na borda da eclusa, olhando para o espaço sideral. Bem perto, pouco acima de nós, “pendia”, imóvel, a nave estranha, iluminada pelos holofotes da Crest III. Aquela nave espacial esférica, de 46 metros de diâmetro, não tinha nada de imponente. Sua superfície era irregular e recoberta de manchas de ferrugem. Ali, onde em outros tempos devia ter havido antenas e outros aparelhos auxiliares, agora só se via ainda varas quebradas e metais abaulados. A eclusa era um quadrado, meio irregular, por cima do qual um artista espacial pouco talentoso escrevera em letras tefrodenses a palavra Eskila. Este, aparentemente, era o nome da nave.
De repente, a parede da eclusa da Eskila deslizou para um lado. Uma figura baixinha surgiu na entrada. E fazia sinais para nós. Primeiramente achei que devia ser um dos membros da tripulação, mas logo depois notei que se tratava de Gucky, que naturalmente teleportara para dentro da eclusa da nave, abrindo-a para nós. Entendi então que Perry Rhodan e os oficiais da Crest III estavam dirigindo a operação. Nem pensavam em deixar aos cuidados de um aspirante a oficial uma missão dessas. Naturalmente eu e os meus acompanhantes também tínhamos alguma coisa para fazer, porém se fizéssemos o menor erro, imediatamente outros homens tomariam o nosso lugar. Isso naturalmente feriu o meu orgulho, mas, por outro lado, tranqüilizou-me bastante.
Com um impulso saltei para fora e pairei “para cima”. Bem perto da eclusa tive que corrigir o rumo do meu vôo com a ajuda do projetor, caso contrário teria ultrapassado a Eskila. McClelland passou por mim, pousando, antes de todos nós, na eclusa. Gucky, entrementes, desaparecera.
Iluminamos todo o interior da câmara da eclusa. A mesma estava um verdadeiro caos. Por todos os lados a tinta descascava. O chão estava cheio de sujeira. Alguém acionara, imprudentemente, a central de lubrificação, porém o fizera generosamente demais, de modo que por quase todas as conexões gotejava o lubrificante em excesso.
McClelland dirigiu-se a uma das alavancas de controle.
— Com esta, podemos fechar a parede externa da eclusa — disse ele.
Perguntei-me como é que ele podia ter tanta certeza.
— Experimente-a — ordenei eu.
Ele puxou a alavanca para baixo. A eclusa fechou-se. O cabo jogou um feixe de luz sobre outra alavanca, que ficava diretamente abaixo da primeira, que ele acabara de acionar.
— Esta serve para a parede interna — disse ele, com firmeza.
Todos puxamos nossas armas, e McClelland fez a parede interna da eclusa deslizar para o lado. Vimos, diante de nós, um recinto pouco iluminado, no qual também reinava um caos indescritível.
Por toda a parte viam-se pilhas de caixas, que se misturavam, por terem caído. A maioria das caixas estava arrebentada. O seu conteúdo espalhara-se pelo chão.Nas paredes havia prateleiras, nas quais a tripulação, aparentemente com a maior pressa, colocara todos os tipos imagináveis de coisas.
Bem no meio do recinto, entretanto, estava, de pé, um homem barbado que mais parecia um gigante, vestindo um uniforme que parecia tão descuidado quanto era esquisito. O homem olhou-nos com visível calma. Trazia no seu cinturão uma arma pesada tão formidável, que um homem mais fraco certamente só conseguiria carregá-la curvado. Uma das mãos do barbudo estava na sua arma, a outra ele enfiara no cinturão, segurando-a com o polegar. Estava mastigando alguma coisa. Os seus olhos mal podiam ser vistos atrás das sobrancelhas muito espessas. Ele tinha alguma coisa de viking, mas também algo de vagabundo espacial.
O homem, entretanto, não parecia absolutamente um astronauta, cuja nave acabara de ser conquistada.
Nós abrimos nossos capacetes, depois de nos certificarmos que o ar, neste recinto, era respirável. Em tefrodense, sem erros, o barbudo perguntou:
— O que é que os senhores querem a bordo de minha nave?
Precisei de alguns segundos para reconquistar o meu controle.
— O senhor é o comandante dessa... dessa nave?
Os seus lábios protuberantes se mexeram, depois ele cuspiu alguma coisa, que saltou de um lado para o outro, no chão, como uma bolinha de borracha.
— Comandante? — repetiu ele, negligente. — Nós não precisamos de comandante.
Depois ele aproximou-se alguns passos de mim. Ele fedia a óleo lubrificante e roupas úmidas, além de exalar o cheiro de algum tempero parecido com alho. O seu uniforme chegava a estar duro de tão sujo. E quem o vestia parecia não ter mais tomado qualquer banho, há anos.
— Quer dizer que o senhor não está sozinho a bordo...? — perguntei, apesar de já conhecer a resposta.
— Meus oito amigos estão dormindo, lá embaixo — dignou-se ele a informar-me. — Quer que eu os acorde, só porque o senhor resolveu nos fazer uma visita?
— O senhor já deu uma olhada nas telas de imagem de sua nave? — perguntei eu, irritado. — Assim, logo verá o que aconteceu.
Ele puxou uma caixinha do bolso, tirou-lhe calmamente um quadrado de goma de mascar, que enfiou na boca.
— Por que deveria fazer isso? — ele puxou uma caixa para perto, para sentar-se nela. — Nenhuma das telas funciona.
— O quê? — deixou escapar o cabo McClelland. — O senhor está voando como um cego pelo espaço? Sir, eu acho que esse sujeito está querendo passar-nos a perna.
O barbudo deu um pontapé numa peça de reposição cilíndrica que estava à sua frente, no chão. E ficou olhando enquanto a mesma rolava para junto dos pés de um dos meus acompanhantes.
— Meu nome é Assaraf — disse o astronauta estranho. — Se quiserem comprar alguma coisa, digam o que desejam. Se, entretanto, vieram apenas para bisbilhotar por aqui, é melhor que se retirem antes que eu fique com raiva.
— O senhor não está entendendo a situação, Assaraf — retruquei. Em silêncio eu admirava a calma e decisão daquele sujeito sujo, sentado, diante de mim, naquela caixa. Provavelmente ele sabia muito bem a sorte que esperava a ele e aos seus amigos. Naturalmente ele esperava poder nos amedrontar, e talvez até fazer com que recuássemos, se agisse inteligentemente. — Nós precisamos de sua nave — continuei eu. — E agora estamos justamente tratando de conquistá-la para os nossos fins — eu fiz um sinal com a cabeça para McClelland. — Tire a arma deste homem, cabo.
Assaraf riu, irônico. 
McClelland dirigiu-se, resoluto, ao homem.
— Eu sou um pacífico marcador alariano — disse Assaraf. — Estão querendo me causar dificuldades? — e ele realmente fez uma tentativa para sorrir, pacificamente.
— Queremos — confirmou McClelland, com cara de poucos amigos, esticando a mão e exigindo-lhe a arma. Eu levantei o meu desintegrador, apontando-o para a cara suja de Assaraf. Erguendo os ombros o mercador entregou sua gigantesca arma de mão para McClelland. — Mas isso é um verdadeiro canhão — murmurou McClelland.
— Acorde os seus amigos! — ordenei ao alariano.
Ele levantou-se, dirigindo-se para a saída traseira do recinto.
— Pare aí! — gritei-lhe eu. — Não acha mesmo que nós o deixaremos sair? Use o seu intercomunicador.
— Intercomunicador? — ele riu, irônico. — Não funciona.
— Afinal, o que é que funciona a bordo dessa bela nave? — gritou-lhe McClelland, irritado.
— Os relógios — retrucou Assaraf, muito sério. — E são extraordinariamente importantes. Com sua ajuda podemos verificar exatamente o tempo que cada um de nós tem que ficar de serviço.
— Por que estes aparelhos não são consertados? — quis saber eu.
Assaraf coçou a cabeça de cabelos pretos, nos quais, em minha opinião devia haver legiões de piolhos.
— Seria uma desonra para um mercador alariano fazer trabalhos pesados — disse ele. — Dentro de aproximadamente três meses devemos chegar ao sistema Tefa. E por lá colocarão em ordem nossos propulsores ultraluz. Nós pagamos bem.
McClelland agitou o seu desintegrador diante da cara do alariano.
— O senhor não vai voar para parte alguma! O senhor é nosso prisioneiro.
— Vá acordar os outros membros da tripulação — resolvi intervir.
Assaraf juntou do chão uma peça de máquina de forma angular, dirigindo-se até uma espécie de console de controles. Bem diante do mesmo ele deixou-se cair de joelhos. Ergueu um alçapão, que primeiramente resistiu aos seus esforços, cedendo finalmente. Em seguida bateu violentamente com a peça metálica na parte interna do elevador.
Coloquei-me perto do mercador. Pelo alçapão aberto subia uma nuvem de um fedor terrível. Quase fechei meu capacete novamente, porém, neste caso, teria sido difícil comunicar-me com Assaraf.
— Arre! — fez McClelland. — O senhor garante que lá embaixo alguém consegue viver?
O alariano não se dignou a nos responder, berrando alguns nomes através do alçapão aberto. Pouco mais tarde, algumas figuras, parecendo sonolentas, vieram subindo pela escada de metal. Eram oito homens sujos, fedorentos, que precisavam urgentemente entrar em contato com água de banho. Um dos homens trazia consigo um saco de couro alongado, numa das mãos. Tomou um gole, gargarejou com prazer e depois cuspiu um jato, da grossura de um dedo, por entre uma falha dos seus dentes, diretamente aos pés de McClelland. Depois arrotou desaforadamente e voltou-se para Assaraf:
— Quem são essas figuras engraçadas? — queria ele saber.
— Quer que lhe dê um pontapé no traseiro, sir? — perguntou um dos meus acompanhantes, cheio de boa vontade.
— Espere mais um pouco — retive o astronauta. — Estes homens são nossos prisioneiros. Têm o direito de serem tratados decentemente. Afinal de contas, nós precisamos da nave deles.
— São piratas — declarou Assaraf aos seus homens. — Eles me tiraram a minha baionga — e ele apontou para a pesada arma que agora estava no cinturão de McClelland.
Os nove alarianos começaram a discutir entre si. Discutiam se deviam entregar a nave sem luta, ou se, talvez, fosse melhor oferecer resistência. Não consegui livrar-me da sensação de que os acontecimentos escapavam, cada vez mais, de minha ingerência. Gostaria que um dos oficiais da Crest III surgisse, para esquentar um pouco as coisas aos nove alarianos. Provavelmente na sala de comando da Crest III deviam estar achando muita graça de minha situação.
Apertei os dentes com força.
— Vamos levar esses sujeitos para a Crest — decidi finalmente. Ordenei a três de meus acompanhantes que tirassem seus trajes espaciais. Com estes, os mercadores deviam ser levados, três de cada vez, para a nave-capitânia do Império Solar.
McClelland interveio:
— O senhor acha que é aconselhável levar estes homens, imediatamente, para a Crest, sir? — e ele apontou, significativamente, para o seu próprio nariz.
Eu anuí, furioso. Talvez os oficiais do ultracouraçado acabariam encerrando suas risadas zombeteiras, a respeito da falta de jeito de um aspirante a oficial, logo que lhes chegasse ao nariz uma amostrinha do cheirinho “bom” dos alarianos.
Olhei o meu relógio.O primeiro comando de abordagem, por mim chefiado, chegara a um fim incruento e com sucesso, em menos de meia hora. Apesar disso, não senti nenhuma satisfação.
Ao olhar aquelas novas figuras sujas e maltrapilhas, e ao lembrar-me do estado em que se encontrava a sua velha nave, eu certamente não tinha razões para me sentir orgulhoso.
— Mais uma vitória dessas — disse eu para McClelland — e nós estamos perdidos.
Ele olhou-me, espantado. Aparentemente devia estar pensando que eu era alérgico ao cheiro de alho.
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Depois que os nove alarianos estavam a bordo da Crest III, tínhamos dois grandes problemas para resolver.
O primeiro era o seguinte: Como é que poderíamos fazer com que os nove mercadores utilizassem as instalações sanitárias e os banheiros do ultracouraçado.
O segundo problema era: Haveria nove membros da tripulação, suficientemente malucos, para fazer o papel dos nove alarianos?
O segundo problema acabou mostrando-se de solução fácil, pois os nove homens já haviam sido escolhidos, em pouco menos de meia hora, depois que os planos de Atlan foram transmitidos a todos os membros da tripulação. O primeiro problema, entretanto, era praticamente insolúvel. Primeiro, tentamos com bons conselhos, porém os alarianos não queriam saber de nada quanto à higiene. E quando aplicávamos a força, esses sujeitos durões sabiam como emporcalhar novamente, em pouco tempo, os seus corpos, recentemente banhados. O pior é que os mercadores, cada vez mais, ganhavam a simpatia da tripulação. Faziam até apostas sobre se tal ou tal oficial conseguiria dar banho num ou noutro alariano, ou obrigá-lo a escovar os dentes.
Homens sensíveis corriam, de cara pálida, pela nave, vomitando em segredo, depois de terem se aproximado demais de um alariano, mas por nada neste mundo nem um único deles confessaria de que achava esses porcalhões repelentes. Todos os banheiros ficavam sitiados por assistentes, porque cada um que tivesse tempo não queria perder a oportunidade de ver o cerimonial de banho de um alariano. Dentro de poucas horas, tinham curso, a bordo, os mais desencontrados boatos. Um destes dizia que o Major Bernard fora visto correndo atrás de Assaraf, com uma bomba de inseticida, para livrar o cabelo do alariano de sua legião de piolhos. Infelizmente tive pouca oportunidade de me ocupar com o problema dos banhos, pois eu era um dos nove homens que, a partir de agora, tinham que comportar-se — tinham que ser — um mercador alariano.
As primeiras conseqüências dessa ordem eu comecei a sentir apenas quatro horas depois de nosso regresso. Eu não podia mais tomar banho. Fazer a barba e cortar os cabelos me foram proibidos. Tinha que temperar minha comida com alho, de cuja existência a bordo da Crest III, até agora, eu nem suspeitava. O meu uniforme, muito bem tratado e passado, foi trocado pelas roupas de Assaraf, de modo que, dez horas depois que os mercadores se tornaram nossos prisioneiros, eu fedia mais que qualquer um deles. Alguns rapazes da tripulação, que não iam muito com minha cara, aproveitaram-se dessa situação.
A caminho de minha cabine eles me atacaram, puxando-me, à força, para baixo de uma ducha. Todos os protestos, todas as ordens e afirmações quanto à minha verdadeira identidade, não foram levados em consideração. Eles me esfregaram, com um escovão, sabão e água quente, durante dez minutos, até que finalmente o Major Don Redhorse pôs um fim naquilo tudo, e eu tive que dar um jeito de repor a sujeira da qual acabavam de me livrar. Foi um milagre que Redhorse tenha podido livrar-me, pois ele não fedia menos que eu. Pois também fazia parte dos nove homens que deviam participar da missão planejada.
Depois de vinte horas, eu já nem mais conseguia sentir meu próprio mau cheiro. A esta hora a Eskila já não existia mais há bastante tempo. Um único e certeiro tiro da Crest III a pulverizara. Antes, entretanto, nós havíamos trazido, para bordo da Crest III, um escaler de salvamento da nave alariana.
Felizmente minha aparência externa não me impedia de pensar.
— A partir deste instante o senhor chama-se Assaraf, e é um mercador alariano — dissera Atlan. — Nunca deverá esquecer-se disso. Lastafandemenreaos Papageorgiu está morto, entendeu? 
Eu entendi.
Afinal de contas, dava para cheirá-lo. 
* * *
O fato de que eu agora me chamava Assaraf não impedia que eu designasse os nove mercadores como malucos. Somente doidos poderiam ter voado para dentro de uma armadilha com tamanha inconsciência. Eles haviam se sentido seguros demais. Pelos papéis que trouxemos da Eskila para a Crest III, era possível verificar que o planeta natal dos mercadores se chamava Alara IV. Este mundo fora povoado, há cerca de duzentos anos atrás, pelos lemurenses. Os nove prisioneiros eram descendentes desses colonizadores. Mas agora eles não tinham mais praticamente qualquer das virtudes que destacavam seus parentes lemurenses. Diziam-se mercadores, mas não passavam de vagabundos do espaço cósmico, sujos, violentos, muito espertos nos negócios, e sovinas. Tudo isso foi possível deduzir, pelos seus “papéis”.
Eles se diziam homens de negócio, mas o eram, talvez apenas na extensão de um sujeito que tem uma bodega e oferece à venda uma mercadoria “maravilhosa” para manter firme na boca um par de dentaduras.
Também nossos nove prisioneiros tinham esse tipo de “mercadorias”. Entretanto, uma delas era até bem valiosa. Tratava-se de alguns blocos de quartzos osciladores, que eram usados pela frota lemurense na fabricação de instalações condutoras de fogo. Este tesouro, nós havíamos conseguido pôr em segurança a bordo da Crest III, junto com o escaler salva-vidas.
Alguns dos cientistas da Crest haviam examinado o computador da Eskila. O que veio confirmar a suposição de Icho Tolot de que o planeta Vario era o mais importante centro comercial e de governo do centro de Andrômeda. Nos documentos dos alarianos, entretanto, Vario era sempre mencionado com o nome de Lemúria. Na Lemúria vivia a classe alta dos lemurenses fugitivos, que haviam dado a este novo mundo ò nome do continente terrano afundado. Como único planeta do sol gigante azul Big Blue, Lemúria tinha uma posição dirigente entre os planetas coloniais dos lemurenses.
* * *
A caminho da sala de descanso no convés intermediário, encontrei-me com Perry Rhodan. Quase não o reconheci, pois o seu rosto estava coberto por uma barba ruiva, cor de cobre. O Administrador-Geral amarrara o seu cabelo, muito comprido, numa espécie de “rabo-de-cavalo”. A cor da pele de Rhodan, assim como a minha, agora era bem morena. Nós dois nos parecíamos muito com alarianos de verdade. Drogas biológicas haviam feito crescer nossas barbas e os cabelos, em poucas horas. Tanto a pele como os cabelos haviam sido pintados artificialmente.
— Olá, Assaraf! — saudou-me Rhodan, batendo-me amistosamente no ombro. — Está indo para a reunião?
— Sim, sir! — gemi eu. 
E fiz todo o possível para ignorar o cheiro que o Administrador-Geral exalava.
— Esse “Sir”, no futuro, o senhor terá que desaprender — lembrou-me Rhodan. — Nós somos nove alarianos e vamos comportar-nos como eles.
— Vou fazer um esforço — garanti-lhe eu.
Ao chegarem à sala de reuniões, os outros sete homens há estavam presentes. Numa poltrona muito confortável, Gucky estava agachado. Apesar do rato-castor fazer parte de nossa missão, ele não precisava mascarar-se. Nem mesmo com uma barba enorme ele se pareceria com um alariano. Atlan pensara numa outra solução, para o caso do rato-castor.
Atlan, que estava sentado na borda de uma mesa, balançando suas pernas compridas, parecia um legítimo viking. Ao lado dele, Tako Kakuta, o teleportador, parecia um tanto raquítico. Considerando seu pequeno tamanho físico, o mutante tentara ganhar a parada com o mau cheiro do seu corpo. André Noir, o hipno, parecia um velho bonachão. Junto dele, Don Redhorse era uma figura imponente. Seu rosto marcante de índio americano era emoldurado por uma barba muito negra. E o corpo musculoso ameaçavaarrebentar o uniforme alariano que envergava. Atrás de Redhorse estava, de pé, o único homem que sentia prazer em não precisar mais fazer a barba e tomar banho: o sargento Brazos Surfat. Surfat parecia ter sido criado para este empreendimento. Era flagrantemente visível que ele se sentia muito bem naquela sua fantasia. Ao contrário de Olivier Doutreval, que odiava toda falta de higiene física e fazia a cara mais infeliz do mundo.
O novo homem que fazia o papel de um alariano era o Tenente Chard Bradon. Redhorse, mais uma vez, soubera reunir seus famigerados amigos para acompanhá-lo. Porém, se quisesse ser honesto, tinha que reconhecer que eles eram realmente os mais adequados para esta missão.
— Olá, Schintas! — cumprimentou Atlan ao seu amigo terrano.
Nós já nos tínhamos acostumado a nossos nomes alarianos. Se chegássemos, algum dia, a alcançar Vario, não podíamos tolerar erros. Atlan agora chamava-se Ob Tolareff.
Perry Rhodan sentou-se, ao lado de Atlan, em cima da mesa.
— A Crest tomou o rumo de Big Blue — disse o Administrador-Geral. — Duas corvetas, que mandamos na frente, entrementes, voltaram. A cerca de seis anos-luz de Vario, eles encontraram um planeta gigante, com uma atmosfera de hidrogênio-metano-amoníaco, destruído pelos lemurenses. Enquanto nós tentaremos alcançar Vario, a Crest ficará estacionada, em segurança, na superfície deste ex-mundo dos maahks. Todo o planeta irradia radiatividade, portanto não precisaremos temer visitas desagradáveis nem dos maahks nem dos lemurenses.
Atlan enfiou a mão no bolso interno de sua roupa, e puxou para fora um pacote de papéis.
— Conforme todos sabem, nós recebemos, de nossos prisioneiros, uma documentação preciosa. Entrementes, eu mandei preparar outros papéis por especialistas da Crest. Trata-se de cartas de recomendação de alguns soberanos, de cartas com elogios de chefes estranhos, e coisas semelhantes. Tudo isso deverá ser o bastante para convencer os lemurenses de que somos alarianos.
Ele pulou da mesa e puxou uma caixa de baixo da mesa. Abriu-a e trouxe à luz a formidável arma de Assaraf.
— Aqui está a sua arma, Assaraf — disse ele para mim. Com certo esforço segurei a baionga. A mesma pesava certamente mais de dez quilos, mas não tive outra alternativa, e dei um jeito para prendê-la no meu cinturão. E agora Rhodan falou novamente:
— O planeta Vario, que agora se chama Lemúria, é nossa única chance de regressarmos ao tempo real. Portanto, temos que fazer tudo para chegarmos à superfície desse planeta, para efetuar sindicâncias e investigações. Estou convencido que, em Lemúria, vamos encontrar um dos senhores da galáxia. Provavelmente ele vive ali, incógnito, mas certamente ocupando uma alta posição. Hoje, cerca de cinqüenta mil anos antes do nosso tempo, o poder dos senhores da galáxia ainda não está consolidado. Entretanto, podemos ter certeza de que eles têm um espião nesta época importante e neste planeta importante. Além disso, é muito provável que os senhores da galáxia originaram-se da classe alta dos Grão-Mestres Conselheiros da Lemúria. A suspeita de Icho Tolot de que os senhores da galáxia devem ser um povo pequeno, certamente demonstrará ser um fato. Porém tudo isso, no momento, só nos interessa em segunda linha. Nossa meta terá que ser uma só — conseguir chegar ao tempo real.
Rhodan baixou a cabeça e se calou. De repente dei-me conta do peso da responsabilidade que este homem carregava nos ombros, e o quanto ele sofria por saber-se cortado, em cinqüenta mil anos, dos acontecimentos que, para ele, e para o Império Solar, eram tão vitais.
Atlan tirou um aparelhinho do seu bolso, levantando-o bem alto, para que todos pudéssemos vê-lo.
— Este é um indicador de impulsos. Ele nos levará a um dos senhores da galáxia, se um destes seres vive na Lemúria. Nós sabemos que todos os senhores da galáxia têm um ativador celular implantado — ele ligou o aparelho. Um zunido muito fraco fez-se ouvir. — São os ativadores de Rhodan, de Kakuta, de Noir e o meu próprio, que o aparelho assinala — declarou ele. — Nossos próximos passos já são conhecidos de todos. A Crest pousa num planeta maahk radiativo. Nós seremos lançados da nave-capitânia numa corveta, tomando o rumo de Vario. Logo que surgimos, vindos do espaço linear, nós saímos de bordo, com o escaler salva-vidas alariano, e estouramos a corveta. Às autoridades da Vigilância lemurense, vamos afirmar que, nessa explosão, nossa insubstituível Eskila foi destruída. Todo o resto vai depender de como os lemurenses vão reagir a essa história.
— Eu ainda me pergunto que papel deverei fazer nessa missão? — quis saber Gucky.
Atlan pegou um monte de pano que estava do seu lado, sobre a mesa. Desdobrou-o, e todos puderam ver que se tratava de um saco, muito sujo, e cheio de buracos.
— Você faz parte de nossa bagagem — disse o arcônida. Gucky perdeu o fôlego.
— Querem transportar-me nesse saco? — perguntou ele, incrédulo.
— Sem dúvida — confirmou Atlan. — O sargento Surfat é quem vai carregar você. Ninguém vai pensar, jamais, que nesse saco está enfiado um rato-castor. Pois nós vamos comportar-nos como verdadeiros selvagens, logo que entrarmos em contato com os lemurenses.
Gucky pôs-se de pé, cheio de brios. Lançou um olhar ameaçador para Surfat, e disse:
— Eu não quero mais me chamar Gucky, se deixar que me carreguem dentro deste saco, por livre e espontânea vontade.
— Está bem, você passa logo a chamar-se Zvonimir — sugeriu Atlan.
— Zvonimir? — gemeu o rato-castor, cobrindo o rosto com ambas as patas.
Atlan abriu a boca do saco, e sugeriu:
— Experimente, para ver se você cabe aqui. 
Guck desmaterializou, indignado.
— Vai ter que tomar muito cuidado com ele, Borg — disse Rhodan para Surfat. 
O sargento agora chamava-se Borg.
Surfat riu, nervosamente, espalhando com isso uma nuvem de intenso cheiro de alho.
— Depois que o tenho dentro do saco, ele não sai mais — prometeu ele.
E eu praticamente estava convencido disso. Com o mau cheiro que Brazos Surfat carregava consigo, o pobre baixinho certamente estaria inconsciente a maior parte do tempo.
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3
Antigamente, quando ainda havia cabines de telefones públicos na Terra, sempre aparecia gente pronta para conquistar um novo recorde mundial, apertando-se em grupos, numa cabine telefônica — sem levar em conta os braços quebrados e as luxações que acabavam sofrendo durante a empreitada. No dia seguinte, era possível ler-se nos jornais que determinado grupo de jovens de determinada cidade conseguira quebrar o antigo recorde mundial, tendo conseguido meter vinte e sete pessoas numa única cabine telefônica. Que a metade dos recordistas tinha baixado ao hospital, naturalmente ninguém dizia.
O escaler salva-vidas, que nós havíamos posto em segurança, antes da destruição da Eskila, não era muito maior que uma cabine telefônica. Atlan e Rhodan, que deviam ficar nos controles, enfiaram-se, em primeiro lugar, através da eclusa. A um sinal deles, de que já estavam devidamente sentados nos seus lugares, seguiram-nos Noir e Kakuta, os dois mutantes.
— Muito bem — disse o Major Don Redhorse, satisfeito. — Agora já podemos ligar a ignição automática. Ele curvou-se por cima da bomba, que estava no hangar, acionando o contador de tempo. Um minuto depois da saída da nave auxiliar da Crest III do espaço linear, ela seria destruída num raio atômico. Portanto tínhamos muito pouco tempo para nos pormos em segurança com o escaler salva-vidas.
O Tenente Chard Bradon, que agora chamava-se Fash Barat, entrou na micronave. Seguiram-no Olivier Doutreval e Brazos Surfat, que carregava, às costas, o saco com Gucky. As condições dentro do escaler, entrementes, eram de grande aperto, e as pragas e palavrões que chegavam, através da eclusa, até Redhorse e minha esposa, certamente fariam honra aos mais legítimos alarianos. Eu ajeitei a baionga e fiz um esforço para passar pela eclusa. Surfat ainda se encontrava na diminuta câmara da eclusa, mas eu fui empurrando-o para a frente, simplesmenteporque, atrás de mim, Redhorse exigia também o seu lugar.
— Tudo pronto? — veio uma voz abafada, lá da frente. Devia ser Perry Rhodan.
— Pare de me enfiar seus cotovelos pontudos nas costelas! — queixou-se Surfat comigo.
— É a baionga — retruquei eu. Fiz um esforço para encolher a barriga, para melhor acomodar a enorme arma, mas não consegui. Suando e bufando, Surfat conseguiu penetrar mais meio metro no interior do escaler. O ar dentro da navezinha certamente assemelhava-se mais ao de um botequim de quinta categoria.
Escutei Redhorse praguejar na eclusa. Com saudades pensei na Crest III, que agora estava a seis anos-luz distante de nós, estacionada num planeta-metano. Ali, pelo menos, havia lugar bastante.
Redhorse meteu ambos os punhos nas minhas costas. Fui empurrado contra Surfat. Gucky começou a protestar em altos brados. O saco, no qual ele estava enfiado, abaulava-se, pois o rato-castor esperneava como um possesso.
— Eu não posso me mexer! — resmungou Surfat, indignado. — Por que não presta mais atenção, seu grego fedorento!
— Em primeiro lugar — respondi, com raiva — eu não sou um grego, mas um mercador alariano. E em segundo lugar, não tenho mais lugar à minha disposição que cada um de vocês.
— Silêncio! — gritou Rhodan, lá da frente, dos controles.
— O senhor pode fechar a eclusa! — gritou o Major Redhorse.
Trepidando, a parede externa da eclusa deslizou, fechando-se. Tudo que eu podia fazer era ficar de pé, sem me mexer, e esperar. O suor me escorria do rosto. Depois de poucos minutos, que me pareceram intermináveis, finalmente veio o sinal de que a corveta estava saindo do espaço linear. Quase ao mesmo instante abriu-se a eclusa do hangar, e o escaler salva-vidas foi lançado ao espaço cósmico, como um foguete. Os técnicos da Crest III haviam feito uma revisão em regra na pequena nave, de modo que não havia perigo de qualquer acidente. A pressão exercida, pela repentina aceleração, foi absorvida pelos neutralizadores.
— A corveta explodiu! — gritou Atlan, de onde estava sentado.
Perry Rhodan sacrificara a corveta, para alcançar a sua meta. O caminho para o tempo real certamente ainda exigiria sacrifícios bem maiores de nós, se é que, algum dia, nós conseguiríamos cruzar esta barreira.
O escaler, agora, voava diretamente para dentro do sistema de Big Blue. Não precisamos esperar muito tempo, até ouvir estalidos no alto-falante do rádio normal. E uma voz estridente fez-se ouvir.
— Parem imediatamente o seu vôo, fiquem onde estão, e se identifiquem!
— Parar? Damos graças por estar voando — retrucou Atlan, imperturbável. — Nossa nave, a Eskila, há poucos momentos atrás foi atacada e destruída por espaçonaves dos maahks.
Uma risada zombeteira fez com que o alto-falante da pequena central de radiocomunicação vibrasse intensamente.
— Aqui fala o Comandante Zabot, da frota de vigilância lemurense — disse aquela voz estridente. — Parem o vôo, antes de varrermos vocês do espaço!
— Nós exigimos indenização pela nossa grande nave — gritou Atlan, como um possesso. — Disseram e espalharam por aí que este setor do espaço era evitado pelos maahks, mas isso é uma mentira.
Zabot uivava de tanto rir.
— Vocês só podem ser alarianos — disse ele, com muito custo, e com falta de ar. — Se não estou muito enganado, essa nave lamentável de vocês explodiu sozinha, ao mergulhar no espaço normal. Não seria a primeira vez que uma coisa dessas acontece. Todo mundo sabe que os alarianos deixam suas naves espaciais apodrecer.
— Como disse que é o seu nome? — quis saber Atlan.
— Zabot — repetiu o comandante estranho. — Minha esquadrilha terá alcançado o seu escaler em poucos instantes, e vai rebocá-los com um raio de tração.
— Está bem, Zabot, eu tratarei de dar um jeito para que o seu comportamento malcriado não fique sem a devida resposta.
A comunicação foi interrompida. Eu estava tremendo, de tão agitado. Sem que eles nos tivessem visto, os lemurenses achavam que éramos alarianos. Não podíamos ter desejado um sucesso maior, em nosso primeiro encontro com os habitantes de Vario.
— O escaler escapou ao meu controle — disse Rhodan, depois de algum tempo. — Isso significa que os lemurenses já nos agarraram. E, deste modo, aconteceu exatamente o que nós queríamos.
Consegui levantar um braço, para limpar o suor do rosto.
— Será que não consegue parar quieto? — gritou Surfat.
— Já é hora de sairmos aqui de dentro, caso contrário acabaremos nos matando mutuamente esmagados — disse o Tenente Bradon.
As costas largas de Surfat não me deixavam olhar para a frente. Eu não conseguia levantar-me totalmente. Nesse caso bateria com a cabeça no teto. Olhei para trás, e vi, bem diante da minha, a cara risonha de Redhorse. O cheiene não parecia sofrer nem com o fedor nem com o calor.
— Logo vamos ter que dar nosso primeiro espetáculo — disse ele.
Eu mordi o lábio inferior. O major parecia sentir que eu estava nervoso. Apesar de termos conosco Gucky e dois mutantes, teríamos que fazer tudo para não termos um conflito direto com os lemurenses. Em primeiro lugar, porque era certo que na Lemúria, ou Vario, havia um espião dos senhores da galáxia.
Quando já pensávamos que Zabot não mais se interessaria por nós, mais uma vez fomos contatados pelo rádio.
— Quantos homens encontram-se a bordo da pequena nave?
— Nove — retrucou Atlan. — Toda a tripulação da Eskila pôde pôr-se em segurança, e escapar ao ataque dos maahks.
Ouvimos Zabot bocejar.
— Por que não param de me contar essa história boba? — sugeriu ele. — Afinal de contas, de mim não poderão exigir nenhuma indenização.
— Onde é que vai nos deixar? — quis saber Atlan.
— Num campo vizinho ao espaçoporto — informou-nos Zabot. — Ali já estão sendo esperados. Não sei o que pretendem fazer com vocês, mas, se não houver nada de anormal contra, lhes concederão asilo na Lemúria.
Os minutos seguintes passaram sem que outras palavras fossem trocadas pelo rádio. O escaler foi puxado para bordo de uma nave lemurense. Recebemos ordens para permanecermos a bordo, até que a nave de vigilância tivesse pousado em Lemúria, onde nos deixaria.
— Dentro do nosso escaler é muito apertado — protestou Atlan, contra essa ordem. — Exigimos que nos deixem sair, imediatamente.
— Coloquei três homens diante da eclusa de sua pequena nave — disse Zabot. — Logo que apenas um de vocês puser uma cabeça para fora, mando atirar.
Um berreiro de raiva de nossa parte foi a resposta. Desta vez não tivemos que nos esforçar para fingir o que estávamos sentindo. Cada minuto que tínhamos que permanecer dentro daquela nave minúscula era um martírio.
— Espero que a manobra de pouso não leve mais muito tempo — disse André Noir. — Receio que não vamos mais agüentar isso aqui por muito tempo.
— Dê graças por não ter um bebê grego gigante pisando-lhe os calos — murmurou Surfat. — Sem levar em conta que tenho que carregar Gucky, ainda tenho o privilégio de...
— Não desperdice nosso ar precioso, Brazos — recomendou Redhorse.
Surfat resmungou alguma coisa sobre a repressão à sua livre opinião; evitou, entretanto, de fazê-lo em voz alta.
Zabot parecia ter prazer em nos deixar tomar esse suadouro. Passou-se pelo menos uma hora, até ouvirmos novamente a sua voz. De meu lugar eu não conseguia ver a tela de imagem do escaler.
— Nós agora pousamos. Podem abrir a eclusa.
Ouvi Atlan suspirar. A eclusa deslizou para um lado. Fiquei admirado porque Redhorse não caiu logo para fora. A luz do sol, muito forte, penetrou imediatamente na nave. Pisquei muito ao olhar para fora. A princípio consegui distinguir apenas os contornos de um edifício maior, cujas paredes brancas refletiam a luz do sol. Dei-me conta de que a nave de vigilância já nos pousara, voltando imediatamente para o espaço outra vez.
— O que ainda está esperando, Flentras? — gritou Rhodan ao Major Redhorse.
Redhorse deu um daqueles gritos dos índios americanos, e saltou da eclusa. Surfat deu-me um empurrão, que me obrigou a seguir Redhorseimediatamente. De algum modo consegui aterrissar de pé, apesar de cambaleante, naquela forte luz solar. O escaler estava rodeado de robôs. Atrás dos robôs estavam alguns lemurenses, que nos olhavam, intrigados. Um carro do corpo de bombeiros e um transportador estavam prontos para entrar em ação, caso fosse necessário. Mais ao fundo, consegui ver uma fileira de prédios. Aquilo deviam ser as torres de controle e os edifícios da administração do espaçoporto. Olhar para o outro lado do espaçoporto era impossível, pois o nosso escaler o impedia.
Tudo o que eu vi pareceu-me tão terrano que quase levei um choque. Tive que fazer um esforço para lembrar-me de que estava em Vario e não na Terra.
Praguejando muito, apareceu o que restava da tripulação do escaler, saltando para fora do mesmo. Erguendo os braços, Atlan gritou para os lemurenses que queria imediatamente falar com o comandante do espaçoporto.
Os robôs formaram uma espécie de corredor polonês. Um homem alto, vestindo um uniforme cinza, veio ao nosso encontro. Usava um bigodinho muito fino. Suas narinas mexiam-se, nervosas. Ele evidentemente não sabia muito bem como deveria comportar-se diante de nós.
— O meu nome é Vulling — apresentou-se ele. — Sou o chefe do comando técnico de emergência do espaçoporto. Ouvi dizer que, quando do seu mergulho para dentro de nosso sistema, houve um incidente.
Todos nós rimos, zombeteiros.
— Incidente? — trovejou Atlan. Ele pôs ambas as mãos nas cadeiras, rolando os olhos. — Nós fomos assaltados. Estamos arruinados. Nossas mulheres e filhos vão ter que passar fome, porque os senhores não tiveram competência suficiente para oferecer-nos a segurança devida — ele passou a mão nos cabelos, despenteando-os ainda mais, e bateu forte, com ambos os pés, no piso de plástico do espaçoporto. Nós uivávamos e berrávamos todos ao mesmo tempo, fazendo ameaças, que, se fossem efetivadas, nem mesmo uma frota gigante de vinte mil homens seria suficiente para enfrentar.
Apesar disso, Vulling mostrou-se impressionado.
Ele recuou e olhou para o chão, para não mostrar o seu nojo pelo fedor que nosso grupo exalava. Via-se claramente que ele teria gostado de ordenar aos robôs para atirar em nós. Os acompanhantes lemurenses de Vulling não tomaram qualquer iniciativa para vir em ajuda do seu chefe. Pareciam aliviados em poder olhar-nos de uma distância apropriada.
— O seu caso, infelizmente, não é de minha esfera — disse Vulling, com forçada cordialidade. — Se os senhores tiverem um pouco de paciência, eu estou pronto a...
— O quê? — gritou Atlan. Deu um passo na direção de Vulling e bateu-lhe no peito. — Um Ob Tolareff não espera! Leve-me imediatamente ao comandante do espaçoporto.
— Preciso pedir-lhes que não se tornem agressivos — gritou Vulling. E apontou para os robôs. — Ou será que tenho que usar de força, para chamá-los à ordem? Antes de falarem com o comandante, talvez seja melhor que se refresquem um pouco...
Atlan voltou-se para nós, e sorriu, irônico.
— Vocês ouviram? — gritou ele, entusiasmado. — Vamos encher a cara.
Vulling disse, chocado:
— O que eu quis dizer é que os senhores poderiam refrescar-se um pouco nos banheiros de nossa administração. Não mencionei álcool, de modo algum.
Começamos a gritar impropérios na direção de Vulling. Surfat atirou-lhe alguns dentes de alho, e Atlan fez um sinal de desprezo.
Vulling pareceu reconhecer que, sem o uso de armas, ele dificilmente conseguiria dominar-nos. Apontou, chateado, para o transportador, parado à espera, e exigiu que embarcássemos.
Atlan pescou de um bolso um rolo de papel e balançou-o diante da cara de Vulling.
— Aqui estão nossos documentos. Por eles, poderá verificar a fortuna que mantínhamos a bordo.
Vulling chegou a tapar o nariz, fugindo para o assento do chofer do transportador. Eu estava de cabeça quente de tanto gritar. Meu nervosismo passara inteiramente. O papel que eu devia representar começava a me divertir muito.
Subimos no veículo, tomando lugar num dos bancos.
— Vamos levá-los à administração? — quis saber o chofer de Vulling.
Vulling respondeu rapidamente:
— Não, não! Antes de mais nada vamos levá-los às oficinas. Lá, neste momento, não há muito movimento — ele ligou um rádio portátil, mas não falou suficientemente alto para que pudéssemos entender o que dizia.
— Provavelmente está falando com seus superiores — disse Rhodan.
Vulling lançou um olhar para trás. Franziu a testa, quando viu que nós havíamos colocado os pés no banco da frente. Aparentemente, entretanto, ele dera-se conta de que seria inútil pedir-nos que nos comportássemos como gente civilizada.
Atlan levantou-se e foi até o assento do motorista. Bateu no ombro de Vulling tão fortemente que o lemurense chegou a gemer.
— O que é que vamos fazer nas oficinas? — quis saber Atlan. — Espero que não esteja querendo nos enganar quanto aos nossos direitos...
— Por favor, seja sensato — pediu Vulling. — Afinal, há coisas mais importantes que a sua nave destruída.
Como a um comando secreto, nós nos levantamos do banco e começamos a gritar. Vulling viu-se obrigado a garantir que nossa nave era a coisa mais importante que ele conhecia, mas que levaria algum tempo para fazer com que os seus superiores também aceitassem essa idéia.
Acalmados, desse modo, voltamos a nos sentar. Até agora ninguém ainda tivera a idéia de controlar nossa bagagem, ou lançar um olhar em nossos documentos. Ninguém parecia duvidar de que nós éramos realmente uma horda de vagabundos espaciais da pior espécie.
O transportador parou diante de um pavilhão comprido, com telhado abaulado. De ambos os lados havia enormes portas de correr, que, entretanto, estavam abertas. O telhado era de vidro. Alguns homens, vestindo macacões de mecânicos, saíram lá de dentro, olhando-nos, intrigados. Vulling ordenou-lhes que voltassem novamente ao trabalho. Perto do pavilhão-oficina havia um pequeno edifício. Foi para lá que Vulling nos levou. Entramos num recinto fresco, mobiliado com mesas e bancos. Nas paredes havia autômatos com bebidas e comidas.
Sem dar maior atenção a Vulling, nós nos reunimos em volta dos autômatos.
— Ei! — gritou Atlan ao lemurense. — Nós não temos dinheiro para tirar alguma coisa dessas máquinas.
— Isso não me interessa — retrucou Vulling, irritado.
— Eu agora irei comunicar suas exigências aos meus superiores. Preciso, entretanto, pedir-lhes insistentemente para não deixarem esse recinto. Vou postar alguns robôs do lado de fora, que evitarão a saída de qualquer um dos senhores, empregando força, se for necessário — e rapidamente ele saiu da sala.
Atlan quebrou a vidraça de um dos autômatos, e abasteceu-nos de bebidas.
— Não creio que um legítimo alariano pensaria duas vezes antes de quebrar a máquina, para, deste modo, conseguir uns refrescos — disse ele.
Rhodan levantou a mão num gesto de aviso.
— É possível que, por aqui, haja microfones de escuta — disse ele.
Depois de termos esvaziado o autômato, Vulling voltou trazendo consigo um homem mais baixo, que, ao entrar, esfregou as mãos, satisfeito, aproximando-se de nós rapidamente. O acompanhante de Vulling era calvo e a sua testa estava coberta de suor.
— Infelizmente fiquei sabendo só tarde demais de sua chegada — disse ele. — Meu nome é Juvenog. Sou o agente comercial alariano em Lemúria.
Todos nós ficamos olhando aquele homem, de boca aberta. Tínhamos contado com tudo. Mas nunca em encontrarmos, na Lemúria, um legítimo alariano.
E ali estava ele, diante de nós, sorrindo satisfeito.
— Esses sujeitos destruíram o autômato — ouviu-se a voz irritada de Vulling, quebrando aquele silêncio repentino.
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Juvenog vestia uma jaqueta xadrez, de grandes quadrados, sobre cuja gola ele enlaçara, artisticamente, uma espécie de xale-gravata bastante sujo. Suas calças estavam manchadas com todo tipo de restos de comida. As solas dos sapatos já descolavam, e a cor das suas meias contrastava violentamente com o restante de sua vestimenta.Não havia dúvida — Juvenog era um alariano. Que dançava, muito alegre e satisfeito, à nossa volta.
— Isso fez-lhes perder a fala, não é mesmo? — gritou ele, entusiasmado. — Mas eu vou cuidar bem de vocês.
Falou e logo saiu correndo para fora novamente. Com muito custo eu abafei um suspiro de alívio.
— Ele vai correr de uma autoridade para outra, para atender aos seus desejos — observou Vulling. — Mas não creio que ele tenha algum sucesso.
Portanto havia a perspectiva de que nós não veríamos Juvenog novamente tão cedo. E eu não me importava muito especialmente com isso. Fiquei observando Vulling que se aproximara do autômato do qual retirava, com muito cuidado, cacos de vidro, da vidraça partida.
— Simplesmente partida — disse ele, amargamente. — Provavelmente acham que podem permitir-se qualquer coisa, é isso?
— Onde está o seu chefe? — quis saber Rhodan. 
Vulling passou os dedos no seu bigodinho. Era evidente que ele recebera ordens para continuar se ocupando com a gente. E isso não lhe era absolutamente agradável.
— Devo conduzi-los ao Edifício Dois, da Administração — disse ele, meio chateado. — Ali querem examinar os seus documentos.
— Ora, até que enfim! — berrou Atlan, dirigindo-se rapidamente para a porta.
Lá fora, estava um transportador, e nós embarcamos. Desta vez não havia motorista, de modo que Vulling teve que assumir pessoalmente o volante. Os edifícios, nesta parte do espaçoporto, haviam sido ordenados em forma de ferradura, de modo que não era possível ver, daqui, o campo de pouso propriamente dito. Duas naves espaciais, pequenas, estavam paradas bem perto das oficinas. Na sua parte externa viam-se reflexos de arcos voltaicos, sinal de que os mecânicos estavam ocupados em trabalhos de reparos. De nosso escaler, nada mais se via. Certamente eles o deviam ter colocado num dos pavilhões, para examiná-lo mais detidamente. Isso pouco me importava. Afinal, a pequena nave era um legítimo produto alariano.
Rhodan e Atlan conversavam em voz muito baixa. Provavelmente discutiam a melhor maneira de nos comportarmos durante o exame dos documentos.
A maior parte de nossos papéis eram legítimos. As falsificações haviam sido executadas com tanta precisão que não havia perigo de que algum oficial lemurense pudesse ver a diferença. Ainda assim, o pensamento no exame, que tínhamos diante de nós, me deixava um tanto inseguro. Nós havíamos feito exigências aos lemurenses. Isso os levaria a examinar tudo, muito detidamente, pelo menos para dar uma aparência de sua boa vontade e solicitude.
Vulling parou diante de um edifício bem alto. A subida até o portal tinha um renque de árvores, semelhantes a palmeiras, de ambos os lados. Atrás destas, vimos jardins floridos, com chafarizes, iluminados artisticamente, com belos efeitos luminosos. O perfume das muitas flores chegava até nós.
Vulling olhou para o portal, com uma cara bem infeliz. Junto da porta de vidro havia duas sentinelas armadas.
— O que ainda está esperando? — resmungou Atlan, que notou a hesitação de Vulling.
Vulling fez-nos um sinal, e nós o seguimos até o portal. Eu podia imaginar que estávamos sendo seguidos por muitos olhos. As duas sentinelas fizeram continência, quando nós passamos. Surfat fez uma de suas mãos deslizar, por brincadeira, pelas insígnias de um dos homens. O guarda controlou-se magistralmente, mas quando olhei para trás, vi que o rapaz tinha os olhos cheios de água. O fedor de Surfat certamente havia sido um pouco insuportável demais para ele.
Chegamos a uma ante-sala recoberta de tapetes, e que estava agradavelmente fresca. No meio do recinto havia um pedestal, sobre o qual haviam montado uma escultura luminosa. Letreiros luminosos mostravam aos lemurenses, que aqui tinham assuntos a tratar, o caminho certo para as diferentes salas. Eu li alguns dos nomes, e verifiquei que os lemurenses tinham um grande número de Missões Coloniais.
Do outro lado do recinto, ficava a recepção. Por baixo de uma tabuleta, na qual lia-se a palavra INFORMAÇÕES, um homem baixo estava recostado num balcão forrado de madeira. Ele olhou para nós, como se não quisesse acreditar no que via. Notei que ele tentava fazer sinais para Vulling, em segredo, porém o chefe do Comando Técnico de Emergência estava nervoso demais para prestar-lhe atenção.
— Vamos ter que esperar um pouco — disse Vulling para nós. — Logo nos chamarão.
Atlan apontou para algumas poltronas e bancos, que se encontravam junto das entradas aos diversos elevadores.
— Vamos nos sentar! — sugeriu ele.
— Por favor, não! — pediu Vulling. — Os senhores vão arruinar o estofamento das poltronas com suas roupas.
— O que é que são algumas poltronas, comparadas com nossa nave insubstituível? — gritou Redhorse para Vulling.
Brazos Surfat foi quem chegou primeiro nas poltronas. Quando se tratava de aproveitar qualquer comodidade, Surfat sempre era o primeiro a aproveitar-se dela. Sem soltar o saco com Gucky, digno de pena, o sargento deixou-se cair, gemendo, numa poltrona. Com os pés, ele puxou uma segunda poltrona mais para perto, para esticar suas pernas. Logo depois tínhamos ocupado todas as poltronas existentes. Conversamos em voz muito alta, assobiando atrás de uma garota que saíra de um dos elevadores, e rapidamente fugiu porta a fora, logo que nos viu.
Vulling foi até a recepção e ficou conversando com o homem das “Informações”. Por seus gestos era evidente que ele estava bem próximo de um colapso nervoso.
Passou-se meia hora, sem que alguém se importasse conosco. Atlan fez-me um sinal.
— Queremos tomar alguma coisa — disse ele.
Eu anuí. Lentamente fui até onde se encontrava Vulling, recostado, exausto, no balcão da recepção.
Bati com o punho fechado com tanta força no balcão que algumas canetas chegaram a voar para o chão. 
— Estamos com sede! — gritei para Vulling. — Vai nos deixar aqui, torrando?
Vulling refugiou-se atrás do balcão, curvando-se por cima de um videofone. Por suas palavras deduzi que ele mandou ligar para a cantina.
— Diga-lhes que estamos com pressa — disse eu, ameaçadoramente, para Vulling. — Caso contrário, vamos lá fora, tomar água no chafariz.
Vulling deu um gemido. Eu voltei para o meu lugar. Antes de nos trazerem alguma coisa para beber, um alto-falante chamou o nome de Vulling, pedindo que ele subisse com os “hóspedes alarianos”. Nós rimos, zombeteiros, batendo, entusiasmados, nas costas de Vulling.
Ao entrarmos no elevador, Vulling enfiou-se num canto. Ele fechara os olhos, e mal respirava. Parecia que, a qualquer instante, ele poderia desmaiar. O elevador parou, e pela porta aberta podia ver-se um corredor muito largo. Também aqui, aparelhos de ar-condicionado mantinham uma temperatura agradável. Luz indireta iluminava o corredor. Murais enormes mostravam motivos das conquistas espaciais lemurenses. O edifício diferenciava-se muito pouco de semelhantes na Terra. Não pude deixar de sentir uma ponta de saudade. Tive que fazer um esforço para continuar representando o meu papel de vagabundo espacial. De passagem cheguei até a pensar na possibilidade de recomeçar uma nova vida, aqui em Vario. Mas isto significaria ter que deixar a Frota Solar e todos os meus amigos.
Vulling bateu numa porta e ficou parado, esperando. A porta deslizou para um lado. Vulling apontou para minha arma e sibilou:
— Tire essa coisa, antes de entrar na sala.
— Está ficando louco? — gritei-lhe eu, entrando na sala, e pisando forte num tapete de, pelo menos, um centímetro de altura.
As duas paredes laterais do recinto eram formadas pelas superfícies de gigantescos aquários. Peixes multicoloridos nadavam nos mesmos. Os efeitos de luz davam a impressão de que os bichinhos se encontravam bem no meio da sala. O teto era uma espécie de planetário. Eu pensei estar olhando nas profundezas insondáveis do cosmo, ao levantar os olhos.
A parede dos fundos era inteiramente tomada por um gigantesco mapa, também iluminado. Todos os continentes da Lemúria constavam do mapa. Diante do mesmo haviauma mesa simples. Numa cadeira giratória, estava sentado um homem esguio, parecendo enérgico, que girava uma caneta entre os dedos, e nos olhava interrogativamente. Imediatamente senti que estava diante de um homem perigoso. Ele não tinha nem o nervosismo de Vulling, nem a cordialidade ruidosa de Juvenog.
O homem tinha cabelos ralos, louros, penteados para trás com uma risca lateral. Seus dedos eram excepcionalmente longos. O rosto do homem era dominado por um par de olhos cinza-esverdeados. Na pupila destes olhos parecia haver um fogo pronto para irromper. O lemurense devia ser um homem passional, mas continuava sentado ali como se nada pudesse tirá-lo de sua calma.
Vulling, atrás de nós, disse:
— O sujeito alto não quis deixar a sua arma lá fora, Ostrum.
O olhar de Ostrum voltou-se para mim, aparentemente só de passagem, mas eu senti que ele gravava todos os detalhes.
— Certamente gosta muito desse seu canhão, não? — perguntou Ostrum.
Eu pigarreei. A sua voz me surpreendera. Soava cordial, mas essa cordialidade era apenas superficial. Um quê de cortante, pragmático, oscilava na mesma, uma certa intransigência, que me fez ficar com um pé atrás.
— É uma baionga — retruquei. — Por que deveria deixá-la lá fora?
Ostrum disse:
— É difícil negociar sob a mira de arma — e os senhores estão querendo negociar comigo, ou não?
Atlan tirou-me dessa situação difícil e perigosa.
— Depende de quem o senhor é, Ostrum — disse ele. — Não imagine que nós vamos deixar que nos despachem através de um pequeno burocrata.
— Quer que chame a guarda? — perguntou Vulling, horrorizado.
— Para quê? — quis saber Ostrum. — Afinal de contas esses astronautas não podem saber que eu sou o lugar-tenente do comando dos serviços de segurança lemurenses. E sou, ao mesmo tempo, conselheiro para assuntos da frota espacial lemurense.
— De nada nos servem esses títulos todos — disse Rhodan, furioso. — Nós precisamos de dinheiro, para comprar uma nova nave espacial.
— O Comandante Zabot informou-me do incidente no qual os senhores perderam a sua nave — disse Ostrum. — Por isso não vamos perder tempo com brincadeirinhas de criança. Ninguém lhes acredita que perderam a sua nave, por ter sido a mesma destruída pelos maahks. Os maahks dão graças por não terem que se meter conosco — Ostrum girou o seu cadeirão e levantou-se. Eu fiquei admirado em ver que ele era tão baixo. Enquanto estivera sentado, ele me parecera bastante grande. — A sua nave espacial morreu de velha — disse ele, zombeteiro.
— Os senhores não querem nos pagar! — gritou Atlan, furioso. — Acham que podem amedrontar-nos. Mas não vamos aceitar uma recusa.
— Não estou lhes recusando nada, mas quero negociar — declarou Ostrum. — Mostrem-me seus documentos.
Atlan tirou um maço de papéis sujos do bolso, e jogou-os sobre a mesa de Ostrum.
Ostrum empurrou os documentos para um lado, sem dar-lhes atenção.
— Vou mandar examinar todos eles — prometeu ele.
— Quanto tempo vai levar isso? — perguntou Redhorse. Ostrum ergueu os ombros.
— Isso não tem a menor importância. Imagino que estão precisando de uma nova nave espacial. Os senhores têm dinheiro, ou conseguiram salvar alguns objetos de valor, com que poderiam pagar uma nave menor?
Olivier Doutreval deu um passo para a frente e abriu uma pequena caixa, que trazia consigo. Virou-a, despejando três blocos de quartzos oscilantes sobre a mesa, diante de Ostrum. Os blocos cintilavam como cristais. Ostrum passou a língua nos lábios.
— Quartzos oscilantes! — disse ele, tentando controlar o seu entusiasmo. — Com estes os senhores poderão adquirir três espaçonaves do tamanho da Eskila.
A inquietação que de repente tomou conta dele tinha algo de animalesco. Ele fixou os valiosos quartzos como uma ave de rapina olha a sua presa. Ostrum era um homem influente em Vario, disso não podia haver mais dúvida. E eu podia imaginar como ele tinha chegado a essa sua posição influente. Sua ânsia por riquezas o havia instigado a progredir.
— Coloque esse negócio outra vez na caixa, Rousander-Bel — disse Atlan para Doutreval.
Doutreval adiantou-se um passo, mas bateu contra um obstáculo invisível. Perplexo, ele tateou com as mãos por aquela parede transparente. Ostrum erguera uma barreira energética entre ele e nós. Os quartzos ficavam além da barreira — do lado de Ostrum,
— Seu ladrão sujo! — gritou Atlan.
Olivier Doutreval, que agora se chamava Rousander-Bel, tamborilou com ambos os punhos fechados contra o campo energético.
— Eu não estou querendo roubá-los — disse Ostrum.
— Os quartzos oscilantes, assim como os seus documentos, serão apenas examinados. Caso eles demonstrem ser verdadeiros, os senhores receberão de mim um preço adequado. Naturalmente vamos ter que deduzir as despesas que estamos tendo com a sua hospedagem — ele estendeu o braço. — Para fora com eles, Vulling!
Nós nos recusamos a deixar o recinto, mas quando cinco lemurenses, de cara feia e armados, apareceram na porta, não tivemos outra alternativa que a de seguir Vulling.
Ostrum com toda certeza era um dos homens mais poderosos deste planeta, mas não era nenhum dos senhores da galáxia. O aparelhinho que Rhodan trazia consigo não tinha dado qualquer sinal.
— Vão levá-los, num transporte, até a cidade — disse Vulling, enquanto deixávamos o edifício. — Juvenog telefonou, avisando que encontrou alojamento para os senhores. Ali poderão morar até que tudo esteja regularizado.
— O senhor certamente está contente por livrar-se de nós? — disse André Noir.
Vulling sorriu, chateado. Eu não imaginava que ele ainda conseguiria sorrir, depois de tudo.
— Olhe, eu já estava até me acostumando com os senhores — declarou ele.
* * *
O carro, com o qual nos levaram à cidade, era um veículo pré-histórico, provavelmente o mais antigo que Vulling conseguira encontrar. Eu achei que aquilo certamente era uma vingança pessoal dele, já que nós o havíamos tratado tão mal. Ficamos acocorados, nos fundos, no chão do veículo. Não havia janelas. Por isto nós tínhamos aberto um dos lados da portinhola dos fundos, amarrando-a com uma corda, de modo que pudéssemos olhar para a rua. Constantemente nos ultrapassavam. Nosso carro balançava, fazendo roncar o motor, cada vez que tinha que subir uma pequena ladeira. Surfat abrira um pouco o saco, de modo que Gucky pudesse pôr a cabeça para fora, para respirar um pouco de ar fresco. O rato-castor estava de mau humor. Nós conversávamos em voz baixa, apesar do motorista, com o barulho que o carro fazia, não poder ouvir nada, de modo algum. De vez em quando o ouvíamos praguejar. Ele amaldiçoava o seu veículo, sua profissão, seus passageiros e todos os seus antepassados.
Quando nos aproximamos da cidade, vimos os primeiros edifícios de ambos os lados da rua. A luz do sol do fim da tarde espalhava-se nas suas paredes de vidro. Bem lá no alto, em cima de antenas, viam-se grandes pássaros amarelos, esperando o anoitecer. O pedacinho de céu que conseguíamos ver através da porta aberta brilhava num vermelho chamejante.
Passamos por uma estátua, cujo ponto central era uma nave espacial. Era a primeira nave lemurense que pousara em Vario, vinda da Terra. Eu cheguei a sentir um calafrio, pensando nas distâncias que os lemurenses tinham vencido. Muito antes de nosso tempo, eles já haviam ousado o salto através do grande vazio.
De repente surgiu, atrás de nós, um planador, dirigido por uma moça. A moça abrira a carlinga e fazia-nos sinais. Rapidamente Surfat empurrou Gucky novamente para dentro do saco.
— O que será que ela quer de nós? — perguntou Kakuta.
— É curiosidade — disse Redhorse. — Provavelmente ela ouviu falar de nossa chegada.
Com uma manobra ousada a moça dirigiu o seu planador até bem atrás de nosso carro, ligando então a sua antigravidade.
— Olá, rapazes! — gritou ela. — Para onde estão levando vocês?
Ela erguera o seu cabelo bonito, para o alto da cabeça, o que lhe dava um aspecto muito atraente. Era extraordinariamente bonita, e irradiavauma grande alegria de viver.
— Quem é a senhorita? — quis saber Atlan, ríspido.
— Trabalho para a maior agência noticiosa da cidade — declarou ela. — Talvez vocês possam dar-me uma entrevista?
Ela trepou para fora da carlinga, jogou-nos uma corda magnetizada, e veio deslizando até nós, no interior do carro. Tirou a corda das mãos de Doutreval, perplexo, e prendeu-a bem, no metal do chão.
— Arre! — fez ela, torcendo o seu narizinho. — Quando foi que vocês tomaram banho pela última vez?
— Isso também faz parte da entrevista? — quis saber Rhodan, nada cordial.
— Não, na realidade não — confessou ela. — Eu gostaria de saber, sobretudo, o que aconteceu com a nave de vocês?
Antes de podermos responder, o carro freou, repentinamente. Eu perdi o equilíbrio e caí contra Surfat. O motorista abriu uma janelinha e enfiou a cabeça pela mesma, para ver-nos melhor.
— Desapareça! — gritou ele para a moça.
— Ela é uma repórter! — disse Atlan. — Nós queremos responder-lhe algumas perguntas.
— Repórter? — o motorista riu, ironicamente. — Ela é do Quaiong Hotel, e vai tentar espremer tudo de vocês, antes de chegarmos lá.
— Seu velho estraga-prazer — disse a moça, sem mostrar-se com raiva. Ela retirou a corda magnética e voltou para o seu planador. Depois fez-nos um sinal, e segundos mais tarde tinha sumido.
Atlan bateu contra a parede da frente. O motorista abriu a janelinha e perguntou o que estava acontecendo.
— Que hotel é esse, que o senhor acabou de mencionar? — quis saber Atlan.
— Nós o chamamos de Hotel Cosmos — retrucou o lemurense. — É lá que alojamos tudo que aparece por aqui, vindo do espaço sideral.
— Também membros de povos estelares estranhos? — perguntou Redhorse.
O motorista anuiu.
— Naturalmente — resmungou ele, e fechou novamente a janelinha.
— Aposto que entre eles existem telepatas — disse André Noir. — E com toda certeza, também alguns espertalhões que se ocuparão da gente.
O carro saiu da rua principal, dirigindo-se, fazendo um barulhão danado e soltando muito escapamento, para um enorme edifício, no alto do qual tremulavam incontáveis bandeiras. Eu estava de pé, junto da porta do carro, debruçando-me para fora, de modo que pudesse olhar para a frente.
— Acho que chegamos ao nosso destino — disse eu para os meus camaradas.
Logo em seguida o veículo parou. Vindo da entrada do hotel, um homem veio correndo ao nosso encontro. O mesmo me parecia conhecido. E logo depois o reconheci.
— Olá! — gritou Juvenog. — Estou contente em ver vocês aqui. Agora finalmente vamos poder sentar-nos confortavelmente e conversar um pouco.
* * *
Juvenog conduziu-nos, com ruidosa alegria, através da entrada principal do hotel. O porteiro era uma criatura gigante, estranha, com pele escamosa e mãos que pareciam garras. Diante do seu balcão estavam instaladas duas armas energéticas de grande potência.
— Para que estas armas? — voltou-se Atlan, desconfiado, para Juvenog.
O alariano sorriu, candidamente.
— De vez em quando surgem dificuldades — disse ele, encolhendo os ombros. — Aqui vivem seres de mais de cinqüenta planetas. Isso nem sempre se passa sem atritos. Jorgo dá um jeito de manter a ordem, quando as brigas, de diversas formas de vida, desandam.
— Esse hotel mais me parece uma prisão — disse Kakuta.
Juvenog riu estrepitosamente. A ante-sala era escura. Sete diferentes elevadores levavam para o alto. Num corredor lateral, junto dos elevadores, havia um bar. Uma figura alta, de aspecto estranho, desfigurada, estava encostada no balcão. Não se virou, apesar de estarmos fazendo um barulho que certamente qualquer um escutaria.
— Aquele é Rutoz — explicou Juvenog. — Está constantemente embriagado. Ele vai acabar morrendo, ali mesmo, no bar.
— Por que ele está aqui? — perguntei. Juvenog estalou os dedos.
— O planeta dele foi colonizado. O seu povo não era muito progressista. E não sobreviveu às mudanças introduzidas pelos lemurenses. Rutoz é o último do seu povo.
Juvenog conduziu-nos para dentro de um elevador, antes de continuar:
— A maioria dos hóspedes deste hotel é de sobreviventes de algum povo estelar. Mas também há turistas curiosos ou diplomatas, que moram aqui. Em diversos quartos até são criadas, artificialmente, condições de atmosferas e pressões de mundos estranhos, para que os hóspedes possam sentir-se mais confortáveis.
— Quem é que paga nossa estada? — quis saber Atlan.
— Vocês possuem alguma coisa? — perguntou Juvenog, interessado.
— Não — disse Atlan, áspero. — Tudo que tínhamos, agora está nas mãos de Ostrum.
— Ele é um vigarista — disse Juvenog.
O elevador subiu. Poucos minutos depois, entramos num quarto confortavelmente mobiliado. Música ambiente era fornecida por um alto-falante invisível.
— Sintam-se em casa — disse Juvenog, atirando-se num sofá.
— Nós podemos nos movimentar livremente? — quis saber Rhodan. — Ou só vamos poder deixar esta casa à força?
Juvenog tirou o seu xale-gravata, jogando-o negligentemente ao chão.
— Eu sou hóspede deste hotel. E vocês podem movimentar-se tão livremente como eu. Mas não se preocupem, os lemurenses não vão esquecê-los. Serão constantemente vigiados, sempre que deixarem o hotel.
— Eu gostaria de estar novamente em casa — disse Redhorse.
Juvenog riu, irônico.
— E onde seria isso? — perguntou ele, com a voz mudada.
— Como assim? — resmungou Redhorse. — Nós somos do mesmo planeta que o senhor!
— Eu não sou nenhum idiota — disse Juvenog. — Desde o primeiro instante eu sabia que vocês não são alarianos. Tudo agora vai depender de quanto vão querer pagar, para que eu não leve o segredinho de vocês para Ostrum.
* * *
Eu tirei a baionga do meu cinturão e apontei o cano, com um diâmetro de cinco centímetros da arma pesada, para o rosto de Juvenog. O seu sorriso desvaneceu-se. Esta era a primeira vez que eu apontava a arma alariana para alguém. E tive que segurá-la com ambas as mãos.
— Vamos com calma — disse Juvenog, roucamente.
— Eu tomei minhas providências. Se vocês me matarem, Ostrum fica sabendo, uma hora mais tarde, quem vocês são.
Atlan sentou-se do seu lado, no sofá.
— O senhor estava interessado numa conversinha amigável, Juvenog — lembrou-lhe ele. — E é isto que nós vamos fazer.
Ele fez um sinal para André Noir. O hipno concentrou-se. Poucos minutos depois Juvenog caiu para trás, inerte.
— Isso é o bastante, Beratog — disse Atlan para Noir.
— Pode guardar a sua arma, Assaraf — disse ele para mim.
Surfat abriu o saco de provisões, e Gucky esgueirou-se para fora.
— Você tem que ler os pensamentos desse homem, baixinho — disse Perry Rhodan. — Procure descobrir como ele iria mandar avisar Ostrum.
Durante algum tempo o quarto ficou em silêncio. Juvenog estava estirado no sofá, como paralisado, porém via-se nitidamente que ele ainda respirava. Gotículas de suor cobriam a sua cabeça calva. A veia carótida, no seu pescoço, pulsava fortemente.
— Ele tem um mensageiro-robô — disse Gucky. — Caso Juvenog não estiver de volta dentro de duas horas o robô toma o caminho do espaçoporto.
— Onde é que está enfiado esse robô? — quis saber Rhodan.
Novamente o rato-castor concentrou-se.
— Aqui no edifício — disse ele. — No último andar. Ali Juvenog tem dois quartos — ele bateu as duas patas.
— Eu vou teleportar para os quartos de Juvenog e destruir o robô — sugeriu ele.
— Isso é muito arriscado — disse Rhodan, não concordando. — Tako Kakuta vai encarregar-se dessa tarefa. Explique-lhe onde ficam estes quartos, para que ele não acabe pousando num recinto errado.
— E por que eu não posso fazer isso? — quis saber Gucky, furioso. — Durante o tempo todo eu tenho que ficar metido nesse saco fedorento.
— Se alguém vir você, acabou-se tudo — disse Rhodan. — Caso alguém veja Tako, nós sempre podemos pensar numa desculpa.
Gucky acabou concordando, chateado, com seu triste destino. Entretanto, recusou-se terminantemente a voltar para dentro do saco. Por insistência de Rhodan ele

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