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P 204 O Drung Kurt Brand

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O DRUNG
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
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Quando no planeta Terra se registra o início do século 25 do calendário cristão, o Império Solar de Perry Rhodan já se transformou no maior poder político, econômico e militar da Via Láctea.
Há 1.112 planetas e 1.017 sistemas solares habitados pelos humanos. 1.220 mundos, além de numerosas luas e estações espaciais espalhadas em muitas partes da Galáxia são usados como bases do comércio ou da frota solar. Com a inclusão do grupo estelar aberto Presépio na constelação de Câncer e a exploração das Plêiades, situadas na constelação do Touro, surgiu um império compacto, fácil de percorrer e proteger pela frota solar. Nestas condições não é de admirar que em agosto do ano 2.400 Perry Rhodan suba a bordo da Crest II para dedicar-se à solução dum velho problema: a busca do planeta Kahalo, cuja posição no interior da concentração central da Via Láctea nunca pôde ser determinada exatamente.
As buscas não foram coroadas de êxito, já que a Crest entra no campo de ação dum gigantesco transmissor solar — e é arremessada para o abismo que se abre entre as galáxias, indo parar no interior dum sistema solar artificial, situado a 900.000 anos-luz da Terra.
Parece que os mundos deste sistema reservam uma surpresa mortal atrás da outra para os terranos — e quando Perry Rhodan e seus companheiros abandonam Bigtown, a cidade dos proscritos, O Drung há muito apoderou-se deles...
Ele não conhecia nem o bem nem o mal.
Era dominado exclusivamente pelo instinto que o impelia a encontrar o caminho de volta para seu mundo de origem. Há milênios esperava por essa oportunidade. Podia esperar, pois tinha tempo. Em sua vida os anos e os séculos não tinham a menor importância. O que morria dentro dele era substituído por algo novo; por isso continuava a ser o que era.
Esperara sem jamais impacientar-se.
Finalmente a espera chegou ao fim. A viagem de volta aos seus mundos de origem parecia ter-se tornado possível.
O bem e o mal lhe eram estranhos, mas conhecia a violência. Era uma violência toda especial. Passou a usá-la sem a menor contemplação...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Icho Tolot — Um halutense muito aventureiro.
Perry Rhodan — Administrador Geral do Império Solar.
Coronel Cart Rudo — Um comandante que perdeu o controle de sua nave.
Dr. Ralph Artur — Médico- chefe da Crest II.
Dr. Spencer Holfing e Dr. Hong Kao — Dois cientistas que se acusam mutuamente de serem incompetente.
Gucky — Um rato-castor que acredita ter ficado louco.
Bert Hefrich — Engenheiro-Chefe da Crest II.
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1
Mais uma vez o gênio impulsivo estava levando a melhor sobre o físico-chefe Dr. Spencer Holfing. Bateu com o punho fechado na mesa, afastou as folhas de cálculos e disse ao Dr. Hong Kao, seu colega da faculdade de matemática:
— E isso! Não permitirei que este sistema de Gêmeos me faça de idiota. Caso o senhor tenha algum prazer em passar a noite fazendo cálculos, fique à vontade. Eu não estou mais nesta.
— Ora essa, caro colega — disse o Dr. Hong Kao, um homem baixo, numa tentativa de acalmar seu interlocutor. — O senhor não disse há apenas meia hora que estávamos progredindo muito bem?
Spencer Holfing, um homem um tanto corpulento, passou os dedos pelo cabelo muito branco.
— Disse, sim — confessou prontamente. — Mas o que foi que descobrimos? Que estivemos presos a um erro de lógica. Ainda não conseguimos apresentar uma prova cabal de que o sistema Gêmeos representa um posto de segurança na estrada que leva à Galáxia Andrômeda. Não temos mesmo esta prova. Ou será que temos?
— Por enquanto não — confessou Hong Kao. — Mas tudo indica que a hipótese é verdadeira. Em minha opinião deveríamos fazer tudo para conseguir uma prova de que este sistema é um transmissor situado no vazio que se interpõe entre Andrômeda e nossa Galáxia. Examinamos quatro planetas, num total de oito. Acho que a exploração dos outros planetas não é tão perigosa, pois já colhemos nossas experiências.
As palavras do Dr. Hong Kao não impressionaram Spencer Holfing. Estava decidido a não ocupar-se mais com esses problemas naquele dia. E fez questão de dizer.
— Admiro seu otimismo, que o levou a dizer que já colhemos nossas experiências. Bem, que os anjos o ouçam! — Olhou para seus colaboradores.
— Quem quiser continuar a trabalhar com o Dr. Kao, fique à vontade. Peço que me dêem licença.
Disse isso e retirou-se.
No mesmo instante o Dr. Ralph Artur, médico-chefe, foi acordado.
— Sim — respondeu pelo intercomunicador.
— O que houve?
O Dr. Breuken, médico responsável pela grande enfermaria da Crest II, apareceu na tela.
— Poderia fazer o favor de comparecer à enfermaria? Há três horas deu entrada um técnico que apresenta sintomas estranhos. Gostaria que viesse para dar uma olhada. Parece ser um caso muito interessante.
O Dr. Ralph Artur bem que gostaria de continuar a dormir. Mas para guardar as devidas formas perguntou:
— Qual é o diagnóstico?
— É impossível diagnosticar o caso — respondeu seu interlocutor.
Isto fez com que o Dr. Ralph se esquecesse de que estava com sono.
— Estarei aí dentro de alguns minutos.
O Dr. Breuken esperou-o na entrada. Dali a pouco estavam perto do leito em que estava deitado o técnico. O homem não dava a impressão de estar doente. Ao reconhecer o médico-chefe, quis levantar. 
— Fique deitado. — O Dr. Artur examinou os resultados dos exames. Acenou várias vezes com a cabeça. Quando guardou as folhas de plástico, dirigiu-se ao doente. — Como se sente?
— Bem, doutor. Já pedi três vezes que me dessem alta, mas não me querem deixar sair.
— O que sentia quando deu entrada aqui?
— Tive a impressão de que morreria sufocado...
O técnico ficou calado ao ver que o médico-chefe voltara a pegar a curva das reações. Depois dum ligeiro exame fitou Breuken.
A expressão desse olhar deixou o técnico preocupado.
— Será que estou mesmo doente? Sinto-me muito bem.
Ninguém respondeu. O técnico não entendia a língua profissional dos médicos. O médico-chefe fez algumas perguntas aos outros médicos.
Houvera uma paralisação dos nervos motores e vasomotores. Causa desconhecida. Impossível estabelecer um diagnóstico, porque a paralisia desapareceu de repente.
— Vamos fazer uma intervenção cirúrgica? — perguntou Breuken ao médico-chefe.
Por enquanto o Dr. Ralph Artur nem queria pensar numa operação.
— Noto que certos controles deixaram de ser realizados, senhores. Verifiquem a intensidade dos fluxos nervosos e a relação que guardam com os fluxos musculares.
Breuken usou o intercomunicador para transmitir suas instruções aos robôs médicos. O técnico não se sentiu muito à vontade ao vê-los entrar e montar aparelhos reluzentes em torno da cama. Uma dezena de sondas foi introduzida em seu corpo, sem que ele sentisse qualquer dor. Um leve zumbido se fez ouvir quando os aparelhos estavam aquecidos. De repente os médicos pareciam tê-lo esquecido, pois deram-lhe as costas para examinar os mostradores dos aparelhos.
O técnico fitou o médico-chefe com uma expressão tensa quando este voltou a aproximar-se de sua cama.
— O senhor não está doente. Poderíamos dar-lhe alta e emitir uma declaração de que é capaz para o serviço, se soubéssemos qual foi a causa do ataque que quase o deixou sufocado. Acontece que ainda não descobrimos, e por isso o senhor terá de continuar na enfermaria. Mas pode levantar.
As sondas foram retiradas. Um robô colocou-as no esterilizador. Ouviu-se um chiado. Ralph Artur observou ó técnico enquanto este se levantava, pegava as roupas e as vestia. Os outros médicos afastaram-se para dar-lhe lugar.
— Faça o favor de ir ao corredor. Ande como costuma andar.
Via-se perfeitamente pela expressão dos olhos do técnico que o mesmo se sentia que nem uma cobaia. Abriu a porta, mas no mesmo instante largou a maçaneta, atirou os braços para cima e começou a estertorar.Dois médicos apoiaram-no e o colocaram na cama.
— As sondas! — disse o médico-chefe. Quatro cientistas bem treinados introduziram as sondas. O aparelho que controlava os fluxos nervosos voltou a funcionar. O dispositivo automático apresentava, com cada valor, o valor do exame anterior.
— Parem! Introduzir sondas 6, 7, 9 e 10 em torno da sonda 8! — O aparelho foi paralisado.
— Sondas introduzidas!
O médico-chefe voltou a acionar a aparelhagem. Observava constantemente o paciente. O estado do mesmo melhorara um pouco, mas o estado de sufocamento ainda não tinha passado.
Os aparelhos apresentaram valores que não deixavam dúvida de que o fluxo nervoso do técnico estava sendo bloqueado em determinado lugar do corpo do técnico.
— Choque! — ordenou o médico-chefe para remover o bloqueio.
O efeito do choque fez com que o doente, que estava inconsciente, entrasse em convulsões.
O médico-chefe fitou Breuken. O choque não tinha produzido nenhum efeito.
— Injeções! — disse com a voz rouca. 
Duas pistolas emitiram um chiado ao injetar o conteúdo de suas ampolas.
— Estado preocupante. Colapso da circulação. Pulso inconstante. Nenhuma alteração. A pele do paciente está ficando azulada...
— Refrigeração a baixa temperatura! — gritou o Dr. Artur, enquanto comprimia a tecla de alarme.
Menos de vinte segundos depois alguns robôs entraram.
Não havia mais necessidade dos mesmos, nem dos aparelhos que traziam consigo.
De repente o estado do técnico acusou uma melhoria considerável. Enquanto um grupo de médicos contemplava o homem inconsciente com uma expressão de perplexidade, sua respiração voltou a tornar-se mais forte. O pulso voltou a bater normalmente. A circulação estabilizou-se ao nível de 135 por 115. A coloração azul da pele foi desaparecendo.
O médico-chefe Ralph Artur foi ao corredor, levando seu colega Breuken.
— O senhor compreendeu? Pois eu não entendi. Mas fico-lhe muito grato por ter-me acordado, Breuken. Realmente é um caso interessante. Qual é sua opinião?
— Não tenho opinião. Sinto-me desorientado.
Não se atreveu a pedir a opinião do médico-chefe. O Dr. Ralph Artur, um homem magro e calvo, sempre mal-humorado, por vezes costumava dar respostas agressivas quando alguma pergunta o incomodava.
— Onde trabalha este homem, Breuken?
— No hangar de girinos número 2. Nunca esteve doente de verdade. O que me deixa mais espantado é que os medicamentos injetados foram impotentes para combater o sufocamento.
O médico-chefe continuava a fumar apressadamente, mas não revelou sua opinião. De repente disse:
— Preciso dar mais uma boa olhada; há algo de anormal na histórica clínica...
* * *
O médico-chefe Dr. Artur e o físico-chefe Dr. Holfing encontraram-se no convés número 3 da Crest II.
O Dr. Artur disse boa noite. No mesmo instante o Dr. Holfing disse bom dia. Os dois sobressaltaram-se. Pararam. O médico-chefe respirava pesadamente. Holfing fitou-o.
— Está muito cansado? — perguntou em tom lacônico.
— Mais ou menos — respondeu o Dr. Ralph Artur, bocejando com a mão à frente da boca. — Como vai nosso sistema de Gêmeos? — perguntou por pura delicadeza.
— O senhor deveria ir para a cama, Artur — recomendou Spencer Holfing. — O sono ainda é o melhor remédio. Afinal, o que foi que o deixou tão cansado?
O médico-chefe voltou a bocejar.
— Um caso clínico, Holfing. Não é nada de especial. Ataques de asfixia, colapsos circulatórios, etc. Acontece que não conhecemos a causa. Como vai seu trabalho?
O Dr. Holfing fez um gesto de pouco caso.
— Por enquanto continuamos a pisar no mesmo lugar. Isso não é de admirar se considerarmos que o sistema de Gêmeos foi criado artificialmente. Sem dúvida os arcônidas chegaram a fazer coisa semelhante com Árcon, mas por aqui existem dois sóis com mais de um milhão de quilômetros de diâmetro, que ficam a menos de cinco milhões de quilômetros um do outro. Os campos gravitacionais formados por dois corpos tão próximos já são uma coisa extraordinária. Mas acho que só lhe estou roubando o tempo com minha conversa. Para o senhor é noite, enquanto para mim começa um novo dia de trabalho. Faço votos de que tenha um bom descanso, Artur.
Os dois separaram-se. O médico-chefe dirigiu-se ao seu camarote e dali a cinco minutos já estava dormindo. Holfing entrou na grande sala em cujo interior havia três computadores. Não esperava encontrar mais o colega Kao. Em compensação teve a surpresa de encontrar Perry Rhodan.
Não se notava mais nada dos sofrimentos que ele e os tripulantes da nave-girino C-5 tinham enfrentado no planeta Quarta.
— Holfing, vim para perguntar como vai seu trabalho.
O rosto do físico assumiu uma expressão contrariada.
— Senhor, este sistema nos oferece uma porção de mistérios no setor físico e matemático. O campo gravitacional existente entre os dois sóis é um desses mistérios. Apuramos valores oersted e maxwell que são inconcebíveis. Mas se nos dermos conta de que ocorreu um fenômeno artificial que provocou a desmaterialização de todo um planeta, estes valores deixam de ser abstratos. Senhor, quero pedir-lhe que nos dê mais algum tempo, para que possamos familiarizar-nos com uma série de fatos novos e desconhecidos.
Perry Rhodan não o interrompeu. Naquele instante fitou atentamente o físico.
— Holfing, o senhor acha que temos tempo para isso?
— Temos de arranjar tempo, senhor — respondeu o cientista em tom insistente.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não sou da mesma opinião. Penetramos cerca de 900.000 anos-luz no intercosmo. Andrômeda deve ficar a uns 550.000 anos-luz. Com o kalup da Crest II não conseguiremos chegar a Andrômeda, e muito menos voltar à nossa Galáxia. Dependemos do transmissor solar deste sistema. Isto significa que devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para descobrir a estação de ajustamento por meio da qual possamos ativar aquele dos transmissores solares do sistema de Gêmeos que nos transporte de volta, juntamente com a nave dos posbis, para o hexágono de sóis situado em nossa Galáxia. Além disso, naturalmente seria conveniente que descobríssemos o mais possível sobre as condições físicas deste sistema.
O Dr. Spencer Holfing, um cientista de primeira ordem, não estava de acordo com o desenvolvimento traçado por Rhodan.
— Senhor, se não agirmos sistematicamente correremos o risco de nunca mais voltar à nossa Galáxia. O que nos adiantará se descobrirmos em um dos quatro planetas que ainda falta examinar o equipamento com o qual possamos ativar o transmissor solar. Quem nos garante que realmente seremos arremessados de volta para a Via Láctea? Ninguém senão nós mesmos poderemos dar resposta a esta pergunta, e isso mesmo depois que nos tivermos familiarizado ao menos um pouco com a técnica dos desconhecidos...
Perry Rhodan fitou o físico com uma expressão irônica.
— Será que o senhor não está querendo fazer demais, Holfing? Por quanto tempo acha que deveremos ficar no intercosmo? Não, Holfing, não poderemos avançar rastejando, pois nesse caso daqui a dez anos ainda estaremos aqui. Não temos outra alternativa senão encontrar o mais depressa possível a estação por meio da qual possamos ativar o transmissor solar, para depois arriscar muita coisa, sem contudo assumir o risco máximo. Resolvi procurá-lo para informar o senhor e seus colegas sobre esta orientação. Discuta o caso com os outros cientistas. Se quiser, consulte Icho Tolot. Assim que tiverem elaborado uma sugestão, falem comigo.
— De quanto tempo dispomos?
— Dois dias padrão, Holfing. No momento estão fazendo mais uma verificação dos agregados mais importantes da Crest. A seguir será feito um controle geral com a carga máxima permanente durante seis horas. Mais doze horas foram fixados para os reparos dos maquinismos que não resistirem a essa carga. Até lá gostaria de receber sua sugestão.
— Farei o que estiver ao meu alcance, senhor. 
Rhodan retirou-se. 
Assim que o Dr. Spencer Holfing se viu só, seu gênio impulsivo escapou ao controle da mente. O pedidodo Chefe, que queria que o problema do transmissor solar do sistema Gêmeos fosse resolvido, não com a meticulosidade dum cientista, mas com uma intuição especulativa, fez com que duvidasse do senso de responsabilidade de Rhodan.
O Dr. Hong Kao, que entrou sem que ele o percebesse, deixou-o sobressaltado ao exclamar:
— Que bicho deu no senhor, Holfing?
Quanto mais Holfing falava, mais se abria o sorriso de Kao. Quando este resolveu interromper o colega, o mesmo teve de ouvir o seguinte:
— Gostei da idéia do Chefe, Holfing. O senhor não gostou? Por quê? O senhor teve toda razão ao suspender o trabalho ontem de noite. Se continuarmos a trabalhar no mesmo ritmo, levaremos alguns anos...
Spencer Holfing interrompeu seu interlocutor em tom furioso:
— Até o senhor está falando assim, Kao!
— Será que o senhor prefere circular pelo sistema de Gêmeos para todo o sempre, Holfing? Pois eu não quero. E para evitar isso estou disposto a arriscar alguma coisa — tal qual o Chefe. Se conseguirmos voltar à nossa Galáxia, sem dúvida encontraremos novamente o caminho que possa levar-nos para cá. E então, com milhares de colegas e o respectivo equipamento, não será mais tão difícil arrancar os últimos segredos do transmissor solar.
Depois de dizer isso, deixou Spencer Holfing só. Foi um pouco cedo demais. Mal Hong Kao fechou a porta atrás de si, o físico-chefe fungou que nem um homem que estivesse morrendo afogado, emitiu sons borbulhantes, rasgou a camisa sobre o peito e caiu ao chão, inconsciente.
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2
Mory olhou o marido discretamente de lado. O mesmo acabara de voltar duma conferência e como sempre não mostrava o que se passava dentro dele. Mas a esposa ele não conseguia enganar.
Sem dizer uma palavra, a mesma colocou uma xícara de café à sua frente. O aroma encheu o camarote. Perry levantou os olhos, segurou a mão da esposa e disse:
— Obrigado, queridinha.
Mory voltou a ocupar seu lugar ao lado do marido. Não perguntou pelo resultado da conferência que acabara de ter com a equipe técnica da nave. Esperou que Rhodan começasse a falar.
Desta vez demorou mais que de costume. A xícara já tinha sido esvaziada quando Perry Rhodan começou a falar sobre a conferência.
— Perry, você realmente disse tudo? — perguntou Mory e colocou a mão sobre seu ombro. 
Rhodan virou lentamente a cabeça. Seus olhares encontraram-se. Um sorriso triste apareceu no rosto de Perry Rhodan.
— Tudo, menos um detalhe, Mory. Nosso engenheiro-chefe, o major Hefrich, não está satisfeito com o estado de nossos aparelhos hipergravitacionais. Eu lhe... o que houve, Mory? Por que se assustou?
O estado dos aparelhos hipergravitacionais foi esquecido. Rhodan fitou a esposa com uma expressão preocupada.
Mory tirara abruptamente a mão de cima do ombro do marido. A expressão de dor desapareceu de seu rosto. Mory passou a mão pela testa.
— Não tenho nada, Perry. Absolutamente nada. Só que por um instante uma dor muito forte passou pela minha nuca. Nunca notei isto antes. Mas já voltou tudo ao normal. Quem sabe o que foi? Mas por que o engenheiro Hefrich não está satisfeito com o estado dos aparelhos hipergravitacionais?
Perry Rhodan não deixou que estas palavras o desviassem do assunto.
— Mory, como foi mesmo essa dor? 
Mory mostrou-se muito espantada.
— Como? Como foi a dor? Como é que eu posso descrever uma dor, Perry? Foi como se alguém tentasse cortar minha nuca com uma faca bem afiada. Mas não sinto mais nada. Por que me olhar tão desconfiado? Não compreendo.
Perry Rhodan ainda não lhe contara que o físico-chefe da Crest II, o Dr. Spencer Holfing, tinha sido encontrado inconsciente. Na enfermaria uma equipe de médico estava tratando dele. Rhodan fora informado sobre o incidente durante a conferência com os principais técnicos da nave. O que mais o preocupava era que nenhum dos medicamentos injetados em Spencer Holfing estava dando resultado.
— Vamos, Perry, fale logo! — disse sua esposa em tom impaciente.
Rhodan fez um gesto de pouco caso e esforçou-se para rir.
— Estou preocupado com você, Mory. 
Mory não estava acreditando.
— Será que você se esqueceu que também estou usando um ativador celular e por isso nem posso ficar doente?
— Pois é justamente por isso, Mory. Fiquei apavorado ao saber que você sentiu dores na nuca. Você nunca poderia sentir dores.
Os olhos verdes de Mory perderam um pouco de seu brilho. As palavras de Rhodan deixaram-na impressionada. A alusão ao ativador celular dera mais peso à sua observação. Mory teve de confessar a si mesma que nunca mais sentira qualquer mal-estar depois que carregava o ativador celular, um aparelho destinado a prolongar a vida.
— Quem sabe se o ativador celular falhou por alguns segundos, Perry?
O olhar de Rhodan fez com que ela se calasse. Sua preocupação cresceu.
— Perry, você está escondendo alguma coisa — insistiu.
Perry nem estava pensando mais no físico-chefe Holfing. Seus pensamentos giravam exclusivamente em torno do problema de como Mory pudera sentir dores. E ao perguntar se o ativador celular não poderia ter falhado por alguns segundos, só aumentou as preocupações de Rhodan.
— Não estou escondendo nada, Mory. Já notou antes que seu ativador não funciona bem?
Mory encostou-se a ele.
— Você está preocupado só por isso, querido? Esqueça. Meu ativador funciona muito bem...
— O aparelho entrou em ação quando você sentiu a dor na nuca, Mory?
— Por causa disso?
Mory quis esboçar um sorriso, mas a expressão dos olhos cinzentos de Rhodan não permitiu que ela o fizesse.
Rhodan desprendeu os braços da esposa de seu pescoço e levantou-se. Mory gritou atrás dele:
— O que pretende fazer?
Perry Rhodan entrou em contacto com o médico-chefe, Dr. Artur, pelo intercomunicador. O médico procurou tranqüilizar o Administrador Geral com alguns argumentos convincentes. Rhodan não estava de acordo.
— Doutor Artur, o senhor se esquece de que minha esposa usa um ativador celular. Qualquer pessoa que esteja nestas condições fica livre de dores. Naturalmente existem exceções, como as dores provocadas por um soco, uma ferida ou outra causa externa. Mas mesmo as dores dessa espécie são eliminadas pelo aparelho num prazo extremamente curto. E é totalmente impossível que surjam dores ou algum desconforto vindo do próprio organismo. E agora? O que me diz, doutor?
O Dr. Ralph Artur, um homem magro, sempre mal-humorado, parecia contrariado.
— Senhor, acho recomendável trazer a Chefe Suprema Rhodan-Abro à enfermaria, para fazermos um exame minucioso...
Mory Rhodan-Abro, que se encontrava nos fundos do camarote, protestou:
— Nem pense nisso. Sinto-me muito bem e não vejo por que deverei deixar que me examinem. Perry, você não me convencerá. Nem pensar!
Perry Rhodan conhecia a esposa, e esta o conhecia. No entanto, o médico-chefe Dr. Ralph Artur parecia ser solteiro e nem imaginava do que uma mulher é capaz quando alguém quer levá-la a fazer uma coisa que ela não quer.
— Senhor, eu recomendaria encarecidamente que sua esposa...
A porta que dava para o camarote contíguo fechou-se ruidosamente. Mory acabara de sair do camarote usado como sala.
— Pois então — disse Rhodan. — Não temos alternativa. Precisamos respeitar o desejo de minha esposa.
* * *
O epsalense Cart Rudo, comandante da Crest II e seus oficiais não tinham mãos a medir na sala de comando, enquanto os conjuntos da nave foram ligados para a carga máxima a fim de provar, num ensaio ininterrupto de seis horas, que eram capazes de resistir às condições mais adversas.
Cart Rudo estava sentado em sua poltrona especial, à frente do grande console de comando. O epsalense, que era um homem de um metro e sessenta de altura e igual largura, não perdeu de vista um único instrumento. Mas nem por isso deixou de ouvir o que era falado na sala de comando e perceber quem falava. De vez em quando até encontrava tempo para olhar para trás, a fim de controlar o trabalho de seus oficiais.
No interior das salas de máquinassituadas nas profundezas da Crest II gigantescas instalações técnicas uivavam, berravam, orquestravam, zumbiam e zuniam. Na sala de comando os ruídos provocaram um rugido surdo. Os homens já estavam familiarizados com estes ruídos. Todos eles tinham certeza de que mesmo depois de trabalhar durante seis horas em regime de carga máxima, todos os equipamentos estariam em perfeitas condições.
O major Jury Sedenko, imediato da Crest II, foi o primeiro a anunciar que um dos aparelhos não estava em boas condições.
— Conjunto hipergravitacional número 3 está funcionando somente com 73 por cento de sua capacidade. Alô, sala H-G-A. Aqui sala de comando. Favor comparecer.
A sala H-G-A respondeu. Foi o engenheiro Bert Hefrich que respondeu ao chamado da sala de comando.
— Temos que desligar o número 3. Números 4 e 7 também apresentam defeito. Voltaremos a chamar assim que os três conjuntos forem ligados de novo. A causa da queda de potência não é conhecida. Ainda bem que vocês da sala de comando estão cuidando tão bem de nós. Isto nos tranqüiliza...
O engenheiro Bert Hefrich era conhecido como um tipo sarcástico. Todo mundo aceitava suas ironias. Afinal, o que importava isso diante dos conhecimentos e da capacidade de intuição de que dispunha o engenheiro-chefe Hefrich? Corria o boato de que o mesmo era capaz de identificar-se com qualquer máquina. Esse boato devia ser verdadeiro, pelo menos em parte, pois ultimamente sempre se recorrera a Hefrich quando até mesmo os especialistas mais competentes eram incapazes de descobrir por que certo aparelho não estava funcionando.
Até então Bert Hefrich conseguira descobrir a causa de qualquer erro, por mais oculto que este fosse.
Quando faltavam três horas e quarenta minutos para o fim da prova de carga, Hefrich voltou a ligar os conjuntos hipergravitacionais 3, 4 e 7.
— Desta vez vão agüentar — limitou-se a comunicar à sala de comando.
Mal acabou de concluir a frase, um alarme o fez correr para a sala de conversores número 2. A guarnição vinha ao seu encontro. Parecia estar fugindo.
— Vai explodir...! A situação é crítica...!
O engenheiro-chefe não permitia que alguém lhe viesse com este tipo de conversa.
— Enviem robôs! — gritou e correu para a eclusa de segurança.
Não sabia dizer quanto tempo gastou para vestir o traje protetor.
Os robôs ainda não tinham chegado. Quando estava fazendo os últimos controles de seu traje, empinou-se de repente, pôs as mãos na altura do coração e só pensou uma coisa: É o fim!
Teve a impressão de que seu coração iria parar.
Hefrich já não estava em condições de dar um passo. Sentiu-se dominado pelo medo de morrer. Era um medo incontrolável.
Seu corpo contorceu-se. O suor cobriu sua testa.
A nave..., — pensou. — A nave... a Crest... ela vai pelos ares... os conversores...
De repente ele mesmo não se compreendeu.
O coração voltou a bater calmamente e com força como antes. A dor e o medo de morrer desapareceram de repente. Ouviu atrás de si o passo retumbante dos robôs que vinham correndo em sua direção. Abriu a escotilha de passageiros da eclusa. O dispositivo de proteção contra radiações entrou em funcionamento automaticamente. Sua finalidade consistia em deter as radiações duras do tipo que fossem liberadas.
— Isto vai explodir mesmo... — disse, espantado, mas aproximou-se cada vez mais do conversor. Uma pequena sirene uivou no interior de seu traje protetor. Era o alarme de radiações.
— Sua chorona... — resmungou e mexeu nos controles de seu traje sem olhar. 
Não havia necessidade de que ninguém lhe dissesse que ele se encontrava num inferno de radiações. Nunca vira um conversor no estado em que se encontrava o de estibordo. Sua chapa de revestimento brilhava numa incandescência vermelha. A maior parte dos instrumentos tinha sido destruída.
Pelos cálculos de Bert Hefrich, o conversor explodiria dentro de três minutos no máximo.
— O tempo é muito escasso!
Os robôs já o tinham alcançado. Hefrich transmitiu suas instruções pelo rádio-capacete. Os homens-máquina dividiram-se em três grupos e puseram-se a trabalhar no conversor.
O rádio-capacete transmitiu a voz do epsalense Cart Rudo:
— Hefrich, abandone imediatamente o conversor número 3. Isto é uma ordem.
— É o que farei, comandante. Acha que pretendia fritar ovos nesta geringonça?
Não chegou a ouvir a resposta do coronel Rudo, pois desligara o rádio-capacete. Depois disso não teve tempo para pensar em outra coisa além do conversor que estava para explodir.
Por acaso olhou para a direita.
Havia algo de diferente. O que era?
Com o rugido do conversor atrás das costas, estudou os instrumentos do enriquecedor. Cinco dos oito medidores indicavam valores situados no vermelho. No mesmo instante Hefrich compreendeu por que o conversor estava prestes a explodir. O enriquecedor tinha enlouquecido. Seus controles automáticos se tinham queimado e o relê interruptor não entrara em ação.
Hefrich moveu quatro controles, paralisando o enriquecedor. Depois pôs a mão no rádio-capacete. Ligou os dois microfones externos. O engenheiro sorriu, bem mais descontraído, ao notar que o rugido do conversor incandescente se tornara mais fraco.
Voltou a certificar-se de que paralisara todas as funções do enriquecedor e transmitiu pelo rádio-capacete uma nova ordem aos robôs, mandando que montassem guarda junto ao transmissor e informassem a sala de comando de minuto em minuto.
Tinha pressa de chegar ao hospital de bordo. Teria de submeter-se à terapia necessária a eliminar os prejuízos que seu organismo tinha sofrido com o elevado teor de radiações.
Anunciou sua chegada pelo rádio-capacete.
— ... fui contaminado pelas radiações e...
Foi só o que ouviram os dois médicos que estavam de serviço na sala do intercomunicador.
— Alô, Hefrich! — gritou um deles. — Alô, Hefrich! Favor responder.
Hefrich não deu nenhuma resposta. Os dois médicos entreolharam-se. A única coisa de que se lembraram é que Hefrich tinha sido contaminado pelas radiações. No mesmo instante deram o alarme. Bert Hefrich passou a ser procurado nos mais diversos cantos da Crest II.
* * *
O caso Bert Hefrich representava mais um enigma médico para o Dr. Ralph Artur e seus colegas. Os efeitos das radiações foram prontamente neutralizados, mas os médicos ainda não tinham conseguido fazer com que Hefrich recuperasse os sentidos.
Na sala de conferências do hospital de bordo todo mundo falava até esquentar a cabeça. Um grupo via certas relações causais entre a doença do técnico do hangar de naves-girino, do físico-chefe Holfing e do engenheiro-chefe Hefrich. Não havia provas de que realmente fosse assim. Outro grupo via em cada caso uma doença diferente.
Era palavra contra palavra, e o Dr. Artur estava prestes a encerrar a conferência, quando o ar começou a tremer perto dele e o rato-castor Gucky apareceu no mesmo lugar. Seu dente roedor solitário não estava à vista.
— Olá — piou, fitando o Dr. Artur. — Você não é o chefe destes curandeiros? Será que poderia examinar-me com muita atenção? Tenho a impressão de que peguei alguma coisa no planeta Quarta.
A voz da pequena criatura não parecia nem um pouco animada. Ninguém riu porque Gucky os chamara de curandeiros. A maior parte dos homens reunidos o conhecia há anos e sabia que o oficial de patente especial Gucky gozava de excelente saúde.
O médico-chefe Dr. Artur levantou-se e disse em tom formal:
— Queira fazer o favor de acompanhar-me.
Gucky saiu arrastando os pés atrás dele. Quando chegaram à sala de exames, olhou em torno, muito curioso.
— Onde devo sentar, ficar de pé ou deitar, Ralph?
O médico-chefe ainda não se acostumara a ser tratado por você pela pequena criatura. Será que na Galáxia de origem havia uma criatura que fosse que não recebesse este tratamento de Gucky?
— Faça o favor de sentar aqui, especialista da USO — pediu Artur.
— Pode chamar-me de você — disse Gucky e acomodou-se na poltrona que era muito grande para ele.
— De que osenhor — bem, de que você se queixa, Gucky?
— Bem que eu gostaria de saber — piou o baixinho. — Foi ontem, Ralph. Tive a intenção de transmitir uma sensação inteiramente nova ao nosso halutense Icho Tolot, fazendo-o girar em baixo do teto de seu camarote sem que ele notasse minha presença, mas de repente não consegui pensar mais. Bem, foi isso.Três horas se passaram assim. Quando recuperei os sentidos, estava agachado no mesmo esconderijo, no camarote de Tolot. Este naturalmente não estava mais lá. Perguntei a mim mesmo o que tinha acontecido.
— Como disse, isso foi ontem.
— Hoje aconteceu outra coisa comigo. O alarme de busca do engenheiro-chefe soou em todos os cantos da nave. Ouvi o alarme e quis teleportar-me lá para baixo, onde ficam os conversores.
— Quis, mas não consegui. Quer saber por quê? Bem que eu gostaria de saber. Quando consegui pensar de novo, fazia mais de quatro horas que o alarme tinha sido dado.
— É por isso que estou aqui. O que há comigo, doutor Ralph?
O médico-chefe Artur sabia que o baixinho era uma pessoa muito importante. Muitas vezes vira Gucky fazer suas brincadeiras com os outros, mas também sabia o que Gucky tinha feito depois que a Crest II e a nave dos posbis se encontravam no sistema de Gêmeos.
Gucky estava impaciente.
— Estou doente ou não estou, Ralph?
— Para dizer isso preciso fazer um exame minucioso, Gucky. Mas por que desconfia de ter pegado alguma coisa no planeta Quarta? Será que fugiu à ducha obrigatória de desinfecção...?
O pequeno protestou num tom que quase chegava a ser furioso.
— O que você acha que vem a ser um oficial de patente especial e um especialista, meu caro? É claro que me submeti à ducha de radiações. Será que a mesma falhou?
O médico-chefe nem se lembrara desta possibilidade. Deu ordem pelo intercomunicador para que se fizesse uma verificação da ducha de desinfecção que fora usada pelos ocupantes da C-5. Pediu a Gucky que tivesse mais um pouco de paciência.
O rato-castor exibiu um sorriso contrariado.
O médico-chefe fez as perguntas de costume para distraí-lo. O baixinho respondeu de boa vontade.
Certa vez formulou uma objeção.
— Não; senti isso de maneira bem diferente. De repente meus pensamentos desapareceram. Naturalmente só percebi depois, quando fiz a comparação do tempo e descobri que faltavam algumas horas de vida em minha memória. Ainda me lembrava do que pretendia fazer. Mas não sei dizer por que não fiz. De ambas as vezes tive a impressão de que alguém poderia ter girado o botão errado em minha cabeça.
O médico-chefe não sabia muito bem o que fazer com essa sintomatologia. Mas nem pensou em dizer isso a Gucky.
De repente este sorriu. Exibiu o dente roedor em todo o esplendor.
— Ora, curandeiro, vejo que você não tem uma opinião muito boa a meu respeito. Mas só posso contar o que senti...
O intercomunicador transmitiu a notícia de que a ducha de desinfecção estava funcionando perfeitamente.
— Não acredito que você tenha trazido uma doença de Quarta, Gucky — disse o médico-chefe Artur. — Mas para termos certeza vamos fazer um exame minucioso.
O exame durou quase três horas. Constantemente o Dr. Artur se viu obrigado a consultar velhos documentos, pois dificilmente qualquer médico da Galáxia tinha tido um paciente que fosse um rato-castor. Em muitos pontos sua constituição orgânica diferia da dos humanos.
Enquanto o baixinho voltava a colocar o uniforme, o Dr. Artur estava interpretando os resultados dos exames que se encontravam à sua frente. Finalmente chegou à conclusão de que Gucky possuía saúde de ferro.
Este leu os pensamentos do médico.
— Por que meu espírito apagou duas vezes, ontem e hoje, meu chapa? — perguntou em tom enérgico. — Isto não pode ter acontecido por acaso. Deve haver um motivo.
A resposta do médico-chefe Artur foi formulada de maneira bastante cautelosa.
— Vários fatores podem estar relacionados com isso. A esta altura torna-se bem mais difícil descobrir a causa. É possível que os sofrimentos experimentados durante a permanência no planeta Quarta tenham trazido certas seqüelas...
— Tolice! — interrompeu Gucky. — É verdade que fisicamente não sou nenhum Hércules, mas sempre soube enfrentar muito bem os grandes esforços.
O Dr. Artur levantou os olhos dos documentos.
— Gucky, você tem saúde de ferro. Como médico não sou capaz de dizer qual foi a origem dos lapsos de memória que você sofreu.
— E se hoje ou amanhã voltar a me acontecer a mesma coisa, Ralph? Você insistirá em dizer que possuo saúde de ferro?
— Você quer me obrigar a dar-lhe um atestado de que está doente, Gucky? — perguntou em tom áspero o médico-chefe, que se sentia agredido.
— Dar um atestado? — Gucky fez um gesto de pouco caso. — Na Crest ninguém tem tempo para ficar doente. Antes de mais nada precisamos sair deste canto cheio de perigos. Depois poderemos voltar a falar nisso. Quer dizer que não pode dizer o que me roubou a memória por duas vezes?
— Não, pequeno. Sinto muito.
— Então o que estou fazendo aqui? Até a próxima, curandeiro. Espero que até lá consiga pôr a mão no sujeito que me pregou esta peça.
O médico-chefe sobressaltou-se.
— Quer dizer que de repente você é de opinião que há mais alguém envolvido nisso?
— O que mais posso fazer se você diz que possuo saúde de ferro? — piou Gucky em tom zangado. — Se eu pegar esse tipo, ele vai ver uma coisa.
Gucky saiu arrastando os pés. Estava muito nervoso.
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3
Atlan fitou seu amigo Perry Rhodan com uma expressão de incredulidade quando este lhe falou nas dores de nuca de sua esposa. Mas não o interrompeu. Finalmente Rhodan lhe pediu que dissesse sua opinião.
— Não tenho opinião, Perry. Mesmo se... 
Gucky apareceu.
— Temos ótimos médicos a bordo! — piou em tom contrariado. — São verdadeiras sumidades. Até mesmo o médico-chefe é um ignorante de marca maior. Não é que ele me disse que minha saúde é boa, que não tenho absolutamente nada. Mas por que apaguei mentalmente duas vezes em seguida, isto ele não soube dizer...
— Espere aí, baixinho — interrompeu Rhodan. — Faça o favor de contar o que houve. Atlan e eu não entendemos uma palavra do que você disse.
Gucky apresentou seu relato. Os dois homens fitaram o rato-castor, primeiro com uma expressão de incredulidade, depois bastante preocupados.
— O doutor Artur não conseguiu descobrir a origem dos lapsos de memória? — perguntou Atlan.
— Não. Mas suspeita de que eu não tenha usado a ducha de desinfecção quando voltamos de...
— Como teve essa idéia? — perguntou Rhodan.
— Por que desconfiei de que pudesse ter trazido alguma doença do planeta Quarta.
— O quê...? — perguntaram Rhodan e Atlan ao mesmo tempo. 
Estavam perplexos.
Gucky acenou com a cabeça.
— Isso não seria de admirar. Acho que não existe uma coisa de que os homens que construíram o sistema de Gêmeos não seriam capazes. Como estes tipos sabem um pouco mais que nós, não é nenhum absurdo preocupar-se com esta possibilidade. E se eles contaminaram o planeta Quarta com algum tipo de bactérias sobre as quais nossas duchas de desinfecção não produzem nenhum efeito?
— Tolice, Gucky! — disse Perry Rhodan. — Você já deve saber que tivemos três casos misteriosos a bordo. O doutor Artur usou toda a equipe médica do laboratório para verificar se trouxemos algum germe estranho para bordo da Crest. O resultado duma cuidadosa investigação prova que não é assim. Por que está sacudindo a cabeça?
Ao que tudo indicava, o baixinho não queria acalmar-se.
— Perry, não confio nessas cuidadosas investigações do doutor. Ele só mandou examinar a ducha de desinfecção usada por nós quando eu lhe falei no assunto. Isso foi uma negligência grave. Muito bem. O controle acabou sendo feito e não revelou nada. Mas será que diante disso podemos ter certeza absoluta de não termos trazido germes a bordo?
— Você não foi submetido a um exame minucioso? — interveio Atlan. Ao ver Gucky acenar com a cabeça, prosseguiu. — Será que você confia tão pouco nos métodosde exame aplicados por nossos médicos que chega a acreditar que os mesmos nem sequer estão em condições de identificar os germes estranhos?
Perry Rhodan procurou ler os pensamentos de Gucky, mas este os bloqueou. Com a cabeça ligeira mente inclinada de lado, fitou o arcônida demoradamente. Finalmente disse:
— Atlan, até parece que você se esqueceu de que nos encontramos no sistema de Gêmeos. Este sistema com seus dois sóis e sete planetas que per correm uma única órbita perfeitamente circular existe, mas nem por isso deixa de ser um absurdo. Será que a suspeita de que em Quarta podem existir germes que nem sequer somos capazes de identificar como tais é tão absurda assim? Droga! Ontem e hoje não fui dono dos meus pensamentos. E uma coisa destas não pode acontecer por acaso. 
A sala de rádio da Crest II chamou.
— Senhor, a Box 8323 comunica que está sendo atacada por espaçonaves pequenas. A posição da nave dos posbis é a seguinte:...
— Leve-nos à sala de comando! — gritou Rhodan para Gucky.
Dali a dois segundos os três rematerializaram na gigantesca sala de comando da Crest II. O epsalense Cart Rudo, que não se abalava com coisa alguma, já tirara a nave-capitânia da frota da queda livre e acelerava cada vez mais em direção ao lugar em que se encontrava a Box 8323 que, conforme fora combinado, ficou estacionada sobre o planeta Quarta e não deveria tirar os olhos do mesmo nem por um segundo.
O oficial de artilharia major Cero Wiffert anunciou que os canhões estavam preparados para disparar. A sala de máquinas comunicou que o coronel poderia fazer as máquinas funcionar tranqüilamente a cem por cento de sua capacidade máxima.
Rhodan acomodou-se no assento do co-piloto, que ficava ao lado do coronel Rudo. A eclusa da sala de comando abriu-se ruidosamente e Rhodan virou a cabeça.
O halutense Icho Tolot entrou. Caminhava pesadamente que nem um urso. Manteve os quatro braços comprimidos contra o corpo. Seus três olhos emitiam um brilho vermelho. Virou a cabeça semi-esférica e examinou a parte da tela panorâmica na qual o planeta Quarta aparecia sob a forma duma gigantesca esfera.
Rhodan voltou a dedicar seu interesse ao comandante da nave.
— Quando atingiremos a posição em que se encontra a Box, Rudo?
Rudo olhou para o relógio embutido no painel de instrumentos.
— Se fizermos funcionar os neutralizadores de pressão a trezentos por cento de sua capacidade, chegaremos em cerca de oito minutos.
— Eu arriscaria uma sobrecarga de quinhentos por cento... — respondeu Rhodan em tom calmo.
No mesmo instante chegou outra mensagem de rádio.
A Box 8323 estava usando canhões de conversão para defender-se das pequeninas espaçonaves. O comandante de plasma da nave posbi supunha que os atacantes tinham decolado de Quarta.
A figura gigantesca do halutense interpunha-se entre Rhodan, que continuava no assento do co-piloto, e Atlan. Ao lado de Icho Tolot o arcônida, que era um homem alto, parecia um pigmeu. Quando dirigiu a palavra ao mesmo, foi obrigado a levantar os olhos.
— Então, Tolot, a tarefa de desvendar o mistério dos transmissores solares ainda o deixa muito entusiasmado?
Os lábios estreitos da gigantesca criatura esboçaram um sorriso.
— Atlan, — respondeu — se um halutense enfia uma coisa na cabeça, ele cumpre...
As últimas palavras do halutense foram abafadas pelo rugido de algumas dezenas de canhões energéticos da Crest II. O major Wiffert acabara de detectar através da mira impotrônica uma das mini-naves desconhecidas que estavam desfechando ataques violentos contra a Box 8323.
Uma bateria de costado formado por canhões desintegradores e conversores atingiu a pequena espaçonave.
A tela mostrou o terrível inferno de raios. As pessoas que se encontravam na sala de comando já imaginavam que a unidade se estivesse desmanchando no meio dos raios energéticos, mas esta se manteve imperturbavelmente na mesma rota.
— Pela grande Via Láctea, o que é isso? — exclamou o arcônida, apavorado. Deu um empurrão no halutense, como se quisesse pedir-lhe que dissesse alguma coisa. Mas este se limitava em manter seus três olhos pregados na minúscula nave, que de repente se afastava da Crest II a uma velocidade incrível.
A bateria de costado formado por canhões energéticos superpotentes voltou a atirar no inimigo. Quando as cascatas energéticas chamejantes se afastaram para todos os lados, o inimigo ainda existia.
A sala de rádio transmitiu outra informação!
— A Box 8323 apurou que as mininaves desconhecidas estão estacionadas no planeta Quarta. Saem de hangares subterrâneos e não possuem tripulação. A Box 8323 retira-se para o espaço à velocidade de 0,4 luz. Ainda não se sabe qual é a finalidade dos ataques desfechados pelas mininaves.
— Fim da transmissão.
Os rastreadores da Crest II já tinham determinado a posição da nave dos posbis. A nave esférica estava sendo dirigida pelo dispositivo impotrônico. No momento Rhodan e o coronel Rudo não tinham nada a fazer. O oficial de artilharia anunciou pelo intercomunicador a potência com que tinha atirado na pequena espaçonave.
Na sala de comando havia uma pessoa muito interessada nessas indicações. Era o halutense, que ativou seu cérebro programador enquanto os dados estavam sendo transmitidos. Parecia ter um interesse tremendo em descobrir por que a Crest II não conseguira destruir a pequena nave. Os cálculos foram realizados com uma incrível rapidez em sua cabeça. Um computador impotrônico da melhor qualidade levaria o dobro do tempo.
Mas nem mesmo com o auxílio de seu cérebro programador o halutense chegou a qualquer conclusão. Os dados fornecidos pela nave fragmentária dos posbis eram incompletos.
A Crest II fez uma ligeira mudança de rota, já que a Box 8323 deslocava-se em velocidade cada vez mais elevada em direção ao espaço vazio, a fim de desviar-se do grupo de mininaves.
De repente Rhodan ergueu-se no assento. Inclinou-se sobre o microfone e chamou o centro de comando de tiro.
— Major Wiffert, só responda ao fogo se a Crest for atacada. — Depois ligou para a sala de rádio. — Rhodan falando. Chame a Box 8323. Peça aos comandantes de plasma que forneçam informações sobre o comportamento das mininaves quando estão sendo atingidos em cheio pelo fogo da nave.
Icho Tolot disfarçou o espanto. Aquilo que seu cérebro programador lhe insinuara sob a forma duma vaga conjetura para Perry Rhodan devia ser muito mais que uma simples suspeita.
O arcônida adiantou-se e conversou aos cochichos com Rhodan. Este abanou a cabeça. Apontou para a tela. À medida que a Crest II se aproximava da figura bizarra da nave fragmentária, a ampliação automática da imagem projetada na tela era reduzida.
Viam-se três grupos de pequenas espaçonaves, que disparavam todos os canhões energéticos de que dispunham contra a Box 8323. Trilhas energéticas vermelhas, amarelas e azuis atingiam o campo defensivo do gigantesco cubo espacial e provocavam um fogo de artifício que iluminava o espaço a centenas de quilômetros de distância. As reações de defesa da nave fragmentária eram extremamente reduzidas.
— Os posbis estão reduzindo cada vez mais seu fogo — constatou Atlan, quando a Box 8323 chamou.
— Ao que tudo indica, as mininaves do planeta Quarta dispõem de conversores energéticos de elevada potência e ação muito rápida. À medida que aumenta o fogo disparado contra elas, suas reservas de energia crescem.
Naquele momento Icho Tolot viu como Perry Rhodan era rápido nas decisões.
— Rhodan chamando Box 8323 e centro de comando de tiro da Crest — disse o mesmo para dentro do microfone.
— Ligação com a nave fragmentária completada, senhor.
— Major Wiffert, do centro de comando de tiro falando, senhor.
Icho Tolot e o coronel Rudo fitaram Rhodan com uma expressão tensa. Um forte brilho surgiu nos olhos avermelhados de Atlan. Imaginava o que o amigo pretendia fazer.
— Conversores de símbolos preparados — transmitiu a sala de rádio.
— Rhodan chamando Box 8323 — disse o Administrador Geral. 
Omajor Wiffert acompanhava a palestra na sala de comando de artilharia da Crest II. 
— Vamos aproximar-nos do grupo de mininaves a 40.000 quilômetros no verde. As 14:56 horas, tempo padrão. Atacaremos com todas as armas disponíveis às 14:58 horas. Solicito confirmação e verificação de tempo.
— Você não está exigindo demais dos comandantes plasmáticos da Box, Perry?
Perry lançou um olhar ligeiro para Atlan.
— Eles hão de compreender minhas intenções, Atlan.
A nave fragmentária confirmou o recebimento da ordem e fez a verificação do tempo. Icho Tolot parecia uma estátua bizarra. Compreendera as intenções de Perry Rhodan. O coronel Rudo assumiu a Crest II. Na sala de comando todos permaneceram em silêncio. A Crest II corria para a posição de ataque. Na coordenada verde, à frente da nave fragmentária, cerca de vinte mininaves precipitavam-se sobre a Box 8323. No amarelo e no vermelho outras mininaves se esforçavam para provocar o desmoronamento dos campos defensivos da caixa espacial dos posbis. Nem por isso o fogo defensivo da nave fragmentária, que era muito fraco, se tornou mais intenso.
O ponteiro dos segundos do grande relógio da sala de comando avançava inexoravelmente para a marca das 14:58 horas.
Trinta segundos antes do término do prazo a Crest II alcançou a posição prevista. A distância que a separava do grupo que se encontrava na coordenada verde era de 40.000 quilômetros.
Confortavelmente recostado na poltrona, Rhodan estava de olhos na tela de visão global, observando o ataque das naves inimigas que tinham decolado de Quarta. Perguntou-se em vão por que essas naves só atacavam a nave fragmentária, deixando em paz a Crest II.
O ponteiro dos segundos saltou para a marca das 14:58 horas.
Os anteparos da tela de visão global, acoplados com o centro de comando de tiro, fecharam-se, para só deixar passar uma parte insignificante da luz ofuscante irradiada pelas trilhas energéticas.
A Crest II e a Box 8323 abriram fogo ao mesmo tempo com todos os canhões energéticos disponíveis. Os grossos raios atingiam o grupo de naves da coordenada verde com uma violência incrível. As perigosas mininaves desapareceram na luz ofuscante das trilhas energéticas que se desfaziam diante deles.
O rastreamento energético transmitiu uma mensagem.
— Senhor, estas mininaves sugam a energia dos raios disparados por nossos canhões!
O oficial ficou desesperado ao ver o Chefe acenar calmamente com a cabeça.
Icho Tolot não tirava os olhos de Perry Rhodan. Não deu a perceber que admirava este indivíduo pertencente à raça humana. A decisão tomada por Perry Rhodan, que mandara atacar o grupo de mininaves com todos os canhões, de dois lados ao mesmo tempo, era o único caminho capaz de afastar o perigo.
O princípio de que tudo tem seu limite de capacidade também se aplicava na física da quinta dimensão.
Naquele momento as mininaves que se encontravam na coordenada verde estavam sendo alimentadas com energia. .Misteriosos conversores instalados a bordo dessas naves modificavam os raios de impulsos, de conversão ou os dos desintegradores. No momento do impacto os mesmos perdiam a força destrutiva. Eram transformados em formas de energia cuja função consistia em reforçar os campos defensivos que protegiam os pequenos barcos e encher os bancos de armazenamento até o máximo de sua capacidade.
Por enquanto tinha-se a impressão de que a capacidade de absorção das mininaves era ilimitada. No mesmo instante a aceleração dos pequenos e perigosos veículos espaciais cresceu. A potência dos raios energéticos disparados por suas armas aumentou assustadoramente. A Crest II, que estava sofrendo seu primeiro ataque, desfechado por cinco barcos, sentiu a força dos raios energéticos do inimigo.
Nos lugares em que os mesmos atingiam os campos defensivos, estes ameaçavam entrar em colapso.
O coronel Rudo não se abalou. Confiava nas unidades energéticas da Crest II e em seus controles automáticos. Mas quando três luzes vermelhas se acenderam em seu painel de instrumentos, estremeceu levemente. O zumbido abafado dos gigantescos conversores, que rompia qualquer isolamento acústico, vinha da sala de máquinas.
Era o sinal típico de que a Crest II estava recorrendo às últimas reservas de energia.
A confusão de raios que se cruzavam no espaço era um espetáculo horrível. Um espetáculo traiçoeiro, mas fascinante, era proporcionado pelas cascatas energéticas que ricocheteavam nos campos defensivos das pequenas naves, afastando-se para todos os lados sob a forma de protuberâncias.
— Senhor, a coisa começa a ficar perigosa... — disse a voz potente do comandante Rudo.
Icho Tolot fitou demoradamente o epsalense. Depois olhou para Rhodan, que acompanhava ininterruptamente os acontecimentos que se desenrolavam no espaço.
Será que o Administrador Geral não tinha ouvido a advertência do comandante?
O halutense olhou ainda mais intensamente para Rhodan.
Será que o mesmo se contorcia no assento do co-piloto? Por um momento seu rosto não ficou desfigurado pela dor? Ninguém notou, com exceção do halutense.
Icho Tolot lembrou-se do ativador celular de Rhodan. Teve a impressão de ter-se enganado, quando de repente notou que o chefe do Império Solar apresentava sintomas de asfixia.
Os sons inarticulados de Rhodan, que se esforçava desesperadamente para respirar, foram engolidos pelo uivo dos neutralizadores de pressão. Tudo passou num instante. Perry Rhodan virou a cabeça para Tolot. Os dois entreolharam-se. O halutense não deixou perceber nada, e a expressão do rosto de Rhodan também era controlada.
Fora tudo uma questão de segundos. Mas nestes segundos a situação do grupo de naves que se encontrava na coordenada verde mudara abruptamente.
As perigosas mininaves, que provavelmente eram dirigidas por robôs, já não eram capazes de absorver a energia vinda de fora e transformá-la.
Os veículos espaciais ainda resistiam aos raios energéticos e aos desintegradores, mas as energias despejadas pelos canhões conversores fizeram entrar em colapso seus campos defensivos superpotentes.
As naves simplesmente desapareceram. O grupo não existia mais.
Nem mesmo no hiperespaço!
Os rastreadores estruturais da Crest II quase queimaram. Um tremendo golpe energético atravessou o espaço vazio entre as duas galáxias.
Rhodan levantou-se e, dirigindo-se ao comandante, disse:
— Com os outros dois grupos será adotado o mesmo procedimento.
Saiu em companhia de Atlan, enquanto a Crest II mudava de rota, para correr ao encontro do grupo de naves que tentava destruir a Box 8323 na coordenada vermelha.
* * *
Mory Rhodan-Abro percebeu que os dois homens queriam ficar a sós. Saiu do camarote sem dizer uma palavra.
Por muito tempo Rhodan e Atlan ficaram sentados frente a frente, sem dizer uma palavra. Não ouviram o uivo dos neutralizadores de pressão, nem o zumbido abafado dos conversores. Atlan sentiu mais que observou que Perry Rhodan tinha uma coisa importante para lhe dizer. Mas também notou que o amigo tinha dificuldade de falar. O arcônida nem sequer era capaz de imaginar o que Rhodan lhe queria confiar.
— Atlan, tive um ataque de asfixia pouco antes da destruição das naves que nos atacavam.
— Um...? — Atlan arregalou os olhos.
— Isso mesmo — um ataque de asfixia! E antes disso sofri uma eólica do estômago. Tudo isso apesar do ativador celular. Tal qual Mory, senti dores na nuca.
Estas palavras tinham sido pronunciadas sem a menor exaltação. Tanto mais exaltado ficou o arcônida.
Ficou andando em círculo pelo camarote, entretido em solilóquios, nos quais constantemente aparecia a palavra impossível.
Finalmente Rhodan interrompeu-o. O arcônida parecia furioso.
— Não é possível que você tenha sofrido eólicas do estômago ou um ataque de asfixia. Faz mais de dez mil anos que eu carrego um ativador celular. Durante todo este tempo nunca sofri qualquer doença orgânica. Nem uma única vez...!
— Por mais que você insista nisso, Atlan, o fato é que tive eólicas doestômago seguidas por um ataque de asfixia!
Atlan parou abruptamente. Havia uma expressão de desconfiança em seus olhos.
— Perry, realmente é impossível...!
— Também não consigo compreender, mas tenho de conformar-me com os fatos. Quase me sinto inclinado a acreditar que as suspeitas de Gucky são justificadas. Contraímos uma infecção no planeta Quarta...
— Tolice! — exclamou o arcônida. — Se fosse assim, eu também teria de sentir alguma coisa. Quero fazer uma sugestão, Perry. Vamos procurar o médico-chefe Artur e pedir que faça um exame minucioso.
Rhodan queria esperar até que as perigosas mininaves de Quarta tivessem sido destruídas. O arcônida entrou em contacto com Rudo e foi informado de que a Crest II e a Box 8323 estavam caçando as últimas três unidades. A maior parte das naves inimigas tinha sido tangida para o hiperespaço, onde acabara sendo destruída.
O médico-chefe Dr. Ralph Artur levantou os olhos com uma expressão de espanto ao ser procurado por Rhodan e Atlan. Seu espanto transformou-se em pavor quando o Administrador Geral lhe contou o que tinha padecido.
— Até o senhor? — perguntou, assustado.
— Houve outros casos, doutor? — perguntou Rhodan em vez de dar uma resposta.
— Três, senhor, mas os sintomas são diferentes. As doenças manifestam-se de forma completamente diversa. Não podem ser enquadradas na mesma categoria médica...
Atlan parecia impaciente.
— Deixe isso para depois, doutor. Faça o favor de examinar o Chefe. Também quero ser examinado.
O médico-chefe Ralph Artur continuou imóvel.
— Então? — insistiu o lorde-almirante.
— O exame não revelará nada, senhor — respondeu o médico em tom de depressão. — Os médicos vêem-se diante dum mistério.
O arcônida perdeu a paciência.
— Que diabo, doutor! Não quer preparar logo o exame do Administrador Geral?
O médico levantou-se pesadamente, como se estivesse com uma grande carga sobre os ombros.
— Por favor, cavalheiros. Queiram acompanhar-me.
O hospital da Crest II podia competir com qualquer clínica do Império Solar, tanto no que dizia respeito à equipe médica como quanto às instalações.
O Dr. Artur pediu que um colega altamente qualificado o acompanhasse durante o exame de Rhodan. Os laboratórios foram avisados. Amostras de sangue e dos outros líquidos do corpo foram analisadas pelos processos mais modernos.
Toda vez que os laboratórios ligavam para o hospital, ouvia-se a mesma coisa:
— Resultado negativo...
Perry Rhodan suportou, tudo em silêncio.
— Nunca examinamos uma pessoa que tenha tanta saúde como o senhor — disse o médico-chefe depois que os exames foram concluídos.
— Esgotou todas as possibilidades? — perguntou Rhodan.
— Naturalmente, com exceção das intervenções cirúrgicas.
— Como se explica que eu tenha sofrido um ataque de asfixia?
— Infelizmente não posso responder a esta pergunta.
— Não está escondendo alguma coisa porque eu sou o Administrador Geral?
O Dr. Ralph Artur deu uma risada.
— Compreendo a insinuação, senhor, mas posso garantir que o senhor goza de perfeita saúde, tal qual o lorde-almirante.
Rhodan e Atlan saíram do hospital. Subiram pelo poço do elevador antigravitacional. Não disseram uma palavra. O rosto de Rhodan parecia uma máscara. Atlan percebeu que por dentro o amigo estava muito agitado.
Quando entraram no camarote, a esposa de Rhodan estava de saída. Bastou um olhar para o rosto do marido para que a mesma percebesse que alguma coisa extraordinária tinha acontecido. Apesar disso não fez nenhuma pergunta. Entrou no camarote com os dois homens.
— Mory, acabo de submeter-me a um exame médico. Durante o ataque ao primeiro grupo de mininaves tive eólicas de estômago e um ataque de asfixia...
— Você também...? — perguntou Mory em tom apressado, enquanto seus olhos exprimiam o medo pelo que pudesse acontecer ao homem que tanto amava.
— O que quer dizer com isso, Mory? — Rhodan fitou-a demoradamente. — Será que você também...?
Mory acenou com a cabeça. Rhodan não chegou a completar a pergunta. Ele e Atlan entreolharam-se demoradamente.
— Perry, falta pouco para eu aceitar a teoria de Gucky — disse o arcônida em tom contrariado, mas no mesmo instante começou a falar em tom nervoso. — Mas isso é uma grande bobagem! A fantasia do baixinho descontrolou-se e todo mundo corre perigo de ser contaminado pelo mesmo mal. Andei colhendo informações. Em nossos laboratórios médicos existem microscópios aras com os quais se vêem partículas de um angstrom. Por isso mesmo não acredito que nos tenhamos infectado em Quarta. Se fosse assim, certamente teriam descoberto alguma bactéria ou vírus desconhecido. Afinal, um angstrom corresponde a um décimo milionésimo de milímetro. O comprimento das ondas de luz é a única grandeza que costuma ser medida em unidades angstrom.
Olhou para seus interlocutores e percebeu que suas palavras não conseguiram convencê-los.
— Atlan — disse Mory. — Há meia hora tive dores horríveis nos rins. Quando as mesmas desapareceram de repente, tive um ataque de asfixia.
Gucky rematerializou a seu lado e logo piou em tom zangado:
— Desconfio de mim mesmo. Até parece que enlouqueci. Quando quis levantar-me da poltrona, percebi que de repente não tinha mais força nos dois braços. Em seguida sofri uma paralisia nas pernas. Só tive um desejo: teleportar-me para o hospital. Procuro concentrar-me, quando a paralisia nos braços e nas pernas desaparece de repente. Mas o pior ainda vem. Tento mexer os braços e as pernas. Tudo em ordem. Vou até a porta do camarote para sair, quando alguém me diz: Tão depressa você não vai sair daqui! No mesmo instante caio ao chão, porque minhas pernas estão paralisadas de novo.
— Quem foi que lhe disse isso, Gucky? — perguntou Rhodan.
— Ora... — disse Gucky. — Já que vocês aceitam minha história maluca, também já devem ter feito suas experiências. Os três?
— Quero saber quem lhe disse...
— Pois não, Chefe — piou o baixinho. — Quem falou estava aqui! — Bateu com o dedo na cabeça. — Não havia mais ninguém no meu camarote. Olhei em baixo do sofá e da poltrona e não vi ninguém.
— Será que foi um processo hipnótico? — perguntou Atlan.
Gucky exibiu seu dente roedor por um instante.
— Nada disso. Eu teria percebido. Acabo de dizer que desconfio de que estou enlouquecendo. Uma voz disse dentro de minha cabeça: Tão depressa você não vai sair daqui! E de fato demorou pelo menos quinze minutos até que minhas pernas ficassem livres da paralisia que estava me atacando pela segunda vez. Quando isso aconteceu, a voz na minha cabeça disse: Pode ir embora! Tive a generosidade de recusar a oferta. Preferi teleportar para cá. Será que devo submeter-me a outro exame? Todos os pêlos de meu corpo se arrepiam quando me lembro da voz que falava dentro de minha cabeça.
Fitou seus interlocutores um após o outro, com uma expressão tensa. Preferiu não ler seus pensamentos. Os rostos diziam tudo. Só havia uma coisa que o deixava mais tranqüilo. Ninguém parecia duvidar dele.
Atlan aproximou-se do intercomunicador.
— Solicita-se a presença imediata do médico-chefe doutor Artur no camarote do Chefe...
A voz saída do alto-falante disse:
— O médico-chefe desmaiou há alguns minutos e encontra-se no hospital. Ainda está inconsciente. As tentativas de reanimá-lo não tiveram resultado.
— Foi outro ataque de asfixia? — apressou-se Atlan em perguntar.
— Não senhor. O pulso do médico-chefe é muito fraco. Não temos explicação para os sintomas.
A ligação foi interrompida.
— O que podemos fazer? — perguntou Atlan. 
Não houve resposta a esta pergunta.
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De repente a notícia de que uma doença misteriosa grassava a bordo espalhou-se pela Crest II. Poucos se preocupavam com isso. Apenas os médicos, biólogos e especialistas de áreas afins estavam alarmados.
A força motriz desses grupos era o médico-chefe Dr. Ralph Artur. Experimentara na própria carne a doença misteriosa e olhara em torno, espantado, ao acordar depois de ter ficado inconsciente portrês horas. Não conseguia compreender que passara a ser um dos pacientes do hospital.
E mais apavorado ficou ao ler a história clínica de seu caso.
Os cerca de dois mil tripulantes da Crest II foram submetidos a um exame rigoroso. Quando o Dr. Artur apresentou a sugestão ao Chefe, este limitou-se a dizer:
— Faça o que estiver ao seu alcance, doutor!
Com exceção de algumas doenças insignificantes, facilmente curáveis com os recursos existentes a bordo, a tripulação gozava de boa saúde. Um dos tripulantes que estava nestas condições era Gucky.
Mas a equipe médica não ficou satisfeita com o resultado.
— Apesar de todas as precauções, esquecemos alguma coisa. Não sei dizer o que foi. Peço-lhes que façam o que estiver ao seu alcance para descobrir o que escapou aos nossos controles.
Com estas palavras o Dr. Artur encerrou uma conferência que já se arrastara por algumas horas. Dirigia-se ao seu camarote, pois pretendia recuperar o sono perdido, quando parou abruptamente no convés.
De repente voltou a ter consciência duma coisa à qual quase não dera nenhuma atenção.
Correu de volta para o hospital. Alguns médicos ainda estavam conversando. Pediu que os mesmos fossem ao seu gabinete. Alguns pareciam contrariados, porque se sentiam exaustos, enquanto outros se mostravam curiosos. Dominado por um nervosismo inexplicável, o Dr. Artur caminhava de um lado para outro à frente de sua escrivaninha.
— Senhores — principiou. — Não sei dizer se também sou vítima duma psicose que tem atacado — ou melhor, ainda ataca — a todos de forma mais ou menos intensa:
— Ficamos procurando em vão o germe que está causando as doenças mais diversas. Mas esquecemos um detalhe. No momento em que suspendemos os exames em série não havia um único doente a bordo da Crest. Correto?
Os colegas confirmaram com um gesto.
— Pois é nisto que baseio meu raciocínio.
— Quando voltei depois de ter visitado o Chefe, com a permissão para o exame em série, convoquei os senhores. Distribuí as tarefas, e cada um dirigiu-se ao seu posto.
— Os senhores são capazes de lembrar-se do que fizeram, disseram ou pensaram enquanto iam para lá?
Alguns dos médicos sorriram, outros sacudiram a cabeça, enquanto outros refletiam atentamente. Em sua maioria mostraram-se espantados. De repente o médico-chefe Dr. Artur parecia não se sentir muito bem. Viu quatro médicos internos conversar aos cochichos. Ficou encostado à escrivaninha, à espera dum pronunciamento verbal.
Ninguém pediu a palavra. Ninguém estava em condições de dizer o que tinha feito, dito ou pensado há três dias, depois do momento em que tinham sido distribuídas as tarefas.
Três vezes vinte e quatro horas de trabalhos cansativos interpunham-se entre o agora e o passado.
Artur adiantou-se um passo. Formulou outra pergunta.
— Algum dos senhores se lembra de ter ido daqui diretamente para o leito dum doente?
Três colegas levantaram a mão. Artur não esperara este resultado.
— Quem estava só? E quem estava em companhia de alguém?
O mais jovem dos médicos de bordo da Crest II era o único que há três dias tinha estado só junto ao leito dum doente. Os outros eram acompanhados por colegas.
O Dr. Artur deu início a um verdadeiro interrogatório cerrado, à maneira dum membro bem treinado da Segurança Galáctica. Enquanto formulava suas perguntas, os outros colegas, que tinham rido do médico-chefe, tiveram sua atenção despertada.
— Colega Arndt, o senhor conversou com o colega Willis, junto ao leito dum doente, sobre o exame em série. E o senhor, colega Shanaki, acaba de confirmar isso. O que estava fazendo o senhor, colega Mayr?
— Não estava falando. Com quem poderia falar? O técnico estava na cama, inconsciente. Mas lembro-me de que a porta do quarto do doente estava aberta. No quarto havia alguns colegas que divergiam sobre o resultado do exame em série. Enquanto discutiam, o técnico abriu os olhos e pediu permissão para levantar.
Depois das declarações de Mayr, os dois outros grupos de médicos também se lembraram do que tinham feito naquele momento.
Visivelmente satisfeito com o resultado inesperado da investigação, o médico-chefe Artur fez uma constatação:
— Não quero avançar demais com minha teoria, mas quase chego a acreditar que esta misteriosa doença sabe ouvir...
Todos riram do médico-chefe.
O Dr. Artur passou a mão pela calva. A expressão de seu rosto era ainda mais contrariada que de costume.
— Os senhores só terão direito de rir de mim depois que tiverem reduzido minha teoria ao absurdo — disse em tom penetrante.
Não teve tempo de responder a um aparte. A estação de conversores número três informou a ocorrência dum acidente grave. O setor cirúrgico deu o alarme para alguns especialistas. Quatro médicos retiraram-se.
— Ainda falaremos sobre isto — disse o Dr. Artur, aborrecido. 
Abriu caminho entre a multidão e foi saindo.
* * *
Atlan saiu à procura de Perry Rhodan e foi encontrá-lo na sala de comando. Minutos atrás encontrara-se com o médico-chefe. O tom mal-humorado em que este o cumprimentou fez com que o arcônida perguntasse pelo motivo de seu estado de espírito. O Dr. Ralph Artur abriu-se para com o arcônida.
Atlan não riu quando Artur lhe comunicou a suspeita de que a misteriosa doença provavelmente era capaz de ouvir.
Perry Rhodan estava de pé junto ao grande computador, com os braços cruzados sobre o peito. Juntamente com o Dr. Hong Kao e o Dr. Spencer Holfing esperava que o equipamento bio-positrônico lhe fornecesse um resultado. Atlan não chamou a atenção dos outros para sua chegada. Sabia por experiência própria que às vezes a pessoa se aborrece muito ao ser perturbada em meio a um trabalho que exige certa concentração.
Uma longa fita perfurada caiu no cesto de saída do computador de bordo. O matemático-chefe Kao pegou-a apressadamente e leu os sinais codificados juntamente com Holfing.
Spencer Holfing soltou um gemido e lançou um olhar para Perry Rhodan que exprimia certo respeito.
— Senhor, sua suposição é correta. A bordo das mininaves havia conversores capazes de transformar a energia dos raios disparados por nossos canhões. Complicado, não é mesmo?
— Será que no sistema de Gêmeos existe alguma coisa que não seja complicada? — Examinou a fita perfurada. Havia uma expressão vigilante em seus olhos cinzentos. Prosseguiu como que num solilóquio. — É espantoso que esses conversores consigam transformar quantidades tão grandes de energia. Bem que gostaria de saber como se deve fazer para recolher, transformar e armazenar a energia estranha que atinge um campo defensivo. — Voltou a olhar para o físico. — O senhor tem uma idéia?
— Infelizmente não, senhor. Há pouco calculei um valor médio aproximado e acrescentei os valores médios da energia da nave fragmentária no momento em que a mesma disparava juntamente com a Crest contra a primeira mininave. Mas esses valores médios não servem para explicar o que o conversor fez com a energia que atingiu o campo defensivo. Graças aos registros em filme consegui calcular as quantidades de energia despejadas no espaço sob a forma de cascatas de fogo. Estas quantidades não atingem um por cento do total. O primeiro impacto direto de nossas armas deveria ter destruído qualquer nave pequena. Mas esta usou parte da energia para conduzi-la aos seus propulsores. A parte remanescente, que era maior, foi armazenada no interior da mininave. É o que se depreende do resultado fornecido por nosso computador de bordo.
— De que forma foi realizado este armazenamento, Holfing? Estou muito interessado neste ponto.
— Infelizmente não posso dar nenhuma informação a este respeito, senhor. Também não posso explicar por que os conversores falharam de repente e como conseguimos arremessar as mininaves para o hiperespaço.
— E o choque gravitacional, Holfing? Em sua opinião a liberação de energia sob esta forma resultou de mais uma conversão da energia armazenada? Ou não existe qualquer relação entre o choque e a conversão?
Holfing voltoua examinar os sinais codificados gravados na fita perfurada. De vez em quando sacudia a cabeça. Parecia constranger-se em dar mais uma resposta vaga.
— Senhor, o choque gravitacional por nós observado pode ter sido provocado tanto por uma técnica das mini naves como pela energia estranha armazenada.
— Hum — Rhodan fitou o matemático-chefe com uma expressão pensativa. — Sua opinião é idêntica à de seu colega Holfing, Kao?
— Nem cheguei a formar uma opinião, senhor. — Confessou o homem baixo. — Para isso preciso de mais números.
— De acordo. Até quando espera receber os resultados da interpretação?
— Não antes de amanhã, senhor. — Respondeu Hong Kao.
— Pois até lá fique pensando sobre se o choque gravitacional das mininaves que tangemos para o hiperespaço não pode ter sido um pedido de socorro.
A idéia de Rhodan deixou Atlan tão surpreso que ele exclamou:
— Pelos deuses de Àrcon, isto não pode ser verdade!
Só neste instante Rhodan notou que o arcônida se encontrava na sala de comando.
Spencer Holfing e Hong Kao também tinham compreendido aonde o Chefe queria chegar com sua observação.
— Neste caso, senhor, a vida no sistema de Gêmeos se tornará ainda mais difícil para nós, senhor — disse o matemático-chefe em tom enfático. — Quanto mais penso nisso, mais me convenço de que o choque gravitacional realmente foi um pedido de socorro que a esta altura já deve ter alarmado Andrômeda, se... — Ficou calado.
— Se o quê, Kao? — perguntou Rhodan.
— ...se a raça que construiu o sistema de Gêmeos ainda vive em Andrômeda.
— O senhor tem alguma dúvida, Kao? Será que já se esqueceu da reação dos degredados do planeta Quarta, quando logo após nossa chegada afirmamos que tínhamos sido deportados por causa do roubo da nave-girino? Não acreditaram no que lhes dissemos? Isso não prova que num passado relativamente recente uma leva de deputados chegou lá? — Rhodan notou que o halutense prestava muita atenção às suas palavras. — O senhor não é da mesma opinião, Tolot? — perguntou.
O halutense pôde responder a esta pergunta sem violar uma das leis básicas de sua raça, segundo a qual não se deveria transmitir a qualquer inteligência estranha uma parcela de seus conhecimentos praticamente inesgotáveis sobre outros seres. Realmente, o hexágono de sóis que servia como estação transmissora lhe fora tão desconhecido quanto o sistema de Gêmeos, que desempenhava as funções de estação intermediária no percurso para a galáxia Andrômeda.
— Também sou de opinião que os construtores deste sistema ainda vivem. Mas a suspeita de que o choque gravitacional pode ser um pedido de socorro dirigido a Andrômeda me deixou surpreso. E estranho que meu cérebro programador não me tenha dado a mesma idéia. Seu grau de probabilidade é bastante elevado.
O halutense não disse qual era exatamente este grau de probabilidade.
Já aprendera muitos dos gestos típicos dos humanos. Esfregou os seis dedos dos braços preênseis, dando a entender que a perspectiva do que estava pela frente o deixava muito feliz.
Enquanto as pessoas que se encontravam na sala de comando olhavam para ele, à espera do que ainda tinha a dizer, o halutense de repente soltou um gemido, contorceu o corpo e balançou tanto que todos acreditavam que iria cair ao chão. O olho do meio, situado acima do cérebro comum, fechava-se e abria-se numa seqüência ininterrupta. O tronco enorme balançava cada vez mais. Os oficiais que se encontravam a seu lado afastaram-se. Ninguém queria ser esmagado pelo corpo de quase duas toneladas quando o halutense caísse ao chão.
Melbar Kasom, que se encontrava mais nos fundos, adiantou-se. Percorreu os últimos metros num salto. Era a única pessoa capaz de dar assistência a Icho Tolot. Seus braços gigantescos cingiram o tórax do outro. No mesmo instante Tolot parou de balançar. Mas de repente o ertrusiano atirou os braços para cima. Os homens que viram seu rosto desfigurado ouviram a respiração estertorante.
— Ar...! Ar...! — fungou. 
A seu lado o corpo do halutense contorceu-se e ficou apoiado nos dois braços de locomoção.
— Alertem o hospital! — gritou Rhodan para o coronel Cart Rudo, que foi o primeiro a recuperar o auto-controle.
Mas não houve necessidade de alarmar o hospital.
Mal Rhodan acabara de dar sua ordem, quando Melbar Kasom baixou os braços e Icho Tolot voltou a endireitar o corpo. A falta de ar tinha passado. O rosto de Kasom já não estava desfigurado.
O ertrusiano passou os olhos pela sala de comando. Até parecia que acabara de despertar dum pesadelo. O halutense também parecia confuso. Vivia girando a cabeça semi-esférica para os lados. Ninguém deu atenção ao arcônida, cujos olhos avermelhados emitiam um brilho forte.
Lembrou-se do que o médico-chefe Dr. Artur lhe dissera no convés.
Kasom procurou descrever os males súbitos de que tinha padecido. As indicações pareciam familiares a Perry Rhodan. Este fez uma consulta a Icho Tolot, que forneceu uma indicação muito precisa do quadro clínico.
— Obrigado — disse Rhodan antes que o halutense concluísse a descrição de seus males. Pretendia procurar o Dr. Artur. Atlan colocou-se à sua frente. — Alguma novidade? — perguntou.
— Gostaria de sugerir que procurássemos o médico-chefe.
— Pretendia justamente procurar o Dr. Artur.
— Faz trinta minutos que falei com ele. Sugiro que por enquanto abandonemos os planos de visitar o planeta seguinte.
Perry Rhodan não fez mais nenhuma pergunta, embora o tom em que Atlan pronunciara aquelas palavras lhe desse que pensar. Atravessou apressadamente a sala de comando. O tenente Brent Huise estava sentado na poltrona do piloto, vigiando o painel de instrumentos.
— Huise, entre em contato com o setor de coordenação. O plano de visitar o planeta Quinta foi adiado.
— Não vamos descer em Quinta, senhor? — perguntou o imediato num tom que quase chegava a ser apavorado.
— Por enquanto não, Huise.
Quando se dirigia à escotilha da sala de comando em companhia de Atlan, sentiu numerosos olhares pousados em suas costas. Mas naquele momento nem ele nem Atlan imaginava quanto tempo duraria este por enquanto.
O médico-chefe Dr. Artur não se encontrava em seu camarote. Rhodan mandou procurá-lo por meio do intercomunicador.
— Ele me disse que pretendia deitar um pouco — disse Atlan.
O hospital respondeu. O Dr. Artur encontrava-se na sala de operações. A pessoa que estava no aparelho informou que o médico-chefe tinha sido chamado para participar duma operação. Desta forma Rhodan e Atlan ficaram sabendo do acidente grave que tinha ocorrido na sala de conversores número três.
— Só nos resta esperar — disse Rhodan. — Enquanto isso você bem que me poderia explicar por que sugeriu que por enquanto abandonássemos os planos que previam uma visita a Quinta.
Atlan informou-o sobre o que o Dr. Artur lhe tinha contado. Perry Rhodan sorriu ligeiramente quando Atlan lhe falou a respeito duma doença misteriosa que seria capaz de ouvir.
— A idéia de Artur pode parecer fantástica, Perry. Ainda bem que me lembrei do hexágono de sóis e do sistema Gêmeos. Será que estas duas coisas não são muito mais fantásticas que uma doença capaz de ouvir?
O sorriso desapareceu do rosto de Rhodan. Lembrou-se de que a doença de Icho Tolot e Melbar Kasom tinham desaparecido no instante em que ele dera ordem para colocar o hospital em alarme.
Gucky apareceu à sua frente. Rhodan e Atlan não se perturbaram com sua aparição. Mas sua fala os incomodou. Perturbou as reflexões dos dois.
— Por aqui está acontecendo cada coisa! — disse em tom arrogante.
Rhodan não gostava desse modo de falar. O arcônida também não estava para brincadeiras. A resposta de Rhodan foi proferida em tom áspero:
— Se acha que tem algo a nos dizer alguma coisa, faça o favor de usar um tom mais delicado. O que está acontecendo?
— A Crest está cheia de fantasmas! — O baixinho acomodou-se na poltrona predileta de Artur. Não tomou conhecimento dos olhares penetrantes de Rhodan e Atlan. — O diabo anda fazendo das suas

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