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AHISIÜRIA 
DE ISRAEL 
MÁRTIR 
DOS POBRES
A HISTORIA DE ISRAEL 
A PARTIR DOS POBRES
Esta coleção recolhe estudos bíblicos que têm como preocupação 
fornecer subsídios para os agentes de pastoral bíblica popular. Os 
textos que dela fazem parte nasceram da experiência de leitura da 
Bíblia com o povo. Preocupam-se em fazer a ligação entre o texto 
da Bíblia e a vida de hoje. Relendo as experiências de vida comu­
nitária do povo que escreveu a Bíblia, querem animar as lutas do 
povo que hoje se sente chamado por Deus a viver em comunidade.
Da mesma série:
Projetos de esperança. Meditações sobre Gênesis 1-11 - Milton 
Schwantes (no prelo)
Capa: 
André 
Esch
Coleção DEUS CONOSCO
1990
Ano Internacional da 
Alfabetização
Jorge Pixley
A HISTÓRIA DE ISRAEL 
A PARTIR DOS POBRES
TRADUÇÃO 
Ramiro Mincato
2- Edição
/ A \
lMDZES,
Petrópolis
1990
<c) do autor 
Direitos de tradução cedidos à 
Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100 
25689 Petrópolis, RJ 
Brasil
Título do original espanhol:
Historia de Israel desde la perspectiva de los pobres
Diagramação 
Valderes Barboza
ISBN 85.326.0282-7
Este livro foi composto e impresso 
nas oficinas gráficas da Editora Vozes Limitada 
— Rua Frei Luís, 100. Petrópolis, RJ — Brasil — CEP 25689 
— Tel.: (0242) 43-5112 — Caixa Postal 90023 — End. Telegráfico: VOZES 
— CGC 31.127.301/0001-04 — Inscr. Est. 80.647.050.
SUMÁRIO
AFRESENTAÇAO.................................................................. 7
I. Chaves de leitura ...................................................... 9
I I . As origens de Israel como nação de tribos . . . 13
III. Surgem os reis sobre as tribos de Israel ........ 22
IV. Revolta das tribos contra a dinastia davídica .. 37
V. A dinastia de Amri (884-841 a.C.) ...................... 44
VI. A dinastia de Jeú (841-752 a.C.). Ortodoxia e
exploração .................................................................... 48
VII. Enquanto isto, o reduto davídico, Judá ............ 54
V III. Os profetas no final do século VIII em Judá .. 59
IX. A Palestina sob a hegemonia assíria (738-630
a.C.) ................................................................................ 63
X. O projeto de um novo Israel (640-609 a.C.) . . . 73
X I. O período da hegemonia babilônica (605-539 a.C.) 80
X II. O período da hegemonia persa (539-332 a.C.) . . . 91
X III. O período da dominação helenística (332-167 a.C.) 102
XIV. A insurreição macabéia e o governo hasmoneu
(167-63 a.C.) ................................................................ 110
XV. O período da dominação romana sobre Israel
(63 a.C. a 135 d.C.) .................................................. 119
APÊNDICES.......................................................... ................... 135
APRESENTAÇÃO
Esta é uma breve apresentação da história do período 
bíblico de Israel. Israel, o objeto deste estudo, se define 
por três coordenadas: 1 — Cronologicamente, pelo período 
que vai de Moisés até Simão Bar Kokba (aproximada­
mente do ano 1220 a.C. até 135 d.C.). Isto exclui, por um 
lado, os antecedentes patriarcais, e, por outro, a derivação 
desta história no povo e na igreja cristã. 2 — Geografica­
mente, esta história redus-se aos limites do território da 
Palestina. Exclui, portanto, as histórias dos antigos grupos 
judaicos que viveram fora deste território, na Babilônia, 
Pérsia, Egito e outros lugares. 3 — Sociologicamente, enten­
demos que Israel durante estes mil e trezentos anos foi 
um projeto da nação camponesa que lutava para sobre­
viver e para conseguir as estruturas indispensáveis à sua 
sobrevivência.
»
Esta definição de Israel não é evidente. O próprio
desenvolvimento do estudo deverá justificá-la.\
O autor desta obra é professor de Bíblia em um se­
minário teológico, e esta história foi escrita com fins pe­
dagógicos. Seus destinatários privilegiados são pastores, pro­
fessores de escolas bíblicas, ministros da palavra e semina­
ristas. Quer oferecer às pessoas que possuem um conheci­
mento mínimo dos livros bíblicos e fé no Deus da Bíblia 
balizas históricas para ler com maior inteligência estes
livros que lhes são sagrados. Por esta razão dedicaremos 
certo espaço para situar historicamente os livros bíblicos, 
espaço além daquilo que seria necessário em uma história 
de Israel religiosamente desinteressada. Estamos, porém, 
convencidos de que a história de Israel é útil e valiosa 
também para aqueles que não têm fé. O autor crê ter escri­
to um livro que poderá ser lido com proveito e sem pre­
juízo por aqueles que não acreditam na providência de 
Deus.
A intenção pedagógica deste livro impõe critérios de 
simplificação e brevidade. Os critérios científicos questio­
nam alguns temas aqui apresentados sem a justificativa 
necessária em uma obra dirigida a pesquisadores da histó­
ria bíblica. Para facilitar o processamento destes assuntos 
em ambientes acadêmicos, acrescentamos um apêndice onde 
constam as dívidas mais importantes do autor com relação 
aos historiadores científicos.
— I —
Chaves de leitura
Queremos entender o sentido dos fatos da história 
de Israel. O sentido da história não é evidente na sua 
superfície. Para descobrir seu sentido é necessário explo­
rar a profundidade dos eventos. Nos documentos deixados 
por qualquer história sempre existem interesses que ocul­
tam o sentido dos acontecimentos. Nestas circunstâncias a 
busca do sentido toma, às vezes, características “detetives- 
cas”. A história de Israel não está isenta destes problemas. 
Os livros da Bíblia, que são os principais documentos para 
a história de Israel, também refletem o trabalho de ocul- 
tamento a que nos referíamos.
Assim sendo, necessitamos de chaves de leitura para 
interpretar os textos, como a chave que serve para decifrar 
uma mensagem escrita em forma enigmática, ou como a 
chave que pode abrir um espaço fechado por uma porta. 
Propomos duas chaves, uma teológica e outra sociológica:
a) Uma chave de leitura teológica, o êxodo: A “saída” 
ou “êxodo” da escravidão do Egito não é na história 
de Israel um evento qualquer. É o evento originário 
do povo de Israel. Isto significa que Israel contava sua 
história a partir do êxodo (lR s 6,1; Dt 9,7; Jz 19,30; Jr 7,25;
etc.). Porém, significa mais do que is t o .^ H H B M M ^ g 
êxodo é paraaterael um fato revelador. A partir do êxodoj
Israel conhecerá a Deus como Javé, o Deus que os liber­
tou da escravidão. “Eu, Javé, sou teu Deus, que te fez sair 
da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2; ver 
também Os 11,1; 12,10; 13,4; Dt 6,12; 13,6; Jz 2,1; lRs 12,28; 
etc.). Pois bem, Deus é uma palavra sumamente perigosa, 
que se tem usado e se continua usando de forma enga­
nosa para fazer referência ao “mesmo” criador e ser su- 
premo concebido muito d i v e r s a m e n t e . r e ­
ferência correta sempre foi o Deus que redimiu Israel d a^ 
escravidão do Egito. Todo deus que não fosse um salvador 
dos pobres não era o Deus verdadeiro de Israel. |
Usaremos esta chave de leitura para desvendar a lin­
guagem ideológica nos textos bíblicos. Um deus que legiti­
ma a opressão dos camponeses, por mais solene que se 
apresente seu culto, não é o Deus verdadeiro. Pois o Deus 
verdadeiro é unicamente aquele que ouve o clamor dos 
oprimidos e os liberta de sua opressão.
b) Uma chave de leitura sociológica, o modo de pro­
dução asiático ou tributário: Na confissão formal do 
israelita que oferecia a Javé os primeiros frutos da 
sua colheita, ele reconhece que Israel era um povo que 
fora libertado da escravidão e da opressão por Javé (Dt
26,6-9). A consciência de ser um povo pobre e oprimido 
que, junto com Javé, luta por sua vida é fundamental. 
Javé é o Deus verdadeiro que ouve o clamor dos oprimi­
dos e Israel é o povo de Javé e quedepende de Javé para 
o êxito de suas lutas pela sua libertação.
Para identificar os oprimidos dentro das sociedades 
da antiga Palestina é preciso conhecer a dinâmica que sus­
tentava estas sociedades. Existiram ao longo dos séculos 
da história de Israel muitas variantes sociais, porém todas 
de um mesmo tipo de sociedade cuja estrutura é preciso 
compreender logo.
Encontramos uma descrição sumária do tipo de so­
ciedade que prevaleceu em todo o antigo Oriente Próximo 
em Gn 47,13-25, referida ao Egito. Representaremos gra­
ficamente as relações sociais no Egito em um esquema 
sumário:
soberano
aparelhos 
de Estado
aldeias
É freqüente no livro do Êxodo apresentar-se a so­
ciedade egípcia com uma lista de três elementos: o rei, os 
servos do rei e o povo (por exemplo, Ex 9,14). Vejamos 
estes elementos comuns a todas as sociedades do antigo 
Oriente Próximo.
O povo era a massa camponesa que compunha a 
grande maioria da população. Vivia em pequenas aldeias, 
representadas no diagrama com os círculos na base. As 
aldeias eram as unidades produtivas da sociedade (e não 
fazendas, famílias ou fábricas, para mencionar outras for­
mas de organizar a produção básica de uma sociedade). 
Cada aldeia era mais ou menos autônoma, produzindo o 
que era necessário para satisfazer suas próprias necessi­
dades. Tinha pouco relacionamento com as outras aldeias. 
Cada uma cultivava seus cereais básicos e criava os ani­
mais para o leite e a lã. A aldeia expressava sua unidade 
como conseqüência de uma linhagem comum. Era gover­
nada internamente pelos conselhos de “anciãos”, os chefes 
de família. O comum nelas era a propriedade coletiva das 
terras da aldeia. Estas eram distribuídas pelos anciãos de 
acordo com a capacidade de trabalho de cada família.
O rei do Egito era o proprietário de todas as terras, 
de todos os animais e de todas as pessoas do país. É 
evidente, porém, que não podia exercer efetivamente a 
posse sobre as terras, animais ou pessoas. O título de 
propriedade se expressava concretamente no tributo que 
exigia de cada aldeia (flechas “a” do diagrama), um tri­
buto que no caso das terras era a quinta parte da colhei­
ta da aldeia. No caso das pessoas, o tributo se cobrava 
em trabalho nos projetos de construção do rei. Durante 
o governo de um rei sábio o sistema oferecia uma certa 
reciprocidade. Em troca dos tributos que as aldeias pa­
gavam, recebiam a proteção do exército, o benefício das
“rei
servos 
do rei"
“povo 
do Egito’
obras para o controle das inundações e estradas, e a sun­
tuosa celebração das festas religiosas. Mas todo o poder 
estava nas mãos do rei, de modo que um rei insensato 
podia tornar-se tiranicamente opressor.
Os servos do rei eram os empregados da coroa e 
como tais faziam a vontade do rei. Serviam à vontade ou 
ao capricho do rei e em troca recebiam suas provisões 
do tesouro real (flechas “b” do diagrama). Para manter 
a estabilidade do reino, era necessário um forte exército 
para defender o Estado contra os perigos externos e inter­
nos da nação. Os oficiais do exército eram subservientes 
ao rei, eram literalmente seus servos. Para cobrar e dis­
tribuir os tributos era indispensável todo um aparelho de 
administração civil. Também os administradores (minis­
tros de Estado, contadores, escribas, etc.) eram servos 
do rei.
Convém considerar com cuidado a absoluta necessi­
dade de um aparelho religioso neste sistema (os “sacer­
dotes” do diagrama). De algum modo, à exceção do rei, 
todos eram escravos nesta sociedade. A própria família do 
rei estava sujeita à sua vontade absoluta. Portanto, o rei 
ocupava um lugar único dentro da sociedade.
A experiência dos súditos era de que seu rei era 
um deus mortal. Porém esta limitação, a sua mortalidade, 
revelava a fragilidade de sua posição divina e exigia um 
aparelho religioso que celebrasse a grandeza da nação, e 
dentro dela o lugar único e indispensável do rei-deus. O 
aparelho religioso dentro de uma sociedade “asiática” ou 
tributária está diretamente vinculado à pessoa do rei. 
Assim como o rei é o general do exército, é também o 
Sumo Sacerdote que ordena e controla toda atividade re­
ligiosa. Necessita de profetas e teólogos para elaborar uma 
teologia que justifique seu domínio absoluto.
Exige sacerdotes e templos suntuosos para celebrar 
com grande aparato as festas que confirmam o êxito do 
sistema.
Pode-se entender todas as sociedades que fazem 
parte da historia bíblica de Israel como derivadas deste 
sistema. Este esquema e o pequeno diagrama com o qual 
o representamos serão a chave sociológica para ler a 
Bíblia.
— II —
As origens de Israel 
como naçao de tribos
Canaã pré-israelítica. A data que colocamos para o 
começo da história de Israel foi o ano 1220 a.C., a data 
estimada do êxodo. Porém, de acordo com qualquer das 
três principais teorias sobre a origem das tribos de Israel, 
o que veremos a seguir, os antepassados das tribos, ou 
pelo menos uma boa parte, já viviam em Canaã. Convém, 
pois, examinar a população da Palestina antes da formação 
de Israel, no século XIV (de 1400 a 1300 a.C.).
Existem dois meios para se conhecer a Palestina 
desta época. De um lado, pelas escavações das colinas das 
antigas cidades das quais é possível avaliar quantas eram 
habitadas e o número de habitantes. A outra fonte é uma 
coleção de cartas da chancelaria egípcia, descobertas numa 
localidade do Egito chamada Tell-el-amarna. Parte desta 
correspondência diplomática é decorrente do intercâmbio 
entre os reis das cidades-estados da Palestina, que, neste 
período, era dominada pelo império egípcio.
A revelação mais importante destas fontes é a con­
centração dos habitantes da Palestina nas áreas baixas do 
país, na planície que acompanha o Grande Mar ou mar 
Mediterrâneo e no vale de Jezrael que corta a cordilheira
central nas alturas do monte Carmelo e do mar da Ga- 
liléia. Estas eram as regiões mais férteis do país, e eram, 
além do mais, o lugar por onde cruzavam os caminhos 
percorridos pelas caravanas de comerciantes. A cordilhei­
ra central, conhecida do Norte ao Sul como montes da 
Galiléia, Efraim e Judá, era neste período uma região de 
bosques e matagais, povoados por animais selvagens inclu­
sive leões. Havia raras cidades nas montanhas, entre as 
quais as mais importantes eram (de norte a sul) Hasor, 
Siquém e Jerusalém. O mapa ao lado tenta apresentar esta 
situação.
As cartas de Tell-el-amarna dão uma idéia da situa­
ção política do séc. XIV ha Palestina. O território era di­
vidido em numerosos e pequenos reinos. A maioria deles 
apresentava uma única cidade (como Dor ou Tanac) que 
controlava as aldeias vizinhas das quais recolhia os tri­
butos. Outra fonte de receita eram os direitos de alfândega 
ou passagem cobrados aos comerciantes que transitavam 
pelas estradas que cortavam o território. Todos os reis 
eram súditos do Egito, ao qual pagavam tributos. Existia, 
porém, entre eles um estado de conflito quase permanen­
te. Além do mais, todos estavam ameaçados por levantes 
de hapirus, rebeldes que refletiam o descontentamento
& ^ K t/**eien tttieas da emergência de Israel tribal. Os
exegetas ou estudiosos da Bíblia propõem basicamente três 
teorias científicas para explicar o surgimento de Israel 
como uma aliança de tribos até o final do séc. XIII a.C. 
Antes de analisá-las, convém assinalar que todos reconhe­
cem uma diversidade de elementos na formação da nação 
de Israel e que, portanto, todas as teorias têm uma par­
cela de verdade. O que está em jogo ao optar por uma 
delas é saber qual o elemento que contribuiu na forma­
ção da unidade da nação tribal de Israel. Isto quer dizer 
que é óbvia a diversidade das várias tribos. Porém, como 
sua organização tribal carecia de um Estado que pudesse 
consolidar uma unidade nacional, de onde surgia esta cons­
ciência da unidadeque sem dúvida era um fato?
primitiva. Alguns 
exegetas, entre os quais se destacam Yehezkel Kauf- 
mann de Israel e John Bright dos EUA, consideram 
que havia suficientes vínculos familiares entre as tribos 
para explicar a união das mesmas. As histórias dos patriar­
cas Abraão, Isaac e Jacó já supõem uma consciência de 
família entre as tribos, que se dizem descender dos doze 
filhos de Jacó (Gn 30). Ao examinarem relatos sobre a 
incorporação de Gabaon (Js 9), Siquém (Gn 34), e Jeru­
salém (2Sm 5), os exegetas verificam logo que importan­
tes elementos das tribos não descendiam do tronco fami­
liar comum representado por Abraão. Com tudo isto, 
estes exegetas crêem que ainda é possível explicar a uni­
dade nacional por um parentesco comum dos grandes ele­
mentos das tribos.
Partindo da perspectiva dos pobres, deve-se suspei­
tar da aparência apolítica desta teoria. O povo de Deus 
teria tido uma origem “natural”, não derivada de ações 
humanas. Humanamente falando, dever-se-ia explicar a hos­
tilidade entre Israel e Canaã como um conflito racial. 
Excluindo o fato de que tanto Israel como os cananeus 
falavam o mesmo idioma, “a língua de Canaã” (Is 19,18), 
isto torna o privilégio de Israel como povo de Deus uma 
decisão arbitrária de Deus.
2. Teoria que encontra a unidade de israel em sua 
prática do pastoreio de animaigc Esta teoria socio­
lógica da unidade primitiva de Israel foi desenvol­
vida na Alemanha por Albrecht Alt, seguido de imediato 
por Martin Noth. Postula a oposição Canaã e Israel como 
conflito entre os que cultivavam a terra e os que se dedi­
cavam ao pastoreio. As tribos de pastores se uniram com 
o tempo por um comum estilo de vida para poderem 
enfrentar os camponeses que usavam a terra para culti­
var vegetais.
As histórias patriarcais revelam uma coexistência 
em Canaã de criadores de gado como Abraão com reis 
de populações camponesas, como o rei de Gerara (Gn 20). 
A história sobre conflitos e entendimentos em tom o de 
poços de água entre Isaac e os habitantes de Bersabéia 
seria um reflexo desta coexistência normalmente pacífica
(Gn 26,15-25). No início bastavam acordos para que du­
rante o verão (tempo de seca) os pastores usassem os 
campos depois da colheita, enquanto que durante o inver­
no, quando os campos são semeados, eles se retirariam 
para as zonas desertas do país. Podiam usar também os 
morros sem cultivo para o pastoreio de seus rebanhos. 
Com o passar do tempo e o aumento da população, surge 
o conflito com a disputa pelo controle das melhores terras 
do país. Estes conflitos são os descritos em Josué 1—11
e ao longo do livro dos Juizes.
Esta teoria tem seu atrativo pois explica a base 
social do conflito entre israelitas e cananeus. As críticas 
feitas a esta teoria se baseiam na observação de que, pra-
M BBM H H M paM aceio, tarefa que geralmente combina 
com o cultivo da terra. Também é problema para esta 
teoria explicar por que estes pastores da Palestina aco­
lheram os hebreus que chegavam do Egito depois do 
êxodo da escravidão.
^■ttMMBilRO camponesa. Recentemente se elaborou
com base científica uma teoria que^propõe a uni-
comum contra os reis da Palestina. A teoria está asso­
ciada ao nome do exegeta norte-americano Norman K. 
Gottwald.
Para entender esta teoria convém voltar ao nosso 
modelo do modo de produção tributário. As aldeias que 
formavam a base da sociedade podiam perfeitamente sub­
sistir sem o rei e seus aparelhos de Estado. A insurreição 
camponesa que se postula como a 4SSBaíela.tunidade tribal 
teria sido a reação contra a domitoação dos 
de uma sociedade camponesa igualitária. As condições que 
provocaram a rebelião em diferentes partes do território 
da Palestina foram os conflitos perpétuos. Os reis não 
podiam garantir a segurança das aldeias.
A possibilidade de rebeliões existia pelo fato de 
haver zonas despovoadas nas montanhas da Palestina. Uma 
pequena migração podia estabelecer uma aldeia em zona 
despovoada que podia ser preparada e cultivada. Além do
mais, o séc. XIV viu a introdução d© dois avanços tecno­
lógicos que facilitaram estas migrações. Por um lado, a 
descoberta da cal comolmaterial adequado para forrarias gr 
cisternas usadas para armazenar água. E por outro lado 
o uso do ferro como instrumento de trabalho, suplantan­
do o uso do bronze.
Temos nos textos bíblicos uma história de migrações 
da planície para a montanha da tribo de Dá em Jz 17—18. 
Esta teoria postula que vários relatos de “conquista” nos 
livros de Josué e Juizes seriam incidentes surgidos de mi­
grações similares.
A grande vantagem desta teoria do ponto de vista 
do historiador é que ela explica como o grupo que saiu 
do Egito trouxe a sua história da libertação da servidão 
aos reis como a história oficial para toda a nação. T o fo f 
teriam vivido experiências similares no passado. Ela tam­
bém dá uma base material à fé de Israel em um Deus 
tiue liberta os oprimidos através de movimentos sociais. 
Explicar-se-ia, deste modo, o mandamento de não ter 
outros deuses fora de Javé, pois outros deuses podiam le­
gitimar uma volta à servidão aos reis humanos.
A dificuldade desta teoria é a ausência de textos 
que falem de insurreições em Canaã, ficando nos textos
ser explicado pelo trabalho intencional de apagar a memó­
ria subversiva, uma vez que Israel deixara de ser uma 
nação tribal para aceitar reis (depois de Davi).
O Êxodo como evento histórico. O livro do Êxodo 
narra como um grupo misto de gente que servia o rei 
do Egito, guiado por Moisés, o profeta de Javé, saiu em 
busca de uma terra onde corresse leite e mel. A primeira 
pergunta a ser feita ao texto é: quem se libertou da escra­
vidão? Alguns textos, como Ex 1,9, falam dos “filhos de 
Israel”. Porém Ex 1,15 e outros falam dos “hebreus”. Sa­
bemos que “hebreus” não é outra coisa que os “hapiru”, 
grupos de rebeldes, conhecidos em Canaã, que não se 
submetiam às leis dos reis. Se acrescentarmos a isto o 
texto de Ex 12,38, “subiu também com eles gente de todas 
as classes”, podemos entender que no evento histórico os 
que saíram da escravidão não eram uma grande família,
mas um setor da classe social que formava a base da so­
ciedade egípcia, os camponeses. Eram “hebreus” que se 
rebelaram contra os trabalhos de construção que lhes im- 
pusera o rei Ramsés II.
Sua saída da servidão realizou-se sob a direção de 
Moisés, profeta de Javé, o Deus que tomava partido com 
os oprimidos em vista da sua libertação. Provavelmente 
estes camponeses não teriam tido a coragem de enfrentar 
uma migração revolucionária sem uma religião deste tipo.
A revolução converteu-se num ato religioso. A luta 
contra o rei transformou-se numa luta entre deuses: de 
um lado, o Faraó com direitos sobre a vida de todos os 
egípcios; e do outro, Javé que escutava o clamor dos opri­
midos. A fidelidade ao movimento revolucionário exigia 
lealdade exclusiva a Javé. Qualquer outro deus podia re­
presentar um retrocesso à escravidão enquanto que Javé 
era o Deus que os libertava.
Quando chegaram à Palestina, os “levitas” — assim 
eram chamados os seguidores de Javé e Moisés — encon­
traram uma multiplicidade de movimentos camponeses que 
se refugiavam nas montanhas para escapar da dominação 
exercida pelos reis nas planícies e vales. O resultado deste 
encontro foi proveitoso para a criação de Israel como 
nação de tribos com consciência de ser o povo de Javé, 
o Deus que libertara “seus pais” da escravidão do Egito.
A organização da nação. A resistência aos reis foi 
uma característica comum de todos os movimentos de 
insurreição e migração que formaram a nação de Israel 
(cf. Jz 8,22-23; 9,7-15). A monarquia era na época a única 
forma de estado conhecida. Rechaçar o rei significava 
então rechaçar o próprio Estado. Para os cananeus isto 
fazia dos israelitas “servos fugidos dos seus senhores”(ISm 25,10). A vida dos israelitas, porém, já era organi­
zada. As leis populares que garantiam a ordem eram atri­
buídas a Javé que se revelara a Moisés no Monte Sinai.
Chamamos de populares as leis de Israel porque na 
falta de autoridades estatais eram os anciãos dos povoa­
dos que as administravam. Chamamos de populares tam­
bém porque não se conservavam através da forma escrita
mas pela tradição oral. O caso de Booz e a herança de 
Elimelec de Belém é um magnífico exemplo (Rt 4,1-12). 
A lei popular de Israel proibia a venda de terras de um 
israelita a uma outra pessoa (isto foi codificado em Lv 
25,23-31). Também tomava medidas especiais para que a 
propriedade de alguém que morresse sem filhos não pas­
sasse para outra família (Dt 25,5-10). Este é o caso de 
Elimelec que morrera sem deixar filhos. Seu parente Booz 
assumiu o direito e a responsabilidade de perpetuar a fa­
mília. Mas para isto teve que comparecer diante de um 
tribunal de anciãos para comprovar seu direito e demons­
trar suas intenções.
A inter-relação entre os israelitas e a organização 
interna das aldeias em todas as sociedades daquela época 
se dava de um mesmo modo, por parentesco. As tribos 
não eram senão enormes famílias. Além do mais, ao 
menos em teoria, as tribos se entrelaçavam pela descen­
dência comum de Jacó. A unidade familiar, portanto, era 
real. Mas, ao contrário do que afirma o Professor Kauf- 
mann, a unidade tribal é o resultado de uma unidade re­
volucionária prévia e não a sua causa.
Para defender-se das ameaças exteriores, as tribos 
convocavam um exército de guerreiros voluntários. O caso 
mais típico é o das milícias convocadas por Débora para 
lutar contra os cananeus comandados por Sísara (Jz 5). 
Porém, as guerras lideradas por Gedeão (Jz 6—8) e Jefté 
(Jz 10—11) são do mesmo tipo. Isto contrastava, no plano 
da organização, com os exércitos profissionais dos reis 
cananeus e estabelecia uma desvantagem militar para os 
israelitas que não contavam com cavalos e carros de com­
bate, impossíveis de serem sustentados por um exército 
de voluntários como o das tribos.
O Deus Javé era o rei das tribos de Israel (Jz 
8,22-23; ISm 8,7; Nm 23,22; Dt 33,4-5). Em termos práti­
cos isto significava que os camponeses israelitas não pa­
gavam tributos a ninguém. O único tributo era a oferta 
a Javé dos primogênitos dos rebanhos e as primícias do 
campo. Nos sacrifícios mais comuns, os Zebahim e os 
Shelamim, o animal sacrificado era dividido entre o sacer­
dote, o ofertante e seus convidados, e Deus (a parte con­
sumida no fogo). Uma descrição mais detalhada dos sacri­
fícios em Israel se encontra em Lv 1—7. Os tributos, por­
tanto, não eram pagos para benefício de outros, mas parti­
lhados em uma grande celebração na qual Deus também 
tomava parte.
Em resumo, podemos apresentar graficamente da se­
guinte maneira a organização social de Israel no seu está­
gio tribal:
JAVÉ
Aldeias
Os patriarcas pré-israelíticos. Quando as tribos israe- 
líticas em Canaã aceitaram como própria a história da 
libertação da escravidão (o êxodo), não rechaçaram sua 
própria pré-história. As tradições patriarcais de Abraão, 
Isaac e Jacó conservam a memória dos líderes, anterior 
à formação da aliança tribal, que deu origem a Israel.
É muito pouco o que se pode deduzir dos relatos 
em torno da pré-história das tribos. Observamos que Isaac 
está vinculado com a região semidesértica do sul da Pa­
lestina. Como na distribuição tradicional das terras em Jz 
13—19 este território é dado à tribo de Simeão, é provável 
que estas tradições sejam dela.
Seguindo a mesma argumentação, Jacó pertence às 
tradições centrais de Israel, Efraim e Manassés. Abraão 
pertencia à tribo de Judá. O vínculo genealógico que fez 
de Abraão pai de Isaac e avô de Jacó foi uma forma de 
reafirmar a unidade das tribos.
oooooo
- -
oo
Tribo A Tribo B Tribo C Tribo Ü
-------III-----
Surgem os reis 
sobre as tribos de Israel
Saul organiza um exército profissional. Reação profé­
tica. Na segunda metade do século XI surgiram chefes 
militares que tomaram o título de rei (melek). Segundo 
os textos bíblicos, esta mudança foi uma resposta a 
pressões internas e externas. A corrupção dos juizes na 
administração da justiça foi um dos problemas internos 
(ISm 8,5). Investigações recentes sobre a agricultura pra­
ticada na época nas montanhas de Efraim e Judá (David 
C. Hopklns, Frank S. Frick) sugerem porém outra causa 
que nossos textos não mencionam. A intensa agricultura 
praticada nas montanhas da Palestina exigia a difícil cons­
trução e manutenção de patamares nas encostas. O pro­
blema da falta de chuvas que nesta região não apresenta 
suficiente regularidade para garantir a colheita anual são 
características de sua precariedade. Além disto, há o pro­
blema da mediana qualidade do solo que exigia depois de 
cada ano um período de repouso. Esta situação obrigava 
as aldeias a diversificar seus cultivos, combinando plantas 
perenes, principalmente a oliveira e videira, com os cereais 
básicos como trigo e cevada de cultivo anual. Somente 
depois dos árduos e lentos trabalhos da construção dos 
patamares e a escavação de cisternas na rocha se teria
uma produção mais ou menos estável. Obtidas estas con­
dições, a produção da agricultura começa a originar o 
acúmulo de excedentes que ocorrem de modo desigual. O 
acúmulo seria maior em microzonas de maior fertilidade 
com o solo em declive para o ocidente de onde vinham 
as chuvas. Este é o contexto no qual surgem como chefes 
militares os chefes das principais famílias destes povoa­
dos. Por razões de ordem econômica (a distribuição dos 
excedentes), políticas (a coesão familiar em torno do “pai’’) 
e militares (defesa contra ataques de populações menos 
favorecidas), esta situação favorece o surgimento de estru­
turas proto-estatais. Processos análogos foram observados 
por antropólogos também na África.
A razão principal apresentada pelos textos bíblicos 
para explicar o surgimento da monarquia foi a pressão 
externa causada pelos filisteus desde meados do séc. XI. 
Os filisteus vinham do mar para implantar-se na planície 
situada entre as montanhas e o mar, especialmente nas 
cinco cidades de Gat, Gaza, Ascalon, Acaron e Azoto. Uma 
vez nas cidades, organizaram exércitos fortes com carros 
e cavalos e estabeleceram guarnições militares nas monta­
nhas para recolher tributos dos israelitas. A defesa dos 
israelitas com exército de voluntários teve dificuldades em 
fazer frente à força dos filisteus. Esta pressão externa 
juntou-se às forças internas para criar um clima favorável 
à centralização política.
Foi o benjaminita Saul quem soube ganhar com esta 
situação. Saiu do anonimato quando comandou os volun­
tários das tribos na defesa contra os amonitas (ISm 11), 
atuando, assim, como os “juizes” militares em tempos 
anteriores, como Débora e Gedeão. Nesta ocasião, porém, 
houve um forte movimento para convertê-lo em rei sobre 
Israel. Assim se obteria um exército permanente para a 
defesa da nação. Tudo culminou, segundo ISm 11, com 
a sua coroação feita pelos representantes de todo o povo 
em Guilgal.
Inicialmente Saul organizou um exército de três mil 
homens. Desafiou os filisteus matando seu governador mi­
litar, mantido nas montanhas de Efraim (ISm 13,2-3). 
Como se pode constatar pelo texto de ISm 14,47-52, um
resum o da sua gestão, Saul incorporou a seu exército todos 
03 bravos e valentes que conhecia. Com eles, durante todo 
o seu reinado, dedicou-se à guerra.
Segundo nossos textos, Saul foi declarado rei pelas 
tribos-. No entanto é importante notar os limites do seu 
poder. Não tinha, como era comum aos reis daquela época, 
nem um sacerdócio oficial nem um aparelho civil desen­
volvido para cobrar impostos. A falta de uma capital do 
reino manifesta esta carência. Saul continuou vivendoem 
Gabaá de Benjamim, seu povoado, que nem sequer possuía 
muralhas. A falta de uma capital segura impediria o de­
senvolvimento de um aparelho completo de estado. A 
interpretação comum de ISm 22,7 diz que Saul começo» 
a acumular as terras reais, o que vem ao encontro do que 
foi dito anteriormente quanto às condições para o surgi­
mento dos chefes militares nas montanhas. É provável 
que seu exército pôde manter-se, em boa parte, com o 
resultado das guerras de conquista. Isto produziu um esta­
do incipiente que podemos diagramar da seguinte maneira:
As flechas “b” representam linhas de autoridade. 
Saul deve submeter-se às leis de Javé, que continua sendo 
o Rei supremo, e ao profeta Samuel, seu mensageiro. As 
flechas'“a” representam os tributos pagos mais ao exér­
cito em forma de valentes jovens para a guerra, que ao 
próprio rei. Não é evidente ainda a existência de classes 
sociais. Havia porém uma diferença na divisão do traba­
lho entre aqueles que produziam (as aldeias) e aqueles 
que se dedicavam à defesa (o rei e o exército); uma classe 
ociosa não aparece.
A reorganização das tribos para obter um exército 
profissional representava, aos olhos de quem mantinha 
viva a memória da revolução encabeçada por Javé e por 
seu profeta Moisés, um perigoso passo de retrocesso na 
direção da escravidão egípcia. Nossos textos bíblicos, que 
não são documentos contemporâneos aos acontecimentos, 
mas frutos de muitos anos de reflexão, apresentam o pro­
feta Samuel como a voz dos que anunciaram este perigo. 
Vale a pena estudar ISm 8 e ISm 12 para conhecer estas 
advertências.
Em ISm 8 Samuel inicialmente rejeita o pedido 
dos anciãos que lhe pediam um rei. Repetiu o argumento 
de Gedeão, pois nomear um rei “como todas as nações” 
era repudiar a monarquia de Javé (ISm 8,4-7). No entan­
to, atuando como profeta em nome de Javé, autorizou a 
nomeação de um rei, depois de advertir dos perigos de 
tal empreendimento que podia levá-los de volta à escra­
vidão (ISm 8,10-17).
ISm 12 apresenta-nos o discurso de despedida de 
Samuel antes de sua morte (apesar de ter vivido mais 
alguns anos). Neste texto Samuel e o povo reconhecem 
que pedir um rei foi um grave pecado. Aceita, porém, que 
tudo poderia prosseguir bem diante de Javé, se tanto o 
rei como o povo “temerdes a Javé e o servirdes, se lhe 
obedecerdes e não vos opuserdes ao que ele disser” (ISm 
12,14). Saul, no entanto, o rei escolhido pelas tribos e aben­
çoado por Samuel, será rejeitado mais tarde pelo mesmo 
profeta Samuel, por ordem de Javé (ISm 15,28.34-35).
O esquema tenta demonstrar, conforme estes textos, 
que Javé continua sendo o rei supremo de Israel. O rei 
não é, ao contrário dos reis cananeus, um soberano abso­
luto. Está sujeito às leis de Javé, reveladas ao seu servo 
Moisés no Sinai, e à Palavra vivente que Javé lhe dirige 
por seu servo Samuel.
Uma nação-Estado substitui a nação de tribos. Davi, 
seu governo e sua nova teologia. Pouco antes do ano 1000 
a.C. Davi de Judá surge como rei de Israel. Além de mi­
litar foi um líder político que mudou profundamente a 
índole da nação. É necessário estudá-lo com atenção.
Davi inicia sua vida pública como militar no exér­
cito de Saul. A história da derrota do gigante filisteu 
Golias provavelmente é um caso de transferência, pois a 
mesma proeza é atribuída a Elcana em 2Sm 21,19. Sem 
dúvida, no entanto, foram façanhas em campo de batalha 
que levaram o povo a cantar: “Saul matou mil mas Davi 
matou dez mil” (ISm 18,7). Casou-se com Micol, uma das 
filhas de Saul, assunto que na memória popular está entra- 
nhadamente unido às suas proezas militares (ISm 18,17-30).'
Chegou o momento em que Davi rompeu com Saul 
e o exército de Israel para voltar a Judá e organizar seu 
próprio exército (ISm 22,1-2). Enviou seus pais ao estran­
geiro e empreendeu uma luta de guerrilhas nas montanhas 
de Judá (ISm 22,3-5). ISm 25 revela a tática que Davi 
usava para conseguir o sustento para seu exército: tribu­
tos “voluntários”. Permite também perceber os limites 
desta tática, pois este tributo resultava em mais um peso 
para a população, retirando assim a base política de sus­
tentação da sua causa. Por isto Davi se retira com seus 
homens para o território filisteu e ali serve ao rei Aquis 
de Gat que lhe dá, como feudo, a cidade de Siceleg (ISm 
27,1-12).
Com a morte de Saul, seu filho Isbaal (ou Isboset) 
passou a ser o rei de Israel, embora tivesse que retirar- 
se na Transjordânia e governar desde a cidade de Maanaim 
(2Sm 2,8-10). Davi aproveitou-se da morte de Saul e de 
seu filho Jônatas, bem como da debilidade de Isbaal para 
regressar abertamente a Judá, onde foi coroado rei de 
Judá pelos anciãos do povo (2Sm 2,1-4). Por um breve 
período teve Israel dois reis.
Isbaal foi assassinado pelos seus próprios homens 
(2Sm 4,1-12) e Davi foi declarado rei por uma delegação 
de anciãos das tribos que tinham vindo visitá-lo em 
Hebron de Judá, onde mantinha sua capital (2Sm 5,1-5). 
Com sua astúcia política, Davi soube tirar proveito da si­
tuação. Seu primeiro ato foi conquistar uma nova capital, 
e esse fato requer um momento de atenção de nossa parte.
Jerusalém é uma antiga cidade, já citada nas cartas 
de Tell-el-amama no séc. XIV a.C. Seus habitantes eram 
jebuseus. Não aceitaram unir-se às tribos de Israel e
nem essas puderam submetê-los. No tempo de Davi era 
um enclave monárquico no interior das montanhas con­
troladas pelas tribos de Israel, constituindo assim um 
obstáculo às comunicações entre Judá ao sul e as demais 
tribos do norte. Isto explica ao menos em parte a história 
separatista de Judá. Imediatamente após sua nomeação de 
rei de todo Israel, em tom o do ano 1000 a.C., Davi e seu 
exército conquistaram a cidade que foi chamada “cidade 
de Davi” (2Sm 5,6-12). Isto foi de transcendental impor­
tância para o futuro de Israel.
Algumas razões de importância são: 1) Sua locali­
zação geográfica entre as duas divisões de Israel, separan­
do Judá ao sul e as demais tribos ao norte. 2) Sua loca­
lização estratégica para a defesa, pois estava sobre uma 
colina cujo único acesso fácil era pelo norte. Além disso, 
estava cercada por muralhas. 3) Davi a conquistou com 
seu próprio exército, fazendo-a a cidade de Davi. Isto 
quer dizer que não havia nela os anciãos a quem Davi 
deveria consultar; Davi foi o senhor absoluto de Jerusa­
lém. 4) Os habitantes de Jerusalém, com a sua longa expe­
riência monárquica, tornaram-se uma. fonte de oficiais de 
governo para o novo rei de Israel, uma nação sem expe­
riência de administração pública. Isto explica por que Davi 
não tenha passado à espada seus habitantes, o que, segun­
do algumas tradições, Javé ordenava para as cidades de
• Canaã (Dt 20,16-18).
Temos uma informação concisa sobre a cúpula admi­
nistrativa estabelecida por Davi em 2Sm 8,15-18. Aqui se re­
vela uma ansiosa dualidade, tanto no exército (com dois 
generais, Joab e Banaías) como na administração religiosa 
(Abiatar e Sadoc). Uma possível explicação, não totalmen­
te segura, é que Joab e Abiatar representem forças tradi­
cionais em Israel, enquanto que Banaías, comandando 
uma elite militar de quereteus e peleteus, e Sadoc repre­
sentavam a nova força monárquica, sem compromissos 
com as tribos. Sadoc pode ter sido um sacerdote jebuseu 
tomado por Davi para dividir a direção religiosa do seu 
reino com Abiatar, um sobrevivente da família sacerdotal 
de Silo e Nobe no território de Efraim.
As numerosas conquistas de Davi exigem uma refle­
xão política (2Sm 8,1-14). Davi construiu um império. Por
quê? Uma suspeita que parece bem fundada é que desta 
forma Davi podia sustentar um significativo aparelho de 
Estado sem impor tributos às tribos de Israel. Estas 
tinham uma longa história de resistência a qualquer tipo 
de tributo, e impô-los teria sido, politicamente, explosivo. 
Mantendosob seu domínio os edomitas, os moabitas, os 
filisteus, os amonitas e os arameus, e extorquindo-lhes tri­
butos, Davi podia manter seus palácios, seu exército e sua 
capital, aliviando assim as tribos de Israel deste grande 
peso.
Davi, não obstante isto, teve que enfrentar vários 
movimentos de rebeldia surgidos no meio das tribos. O 
mais importante foi encabeçado por Absalão, seu filho, 
que conseguiu coroar-se rei em Hebron, a antiga capital, 
judaica de Davi (2Sm 15,7-12) e tomar posse de Jerusalém 
por um certo tempo (2Sm 15—17). Outro levantamento 
importante foi encabeçado por Seba de Benjamim com um 
lema que teria importância posteriormente: “Não temos 
parte com Davi, nenhuma herança com o filho de Jessé! 
Cada qual para suas tendas, ó Israel!” (2Sm 20,1). Ben­
jamim fora o berço de Saul e havia quem suspeitasse da 
inocência de Davi ante as mortes da descendência de Saul. 
Apesar das inconformidades enfrentadas por Davi, ele é 
recordado na Bíblia como um rei bom, provavelmente por 
causa dos êxitos militares e cuidados em não passar por 
cima das prerrogativas das tribos de Israel.
Do ponto de vista da religião, Davi introduziu algu­
mas novidades que mudaram a natureza da religião de 
Javé. A primeira foi trazer a arca da aliança, onde se 
guardavam as tábuas da lei dadas por Deus a Moisés, para 
sua nova capital. Organizou uma grande festa para cele­
brar o traslado (2Sm 6). Comprou ademais um terreno 
para colocar a tenda da arca em uma propriedade da 
Coroa (2Sm 24). Isso e a nomeação do sacerdote-chefe como 
funcionário da Coroa indicam que Davi estava seguindo o 
caminho dos reis das nações, instituindo um culto contro­
lado diretamente pelo rei: Nas sociedades tributárias, como 
as de Canaã, isto era decisivo. Era necessário justificar 
ao povo a dominação total que os reis exerciam. O rei 
devia ser reconhecido como deus ou como filho de deus
para poder legitimar seu controle absoluto sobre as terras, 
sobre os animais e sobre seu povo.
É natural, portanto, que Davi queira construir um 
templo a Javé, o Deus de Israel (2Sm 7). É natural do 
ponto de vista do rei, porém o profeta Natã, provavel­
mente reconhecendo o perigo em deixar ao rei o controle 
do culto a Javé, o Deus libertador dos pobres, se opôs 
falando da parte de Deus: “Durante todo o tempo que 
andei com os filhos de Israel, porventura disse a um só 
dos juizes de Israel instituídos por mim como pastores 
do meu povo Israel: ‘Por que não edificais para mim uma 
casa de Cedro?’ ” (2Sm 7,7). Davi não se sentiu em liber­
dade para desconhecer as palavras do profeta de Javé e 
se absteve de tal empreendimento.
Sua abstenção durou somente uma geração, pois Sa­
lomão, seu sucessor, construiu o templo para Javé no 
terreno adquirido por seu pai em Jerusalém. Foi no tempo 
de Salomão, certamente, que se acrescentaram as palavras 
de 2Sm 7,13, modificando a proibição limitando-a unica­
mente ao rei Davi e não aos seus sucessores.
Podemos representar a sociedade israelita, organiza­
da por Davi como nação-Estado, da seguinte maneira:
JAVÉ
Sob muitos aspectos o Estado davídico era similar 
aos estados cananeus rechaçados anteriormente pelas tri­
bos. Existia, como entre os cananeus, um exército, um 
sacerdócio e uma administração civil que dependia direta­
mente da vontade do rei e de seu apoio econômico. Estes 
aparelhos não eram representativos das tribos; a relação
r)a<; tribos era direta com o rei e somente através dele 
com os aparelhos de Estado.
Ficaram, contudo, alguns freios à tirania. O primei­
ro era sem dúvida a organização popular. As aldeias não 
enfrentavam individualmente o rei, como acontecia no Egi­
to e em Canaã. As aldeias organizadas em tribos tinham 
mais força para enfrentar o rei. Outro limite à tirania foi 
o reconhecimento geral da autoridade suprema de Javé, 
exercida através da lei do Sinai, válida também para o 
rei (como no caso de Betsabéia cujo marido Davi eliminou 
com o propósito de possuí-la, 2Sm 11—12), e através do 
profeta de Javé, Natã, no tempo de Davi: Este segundo 
limite é de natureza estritamente espiritual. Natã não dis­
punha de exércitos. Porém o apoio popular lhe deu força 
política considerável.
A nação de Israel nascida como sociedade revolu­
cionária voltou a ser, sob o reinado de Davi, uma socie­
dade de classes. Seu governo, porém, não foi opressivo. 
Podia viver, em grande parte, com os tributos pagos pelos 
povos conquistados. Davi, além disso, respeitou as tradi­
ções das tribos. Preparou, no entanto, as condições para 
Salomão, seu filho, oprimir o povo, após sua morte.
Do ponto de vista teológico foi de grande relevo o 
surgimento, a partir do sacerdócio do rei, de uma nova 
teologia: a ideologia real ou teologia davídica. Essa nova 
teologia não foi, provavelmente, toda elaborada no tempo 
de Davi. Foi ele, porém, quem a iniciou. Os Salmos, por 
exemplo, expressão máxima desta teologia, até o dia de 
hoje são atribuídos majoritariamente à autoria de Davi. 
Para uma leitura a partir dos pobres a teologia davídica 
é muito ambígua, podendo servir, como aconteceu, para 
amparar e legitimar sua opressão. Não quer dizer que se 
deva rechaçar a teologia davídica como um todo. Ela 
contém elementos autênticos da fé em Javé, o Deus do 
êxodo, e pôde servir de fonte importante para o messianis­
mo de Jesus. Desde o tempo de Davi a teologia em Israel 
teve dois focos: o Êxodo como libertação do povo de Deus 
e a eleição de Davi como filho de Javé e defensor de seu 
povo.
O campo ideológico em Israel 
(teologia bíblica)
A teologia davídica foi elaborada pelos sacerdotes do 
rei na cidade de Jerusalém. Os Salmos compõem o livro 
de orações e celebrações do templo daquela cidade. Ex- 
plica-se assim a importância dos temas da teologia daví­
dica nos Salmos. Eis alguns temas:
• O estabelecimento de um pacto eterno entre Javé 
e Davi — é o coração desta teologia. Encontramos 
esta teologia no Salmo 89. Na teologia do Êxodo a
aliança entre Javé e Israel foi feita no Sinai com a media­
ção de Moisés. Javé seria Deus para o povo enquanto este 
observasse seus mandamentos (Ex 19,3-8). Na teologia da­
vídica, ao invés, neste e noutros salmos, a aliança é esta­
belecida entre Javé e Davi (SI 89,4-5). Ademais, esta alian­
ça é eterna e inquebrantável porque fundada sobre um 
juramento de Javé (SI 89,35-36). Se o rei violar seus man­
damentos será castigado, porém Javé jamais romperá sua 
aliança (SI 89,31-34).
• Expressão da eleição de Davi é a declaração de 
que os reis de Jerusalém são filhos de Javé (por 
uma espécie de adoção). O Salmo 2 é uma liturgia
de entronização de novos reis cujas palavras centrais são 
o decreto de Javé: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei. 
Pede, e eu te darei as nações como herança” (SI 2,7-8). 
Este elemento da ideologia real das nações vizinhas sur­
preendentemente entrou na teologia de Jerusalém.
• Um corolário da eleição do rei era a eleição da 
cidade de Jerusalém por Javé para ser seu “repou­
so” (SI 132,13-14). O Salmo 132 demonstra a dili­
gência de Davi em buscar um lugar para a arca de Javé.
A teologia davídica não esquece que Javé é o Deus 
dos pobres. Javé escolhe para Sião um rei benfeitor e 
defensor dos pobres. Para isto Javé o põe sobre o trono. 
Este aspecto essencial da teologia davídica é desenvolvido 
no Salmo 72. Desde os tempos antigos até hoje este Salmo 
pode ser usado contra tiranos exploradores dos pobres, 
como Somoza. Os Salmos de Ernesto Cardenal mostram 
este potencial popular da ideologia real.
Na Igreja cristã estes Salmos foram lidos como 
anúncio da vinda do Messias, realizado na pessoa de 
Jesus. Esta leitura messiânica dos Salmos lhes dá uma 
perspectiva bem diferente.
Esta leitura, no entanto, não apaga seu significado 
original de ideologia de Davi e sua descendência.
Salomão: um templo de Javé legitimaa opressão do 
povo. A narração da história do reinado de Salomão deve 
começar com a disputa pelo trono com seu irmão maior 
Adonias. Quando o rei Davi estava velho e incapaz de go­
vernar, Adonias, com o apoio de Joab, chefe do exército, 
e de Abiatar, um dos sacerdotes principais, declarou-se rei 
(lR s 1,1-10). Ele parece representar o partido mais tradi­
cionalista entre os membros da corte.
O partido mais identificado com o novo projeto de 
monarquia conseguiu, através de uma intriga palaciana, que 
o ancião Davi declarasse seu apoio a Salomão (lR s 1,11-40). 
Juntos no partido de Salomão estavam Natã, cujo oráculo 
sobre a promessa de Javé a Davi foi decisivo para a con­
solidação da teologia davídica (2Sm 7,8-16), Banaías, chefe 
dos quereteus e peleteus, e Sadoc, o sacerdote.
Com a morte de Davi, o novo rei fez um expurgo 
dos seus rivais. Mandou matar Adonias e Joab. Exilou 
Abiatar em Anatot no território de Benjamim. Parece que 
eles conseguiram manter-se como família sacerdotal de 
oposição. Deles surgirá, mais tarde, o profeta Jeremias.
Este expurgo de pessoas da corte permitiu a Salo­
mão um governo mais eficiente que o de Davi. Não foi 
obrigado a respeitar as antigas estruturas tribais. lR s 
4,7-19 nos dá uma lista dos “governadores” que adminis­
travam um sistema de doze distritos criados por ele. 
Alguns distritos coincidem com os antigos territórios tri­
bais, porém outros são formados por territórios conquis­
tados por Davi ou pela integração de várias tribos. A no­
meação de governadores sobre os territórios tradicionais 
das tribos é uma novidade muito significativa. O rei deixa 
de lado as autoridades do povo e impõe suas próprias 
autoridades. O governo da nação tornou-se piramidal.
Cada governador era responsável pelo levantamento 
de tributos suficientes para a manutenção do aparelho do 
Estado pelo período de um mês por ano. Deviam forne­
cer víveres para a numerosa família do rei, para os “servos 
do rei” e para os cavalos de guerra (lR s 5,1-8). (Em algu­
mas Bíblias a numeração destes versículos é 4,21-28).
Além dos tributos em bens materiais Salomão intro­
duziu o tributo em trabalhos forçados, a corvéia. É signi­
ficativa a maneira de sua introdução. O oráculo de Natã 
proibira a construção de um templo. Este oráculo, agora 
emendado, serviu de apoio a Salomão para realizar o que 
o pai Davi não pudera concretizar: a construção de um 
templo suntuoso para Javé Deus de Israel.
Para isso organizou a população por turnos de tra­
balho. Trinta mil para transportar madeira desde o Líba­
no, setenta mil carregadores e oitenta mil canteiros (lR s 
5,15-32) (= 5,1-18). Sobre esta população que trabalhava 
um mês de cada três nas obras da construção, pôs três 
mil e trezentos capatazes dos servos do rei. O administra­
dor geral de toda a corvéia do país era um certo Adoniram 
ou Adonisam filho de Abda (lR s 4,6).
Terminada esta obra, Salomão empregou a corvéia na 
construção de melhores defesas para Jerusalém, de palá­
cios para suas esposas, de cidades armazéns e guarnições 
como Gazer, Bet-Horon Baixa, Baalat e Tamar, e de está­
bulos para seus cavalos de guerra (lR s 9,15-24). (A afir­
mação de lR s 9,22 de que não empregou israelitas na 
corvéia não concorda com a evidência do capítulo 5 nem 
com lR s e deve ser uma tentativa para encobrir a realidade.
A riqueza derivada da exploração da população de 
Israel Salomão acrescentou o lucro obtido do comércio 
por ele estimulado. Construiu uma frota para navegar o 
mar Vermelho (lR s 9,26-28). Servia de intermediário entre 
os exércitos daquele tempo: comprou cavalos da Cilícia
para vendê-los aos egípcios, e carros do Egito para vendê- 
los aos arameus (lR s 10,26-29). Aparelhou também seu 
próprio exército com numeroso contingente de carros.
O templo de Javé, funcionando em Jerusalém na 
propriedade real, com sacerdotes pagos pela Coroa, cons­
tituía-se uma peça importante da estrutura social da época. 
Assegurava, com a sua teologia e festas, a legitimidade de 
Salomão.
Javé, o Deus libertador da escravidão egípcia, aben­
çoava agora Salomão, e através dele o povo escolhido por 
Deus. Para podermos ler criticamente as afirmações elo­
giosas da Sagrada Escritura sobre Salomão, é necessário 
recorrer à chave teológica de leitura a partir dos pobres: 
o êxodo. Esta chave de leitura evidencia que o Javé de 
Salomão não é o mesmo Deus que ouvira o clamor dos 
oprimidos no Egito. O Deus dos pobres fora capturado 
pelos seus dominadores para servir de legitimação da 
opressão infligida aos camponeses de Israel.
A estrutura social do reino de Salomão assemelha- 
se às estruturas clássicas do modo de produção tributá­
rio, com a única diferença que o rei, em Israel, estava 
formalmente submetido à lei de Javé. Nunca se afirma, 
porém, que um profeta lhe tenha imposto limites em nome 
da Palavra de Javé.
/
Classe
opressora
\
Camponeses
oprimidos
Este esquema acaba com a organização popular das 
tribos, agora mudadas em distritos, que respondem à 
administração do rei e não à organização popular. As 
flechas com sentido ascendente indicam os tributos extraí-
SACERDÓCIO
dos das aldeias para o rei por meio dos governadores dos 
distritos. Estes tributos se compõem tanto de bens mate­
riais como de trabalho. As flechas com sentido descenden­
te representam a autoridade do rei que fazia o que queria 
com seus servos, cujos cargos dependiam do beneplácito 
do rei.
Como havia dito Samuel: “Vós mesmos vos tom a­
reis seus escravos” (ISm 8,17).
A produção literária desta época. Os primeiros do­
cumentos israelitas que se podem reconstruir provêm desta 
primeira época monárquica. Tudo o que há de mais anti­
go são poesias incrustadas em obras posteriores (os orá­
culos de Balaão, o cântico de Débora, etc.). Durante esta 
época surgem os primeiros produtos da literatura de 
Israel, provavelmente sob o influxo da corte de Salomão, 
recordado posteriormente como sábio devido ao ambiente 
intelectual de sua corte. As obras literárias desta época 
estão inseridas em obras maiores de uma época posterior. 
Existe, contudo, um amplo acordo entre os investigadores 
de que o relato Javista (J) do Pentateuco e a História 
da Sucessão são deste período.
Há mais de cem anos os investigadores concordam 
em identificar o relato do Pentateuco como resultado da 
combinação de três versões da história nacional das ori­
gens de Israel com um discurso atribuído a Moisés 
(Deuteronômio).
A partir do trabalho de Julius Wellhausen, de pouco 
mais de cem anos atrás, se reconhece a Javista como a 
mais antiga das três fontes e a de melhor forma e beleza 
narrativa.
O conteúdo do relato javista é fruto da tradição oral 
da experiência do tempo da organização tribal. Compõe-se 
de quatro temas: 1) promessa de terra e descendência aos 
patriarcas; 2) êxodo da escravidão no Egito; 3) entrega 
da lei de Javé no monte Sinai; 4) e peregrinação no de­
serto com dupla ênfase: na graça de Javé e nas rebeliões 
de Israel. Um quinto tema é o cumprimento da promessa 
de terra, pouco desenvolvido por se limitar às derrotas 
de Seon e Og na Transjordânia. Desde a brilhante análise
teológica de Gerhard Von Rad se reconhece que a criação 
e toda a proto-história não fazia parte da tradicional his­
tória de Israel, mas foi posta antes dessa história para 
dar significado universal à história da nação.
A perspectiva, o ponto de vista, sob o qual se narra 
a história de Israel, é judaíta, isto é, sulista. Na bênção 
de Jacó (Gn 49) e nos oráculos de Balaão (Nm 24), há 
indícios que apontam o reinado de Davi e Salomão como 
a culminação da história primitiva de Israel, segundo o 
Javista.
Leonhard Rost, em 1926, fez um estudo sobre a outra 
grande obra literária deste período. É considerado um 
clássico. Compõe-se de 2Sm 9—20 e lRs 1—2. Trata-se do 
relato deuma testemunha ocular dos acontecimentos no 
interior da corte de Davi que culminaram com a surpreen­
dente sucessão de Salomão ao trono, embora não fosse o 
filho maior e portanto o herdeiro. A obra é escrita num 
estilo admirável e com uma consciência histórica extraor­
dinária para a época. A teologia, em particular, não atri­
buindo intervenções milagrosas a Javé, constitui-se numa 
evidência da ilustração intelectual da corte salomônica. 
Apesar de tudo, é uma sofisticada obra apologética bus­
cando justificar a sucessão de Salomão ao trono de seu 
pai Davi.
---- IV ----
Revolta das tribos 
contra a dinastia davídica
Antes da morte de Salomão, houve um Jevante das 
tribos encabeçado por Jeroboão de Efraim. Jeroboão era 
um alto funcionário encarregado do recrutamento da “casa 
de José”, provavelmente nos distritos de Efraim e Benja­
mim (lR s 11,26-28). Com o fracasso da rebelião, Jeroboão 
refugiou-se no Egito junto ao rei Sesac de quem recebeu 
asilo (lR s 11,40).
A morte de Salomão no ano 931 a.C. e o desconten­
tamento das tribos ofereciam ótima oportunidade a Jero­
boão. Este voltou e organizou uma assembléia das tribos 
em Siquém, antiga e importante cidade de Efraim. As 
tribos convocaram o jovem rei Roboão, filho de Salomão, 
“para proclamá-lo rei” (lR s 12,1). Antes, porém, de 
proclamá-lo rei ofereceram ao jovem algumas condições: 
“ . . . agora, alivia a dura servidão de teu pai e o jugo pe­
sado que ele nos impôs e nós te serviremos” (lR s 12,4).
Existem duas versões da Assembléia de Siquém em 
931 a.C.: uma no texto massorético (TM), a antiga Bíblia 
hebraica; a outra na versão dos Setenta (LXX), a antiga 
Bíblia grega. Embora esta fosse usada pelos primeiros 
cristãos, hoje, as Bíblias modernas preferem traduzir o
texto hebraico. Pois bem, parece que, depois de Jeroboão 
e seus seguidores haverem feito suas exigências, Roboão 
mandou consultar os anciãos das tribos que Salomão des­
tituíra substituindo-os pelos governadores. Estes repetiram 
as exigências de Jeroboão (lR s 12,24 q LXX). Reunido 
depois com seus próprios conselheiros, “que comiam na 
mesa com ele”, concordaram em manter a linha dura, pen­
sando que de outro modo os pedidos não acabariam nunca 
(lR s 12,24 r LXX). (A Bíblia hebraica reduz, de maneira 
pouco provável, esta discussão a um debate interno da 
corte, entre conselheiros anciãos e conselheiros jovens, lRs
12,6-15).
Diante da recusa de Roboão em atender seus pedi­
dos, o povo recusou-se a proclamá-lo rei retirando-se das 
negociações cantando em coro o antigo lema de Seba, o 
Benjaminita: “Que parte temos com Davi? Não temos 
herança com o filho de Jessé. Para as tuas tendas, ó Israel! 
E agora cuida da tua casa, Davi!” (lR s 12,16). Completa­
ram sua rebelião apedrejando até a morte Adoram, chefe 
supremo dos trabalhos forçados (lR s 12,18). Roboão fugiu 
para Jerusalém onde toda burocracia lhe continuara fiel. 
Em torno a Jerusalém pôde agrupar toda a tribo de Judá 
e, parece, a maior parte de Benjamim (lR s 12,21).
As tribos de Israel, enquanto isso, proclamaram rei 
Jeroboão que fez de Siquém sua capital provisória (lR s 
12,20.25) . No entanto, Siquém não era sua cidade no 
mesmo sentido que Jerusalém era a cidade para os da 
linhagem de Davi. Siquém era uma antiga cidade com 
suas tradições próprias. Tinha, inclusive, a lembrança da 
grande assembléia convocada por Josué nos tempos herói­
cos da revolução (Js 24). Mais tarde Jeroboão transferiu 
sua capital para Tersa, cidade localizada dentro da juris­
dição dos anciãos de Manassés.
A „ falta de uma capital própria reflete a natureza 
deste reinado surgido como reação de protesto contra a
Jeroboão estava se transformando numa liderança 
militar do tipo de Saul. Era responsável pelo exército de 
Israel, porém não controlava um sistema., de arrecadação 
de tributos com sua respectiva burocracia civil. Tampou­
co mantinha um templo e o sacerdócio dependentes da 
coroa.
Voltemos, um momento, a um dado importante que 
é o apoio profético ao levantamento de Jeroboão. Tanto 
o TM como a LXX, as duas Bíblias antigas, concorriam 
com o apoio dos profetas à rebelião, ainda que difiram 
nos detalhes. No TM, Aías de Silo incitou Jeroboão à sua 
primeira rebelião que seria infrutuosa (lR s 11,26-40). Não 
dá como motivo a opressão de Salomão mas o fato de 
ele seguir os deuses estrangeiros, os deuses das suas espo­
sas (lR s 11,33). Não é um motivo totalmente diferente da 
opressão. Como vimos, Javé era um Deus que não tole­
rava a opressão, enquanto que para outros deuses isto 
não era um problema. Contudo, a LXX pode estar mais 
próxima dos verdadeiros motivos históricos. Afirma que 
foi o profeta Semeías de Elam a incitar Jeroboão, não 
para a sua primeira rebelião, mas para convocar a assem­
bléia de Siquém depois da morte de Salomão (lR s 12,24 
o LXX).
De todos os modos é significativa a resposta dos 
profetas ao gemido das tribos de Israel frente à apostasia 
e à opressão. O levante das tribos contra a casa de Davi 
teve o apoio de Javé e seu(s) profeta(s).
Examinar, com a chave de leitura teológica do êxodo, 
as medidas religiosas que tomou Jeroboão é fundamental 
para o entendimento dos livros dos reis (lR s 12,26-33). 
Este texto foi escrito do ponto de vista de Jerusalém. O 
templo de Jerusalém, como já vimos, é fruto de uma po­
lítica de expropriação dos objetos sagrados do povo para 
pô-los sob o controle e ao serviço dos opressores. Isto 
levanta suspeitas com relação ao texto.
Jeroboão estabeleceu em Betei e Dã lugares de culto, 
nos diz o texto. Se examinarmos as tradições das tribos 
veremos claramente que tanto Betei como Dã eram anti­
gos .centros de culto a Javé. Em Betei Javé aparecera ao 
patriarca Jacó (Gn 28,10-22), e Dã é o lugar onde a tribo 
homônima estabelecera seu centro religioso depois da sua 
migração de Saraá e Estaol (Jz 18,28-31).
O refrão litúrgico “Eis o teu Deus (ou ‘teus deuses’ 
— pois se pode traduzir no singular ou no plural), Israel,
que te fez sair da terra do Egito” (lR s 12,28) é uma alusão 
clara às tradições do êxodo. Não há nada de teologica­
mente duvidoso nem no refrão, nem nos lugares de culto 
renovados por Jeroboão.
Os bezerros podem ser entendidos como imagens de 
Javé ou, mais provavelmente, como sua cavalgadura. Aarão 
teria levado o povo a cometer um grave pecado quando 
aceitou fabricar uma imagem de Javé para conduzir o 
povo pelo deserto. Teria sido uma violação do mandamen­
to do decálogo, “Não farás para ti imagens” (Ex 20,4). 
Os bezerros são, pois, questionáveis. No templo de Jeru­
salém, porém, também havia imagens: os querubins com 
suas asas estendidas cobriam a arca da aliança (lR s 8,6-7). 
Se Jeroboão violara com suas imagens um mandamento 
da lei sinaítica, Davi e Salomão também o fizeram com 
as suas. É mais provável que nem Jeroboão nem Davi ti­
veram consciência de estar violando um mandamento.
Em resumo, o culto a Javé auspiciado por Jeroboão 
não parece ter violado as tradições populares. Ao contrá­
rio, devemos entendê-lo como uma tentativa de devolver 
ao povo suas tradições agora usurpadas pelos reis em Je­
rusalém. A freqüente condenação no Livro dos Reis aos que 
“fizeram o mal aos olhos de Javé e imitaram a conduta 
de Jeroboão e o pecado ao qual ele tinha arrastado Israel” 
(lR s 15,34; 16,26; 2Rs 13,2; etc.) deve ser entendida como 
um juízo de Jerusalém que não reflete a fé do povo em 
Javé, o Deus do êxodo.
A política religiosa de Jeroboão não deve ser enten­
dida como uma imitação da política de Davi e sua linha­
gem. Nem Betei nem Dã se encontravam em cidades reais,
nem seus santuários estavam sobre propriedades dos reis. 
Certamente os reis exerciam alguma influência mas não 
com o controle total como os reis tinham no templo de 
Jerusalém. Sendo assim, com Jeroboão o povo reconquis­
tou algum controle da fé em Javé.Dois elementos da estrutura social de Israel servi­
ram como limites aos reis. O mais importante foi o exér­
cito, que, segundo parece, era recrutado por tribos. Pro­
vavelmente os batalhões eram organizados por tribos man­
tendo assim contato com suas origens. Do seio do exér­
cito saíram novos reis impossibilitando-lhes sua perpetua­
ção através dos filhos. Assim Baasa de Issacar matou, no 
acampamento militar, a Nadab, filho de Jeroboão, tomando- 
lhe o trono (lR s 15,27), no ano 909 a.C. No ano 885 a.C. 
Zambri, chefe da metade dos carros, matou o rei Ela, 
filho de Baasa (lR s 16,9). Era uma forma violenta mas
Q outro elemento de controle sobre os reis foi a par­
ticipação eficaz, dos profetas de Javé na vida pública. Aí as
de Silo condenou Jeroboão em nome de Javé, preparando 
assim o ambiente para o golpe de Baasa (lR s 14,1-18). 
O profeta Jeú, filho de Hanani, fez o mesmo contra Baasa, 
anos mais tarde (lR s 16,1-4). Desta forma em Israel (ao 
contrário de Judá) se manteve viva a tradição do papel 
público do profeta de Javé, papel que Samuel tinha ten­
tado instituir.
A sociedade israelita regressara, então, a um regime 
parecido com o de Saul e que podemos representar desta 
maneira:
Aldeias 
organizadas 
por tribos
JAVÉ
00 o o ooo ooo
ünWB
carecendo de um corpo de administração civil 
e mantendo pouca autoridade sobre os santuários religio­
sos, era mais que outra coisa um chefe militar, o respofí-
U Os tributos das tribos, expres- 
ü^JwWpteerviaJW^HRcipalmente para 
a manutenção do exército. Não havia, pois, opressão. O 
^ ■ ■ ■ ^ p o ssu ía lé§HHM ^iHM £iosa como o 
É fácil entender que as tribos pagassem, com o preço de 
uma certa instabilidade política, o fato de manterem o 
controle sobre as estruturas do governo. Os reis de Israel
não organizaram trabalhos forçados para construção de 
obras públicas. Não fizeram nem palácios, nem templos 
para os reis e nem sequer para Javé, seu Deus.
A versão do norte (eloísta) das tradições das origens. 
O surgimento de uma corte real com participação de inte­
lectuais, como vimos, permitiu que se escrevesse a histó­
ria das origens da nação a partir das tradições orais das 
tribos. Embora os escritos javistas no Pentateuco mostrem 
um grande respeito pelas tradições, não deixam de refletir 
um enfoque sulista. Era natural que quando as tribos de 
Israel se separaram de Judá seus intelectuais sentissem a 
necessidade de produzir, também eles, uma versão escrita 
das tradições das origens.
A ciência bíblica reconhece a história nortista como 
a versão eloísta, porque essa mostra uma clara preferên­
cia pelo termo “Eloim” para designar Deus em lugar do 
nome próprio Javé. Esta preferência facilitou muito o tra­
balho de separação desta versão no Pentateuco, onde se 
encontra combinada com a versão javista e sacerdotal (“P”).
A versãcnelSwfft das origens se caracteriza pela 
«■Wttência dada-aos profetas. Nela Abraão e Moisés sãò 
apresentados como profetas. O papel dos profetas na re­
ligião das tribos do norte coincide com esta ênfase. Atra­
vés deles a Palavra de Deus é dada a conhecer e não há 
outra resposta adequada por parte dos homens senão a 
obediência. A mediação dos profetas na história eloísta 
tem o efeito de retirar a presença direta de Deus nos 
assuntos terrenos, se se compara com a história javista. 
Embora a história^BBsta não tenha sido preservada toda 
no Pentateuco (é a mais fragmentária das três), evidencia- 
se o fato de limitar-se aos temas da tradição, quer dizer, 
patriarcas, êxodo, Sinai, peregrinações pelo deserto. Não 
tomou a liberdade da história i avista que acrescentou a ^
ííffetófta da criação e do dilúvio;.
Não há indícios na história eloísta, tal como se apre­
senta no Pentateuco, que permitam precisar a data de sua 
redação. É necessário conformar-se em saber que foi re- 
copilada no norte, quiçá em Betei, no período do reinado 
(931-722 a.C.), provavelmente mais para o começo do que 
para o fim deste período.
QUADRO CRONOLÓGICO DA HISTÓRIA DE ISRAEL
Aprox. 1220
1000
931
884-841
841-752
722
640-609
597
586
538
520-515
445-?
332
301-198
167-164
63
66-70 d.C. 
132-135 d.C.
Êxodo do Egito (Mernefta, 1224- 
1204)
Davi conquista Jerusalém 
Jeroboão com as tribos se revoltam 
contra Roboão
A dinastia de Amri (Amri, Acab, 
Ocozias, Jorão)
A dinastia de Jeú (Jeú, Joacaz, 
Joás, Jeroboão II, Zacarias) 
Destruição de Samaria pelos assírios 
Reinado de Josias (Reforma) 
Deportação de Joaquin à Babilônia 
Destruição de Jerusalém 
Retomo sob Sasabassar 
Reconstrução do templo de Jeru­
salém
Governo de Neemias 
Alexandre Magno conquista a Pa­
lestina
Domínio ptolomeu sobre a Palestina 
Insurreição dos Macabeus 
Pompeu conquista Jerusalém para 
os romanos
Primeira guerra contra Roma: des­
truição do templo
Segunda guerra contra Forra; fun 
da história de Israel.
--- V ---
A dinastia de Amri 
(884-841 a.C.)
Este é um período negro da história de Israel. É um
tempo em que os reis quiseram, por razões de estado, t f »
os grandes profetas Elias e Eliseu para fazer frente à crise.
O exército, como em outras vezes, pôs fim a esta 
experiência que do ponto de vista do povo foi triste.
Amri era o chefe do exército quando Zambri matou 
o rei Ela (lR s 16,16). Teve o apoio imediato das suas 
tropas que queriam fazê-lo rei. Zambri se suicidou. Me­
tade do povo seguiu Tebni, enquanto a outra metade apoiou 
Amri. Esta situação pôde durar vários anos mas ao final 
o partido de Amri prevaleceu.
Israel, nesta época, enfrentava sérios problemas de 
defesa. Judá se aliara aos arameus de Damasco contra 
Israel. Com isso Israel perdeu o controle de grandes exten­
sões do seu território nacional. No sul, Judá conquistara 
todo o território de Benjamim e parte de Efraim. A maior 
parte da Galiléia caíra sob o domínio dos arameus assim 
como toda a Transjordânia. Era prioritário, então, recupe­
rar o território perdido.
Amri enfrentou a crise combinando uma política 
interna de reforço do Estado com uma política externa 
de alianças.
A base da política interior foi a compra de um ter­
reno para a construção da capital como propriedade da 
Coroa. A esta nova cidade deu o nome de Samaria (lR s 
16,24). Povoou sua nova capital com pessoas que lhe eram 
diretamente fiéis, em essência, uma nova burocracia de 
governo. Fez construir um templo consagrado ao deus 
Baal (lR s 16,32). Isto é surpreendente, porém se pode 
entender pela “necessidade” de um sacerdócio que exalte 
a figura do rei para fortificá-lo politicamente. Era-lhe 
impossível domesticar a Javé que já rechaçara pretensões 
similares na família de Davi.
A política exterior de Amri apoiou-se no reconheci­
mento de Aram-Damasco. Para fortalecer-se estabeleceu 
uma aliança com Tiro e Sidônia, cidades comerciais muito 
ricas. Consolidou a aliança casando seu filho Acab com 
Jezabel, princesa de Sidônia. Jezabel trouxe consigo, pare­
ce, sacerdotes de Baal. Este casamento “diplomático” serviu 
de apoio a sua política interior de fortalecer o Estado.
O quadro completou-se com a outra aliança estabe­
lecida com Judá. Acabou-se meio século de guerras fron­
teiriças. Atalia, filha de Acab, foi dada em casamento a 
Jorão de Judá, filho de Josafá, para cimentar as novas 
e boas relações entre dois países que tiveram um mesmo 
passado na época tribal de Israel. Josafá e Acab comba­
teram juntos contra Damasco para recuperar a Transjor- 
dânia. Ambos os países (Israel e Judá) tinham interesse 
neste território (lR s 22). Esta aliança antiaramaica con­
tinuaria com Ocozias, filho de Jorão e Atalia, e Jorão de 
Israel, neto de Acab (2Rs 8,28-29).
O conjunto das políticas de Amri teve muito êxito no 
fortalecimento de Israel. A coalizão antiassíria deteve o exér­
cito inimigo em Carcar. Juntando-se ao rei de Damasco e 
de Emat,Acab levou ao combate uma tropa de dez mil 
soldados de infantaria e dois mil carros. Isto é atestado 
nos documentos de Salmanasar III da Assíria.
Os principais problemas para os Amridas, porém, 
eram de caráter intemo. Javé não podia conviver pacifi-
camente com Baal. Javé é um Deus ciumento (Ex 34,14-17). 
Não tolera que seu povo tenha outros deuses. Esta ca­
racterística de Javé se deve sem dúvida às lutas do perío­
do revolucionário. Combateram as cidades cananéias pre­
sididas por deuses legitimadores da dominação. A estra­
tégia política de Amri e sua linhagem foi praticamente 
uma: estabelecer em Samaria, sua capital, um culto oficial 
a Baal, sem impedir que os santuários de Javé em Betei 
e Dã continuassem funcionando. Baal seria o deus da Sa­
maria e Javé o Deus das tribos.
Porém isto não podia funcionar. O profeta Elias re­
preendeu todo o povo nestes termos: “Até quando claudica- 
reis das duas pernas? Se Javé é Deus, segui-o; se é Baal, 
segui-o” (lR s 18,21). Houve conflitos sangrentos. Segundo 
lRs 18,4, Jezabel “exterminou” os profetas de Javé. E se­
gundo lRs 18,40, Elias degolou os profetas de Baal. A ver­
dade é que houve conflitos de morte.
A história da vinha de Nabot (lR s 21) nos permite 
entender o que estava em jogo para o povo neste conflito apa­
rentemente religioso. O rei Acab cobiçara a vinha, herança 
de Nabot, que confinava, por desgraça, com o palácio de 
Jezrael. Apelando à lei sinaítica que proibia a alienação 
de terras produtivas (Lv 25,23-31), Nabot recusou-se a 
vendê-la. Ao rei não coube outra alternativa senão aceitar 
a decisão amparada pela tradição legal de Israel. Jezabel, 
no entanto, pelas tradições políticas de seu país, sabia que 
não havia lei acima da vontade do rei e procedeu ao “con­
fisco” da vinha de Nabot (lR s 21,4-16). Este era o fundo 
social de um conflito entre Javé e Baal. Estavam em jogo 
os interesses econômicos dos israelitas, suas próprias vidas 
que dependiam de suas terras.
Elias e depois de sua morte Eliseu, profetas de Javé, 
foram os líderes da oposição. Prepararam a queda dos 
amridas em 841 a.C.
O esquema da p. 46 representa mais a intenção política 
que a realidade do governo de Amri e sua descendência. 
Seu propósito era estabelecer em Israel uma nação segun­
do o modelo cananeu. Este é o modelo de sociedade exis­
tente no Egito contra o qual Moisés e seus seguidores se 
rebelaram. Não julgaram necessário eliminar de Israel o 
culto a Javé, mas deixá-lo como culto popular ao lado do 
culto oficial que na Samaria se tributava a Baal. Os pro­
fetas não puderam aceitar este arranjo que permitia liber­
dade de culto a Javé mas não afetava em nada as estru­
turas de dominação. Os textos sugerem que foi Jezabel 
quem iniciou a perseguição religiosa; parece-nos mais pro­
vável, porém, que foram os profetas de Javé os primeiros 
a rechaçar esta proposta. Baal não tinha razões para pe­
lejar contra Javé; Javé tinha todos os motivos para pelejar 
contra Baal. Este servia como legitimação religiosa da do­
minação do povo de Javé. Este círculo flutuante de pro­
fetas não aceitou ser retirado do cenário político. Ao con­
trário, entrou em conflito com a administração religiosa 
oficial.
Temos pouca informação sobre a organização das 
aldeias, mas parece natural supor que estas continuaram 
existindo. Não puderam ser instalados perfeitamente, por­
tanto, os canais para a coleta de tributos das aldeias para 
as funções da corte real.
---- VI ----
A dinastia de Jeú 
(841 -752 a.C) 
Ortodoxia e exploração
A dinastia de Amri teve seu ocaso no ano 841 a.C. 
provocado por uma rebelião do exército, como acontecera 
anteriormente com as dinastias de Jeroboão e Baasa. O setor 
do exército, protagonista do golpe de estado, como nos 
outros dois casos era sensível ao povo defraudado de 
Israel. Sua intenção era acabar com a tirania dos reis que 
não consideravam o bem-estar do povo, nem respeitavam 
as tradições legais populares que defendiam os direitos 
dos pobres.
O golpe foi dirigido por um certo Jeú, oficial do 
exército, que combatia contra Aram na Transjordânia. Foi 
um golpe extraordinariamente sangrento. Jorão foi assas­
sinado (2Rs 9,22-26), bem como sua mãe (2Rs 9,30-37) e 
seus setenta filhos (2Rs 10,1-11). Ocozias, rei de Judá, 
encontrando-se em Israel, possivelmente para participar na 
guerra contra Aram, também morreu (2Rs 9,27-29). Ele 
era filho de Atalia, a filha de Acab que se casara com o 
rei de Judá. Morreu também um grupo da família real 
de Judá (2Rs 10,12-14).
A religião, da mesma maneira que exercera um 
papel importante no fortalecimento do Estado no tempo
de Amri e sua casa, desempenhou um papel não menos 
importante na sua derrocada. O texto bíblico sublinha que 
o levante de Jeú foi incitado pelo profeta Eliseu (2Rs
9,1-10) e é considerado a culminância das piofecias de 
Elias contra Acab (2Rs 9,25-26.36). Pelas razões estudadas 
podemos assegurar que a hostilidade dos profetas de Javé 
contía os amridas era muito profunda e sua participação 
na luta pela derrocada, entusiasta.
O livro de 2Reis ressalta a importância das medi­
das religiosas tomadas por Jeú para eliminar da Sama- 
ria o culto de Baal (2Rs 10,18-27). Não só matou seus 
sacerdotes e profetas, mas também expurgou aqueles que 
pôde identificar como adeptos de Baal.
O historiador do Livro dos Reis, com sua conheci­
da tendência pró-jerosolimitana, ou melhor, apesar desta 
tendência, disse: “Jeú extirpou de Israel o culto de Baal” 
(2Rs 10,28). Não se pode tomar ao pé da letra esta sur­
preendente afirmação. Jeú eliminou o culto oficial de Baal 
na capital e dessacralizou o templo ali construído pelos 
reis. Baal, porém, devido1 a sua identificação com a tão 
desejada chuva, era também o Deus de muitos camponeses.
Joás de Manassés, pai de Gedeão, em plena época 
tribal, tinha em sua propriedade um santuário de Baal 
(Jz 6,25), e nem por isso era considerado um não israe­
lita. Podemos supor que o culto clandestino ou privado 
de Baal entre os camponeses era bastante comum. Isto 
teria facilitado a introdução de Baal na Samaria, porém 
ali a coisa era diferente. Jeú eliminou de Israel o culto 
oficial de Baal, mas não consta que tenha tratado de erra­
dicar seu culto mais privado.
Os historiadores, imediatamente depois de informar 
da eliminação de Baal, acrescentam seu comentário habi­
tual: “Porém Jeú não se afastou dos pecados com os quais 
Jeroboão, filho de Nabot, tinha seduzido os israelitas, isto 
é, os bezerros de ouro em Betei e Dã” (2Rs 10,29). Isso 
vem confirmar nossa interpretação. Os atos religiosos de 
Jeroboão não intencionavam apartar Israel de Javé, mas 
do templo de Jerusalém. Os historiadores que escreveram 
os Livros dos Reis encontraram nisto a matéria suficiente 
para condená-lo. Na perspectiva dos pobres não é assim.
É preciso ter reserva quanto às apreciações dos historia­
dores que não depositam nos pobres seu maior interesse.
As mortes na família real de Judá causadas pelo 
golpe de estado de Israel provocaram o fim da aliança 
entre os dois países, como era de se esperar. Este pro­
blema é complicado pelas lutas internas em Jerusalém, o 
que veremos no capítulo seguinte. A guerra só estourou 
cinqüenta anos mais tarde, quando o rei Amasias de Judá 
atacou o exército de Joás em Israel. Sofreu uma derrota 
completa e foi levado cativo à Samaria (2Rs 14,8-14).
A vitória sobre Judá foi apenas um reflexo da força 
construída por Jeú em Israel. Depois dos reveses aconte­
cidos durante o reinado mesmo de Jeú (2Rs 10,32-33) e 
continuados nos dias de Joacaz (2Rs 13,22), Joás pôde re­
verter a situação e recuperar os territórios perdidos (2Rs
13,24-25). Jeroboão, filho de Joás, teve um longo reinado 
(762-752), próspero e de expressão territorial (2Rs 14,25). 
As escavações arqueológicas confirmam a prosperidade 
obtida nesta época deJeroboão.
Para entender a organização do Estado israelita sob 
Jeú e seus descendentes, a função da religião continua 
sendo determinante. Parecem ter devolvido a proeminência 
aos santuários tradicionais de Javé, entre os quais Betei era 
o mais importante. Dã provavelmente havia perdido muita 
importância por encontrar-se numa zona territorial onde o 
domínio israelita não foi estável.
Jeú teve que decidir o que fazer com a capital de 
Amri. Samaria era uma cidade de estilo praticamente ca- 
naneu. Dessacralizando seu templo e matando os compro­
metidos com a ordem política de Amri e com o culto a 
Baal, deixou-a sem dúvida despovoada. Embora os textos 
não nos informem sobre medidas para o seu repovoamen- 
to, Jeú tampouco a abandonou. Mesmo depois de Jeú e 
seus filhos, Samaria continuou sendo a capital de Israel. 
Com uma cidade real, os reis puderam estabelecer um 
estado muito mais forte que o do primeiro Jeroboão. A 
dinastia de Jeú não representa, portanto, somente a res­
tauração do reinado anterior aos amridas. Como conse­
qüência da política de Amri o estado de Israel ficou 
fortalecido.
Jeú, no entanto, parece não ter construído um tem­
plo a Javé na Samaria. O grupo formado ao redor dos 
profetas Elias e Eliseu teve grande influência no seu mo­
vimento. Isto talvez lhe tenha servido de freio. Eles bus­
cavam a restauração de um reinado com autonomia dos 
profetas em relação aos reis. Os profetas podiam, de acor­
do com a vontade de Javé, retirar seu apoio ao rei. Po­
demos representar Israel deste período (841-752) da se­
guinte maneira:
JAVÉ
Aldeias 
organizadas 
por tribos OOQl IÕÕ1IÕÕÕIIÕÕ
A organização tribal continuou oferecendo uma certa 
defesa aos camponeses israelitas. O profeta Amós ainda 
fala, nesta época, da função judicial dos anciãos (Am 5,15: 
“a porta” é o lugar de reunião dos anciãos). O exército 
pode ter mantido seus vínculos com as tribos. Entre 752 
e 722, ano da destruição de Samaria, houve mais dois 
golpes de estado. A administração civil cresceu com sua 
base de Samaria, provocando um aumento dos tributos 
para sua manutenção. Os comerciantes, de cujos abusos 
fala o profeta Amós, podem ter sido funcionários do Esta­
do ou agentes livres (Am 8,4-8).
O sacerdócio de Javé mais autorizado estava em 
Betei, principal santuário nacional. Amós (7,10-17) revela 
a vinculação do santuário à Coroa. Os sacerdotes sentiam- 
se endividados com o rei por causa da restauração feita 
depois da perseguição desencadeada pela dinastia de Amri. 
Não sobrou, porém, o menor traço de uma teologia real 
elaborada em Betei. Isto indica que os sacerdotes não 
eram simplesmente funcionários a serviço do rei. A reli­
gião manteve uma certa medida de independência. Não
temos maiores informações. A ausência de profetas autô­
nomos por mais de cem anos, ou pelo menos de informes 
sobre profetas, levanta a suspeita de que as coisas não 
iam tão bem do ponto de vista de uma vigorosa tradição 
do Javé libertador. A tradição teria sido apagada.
Foi um profeta de Judá quem chegou a Betei, no 
final do reinado de Jeroboão II, para assumir o manto 
de Elias e de outros ilustres precursores. Amós profeti­
zou em Betei. Fez uma análise profunda das injustiças 
que desmentiam a profissão de fé em Javé, Deus do êxodo.
Na Samaria havia luxo e despreocupação com a mi­
séria da maioria do povo (Am 6,1-7; 3,13-15; 4,1-3). Os co­
merciantes vendiam mercadorias ruins e caras, traficando 
assim com a necessidade do povo (Am 8,4-8; 2,6). Os 
anciãos não julgavam segundo o direito (5,10-12.15). E tudo 
isto era acompanhado de um culto entusiasta e aparente­
mente correto (Am 4,4-5; 5,21-24).
Justamente por tê-los tirado da escravidão do Egito, 
Javé seria severo em pedir as contas pelas suas culpas 
(Am 3,1-2). Seu castigo não deixará nenhum sobrevivente 
(Am 9,1-4). Se pensavam que Javé não poderia destruir 
seu próprio povo, sabiam que Javé poderia igualmente ter 
tomado os filisteus ou os sírios para abençoá-los (Am 9,7).
São palavras fortes. Contudo, Amós não tinha uma 
proposta para transformar a vida nacional. Não tentou 
afastar o rei Jeroboão nem propôs outro para seu lugar. 
Quiçá por ser estrangeiro, ainda que partilhasse das tra­
dições religiosas de Israel. Simplesmente anunciou o juízo.
Anos mais tarde, depois de Amós, surgia o último 
grande profeta do reino de Israel, Oséias. Para ele a exis­
tência de um governo monárquico em Israel era simples­
mente a manifestação de um problema cuja causa era 
mais profunda: a busca desenfreada de bens materiais. 
Javé, conhecido desde o êxodo como Deus Salvador, con­
tinuava sendo o Deus nacional, mas transformado agora, 
pela ganância, em Baal, o deus da chuva e da fertilidade. 
O povo dizia conhecer Deus, porém a rejeição do bem 
demonstrava sua mentira (Os 8,1-3).
A esposa de Oséias tinha sido prostituta (Os 1,2). 
A prostituição foi para ele a imagem que permitia enten­
der a vida nacional. A vida de Israel reduzira-se a uma 
corrida ao trigo, mosto, azeite, prata, lã e linho, sem re­
conhecer que a provisão estável para as necessidades da 
vida provinha da justiça e do culto a Javé, o justo (Os
2,10-11; em outras versões, 2,8-10). Para satisfazer seus ape­
tites encheram a terra de mentiras, assassinatos e roubos 
demonstrando assim o desconhecimento de Deus (Os 4,1-3). 
Arrependimento e belas orações não bastavam a Javé que 
buscava amor e não sacrifícios (Os 5,15—6,6).
Os reis eram a expressão deste mal profundo. Todo 
mal começou em Guilgal (onde Samuel ungira Saul, o pri­
meiro rei — Os 9,15). As injustiças derivavam de Gabaá, 
o povoado de Saul (Os 10,9). No tempo da desgraça, os 
reis, que o povo quis em desconsideração a Javé, não os 
ajudarão (Os 8,4; 13,9-11).
Em conseqüência da vida prostituída, para Oséias, 
Israel como Estado irá desaparecer. Javé chamá-lo-á ao 
deserto e fará uma nova aliança na justiça, no direito, no 
amor e na fidelidade (Os 2,16.21-22; em outras versões 
2,14.19-20). Oséias vê neste futuro a unidade original de 
Israel e Judá (Os 2,1-3; em outras versões, 1,10—2,1).
----V II-----
Enquanto isto, 
o reduto davídico, Judá
Ao longo destes dois séculos, desde a rebelião das 
tribos contra a casa de Davi (931) até a destruição da 
Samaria (722 a.C.), a antiga tribo de Judá manteve-se 
como um pequeno estado à parte. Jerusalém, a cidade de 
Davi, não se uniu à rebelião e pôde manter consigo Judá 
e parte de Benjamim. Com a incorporação dos territórios 
de Israel ao sistema de províncias da Assíria e a disper­
são forçada de seus líderes com a tomada de Samaria, 
Judá permaneceu o único vínculo histórico com a expe­
riência revolucionária das tribos de Israel. Daí decorre a 
importância dada a Judá e Jerusalém na Bíblia.
Uma comparação dos Livros dos Reis com os das 
Crônicas ajuda a pôr esta história numa perspectiva. 
Ambos descrevem a história dos reis. Os livros dos reis, 
compostos nos últimos tempos do reino de Judá, em fins 
do século VII e início do VI, são parte de uma grande 
obra histórica; começa com Moisés e termina com a des­
truição de Jerusalém. Os exegetas a chamam história deu- 
teronomística; começa com o livro do Deuteronômio, in­
cluindo Josué, Juizes, os dois Livros de Samuel e os doi? 
Livros dos Reis. Para o período que nos interessa, 931 
a.C.-722 a.C., os Livros dos Reis dão com acerto priori­
dade a Israel sobre Judá, refletindo a realidade de Israel 
que possuía a maior força política, e o fato de as origens 
tribais encontrarem maior continuidade ali. Esta história 
é escrita, no entanto, para preparar a destruição de Sa­
maria e justificar a ação de Javé em acabar com Israel, 
deixando somente Judá. O pecado-chave, segundo os histo­
riadores deuteronomísticos, é o de Jeroboão em separar 
Israel do templo de Javé. Já vimos que da perspectiva 
dos pobres este juízo não se pode sustentar.Os livros das Crônicas (ou Paralipômenos) narram 
a mesma história, com a diferença que começam com Davi 
para terminar, igualmente, com a destruição de Jerusalém. 
Uma extensa lista genealógica (árvore das famílias) que 
começa com Adão (lCr 1—9) prepara esta história. Quase 
tudo que diz respeito ao Reino de Israel é omitido. É a 
história do Reino de Judá como o verdadeiro Israel e de 
Jerusalém como Cidade Santa. O Reino de Israel é consi­
derado apóstata desde o início por ter-se rebelado con­
tra Davi, o eleito de Javé (ler o discurso de Abia, (2Cr 
13,4-12). Esta é a perspectiva histórica feita a partir dos 
vencedores. Quando queremos ler a Bíblia a partir dos 
pobres devemos ler com muito cuidado este tipo de lite­
ratura. Pode trazer informações valiosas, mas seu enfoque 
é teologicamente alheio aos pobres.
No ano 931 a.C., quando as tribos se levantaram 
contra o jovem rei Roboão, ele pôde refugiar-se em Jeru­
salém, cidade cercada de muros em que viviam majorita- 
riamente seus próprios “servos”, os administradores do 
reino. Desde Jerusalém ele e seus descendentes puderam 
implantar um reino diferente de Israel que continuasse as 
tradições políticas e religiosas de Davi. Como exército tinha 
as tropas de elite, compostas em boa parte de soldados 
mercenários, e os batalhões das tribos de Judá e de Ben­
jamim. Como administradores civis tinha um contingente 
imenso composto pelos que haviam administrado as gran­
des extensões conquistadas por Davi. Muitos dos adminis­
tradores reais colocados por Davi e Salomão sobre as 
tribos de Israel, governadores de distritos e seus empre­
gados, fugiram e se refugiaram em Jerusalém e Judá com 
Roboão. Havia pois uma superabundância de administra­
dores qualificados. Quanto ao sacerdócio, o pessoal do
templo de Jerusalém foi dos mais leais seguidores. Para 
eles Javé tinha escolhido Davi e sua descendência para 
governar o povo de Israel. O levantamento das tribos so­
mente podia ser entendido como uma desobediência a Javé.
Instituiu-se pois em Jerusalém um governo tributário:
Durante os reinados de Roboão (931-913 a.C.), Abiam 
(913-911 a.C.) e Asa (911-870), houve guerras com Israel, 
causadas, tudo indica, pelas pressões judaítas em alargar 
as fronteiras para o norte. Nos tempos do rei Josafá 
(873-848 a.C.) estabeleceu-se a paz em Israel. Esta ficou 
cimentada com o matrimônio de seu filho Jorão com 
Atalia, filha do rei Acab. Israel e Judá juntos guerrearam 
contra Aram para retomar toda a região da Transjordânia.
A paz foi abruptamente quebrada com a morte da 
família real por Jeú durante o levantamento do ano 841 
a.C. Ficou no trono de Judá Atalia, mãe do defunto rei 
Ocozias e membro da família real assassinada por Jeú em 
Israel. Atalia foi derrubada por uma coalizão dos sacer­
dotes com o “povo da Terra”, os homens principais das 
cidades de província (2Rs 11), e a notável ausência do 
pessoal real de Jerusalém. Joás, filho de Ocozias e neto 
de Atalia, foi colocado no trono. Este foi assassinado por 
seus “servos” depois de um longo reinado de quarenta 
anos (2Rs 12,21). Seu filho Amasias empreendeu novamen­
te a guerra contra Israel, com resultados desastrosos (2Rs 
14,8-14). Depois disto houve paz durante o século VIII, 
até a destruição de Samaria.
Para entender a dinâmica da vida política de Judá, 
é preciso examinar o pouco que nos dizem os livros dos
Reis acerca das muitas dificuldades políticas do século IX. 
Ocozias foi assassinado no ano 841, mais por problemas 
de Israel que do seu próprio país. O efeito foi lançar sua 
mãe no poder. Ela contava com o apoio do pessoal real 
mas os sacerdotes lhe faziam oposição, pois queria e de 
fato colocou um templo de Baal em concorrência com o 
templo oficial. Contra isto se levantou um movimento enca­
beçado pelos sacerdotes e pelo povo da terra com o apoio 
de um setor do exército em 835. Atalia foi assassinada 
e seu neto Joás, com 7 anos de idade, coroado em seu 
lugar.
Joás, durante seu longo reinado, entrou em conflito 
com os sacerdotes que, segundo parece, desconheceram as 
ordens reais de renovar o templo, preferindo gastar o di­
nheiro (2Rs 12,5-17). Os servos do rei, desta vez com o 
apoio dos sacerdotes, o assassinaram em 797. Amasias, 
seu filho, governou poucos anos, porque no ano 792 caiu 
prisioneiro de Israel. Depois de libertado, em data desco­
nhecida, foi assassinado por gente de Jerusalém, provavel­
mente no ano 767 (2Rs 14,18-21).
Esta informação permite descobrir a existência de 
tensões permanentes entre os reis e seu próprio pessoal 
em Jerusalém. Isto pode ser explicado pela burocracia de 
Estado superinflada e a base demasiado pobre de tributos 
para seu sustento. Eles teriam constituído a principal fonte 
de pressões expansionistas levando Judá a uma política 
exterior muito agressiva. O problema parece residir uni­
camente no setor dos administradores. O exército com mais
*
facilidade podia reduzir-se a um tamanho mais conforme à 
realidade de um Judá pequeno. O sacerdócio interessava-se 
pela estabilidade da dinastia devido a sua própria teologia 
davídica.
O povo da terra, os homens de maior poder e pres­
tígio nas cidades de província, foram o principal apoio 
para a casa de Davi. Eles apoiaram, ao longo da história 
de Judá, reformas para reduzir o pessoal administrativo 
e concentrá-lo na cidade capital. O primeiro esforço neste 
sentido foi feito por Asa (911-870 a.C.): “Mandou eliminar 
de todas as cidades de Judá os lugares altos” (2Cr 14,4), 
que, além de centros religiosos, eram postos do governo.
Houve também as importantes reformas administra­
tivas de Josafá (873-848 a.C.) (2Cr 17,6). Um século mais 
tarde, o mais importante de todos os reformadores, Eze- 
quias (716-687 a.C.), centralizou em Jerusalém muitas das 
funções políticas e religiosas exercidas antes em diferentes 
lugares (2Cr 29—31). Esta centralização deixava o campo 
livre para o “povo da terra”, que em troca desta política 
davam seu apoio decidido aos reis.
-------VIII-------
Os profetas 
no final do século VIII em Judá
No reino de Israel uma série importante de profe­
tas se sucederam. Depois da sua queda, surgiram pela vez 
primeira profetas importantes em Judá. Nos tempos do rei 
Ezequias houve dois grandes profetas cujas tendências 
apresentavam grandes diferenças, um da capital e outro 
do campo. Ambos pretendiam analisar a situação de Judá, 
que na época era a única herdeira entre as tribos de Israel. 
Suas análises são diferentes. Permitem penetrar na com­
plexidade da fé num mundo concreto, onde as coisas nem 
sempre são muito definidas.
Isaías era de Jerusalém. Teve uma visão de Javé 
dentro do templo (Is 6). A partir desta visão assumiu 
o papel de profeta, crítico dos reis de seu tempo. Con­
denou os latifundiários do país (Is 5,8), os governantes 
que não faziam justiça aos fracos (Is 10,1-4). Era-lhe par­
ticularmente detestável o fato de as lideranças se apre­
sentarem como gente muito religiosa, consagrada a Javé, 
enquanto viviam da exploração do povo (Is 1,10-17).
A inovação encontrada em Isaías com relação aos 
profetas anteriores é que para ele o marco referencial de 
sua atividade era a teologia davídica e não tanto o êxodo.
Considerava Jerusalém uma cidade privilegiada, uma pro­
teção para os pobres (Is 14,28-32). Isto apesar de no seu 
tempo Jerusalém ter-se convertido em um refúgio de assas­
sinos; Javé, porém, a purificaria “através do fogo” e ela 
voltaria a ser uma cidade de justiça (Is 1,21-26).
A esperança para o povo de Israel (Judá), segundo 
Isaías, é a vinda de um rei bom, o Messias. Isaías ditou 
pelo menos três textos messiânicos importantes (9,1-6;
11,1-9; 32,1-5.15-20). Neles se pode observar que, mesmo 
de dentro da teologia davídica, se pode denunciar as injus­
tiças e proclamar a esperança. Para o culto em Jerusa­
lém, o rei era o quetrazia justiça para os pobres (SI 72). 
Os reis do seu tempo, porém, Acaz e Ezequias, não podiam 
controlar os desmandos dos oficiais que viviam à custa 
dos bens dos pobres. Isaías anuncia pois que serão como 
uma árvore desbastada (Is 6,13), mas do seu tronco sairá 
um rei bom que defenderá a causa dos humildes (Is 11,1-9).
Isaías não chega à radicalidade de um Oséias. Este 
vê o pecado na instituição dos reis. Para aquele o mal 
não está na família de Davi nem na instituição monár­
quica mas nos reis maus que Judá teria que suportar. 
Há de chegar um rei bom para salvar o povo. A partir 
dos pobres este ponto de vista produz uma análise curta. 
Isaías não percebe que é o povo mesmo que deve organizar- 
se para conseguir seus objetivos. Os interesses do povo 
serão atendidos, segundo ele, desde cima, por obra do rei 
messiânico.
Miquéias foi um profeta camponês e popular. Segun­
do seu modo de ver, os chefes se alimentavam da carne 
do povo (Mq 3,1-4). A cidade de Jerusalém fora construí­
da com sangue e ali os chefes, sacerdotes e profetas eram 
igualmente ladrões (Mq 3,9-12). Pecado não eram as más 
obras dos governantes mas a própria existência da cidade 
de Jerusalém (Mq 1,5 segundo a versão LXX).
A análise de Miquéias não podia ter esperança, como 
Isaías, na purificação da cidade. A solução para o povo 
seria a destruição da cidade, incluído seu templo (Mq 3,12).
O campo sofria as conseqüências da exploração da 
cidade. Homens poderosos apropriavam-se das terras dos 
camponeses (Mq 2,1-3).
Como saída, Miquéias propõe uma revolução cam­
ponesa para recuperar as terras perdidas. “Meu povo se 
levanta como inimigo” (Mq 2,8, conforme o texto hebraico; 
todas as traduções em uso corrente mudaram seu senti­
do). “Expulsai os chefes (seguindo o grego da LXX) do 
meu povo das casas dos seus prazeres” (Mq 2,9). “Levantai- 
vos e ide, pois esta não é hora de repouso” (Mq 2,10).
Haverá uma nova assembléia de Javé para repartir 
novamente a terra, como fez, no seu tempo, Josué (Js 
14—19). Então os latifundiários chorarão e gritarão por 
serem despejados, mas não tomarão parte na repartição 
das terras (Mq 2,4-5).
O problema social de Judá, para Miquéias, não se li­
mitava à casa de Davi, aos reis. Em uma lamentação muito 
difícil de se entender nos detalhes (Mq 1,10-16), o profeta 
pede a destruição das cidades da província de Judá, ci­
dades como Laquis, Aczib e Gat. Provavelmente estas 
cidades eram a base do “povo da terra”, e estes eram 
firmes apoios para a casa de Davi. Nelas viveriam os la­
tifundiários açambarcadores das terras dos camponeses. 
Não nos parece atrevido pensar os latifundiários e o “povo 
da terra” como sendo uma mesma coisa.
Miquéias é o mais radicalmente popular de todos 
os profetas da Bíblia. Ele entende que Javé não poderá 
efetuar a libertação do povo sem uma ação organizada 
do mesmo povo. O povo deverá entender que o templo 
de Jerusalém, os reis davídicos e os senhores das cida­
des provinciais são seus opressores. Deverão atrever-se, em 
nome do Javé do êxodo, a destruir o templo que os sa­
cerdotes dizem ser a morada de Javé e matar os reis que 
os sacerdotes dizem ser os eleitos de Javé para “apascen­
tar" seu povo. Isto significa um retomo revolucionário ao 
Deus de Moisés.
É bom notar que as palavras de Miquéias foram 
modificadas para não causar escândalo. Suas palavras se 
encontram quase completamente nos capítulos 1 a 3 de 
seu livro. A estas foram acrescentados outros ditos pro­
féticos, não tão revolucionários, para dar uma impressão 
global menos radical. A leitura da Bíblia a partir dos pobres 
deverá ser, aqui como em todas as partes, uma leitura
das lutas dos pobres e da opressão infligida pelos pode­
rosos. Este processo pode ser visto dentro da Bíblia 
mesma, que é um livro dos pobres mas que foi manusea­
do pelos opressores. Apesar de tudo isto, em um profeta 
como Miquéias se entrevê o Deus libertador dos pobres 
que levantou Moisés para conduzir seu povo à libertação.
--------IX ---------
A Palestina sob a hegemonia assíria 
(738-630 a.C.)
A expansão imperial. Com o rei guerreiro Teglat- 
Falasar III (745-727) a Assíria estabeleceu como uma de 
suas prioridades controlar todo o acesso terrestre ao Egito. 
Isto significava, em primeiro lugar, dominar a rota cos­
teira que passava pela Filistéia e Fenícia. Para assegurar 
o controle desta rota, era também necessário do ponto de 
vista do império ter regimes amigos nas serras da Pales­
tina onde estavam os reinos de Israel e Judá. Durante um 
longo período, os reis sucessivos fizeram freqüentes incur­
sões na Palestina, chegando à sua máxima expansão, quan­
do em 663, sob o reinado de Assurbanipal, penetraram no 
Egito e conseguiram saquear sua capital, a cidade de Tebas.
A primeira campanha de Teglat-Falasar III na Pales­
tina foi no ano de 738. Dirigiu-se à Síria, chegando até 
a Fenícia, onde estabeleceu uma província com sua capi­
tal em Símira sobre a planície costeira. Israel não foi 
afetado. A segunda campanha, em 734, começou o desmem­
bramento de Israel. Teglat-Falasar desceu pela costa até 
a cidade filistéia de Gaza. Ao que tudo indica se encontrou 
com o exército de Israel na costa e o derrotou, com a 
conseqüência de anexar à Assíria, como pequenas provín­
cias, Dor na planície, Meguido (incluindo toda a montanha
da Galiléia) e Galaad. A Israel coube somente a monta­
nha de Efraim em torno da capital Samaria. Isto sucedeu 
durante o reinado de Facéia, e a Bíblia o informa muito 
concisamente em 2Rs 15,29.
No ano de 722, sendo rei Sargão II, a cidade de 
Samaria foi capturada, sitiada e convertida numa nova 
província. Israel ficou dividido em quatro províncias assí­
rias. Judá, em 734, converteu-se em um reinado satélite 
que rendia tributos à Assíria e se submetia à sua política 
exterior. Isto sucedeu-se durante o reinado de Acaz. No 
mesmo ano Azoto na Filistéia também foi convertida em 
reino satélite.
Em 720 a.C. Sargão II novamente excursionou na 
Palestina, chegando até o “Rio do Egito”, onde destruiu a 
cidade de Rapihu, fronteira com o Egito. Na sua seguinte 
expedição em 716 trouxe gente do Oriente para povoar no­
vamente a cidade por seu valor estratégico frente ao Egito. 
Voltando em 711 suprimiu o reinado de Azoto, conver­
tendo-o em província, embora permitindo que as cidades 
filistéias de Acaron e Ascalon continuassem como reinos 
avassalados, como também Gaza até o sul.
A conformação definitiva da Palestina assíria foi con­
seguida com a campanha de Senaquerib em 701. Derrotou 
o exército de Judá na cidade-fortaleza de Laquis, que era sua 
proteção pelo lado da Filistéia. Separou de Jerusalém os 
territórios das montanhas de Judá e também as colinas 
que descem até o mar Mediterrâneo, deixando para o reino 
avassalado de Jerusalém (Judá) somente a cidade e seus 
arredores. O restante foi dividido entre os reinos filisteus 
de Acaron, Ascalon e Gaza. Isto aconteceu durante o rei­
nado de Ezequias (716-697).
É provável que durante o longo reinado de Manas- 
sés em Judá (697-642) alguns destes territórios foram 
recuperados não por guerras mas com negociações com o 
império. Em todo caso, Israel ficou desde a queda da 
Samaria em 722 totalmente incorporado à Assíria, e Judá 
desde 734 submisso como reino vassalo. Sua margem de 
negociação diminuiu quando foi reduzido praticamente à 
sua capital em 701.
História política interna. A dinastia de Jeú, que pu­
rificara Israel do culto de Baal, acabou no ano 752, quando 
Selum assassinou o rei Zacarias. No prazo de um mês Ma- 
naém derrubou Selum e pôde estabelecer-se em Samaria 
de 752-742. Pagou um pesado tributo a Teglat-Falasar para 
não ter problemas com o império (2Rs 15,19-20). Porém, 
segundo se deduz de dados um pouco confusos, Galaad 
estava submetido a outro rei, cujo nome era Facéia. No 
ano 740 Facéia com um pequenocontingente galaadita 
pôde matar Facéias, filho de Manaém, e conquistar o trono 
da Samaria (2Rs 15,35). Tratou de seguir uma política de 
independência com a grave conseqüência da derrota frente 
a Teglat-Falasar III em 734 e a perda da planície (Dor), 
da Galiléia (província de Meguido) e de Galaad.
Para completar o quadro é preciso entender a guerra 
entre Israel e Judá em 734. Joatão, rei de Judá (750-732), 
teve algum êxito em tornar reais os velhos reclamos de 
Judá na Transjordânia, pois pôde vencer os amonitas (2Cr 
27,5). Facéia de Israel e Rasin de Damasco apoiaram as 
pretensões de Tobias (= Tabeel, Is 7,6) ao trono de Judá. 
Este Tobias é um ancestral da linhagem dos Tobias “amo­
nitas” que dariam problemas a Neemias três séculos mais 
tarde (Ne 2,19; 4,1; 13,4; etc.). Para defender-se o rei Acaz 
submeteu-se voluntariamente a Teglat-Falasar, complicando 
assim a trama da vida política da Palestina.
As calamidades e fracassos da política independentista 
de Facéia o expuseram a uma conspiração da parte de 
Oséias, filho de Ela, que o matou em 732, declarando-se 
imediatamente súdito da Assíria (2Rs 17,3). Quando pou­
cos anos mais tarde conspirou com o rei “Sais” do Egito 
fez-se objeto de vingança assíria, caindo como já dissemos 
no ano 722 (2Rs 17,4-6).
Durante trinta agitados anos (752-722), Israel via 
três golpes de estado vinculados a políticas pró-assírias 
(Manaém e Oséias) ou antiassíria (Facéia). Os golpes de 
estado em si não eram novos na história nacional, que 
conheceu os de Jeroboão, Baasa, Amri e Jeú. Contudo, todos 
estes golpes seguiram a deslegitimação do. rei por parte 
do profeta de Javé e se puderam entender como atos jus­
ticeiros de Javé em defesa dos pobres. E mais, Jeroboão
e Jeú foram reconhecidos pelos profetas Semeías e Eliseu, 
respectivamente, ainda antes de tomar o poder. Agora não 
aconteceu assim. O profeta Oséias condenou estes movi­
mentos políticos nos seguintes termos: “Instituíram reis 
sem meu consentimento, nomearam príncipes, mas sem eu 
saber” (Os 8,4). Também: “Onde está, pois, o teu rei para 
que te salve, e em todas as tuas cidades teus juizes de quem 
tu dizias: ‘Dá-me um rei e um príncipe’? Dou-te um rei 
em minha cólera e o retomo em meu furor” (Os 13,10-11).
Segundo o mesmo profeta, a vida de Israel se pode 
entender como a vida de uma prostituta, uma mulher que 
desatende as normas da vida social em seu afã de con­
seguir bens materiais (Os 2,4-17). Nesta situação a reli­
gião não servirá para nada: “Eles clamam a mim: ‘Meu 
Deus, nós, Israel, te conhecemos'. Israel rejeitou o bem, 
o inimigo o perseguirá” (Os 8,2-3). A evidência de que 
não existe verdadeiro conhecimento de Deus, apesar das 
práticas religiosas, é a abundância de mentiras e roubos 
na busca desenfreada de bens (Os 4,1-3).
Uma das práticas do imperialismo assírio quando 
incorporava um reino avassalado como província era rea­
lizar importantes movimentos de população. Quer dizer, 
além de nomear um governador assírio, removia-se uma 
boa quantidade de líderes da sociedade, trocando-os com 
líderes removidos de outras zonas conquistadas. Esta prá­
tica se encontra documentada em inscrições assírias além 
dos textos bíblicos que testemunham que foi o que se fez 
com Israel (2Rs 15,29; 17,24). Buscava-se, com isso, desar­
ticular a vida nacional, mantendo nas cidades uma popu­
lação urbana de línguas e costumes diferentes da popula­
ção camponesa. As províncias continuaram, em alguma medi­
da, fazendo parte da grande comunidade judia. Tomava-se, 
então, falsa a pergunta famosa sobre a sorte das dez tribos. 
Quem desapareceu da história de Israel foram os habitan­
tes urbanos trocados por assírios. O resto da população 
continuou fiel à sua cultura religiosa e serviu de substrato 
populacional ao judaísmo galileu e ao judaísmo samaritano 
de épocas posteriores.
Lamentavelmente não temos documentos que nos 
permitam avaliar a qualidade da vida dos camponeses
nestas províncias assírias. É possível que economicamente 
sua vida tenha sido parecida ao que fora durante o últi­
mo século do reinado israelita, quando, pelo testemunho 
de Âmós e Oséias, sabemos que sua sorte não foi grati- 
ficante. Politicamente pode ter sido mais favorável a tran­
qüilidade de sua existência provincial assíria do que as 
freqüentes guerras com sua conseqüente seqüela de mortes 
e miséria do período da sua independência. Contudo, a 
perda de uma vida cultural própria foi vivida como uma 
diminuição.
Judá como herdeiro de Israel. Com a incorporação 
do território e da população de Israel ao império assírio, 
ficou Judá como um reino vassalo e herdeiro da identi­
dade nacional e religiosa do povo que se conhecia como 
povo de Javé. A presença de tradições israelitas na lite­
ratura escrita em Judá é testemunho suficiente de que 
nem todos os líderes culturais de Israel foram deportados; 
alguns emigraram a Judá e aderiram a Judá como o ver­
dadeiro Israel. Em vez de sentir nostalgia dos antigos 
santuários de Betei, Guilgal, Dã e Bersabéia, se impôs como 
norma que Jerusalém e seu templo era o único lugar em 
que Javé queria ser cultuado. Uma nova leitura da tra­
dição javista foi retirando relevo da ideologia real daví­
dica de Jerusalém, pois era alheia à fé das tribos de Israel. 
E da íé resultante foi possível fazer algo para atrair os 
israelitas que viviam nas províncias assírias e que nunca 
tinham aceitado Jerusalém como um templo legítimo. Co­
meçaram, em algum momento, peregrinações desde as pro­
víncias assírias para celebrar as festas de Javé em Jeru­
salém. Neste contexto podemos entender a grande produ­
ção literária do período assírio tardio.
Entre os ditos de Oséias existe um, provavelmente 
autêntico, que contempla o dia em que “os filhos de Judá 
e os filhos de Israel se unirão, constituirão para si um 
único chefe e se levantarão da terra porque será o grande 
dia de Jezrael” (Os 2,2). Quer dizer, já antes da tomada 
da Samaria, Oséias sentia que o futuro de Israel estaria 
em uma união com Judá. K significativo que não usa a 
palavra “rei” para o chefe das nações e provavelmente não 
pensava em um rei. Logo o livro de Oséias sofreu uma 
redação judaíta que se mostra em umas poucas adições
onde se anuncia, entre outras coisas, que “os filhos de 
Israel voltarão e procurarão a Javé, seu Deus, e a Davi seu 
rei” (Os 3,5).
Amós havia anunciado a destruição total de Israel 
( Am 9,1-4). Com o correr do tempo, o livro sofreu algumas 
adições para assegurar que Israel voltaria a Davi (Am
9,11-15).
Da parte do rei Ezequias (716-697) houve uma rea­
ção oficial à nova situação em que se encontrava: era o 
único rei herdeiro das antigas tradições de Israel. Segun­
do 2Rs 18,1-6, fez uma purificação das práticas religiosas 
no seu reino, eliminando não somente o culto aos deuses 
alheios, mas também destruindo todos os lugares de culto, 
à exceção do templo de Jerusalém.
No templo de Jerusalém destruiu a serpente de 
bronze que segundo se dizia fora fabricada por Moisés no 
deserto, por considerá-la nociva à fé do povo. Os intér­
pretes discutem amplamente o sentido destes decretos e 
sua validez histórica. Não parece, contudo, difícil entender 
que com o propósito de dar a Jerusalém uma dimensão que 
ultrapassasse Judá, se busca exaltar sua dignidade, ainda 
que com o sacrifício de destruir outros santuários antes 
legítimos de Judá. Sem dúvida acarretou um custo polí­
tico aos povoados de Judá que perderam santuários, porém 
este custo não seria grande se se pensa que o território 
controlado por Ezequias depois do ano 701 ia pouco além 
de Jerusalém. A destruição pode ter sido mais um decreto 
do que uma realidade física.
Do reinado de Ezequias provém uma abundante li­
teratura histórica, sapiencial e profética. Isto se entende 
perfeitamente à luz do fato de que este foi um momento 
de recapacitaçãosobre o passado e de buscar as bases 
para um novo futuro. Provavelmente vinculada ao projeto 
oficial de transformar Jerusalém em centro cultural e re­
ligioso de todo Israel, incluindo as províncias assírias do 
norte, está a intensa reflexão histórica. Neste momento 
devemos localizar a combinação das versões javista (J) 
com a eloísta (E) das origens de Israel, o que nos estu­
dos do Pentateuco é conhecido como R®. Na sua maioria 
esta combinação simplesmente incorpora partes do relato
eloísta (do norte) dentro do relato aparentemente comple­
to javista (do sul). Os redatores, com isto, refletiam as 
realidades políticas do seu momento. Existe um lugar 
dentro do relato das origens de Israel onde a redação 
deixou seu próprio selo, os capítulos 32 a 34 do Êxodo. 
Aqui se usou o relato do bezerro de ouro, que em sua 
origem era uma reflexão sobre o santuário de Betei, para 
separar as duas dádivas das tábuas da lei, a eloísta de 
Ex 20 e a Javista de Ex 34. Os textos intermédios, pro­
dutos da corte de Ezequias, abordam uma reflexão teo­
lógica sobre o pecado (fabricação do bezerro), o castigo 
(retirada da presença direta de Javé em Israel), perdão e 
nova dádiva da lei. O mesmo tema domina a adição reda- 
cional jeovista em Nm 14,11-23 que segue ao pecado do 
povo de não responder ao desafio de Caleb de entrar na 
terra explorada, s evidente que a exploração do nosso 
texto JE tinha a intenção de sublinhar a possibilidade do 
perdão e novo começo para Israel.
Ê também provável que a primeira versão da his­
tória do período dos reis tenha sido escrita na corte de 
Ezequias. Se as análises de Manfred Weippert são acerta­
das, esta teria começado com os reinados de Jorão de 
Israel (852-841) e Josafá de Judá (873-848) para terminar 
com a tomada da Samaria pelos assírios e a reflexão em 
2Rs 17 sobre os motivos da catástrofe. Ainda que a hipó­
tese não possa ser comprovada, parece provável que o 
abundante material sobre o reino de Israel culminando 
com a catástrofe de 722 se teria redigido, de alguma ma­
neira, neste momento, como parte do esforço de renova­
ção buscado pela corte de Ezequias.
Desta época provém também a obra que narra a 
tomada da Palestina pelas tribos de Israel como uma con­
quista sob a direção de Josué. Referimo-nos à coleção 
pré-deuteronomística dos materiais que hoje compõem 03 
capítulos 1 a 11 do livro de Josué. Antigamente esta co­
leção era atribuída ao eloísta do Pentateuco, porém não 
há base estilística e teológica para esta atribuição. Martin 
Npth a atribui a um “compilador” e a situa em torno do 
ano 900 a.C. No entanto, a época dos reinos de Judá e 
Israel é um contexto menos favorável para o surgimento 
de uma visão de conjunto de uma conquista sob um
único líder, Josué, que o reinado de Ezequias, quando se 
procurava criar uma consciência de unidade nacional em 
vista da perda de tantos territórios aos assírios. Recupe­
rando tradições antigas, principalmente as do santuário de 
Guilgal, mais as de Gabaon e Hasor, se criou uma visão 
da ocupação da Palestina pelas tribos como conquista sob 
a bênção de Javé. Um dos efeitos desta obra foi apagar 
da memória nacional a lembrança da luta de classes havi­
da em Canaã nas origens de Israel.
Na corte de Ezequias se recolheram coleções de pro­
vérbios, atribuídos a Salomão (Pr 25,1). Esta produção foi 
obra de funcionários de Jerusalém interessados em manter 
sua profissão numa séria consagração a seus labores na 
corte mais que em buscar lições da história recente.
Porém, fora da corte também este tempo foi muito 
criativo. O profeta Miquéias convocou os camponeses a um 
levante para tomar posse da terra com a bênção de Javé 
(Mq 2,1-5.6-11). Não somente não participava do entu­
siasmo oficial pela centralização da vida cultural em Jeru­
salém, mas, ao contrário, convocou à destruição da cida­
de, centro de fatos sangrentos praticados contra o povo 
(Mq 3,9-12.1-4).
Tudo o que foi visto com respeito ao reinado de 
Ezequias deve ser situado antes da invasão de Senaquerib 
(701), depois da qual a mera sobrevivência foi o obje­
tivo principal de todas as pessoas inteligentes do reino. 
A vida de Isaías compreende todo este período, a invasão 
de Senaquerib inclusive. Durante a época da reforma e 
releitura do passado, Isaías se distanciou destes projetos, 
pedindo sobretudo fé e confiança em Javé (Is 7,9; 30,15;
14,24-27; 20,1-6). Como Miquéias, vê demasiado mal em Je­
rusalém para esperar que dos seus projetos possa sair a 
salvação do país (1,21-26; 10,1-4), porém pensa que Javé 
saberá purificá-la para torná-la santa como no princípio 
(1,21-26; 14,28-32). Possivelmente devamos resolver o enig­
ma da atuação de Isaías durante a invasão no sentido de 
que ele também entendeu que naquela aguda crise a so­
brevivência exigia fechar fila e apoiar Ezequias como o 
fez segundo 2Rs 19,1-7.20-34).
Segundo a construção cronológica de Simon de Vries, 
Manassés começou a reinar ao lado de seu pai Ezequias 
no ano 697, quatro anos depois da invasão e desmembra­
mento de Judá. As memórias posteriores, tanto em 2Reis 
como em 2Crônicas, marcam uma ruptura radical entre as 
políticas inovadoras de Ezequias e as atitudes entreguistas 
de seu filho Manassés, considerado pelos deuteronomistas 
o pior de todos os reis de Judá (2Rs 21,1-18). Sua co- 
regência desde a jovem idade de doze anos pode entender- 
se como uma imposição assíria, aceita por Ezequias como 
preferível à incorporação de Judá como província do impé­
rio. Com Manassés engavetaram-se os projetos ambiciosos 
de fazer de Jerusalém o centro cultural e religioso de um 
Israel renovado. Voltou-se a permitir o funcionamento dos 
“lugares altos”, os santuários locais de Judá. Isto certa­
mente satisfazia os interesses locais de levitas e outros, 
porém se abandonava o sonho de um Israel unificado 
ainda que somente pela devoção a Javé em Jerusalém. 
Manassés permitiu também o retomo de cultos não javis- 
tas ao templo e nos lugares altos do país. Por isso é re­
dondamente condenado pelos deuteronomistas. É possível, 
no entanto, que suas medidas fossem as únicas possíveis 
para evitar a mesma sorte do norte, isto é, a divisão de 
Judá em províncias assírias. Se podemos crer na informa­
ção de 2Cr 33,14-17, na última parte do seu longo reinado 
pôde recuperar algum poder, restaurar os muros de Je­
rusalém e reedificar o altar de Javé. Embora a conversão 
de Manassés (2Cr 33,12-13) tenha mostras suspeitosas de 
responder a peculiares interesses teológicos do Cronista, 
não é inverossímil que com o declínio do império assírio, 
nos seus últimos anos, tenha podido recuperar alguns terri­
tórios incorporados às províncias filistéias e tenha restau­
rado alguns símbolos da identidade nacional de Judá.
Provavelmente nos anos seguintes à invasão de Se­
naquerib e ao encerramento da política de restauração 
(701), cs adeptos do projeto original de Ezequias elabo­
raram a primeira versão do livro da lei de Moisés (Deu- 
teronômio), documento de grande transcendência por seu 
impacto posterior na Reforma de Jcsias. Alguns elemen­
tos importantes desta obra foram: 1 — o caráter exclusivo 
de Jerusalém como lugar de culto a Javé, mencionado de
modo simples como “o lugar que Javé escolher a fim de 
nele estabelecer o seu nome” (Dt 12,1-14). 2 — a convoca­
ção de um exército miliciano e a restauração das regras 
antigas da “guerra de Javé” (20,1-20; 21,10-14); 3 — uma 
visão do rei como servo humilde que se atem escrupu­
losamente à lei de Javé, apartando-se de muitas riquezas, 
muitas mulheres e de um exército forte (Dt 17,14-20); 
4 — seguindo a tradição do norte, os profetas recebem 
um papel importante, com autoridade real em assuntos 
nacionais (Dt 18,9-22); 5 — condenação violenta a todo 
culto estranho a Javé (Dt 13,2-19); 6 — várias leis dispõem 
sobre a vida digna dos levitas, proibindo-lhes de sereu­
nirem, como funcionários, nos “lugares altos” de Judá (Dt
18,1-8). Em seu conjunto parece claro que esta reforma 
legal foi feita sob a influência do projeto político de Eze­
quias e com uma forte influência dos imigrantes refugia­
dos de Israel em Jerusalém. O livro, fruto de extenso tra­
balho sobre as tradições de Israel e Judá, foi colocado 
no templo à espera do momento oportuno para retomar 
a experiência de Ezequias, momento chegado durante o 
reinado de Josias (640-609).
----- X -----
O projeto de um novo Israel 
(640-609 a.C.)
Até fins do século VII, quando o poderio assírio 
sofreu um debilitamento e logo um colapso, os dirigentes 
da sociedade judaíta fizeram um grande esforço para res­
taurar Israel a um estado semelhante ao da sua glória 
primeira. Na interpretação moderna, este movimento é co­
nhecido como a Reforma de Josias por causa do rei que 
a encabeçou.
Os textos de 2Rs 22,8-10 e 2Cr 34,14-18 informam que 
a política renovadora de Josias foi inspirada no “livro da 
lei” encontrado no templo. Comparando as medidas toma­
das com as disposições do livro, fica claro que substan­
cialmente este é o atual livro do Deuteronômio. A seme­
lhança das medidas de Josias com as tomadas por Eze­
quias quase um século antes se explica pela teoria apre­
sentada supra de que este livro se escreveu depois do 
fracasso da Reforma de Ezequias. O Deuteronômio codi­
fica toda a tradição legal de Israel à luz do projeto de 
Ezequias na esperança de que mais tarde fosse possível 
realizar o que a invasão de Senaquerib frustrou nos tem­
pos de Ezequias. Efetivamente a oportunidade chegou no 
tempo de Josias com a retirada do poder assírio da 
Palestina.
Josias procurou legitimar o reino sobre uma aliança 
entre Javé, o rei e o povo (2Rs 23,1-3). Isto era feito 
como a renovação da aliança estabelecida por Moisés, entre 
Javé e o povo, antes da sua morte em Moab (Dt 29,9-14), 
com a diferença significativa que o rei assumia o papel de 
intermediário e fiador da aliança. De fato, os autores do 
livro, apesar de seus notórios antecedentes no movimento 
profético que remontava aos tempos de Samuel, reconhe­
ceram a legitimidade dos reis, embora seu manifesto temor 
ante as possibilidades de abuso criadas pela instituição 
(Dt 17,14-20). O projeto de renovação tal como o defende 
o livro carece de um sujeito com o poder de executá-lo. 
Os refugiados que o escreveram viram com realismo a ne­
cessidade de dar a Jerusalém e seu templo o monopólio 
para vir a ser o centro em tomo ao qual se uniria a nação. 
Certamente foi uma concessão amarga para os do norte. 
Estavam, porém, dispostos a reconhecer uma legitimidade 
“metafísica” do rei como filho de Javé ao estilo da teolo­
gia davídica. Parece, no entanto, que tanto Ezequias como 
depois Josias reconheceram a necessidade de moderar sua 
linguagem propagandística para não ofender a sensibilida­
de dos israelitas, cuja adesão era necessária, se quisessem 
a liderança sobre a nação de Israel (e não somente sobre 
Judá).
O agente capaz de executar as profundas reformas 
sugeridas pelo livro da aliança não podia ser outro senão 
o rei de Jerusalém. Cedendo, na sua retórica teológica, o 
rei ganhou o apoio dos refugiados e com isto a possibili­
dade de ganhar a população das províncias assírias de
Dor, Meguido, Galaad e Samaria. Conforme as disposições 
do livro, Josias procedeu à destruição dos santuários 
“desde Gaba até Bersabéia” (2Rs 23,8). Só não cumpriu 
a lei na qual seus levitas teriam acesso ao templo em 
igualdade de condições com os sacerdotes sadoquitas (2Rs 
23,9; cf. Dt 18,6-8). Podemos supor que o problema de 
Josias foi a resistência dos sacerdotes do templo, pois se 
lhes esíavam impondo costumes e tradições alheias (deu- 
teronômicas) e não estavam dispostos a ver-se trocados ou 
reduzidos em seu próprio templo.
A partir do oitavo ano de seu reinado (632), Josias 
penetrou nos territórios das províncias de Samaria, Megui' 
do, e das filistéias, para destruir os lugares de culto a 
Javé e os santuários pagãos da população israelita destas 
províncias (2Cr 34,3-7). Isto seria possível somente se o 
governo assírio estivesse em estado de desintegração. O 
momento culminante foi a destruição do santuário de 
Betei, outrora o santuário principal de Israel (2Rs 23,15). 
Isto não se deu certamente senão depois de longos esfor­
ços, como indica, inclusive, sua colocação tardia no texto 
da Reforma. A realização desta grande renovação israelita 
foi celebrada no ano dezoito do seu reinado (622) com 
uma grande Páscoa na cidade de Jerusalém (2Rs 23,21-23).
O que significou, porém, todo este movimento para 
a base, os pobres de Israel (incluindo Judá)? Trataremos 
de responder esta pergunta crucial com a ajuda do esque­
ma supra. Muito dele já nos é familiar. Na base estão as 
aldeias camponesas com nenhuma ou pouca relação entre 
si. O projeto deuteronõmico e a prática de Josias não 
incluíam uma renovação da organização tribal. Na cúpula 
está o rei, que extrai tributos em produtos da terra e 
em serviços das aldeias (as flechas das aldeias ao rei). Do 
rei dependem os já conhecidos três aparelhos burocráti­
cos, o Administrativo (ADM), o Militar (MIL) e o Sacer­
dotal (SAC). Em seguida examinaremos as novidades do 
esquema.
O ponto de partida para entender o jogo político 
no interior da classe dirigente de Judá é o assassinato 
do rei Amon, ocorrido no ano 640. Diz 2Rs 21,23-24: “Os 
servos de Amon conspiraram contra ele e o mataram em
seu palácio. Mas a população da terra matou todos os que 
tinham conspirado contra o rei Amon, proclamando como 
sucessor seu filho Josias”.
A “população da terra”, em hebraico ‘am ha’arets 
(AH em nosso esquema), não é um novo ator. Eles com 
o pessoal do templo conspiraram contra a vida da rainha 
Atalia no ano 835 para restaurar no trono a dinastia da­
vídica na pessoa de Joás (2Rs 11,1-20). Quando se diz que 
“o povo de Judá” pôs Azarias sobre o trono depois que 
Amasias fora assassinado por uma conspiração em Jeru­
salém (2Rs 14,19-21), é provável que seja este mesmo 
grupo social. Não parece demasiado ousado pensar que 
este grupo possuísse interesses comuns com os reis da- 
vídicos e com os sacerdotes, seu suporte ideológico. As 
conspirações nascem, segundo um repetitivo esquema, dos 
“servos do rei”. Esta designação é usada para todo apa­
relho de Estado. O sacerdócio do templo tinha interesses 
inclusive teológicos para manter a dinastia de Davi. É 
possível que eles fossem os responsáveis pelo assassinato 
também de Joás. Mas este foi por motivos conjunturais 
e não com intenções de remover do trono a dinastia da­
vídica (2Rs 12,21-22; cf. 2Cr 24,17-22). Sua lealdade era 
incondicional. Podemos supor, por outro lado, que se o 
exército tivesse estado alguma vez implicado em um 
assassinato real, não teria sido possível o povo da terra 
frustrar seus planos sem uma luta que encontraríamos re­
gistrada nos textos. Por eliminação, ficam os administra­
dores, como o setor dos servos do rei, que pôde produzir 
assassinos potenciais dos reis. Este setor carecia de base 
social para impor seus próprios candidatos e a sua pró­
pria política à Coroa. O potencial de conflito se indica 
no esquema com flechas pontilhadas e encontradas; pon­
tilhadas porque a oposição ocasional não pôde romper a 
dependência permanente em que se encontrava com rela­
ção ao rei.
Quem eram, portanto, os ‘am ha’arets? Dificilmente 
podemos pensar nas aldeias camponesas. Estas careciam 
de organização que lhes permitisse participar como agen­
tes sociais em semelhantes pelejas em Jerusalém. Um 
dado significativo ern Jr 52,25 parece indicar que o povo 
'a terra era responsável pelo recrutamento dos soldados
para o exército. Se esta era uma função estável neste setor, 
dava uma importância evidente ao rei. No esquema apa­
rece com a flecha sólidado AH ao MIL. O contraste com 
os habitantes da cidade, atestado em 2Rs 11,20, indica que 
provavelmente o povo da terra são os latifundiários das 
províncias, denunciados por Miquéias (Mq 2,1-5) e Isaías 
(Is 5,8-10). Podemos concluir que os campos em Judá 
estavam controlados por um número limitado de latifun­
diários e que estes gozavam de relações estreitas com o 
rei (os reis da dinastia de Davi), o exército e os sacerdo­
tes de Jerusalém. Os camponeses dependiam, para sua 
subsistência, dos latifundiários. Estes podiam controlar 
assim o recrutamento de jovens para o exército. Este con­
junto de relações se indica com flechas sólidas no diagrama.
Este esquema apresenta, ao mesmo nível dos apa­
relhos de Estado, um quarto bloco, o deuteronômico 
(DEUT). Segundo a teoria que propomos acima, este 
setor era composto por refugiados do norte com certo 
nível intelectual de conhecimentos. Sob a influência de 
Ezequias e Josias, reformularam as antigas tradições de 
Israel com esperança que Jerusalém pudesse insuflar nova 
vida ao povo de Javé. Seu projeto era a “aliança”, um 
acordo entre Javé, o Deus do êxodo, e Israel, o povo de 
Javé. Moisés, o profeta, era o mediador da aliança que, 
segundo as tradições do norte, se tinha estabelecido pela 
primeira vez no Sinai e depois renovado sob a direção do 
mesmo Moisés, nas estepes de Moab. Javé guiava cada 
geração através de novos profetas “como Moisés” (Dt 
18,14-22) dos quais recordavam Aías, Elias, Eliseu, Amós 
e Oséias. Na sua visão da aliança, o rei exercia um papel 
limitado. Limitado pela lei de Javé e pela palavra de Javé 
pronunciada por meio dos profetas, seus servos, que tinham 
poder até de derrubar reis, como fizeram Samuel, Aías, 
Jeú filho de Hanani e Eliseu. Não reconheciam em seu 
livro nenhum privilégio aos reis davídicos. Sua concessão 
era a aceitação de Jerusalém como o único lugar legítimo 
de culto, plasmado na lei do Dt 12,1-14. Esta relação po­
sitiva, porém indócil, com os reis judaítas, é representada 
no esquema com uma flecha pontilhada. O projeto deu­
teronômico era alternativo ao projeto favorecido pslos sa­
cerdotes de Jerusalém, como se indica no esquema com
as flechas encontradas. Na geração seguinte a Josias esta 
oposição se plasmará em imensas obras históricas, a cha­
mada História Deuteronomística (Dtr = Deuteronômio + 
Josué + Juizes + Samuel + Reis) e a versão sacerdotal 
dos fatos fundadores de Israel (a chamada fonte “P” do 
Pentateuco). Estas obras serão tratadas em seguida.
Agora falta estabelecer o papel dos profetas em 
Judá (PROP no esquema). Não é propriamente um bloco 
social como os setores anteriores. Eram indivíduos que 
se apresentavam como inspirados por Javé, o Deus de 
Israel, para pronunciar sua Palavra e defender os pobres. 
Conhecemos quatro profetas durante o período da domi­
nação assíria e da Reforma que desempenharam este papel, 
três dos quais serão recordados em Judá como inimigos 
do templo. Os quatro foram Miquéias, cuja pregação da 
revolução camponesa já examinamos, Sofonias, Urias (ver 
Jr 26,20-23) e Jeremias.
Sofonias durante o reinado de Josias denunciou o 
luxo e os crimes das classes dominantes (Sf 1,8-9.12-13;
3,1-4). Em 2,1-3 e 3,11-13 se depreende que Sofonias opunha 
aos poderosos da “minha montanha santa” o povo humil­
de e pobre, os “humildes da terra” . Estes encontrariam 
proteção no dia da ira de Javé. Nestas palavras aparece 
a oposição ao Estado com todo seu aparelho religioso, 
sem fazer sequer menção dos refugiados deuteronômicos e 
seu projeto de nova aliança. Sem defender a revolução, é 
indubitável que a posição de Sofonias é popular e de opo­
sição aos dirigentes de seu tempo.
De Urias somente sabemos que foi mártir por causa 
das suas denúncias ao templo em nome de Javé. Isto não 
aconteceu senão nos tempos de Joaquim, sucessor de Josias. 
Mencionamos Urias porque é uma testemunha da presença 
da tradição javista contrária ao templo, de um autóctone 
de Judá.
Estamos melhor informados sobre Jeremias. Era de 
uma família sacerdotal de Anatot (em Benjamim). Sua 
oposição ao templo está expressa no eloqüente sermão de 
Jr 7,1-15. Igual posicionamento já vimos em Miquéias e 
Urias e, pelo que parece, em Sofonias temos uma conde­
nação implícita do templo. Surpreendente é, porém, o fato
de que Jeremias denuncia a Reforma de Josias como uma 
conversão só aparente (Jr 3,6-13). Samaria, diz ele, foi 
mais honesta que Jerusalém, pois nunca pretendeu con­
verter-se. A conversão de Jerusalém é mentirosa, pois a 
injustiça continua sendo a base da vida nacional. Com a 
diferença de que agora pretendem ter Javé de seu lado. 
Converteram o templo escolhido por Javé em um covil de 
ladrões! (Jr 7,11).
Estes profetas ficam do lado do povo contra seus 
opressores, incluindo os reis, sacerdotes, escribas e até os 
reformadores deuteronômicos. Veremos no capítulo seguin­
te que Jeremias, posteriormente, fez uma aliança política 
com um setor da burocracia administrativa. O livro que 
recolhe suas palavras mostra no seu estilo uma forte 
influência deuteronomística, indicando que os deuterono­
mistas, ao menos, o viram como um aliado em suas lutas 
ideológicas contra a casta sacerdotal. Tratamos de captar 
estas relações não firmes com linhas pontilhadas no 
esquema.
O projeto de Reforma dirigido por Josias chegou 
abruptamente ao fim com sua morte violenta nas mãos 
do rei do Egito em 609, quando tinha 39 anos de idade. 
No entanto, através dos escritos dos deuteronomistas pos­
teriores, deixou marca indelével na vida de Israel por 
longos séculos. A obra dos Macabeus, Hasmoneus, cinco 
séculos mais tarde, pode ser interpretada como o ressur­
gimento do projeto de Josias, que veremos mais abaixo.
------- XI -------
O período da hegemonia babilônica 
(605-539 a.C.)
A história política. A grande experiência de renova 
ção nacional orientada pelo livro do Deuteronômio termi­
nou abruptamente com a morte de Josias em mãos do rei 
do Egito em 609 (2Rs 23,29-30). Durante quatro anos o 
Egito extorquiu tributos do país, depois de colocar Joaquim 
no trono, um dos filhos de Josias (2Rs 23,33-35). Partes 
dr, província de Samaria, sujeitadas por Josias, provavel­
mente estavam sob sua autoridade.
Em 605 a.C. as duas potências que aspiravam ao 
controle exercido anteriormente pela Assíria sobre a Síria 
e a Palestina se encontraram em combate. Babilônia der­
rotou o exército egípcio na batalha de Carquemis. Jr 46 
apresenta as reflexões do profeta sobre o evento. Babilô­
nia tornou-se então a nova potência hegemônica na Pa­
lestina. Joaquim começa a pagar tributos à Babilônia e 
permanece como rei de Judá, embora o antigo sistema 
provincial imposto pela Assíria tenha sido restituído e Sa­
maria novamente separada de Judá.
Pouco antes de sua morte, em 598, Joaquim come­
çou a reter os tributos. Uma expedição punitiva da Ba­
bilônia chegou cedo em Jerusalém, em 597, quando seu
filho Joaquin havia apenas três meses ocupava o trono. 
Aparentemente como castigo (e não como medida de reas- 
sentamento permanente), Nabucodonosor levou à Babilô­
nia o rei e vários membros da família real, ferreiros, 
serralheiros e outras pessoas importantes, em número de 
3.023, segundo Jr 52,28 (2Rs 24,14 diz que foram 10.000, 
um número menos provável por ser redondo). Sobre o 
reino avassalado de Judá deixaram Sedecias, tio do rei e 
filho de Josias (2Rs 24,17). O resultado político foi uma 
divisão de lealdades. Uma parte da população reconheceu 
a Sedecias. Outra continuou esperando o retorno de Joa­
quin a quem continuavam considerando rei (esta situação 
é o pano de fundo da visão dos dois cestos de figos em 
Jr 24).
Sedecias ambicionava tornar independente a Palesti­
na sob a liderança de Judá. Para isso convocou os reis 
dos povos súditos de Edom, Moab, Amon, Tiro e Sidônia 
(Jr 27,2-3). O resultado foidesastroso. Nabucodonosor, com 
uma expedição militar, sitiou Jerusalém tomando-a no ano 
586, no nono dia do mês de tamuz (2Rs 25,1-5). Os babi­
lônios sentiram a necessidade de acabar com as preten­
sões judaicas mediante a destruição de sua praça forte. 
Destruíram os muros de Jerusalém e seu templo e incen­
diaram a cidade para torná-la inabitável. A administração 
do território foi entregue a Godolias, um funcionário sem 
parentesco com a família real davídica (2Rs 25,22-26; Jr 
40—41). Este estabeleceu seu centro administrativo em Mas- 
fa, um pouco ao norte de Jerusalém. Conseguiu restabe­
lecer também uma certa estabilidade (Jr 40,11-12).
Alguns líderes de Judá, porém, refugiaram-se junto 
ao rei de Amon. Dali aspiravam restaurar a independên­
cia de Judá. Seguramente uma ilusão naquelas circunstân- 
cies. O profeta Jeremias, que nos serve de barômetro para 
medir os interesses populares neste momento difícil, jogou 
sua sorte com Godolias (Jr 40,6). O povo dividiu-se pois 
em três grupos: 1) os que apoiavam o projeto de gover­
no de Godolias, sob a proteção da Babilônia; 2) os exila­
dos na Babilônia com sua esperança no rei Joaquin que 
lá estava preso; 3) e o grupo de refugiados em Amon, 
de cujos projetos políticos não estamos informados. Deste 
último grupo saiu Ismael que com um grupo de homens
assassinou Godolias e sua escolta de soldados babilônios 
em Masfa.(Jr 41,1-3). Isto ocorreu num sétimo mês, cujo 
ano não conhecemos (2Rs 25,25-26). Provavelmente se deva 
vincular este fato à deportação de 745 pessoas no ano 
582 (Jr 52,30), o que indicaria a duração de quatro anos 
para o governo de Godolias. Sua equipe fugiu para o 
exílio no Egito levando consigo o profeta Jeremias (Jr 42).
Judá estava completamente desorganizado. Segundo 
Jr 52,27-30, um total de 4.600 pessoas foram deportadas 
em três ocasiões, 597, 586 c 582 e permaneceram na Ba­
bilônia. Outros fugiram ao Egito, a Amon ou outros lu­
gares. A população camponesa e humilde permaneceu em 
seus lugares trabalhando a terra. Judá, segundo parece, 
foi anexado à província de Samaria, depois do assassinato 
de Godolias. Os babilônios jamais conseguiram controlar 
definitivamente o destino do país colocando uma nova po­
pulação para governar o país.
O império babilônico foi sacudido em seu próprio 
centro pelo surgimento de um rei persa que levantara um 
poderoso império com as forças da Média e da Pérsia. 
Ciro tomou o poder em 550 e já no inverno de 547/546 
sua campanha na Ásia Menor teve um êxito espetacular, 
onde derrotou o rico rei Creso de Lídia. A Babilônia já 
estava na defensiva, porém Ciro não a atacou diretamente 
antes de 539 a.C. Nesta data a desorganização interna 
tinha chegado a tal ponto que os mesmos babilônios 
abriram-lhes as portas da cidade, podendo ele entrar di­
retamente, sem sitiá-la nem destruí-la. Na perspectiva da 
história de Israel, acabara assim o interlúdio entre os 
impérios assírio e persa, tendo ambos deixado marcas per­
manentes sobre a configuração de Israel.
A posição política do profeta Jeremias. Qualquer 
esforço para ler os eventos deste período a partir da 
perspectiva dos pobres deve apoiar-se sobretudo na atua­
ção política de Jeremias que ao longo de sua carreira 
sempre adotou uma posição dissidente com respeito à po­
lítica dos reis.
Natural de Anatot, povoado levítico do território tra­
dicionalmente pertencente a Benjamim, Jeremias é filho de 
uma família sacerdotal, provavelmente descendente de Abia-
tar, sacerdote deportado por Salomão para aquele povoa­
do (lR s 2,26-27). Nos seus ataques contra o templo de 
Salomão (Jr 7,1—8,3; 26,1-24), ele se colocava na mesma 
linha profética de Miquéias de Morasti-Gat (Mq 3,9-12), 
que incluía seu contemporâneo Urias de Cariat-Iarim (Jr 
26,20-23). Apesar de sua grande afinidade com a corrente 
profética do norte, cuja influência é muito forte no Deu­
teronômio, parece ter-se distanciado do movimento reformis­
ta de Josias (Jr 3,6-13). Isto nos faz pensar na existência 
de um movimento autóctone em Judá que nunca apoiou 
a teologia davídica do templo. A vinda dos refugiados do 
norte depois da queda da Samaria em 722 teria fortale­
cido este grupo situado mais próximo ao povo que aos 
sacerdotes do templo.
Jeremias com constância apoiou a política pró-babi- 
lônica durante o reinado de Sedecias (597-586) e por isto 
condenou sua política de alianças (Jr 27). Nabucodonosor, 
rei da Babilônia, era o servo de Javé (= ministro de Javé) 
para açoitar Judá e Jerusalém por não terem escutado o 
chamado dos seus profetas (Jr 25,1-12). Sua convicção 
chegou ao ponto de, durante o sítio de Jerusalém, acon­
selhar aos soldados a deporem suas armas e se entrega­
rem aos babilônios (Jr 21,1-10). Foi aprisionado e jogado 
na prisão pelo rei e pelas autoridades (Jr 37,11-21). Foi 
objeto de um complô para assassiná-lo da parte de um 
grupo de Anatot (Jr 11,21), porém lamentavelmente não 
sabemos em que data. Talvez devamos colocar o incidente 
no início de sua carreira, durante a vida de Josias, quando 
podemos supor que em Anatot a maioria apoiava a refor­
ma de Josias.
Os deportados da Babilônia esperavam a restaura­
ção de Joaquin ao trono. Jeremias foi um desmancha- 
prazeres, pois urgiu que se radicassem naquela terra de 
onde não regressariam senão depois de setenta anos, quer 
dizer, seus filhos ou netos (Jr 29). Isto não significa que 
Jeremias favorecesse em Jerusalém ao grupo que respalda­
va a gestão de Sedecias. Ao contrário, entre os dois grupos 
Jeremias via mais futuro naqueles, a quem comparava 
com um cesto de figos bons, enquanto Sedecias e seu 
grupo eram como figos estragados (Jr 24).
Qual é, então, a posição política de Jeremias? De­
rivamos a primeira pista do fato de ele sair da cidade 
sitiada para comprar um terreno em Anatot (Jr 32). O 
profeta anunciava a restauração próxima de uma vida 
normal em que seria possível semear e colher os campos. 
A vida seria normalizada através do projeto político de 
Godolias, funcionário da corte, neto de Safã, o escriba, 
a quem os babilônios encomendaram a organização da 
vida nacional (Jr 40). Jeremias via a salvação do povo 
através do distanciamento da casa de Davi e do sacerdó­
cio de Jerusalém sob a proteção da Babilônia. Há mais de 
vinte e cinco séculos de distância é difícil para nós ques­
tionar a análise de Jeremias sobre o que seria melhor 
para o povo de Judá, embora seja difícil pensar que a 
longo prazo um tal projeto pudesse continuar responden­
do às necessidades populares. Um estado soberano e uma 
sólida amarração com as classes populares seria o proje­
to necessário a longo prazo. A curto prazo, para livrar o 
povo do governo davídico que não respondia aos seus 
interesses, podemos aceitar a análise de Jeremias.
A literatura do período babilônico. Foi um período 
muito rico quanto à produção de narrativa histórica. O 
mesmo círculo que produziu a revisão legal chamada Deu­
teronômio produziu também uma grande leitura da his­
tória de Israel, começando com Moisés, a chamada His­
tória Deuteronomística (Dtr). Toda a história desde Moisés, 
passando pela conquista de Canaã, as lutas dos juizes, o 
estabelecimento da Monarquia, a divisão dos reinos, a 
queda da Samaria, culminando com a Reforma, foi lida à 
luz do Deuteronômio e da Reforma de Josias como refe­
rencial teológico.
A primeira edição desta obra (Dtr1) foi escrita 
depois da Reforma e antes da destruição de Jerusalém. 
Narrava como Moisés havia apresentado ao povo nas este­
pes de Moab as leis que Javé lhes havia dado no Sinai 
para sua longa vida na terra de Canaã. Javé lhes mandou 
profetas para atualizar sua Palavra. Durante o tempo dos 
Juizes, porém, as tribos insistiram em trocar Javé por 
outros deuses. Javé, então, os entregava nas mãos dos 
inimigos, porém, quando clamavam, lhes suscitava um li­
bertador (Jz 2,6-19). Paraguiá-los melhor, mandou reis,
mas estes com freqüência enveredaram pelo caminho pe­
caminoso para o qual o rei Jeroboão os desviara e Javé 
finalmente os entregou nas mãos dos assírios (2Rs 17,7-41). 
Prevendo, contudo, este tipo de problemas, desde antes 
Javé havia estabelecido seu templo em Jerusalém como 
um lugar de oração (não tanto de sacrifícios) para que 
seu povo arrependido lhe suplicasse perdão (lR s 8,14-61). 
Exatamente foi o que fez o povo dirigido pelo bom rei 
Josias (2Rs 22,11; 23,1-3). Se fossem fiéis, Javé realizaria 
todas as bênçãos que prometera mediante Moisés (Dt
28,1-14).
A destruição do templo foi um duro golpe à fé his­
tórica (na história como história da salvação) dos deute­
ronomistas. Passados alguns anos, em 561 (ver 2Rs 25,27) 
estes círculos fizeram uma modificação de sua história, a 
revisão conhecida pelos exegetas como Dtr2. Esta revisão 
do Dtr salienta a lei como base única para a vida de Israel 
e sublinha também a rebeldia constante de Israel (e Judá). 
A própria monarquia é vista como uma rebeldia (ISm 8,7; 
12,19). A história foi concluída com os tristes eventos dos 
reis filhos de Josias (2Rs 24,25). Nós temos em nossas 
Bíblias hoje esta revisão do Dtr nos livros de Dt, Js, Jz, 
Sm e Rs.
Os deuteronomistas não foram, porém, os únicos a 
propor a Israel um projeto de salvação nacional emba- 
sado em sua história com Javé. Se seguimos a Richard 
Elliott Friedman, por causa da força de seus argumentos, 
é neste período dramático entre a morte de Josias è a 
destruição do templo que devemos colocar a revisão da 
história das origens de Israel conhecida por nós como o 
estrato sacerdotal do Pentateuco (P). Na corte de Ezequias, 
por influências pré-deuteronomistas, fundiram-se, como já 
vimos, as versões judaíta (J) e israelita (E) das origens 
de Israel (patriarcas, êxodo, Sinai, deserto, conquista da 
terra). O resultado foi uma história que chamamos Jeo- 
vista (RJE).
Para os sacerdotes de Jerusalém esta história possuía 
graves inconvenientes. Para mencionar alguns: 1) Os pa­
triarcas sacrificavam “desordenadamente”, sem ter recebi­
do a revelação de Javé acerca de como e onde se devia
sacrificar corretamente. Em sua versão alternativa (P), 
Abraão, Isaac e Jacó nunca sacrificaram (nem tampouco 
Caim, Abel e Noé). 2) A história do bezerro de ouro, 
em que Aarão, pai dos sacerdotes, aparecia como o prin­
cipal culpado, era inaceitável (Ex 32). Além do mais, 
nesta história se honravam os levitas que mataram os 
apóstatas, à exceção de Aarão por ser irmão de Moisés 
(Ex 32,25-29). Na versão sacerdotal, este relato desapare­
ceu e se acrescentaram outras duas histórias exaltando 
Aarão e sua descendência: a história da rebeldia de Coré, 
filho de Caat, o levita, e a aprovação divina de Aarão (Nm 
16—17); e a história do “zelo” de Finéias diante da apos­
tasia de Fegor (Nm 25,6-18). 3) Josué, sucessor de Moisés, 
aparece no R-® como acompanhante de Moisés na história 
censurada do bezerro de ouro (Ex 32,17) e, o que é pior, 
está permanentemente no tabernáculo (Ex 33,11), coisa 
proibida para um não sacerdote e que nem sequer era 
levita. De modo que P elimina estas referências a Josué 
e melhor introduz as virtudes do sucessor de Moisés, fa­
zendo-o acompanhante de Caleb na exploração de Canaã 
(Nm 13). Com estes três elementos podemos ver a ten­
dência da obra sacerdotal. Intencionava substituir JE, nar­
rando a mesma história de uma perspectiva mais aceitá­
vel aos sacerdotes de Jerusalém.
O projeto positivo dos sacerdotes deriva da impor­
tância do Tabernáculo como eixo da revelação de Javé no 
monte Sinai (Ex 25,8-9). Manter os sacrifícios sobre o 
altar em frente ao Tabernáculo garantiria a Israel a pre­
sença de Javé. As tradições deuteronomistas reconheciam 
(lR s 8,4) e os sacerdotes em sua versão, mais tarde, su­
blinharão (2Cr 5,4; 1,1-6) a presença do tabernáculo dentro 
do templo de Salomão. Assim, tanto os sacerdotes como 
os deuteronomistas insistiam no monopólio do templo de 
Salomão, ainda que para aqueles fosse por seu monopólio 
como lugar legítimo de sacrifícios (a lei básica está em Lv
17,1-7, no início do “Código de Santidade”).
A competição entre os dois projetos encontra seu 
ponto de atrito nas disposições sobre os “levitas” que não 
descendem de Aarão. Segundo Dt 18,1-8 eles poderiam par­
ticipar dos direitos de qualquer sacerdote com sua simples 
vinda ao lugar escolhido por Javé. Segundo P, os levitas
ocupam funções menores, reservando-se exclusivamente para 
os filhos de Aarão oficiar o sacrifício sobre o altar em 
frente ao Tabernáculo (Ex 29,1-30; Lv 8—9). Segundo 2Es 
23,9, as medidas adotadas por Josias em sua Reforma 
foram uma mediação, pois os levitas não foram admitidos 
ao serviço do altar mas receberam seu sustento das ofer­
tas do altar.
A incerteza a respeito da Reforma. Como vimos 
houve a coexistência de pelo menos três projetos que se 
amparavam nas tradições do deus Javé: o projeto domi­
nante pelo respaldo dado por Josias foi o deuteronomista 
e sua leitura da história de Israel foi a que se impôs. 
Paralelamente continuou existindo o projeto dos sacerdo­
tes do templo. Condividiam com os deuteronomistas o mo­
nopólio de Jerusalém, não tanto como morada do nome 
de Javé quanto como morada do próprio Javé (Dt 12,5 vs. 
Ex 25,8). Jeremias e outros profetas, porém, representa­
vam uma leitura popular das tradições religiosas de Israel: 
nunca aceitaram o monopólio de Jerusalém em nenhuma 
de suas variantes.
A destruição de Jerusalém e do templo em 586 abriu 
as portas para várias interpretações. Em Jr 44,15-19 temos 
a manifestação de uma religião popular que via na purifi­
cação ritual realizada por Josias a causa dos males de 
Jerusalém. Foi a suspensão dos ritos à Rainha do Céu 
que provocou a desgraça. Não foi, como diziam os deute­
ronomistas, um castigo por não terem mantido a Reforma 
em sua pureza, senão um castigo por terem violado os 
lugares de culto a Asera, a Rainha do Céu.
Sabemos da existência de uma colônia israelita em 
Elefantina, uma ilha no alto Nilo, que construiu um tem­
plo a Javé (e uma consorte!) sem que sentissem isto como 
uma violação de algum mandamento divino. Escrevem 
inocentemente aos líderes religiosos de Jerusalém e de 
Samaria para pedir orientações. Isto evidencia que a Re­
forma com suas demandas de exclusividade para Jerusa­
lém não logrou, no período babilônico, impor-se em todas 
as partes onde se reverenciava Javé. Provavelmente alguns 
santuários dessacralizados por Josias, como Betei e Guil- 
gal, foram posteriormente restaurados.
O livro das Lamentações (falsamente atribuído a Je­
remias) evidencia, por outro lado, uma interpretação deu- 
teronomística da destruição: o resultado da desobediência. 
Deseja ardentemente a restituição do templo de Jerusalém. 
Isto e mais o que nos disse sobre a visita de peregrinos 
às ruínas do templo para orar (Jr 41,5) e trazer suas 
ofertas permite concluir que a Reforma calhou profunda­
mente mesmo entre os habitantes das províncias do norte. 
As ruínas se converteram em local de ritos de lamenta­
ções onde a população recitava orações como as recolhi­
das no livro das Lamentações.
Podemos, pois, supor uma situação religiosamente 
heterogênea e desagregada, com representação de várias 
posições entre os israelitas que ficaram nas províncias 
agora babilônicas da Palestina. Não temos informes sobre 
a situação econômica em que viviam os camponeses sob 
os governadores babilônicos. Politicamente as províncias 
seguiram as linhas do sistema assírio, à exceção de Judá, 
incorporada à província da Samaria depois do assassinato 
de Godolias.
As utopias dos exilados na Babilônia. A colônia de 
israelitas que viviam na Babilônia não deixaram de sonhar 
com seu regresso a Jerusalém. Seus sentimentos de nos­
talgia se recolhem belamente no triste canto do Salmo137. A elite de Jerusalém estava exilada. Muitos lançaram 
raízes na Babilônia e nunca voltaram à Palestina, trans­
formando Babilônia num centro importante do judaísmo nos 
séculos vindouros. Entre eles se encontravam sacerdotes e 
levitas com experiência das tradições de Israel. É provável 
que o mesmo Dtr2 tenha sido realizado na Babilônia como 
podemos deduzir do seu final que narra a libertação de 
Joaquin da prisão desta Cidade. Ali surgiram duas visões 
alternativas para a restauração, ambas baseadas na prega­
ção de um profeta, Ezequiel por um lado, e o Segundo 
Isaías (Is 40—55), por outro.
O livro de Ezequiel apresenta todo um programa 
para a restauração de Israel em tomo ao templo recons­
truído (Ez 40—48). É uma variante do projeto dos sacer­
dotes de Jerusalém formalizado em P. Toda a organização 
geográfica do novo Israel, com as doze tribos reconsti-
tuídas, se dispõe a proteger a pureza do templo. Considera- 
se o desastre de Jerusalém conseqüência das impurezas 
que contaminaram a terra de Javé (Ez 36,16-18). O acesso 
ao templo era zelosamente protegido na nova Israel, e 
somente os sadoquitas poderiam oficiar ali. Os levitas fi­
caram excluídos do serviço ao altar porque participaram 
da contaminação das coisas santas (Ez 44,10-14). Uma vez 
restaurado o templo e seu serviço, uma fonte milagrosa 
brotará debaixo do altar e suas águas regarão a terra, e 
esta produzirá abundantemente, e desembocarão no mar 
Morto cujas águas serão saneadas (Ez 47,1-12).
A outra visão utópica nascida na Babilônia se deve 
a um profeta anônimo cujas profecias foram recolhidas no 
livro de Isaías (Is 40—55), conhecido pelos exegetas como 
o Dêutero-Isaías ou Segundo Isaías. Este profeta não se 
preocupa com a culpa de Israel, pois a considera paga 
em dobro já (Is 40,1-2). Seu tom, portanto, é muito di­
ferente do tom dos profetas anteriores. Não se preocupa 
em denunciar mas em animar um povo desalentado (Is 
40,28-31). Javé é o Senhor da história e foi Deus quem 
suscitou o grande rei persa Ciro, cujas façanhas comovem 
o universo (Is 41,1-5; 45,1-7). Estas referências a Ciro 
fazem supor que o Dêutero-Isaías profetizou depois da 
campanha de Ciro contra a Lídia (547) e antes da tomada 
da Babilônia (539).
O propósito de Javé é restaurar Israel em sua terra. 
Prepara um caminho pelo deserto onde brotarão rios e 
crescerão árvores (Is 40,3-11; 43,16-21). Jerusalém regozijar- 
se-á em sua restauração (Is 52,1-6; 51,1-3). O templo será 
reconstruído mas ele é só uma parte secundária no todo 
da cidade e não merece atenção demorada (Is 44,24-28).
As importantes promessas eternas feitas a Davi se 
cumprirão não em um novo rei mas em uma nova situa­
ção paradisíaca para todo o povo (Is 55,1-3). A nação de 
Israel tem uma missão a cumprir entre as nações da terra 
(Is 49,6). Deverá levar a justiça de Javé até os confins 
cia terra (Is 42,1-4). Seus sofrimentos têm uma função 
salvífica. As nações irão maravilhar-se e crerão quando 
Javé exaltar o servo antes castigado (Is 52,13—53,12).
É difícil situar esta utopia no contexto das forças 
sociais vistas até aqui. Não é deuteronomista, pois não 
aparecem os temas característicos desta corrente. Muito 
menos é sacerdotal, como revela uma rápida comparação 
com Ezequiel. É autenticamente popular, surgida misterio­
samente na comunidade do exílio. Terá um impacto signi­
ficativo no Judá restaurado sob a hegemonia persa.
------ X II-------
O período da hegemonia persa 
(539-332 a.C)
Em 539, Ciro entra na cidade da Babilônia. Encon­
tra, entre outros, a comunidade dos descendentes dos ca­
tivos trazidos de Jerusalém por Nabucodonosor. Em seu 
primeiro ano de governo na Babilônia, certamente em res­
posta a uma petição dos exilados, promulgou um edito 
devolvendo os utensílios do templo de Jerusalém ao povo 
de Judá representado por Sasabassar (ou Sanabassaros, 
segundo a forma que seu nome recebe em lEsd 2,8). O 
edito, preservado possivelmente em sua forma autêntica 
em Esd 1,2-4, autoriza a reconstrução do templo de Jeru­
salém, pedindo às autoridades locais, que seriam os gover­
nadores da província da Samaria, que ofereçam ajuda ma­
terial para tal efeito.
Como interpretar esta medida? Através do Cilindro 
de Ciro descoberto pelos arqueólogos se sabe que Ciro 
assumiu o padroado do culto de Merodac na Babilônia. 
Merodac pronunciara o nome de Ciro para que fosse o 
Senhor de todo o mundo. Não é inverossímil que tenha 
adotado medidas semelhantes com relação a “Javé o Deus 
dos Céus”. O Dêutero-Isaías já havia anunciado a Ciro 
como o rei guiado pela mão de Javé para castigar as 
nações (Is 45,1). Isto o rei pôde assumir muito bem.
Convertia-se assim em fiel devoto de Javé e patrono do
s«3u culto em Jerusalém. Patrocinando o culto local espera­
va lograr algum consenso para sua administração, pelo 
menos dos sacerdotes.
E quem era este Sasabassar a quem Esd 1,8 chama 
“príncipe (nasi’) de Judá? Provavelmente a resposta está 
na forma de seu nome no livro apócrifo de lEsd, Sana- 
bassaros. Nesta forma parece tratar-se do mesmo Senasser 
que aparece na genealogia de lCr 3,l7s como filho de Joa­
quin, o rei davídico que morreu no exílio. Os persas, contudo, 
não lhe estavam devolvendo o trono de seu pai. Sua missão 
se limitava a devolver os utensílios do templo e proceder 
à reconstrução do mesmo. Disto pôde apenas realizar o 
primeiro. As fontes não nos referem seu fim. Mesmo du­
rante o tempo em que executava sua missão, não gozou 
de autonomia completa. Jerusalém fazia parte da provín­
cia da Samaria e como tal a supervisão política sobre a 
construção de um templo estaria nas mãos do governador 
persa dessa província. Sasabassar conseguiu começar a 
construção mas não pôde terminá-la (é a interpretação 
mais provável de Esd 4,24).
No segundo ano do rei Dario (520), a construção 
do templo foi retomada sob a direção de um novo comissá­
rio chamado Zorobabel, também de descendência davídica, 
filho de Salatiel e neto de Joaquin (Esd 3,2 ou, segundo 
lCr 3,19, filho de Faraías e neto de Joaquin; em todo 
caso, davídico). Novamente estamos diante de uma missão 
específica, com autoridade e tempo limitados, sob o con­
trole do governador da Samaria.
Esdras 4,1-5 narra o conflito surgido em torno do 
projeto. A elite da província, a cem anos da destruição 
de Betei por Josias, certamente já tinha seus próprios 
santuários de Javé. A reconstrução de um famoso templo 
dentro de sua província lhes era uma ameaça. Se a corres­
pondência do governador Reum com Samsai, secretário 
(Esd 4,8-23), é autêntica, houve um problema de não co­
municação administrativa, provavelmente no tempo de Ciro 
ou Cambises, seu sucessor (e não Xerxes, como afirma 
Esd 4,6). Novamente houve problemas com o projeto de 
Zorobabel, do qual o governador Tatanai não estava ofi­
cialmente informado, porém desta vez o problema foi re­
solvido mediante correspondência com os ofícios centrais 
do rei Dario (Esd 5,6—6,18).
Além deste problema administrativo resolvido atra­
vés dos canais burocráticos, houve um problema mais sério 
de conflito com o “povo da Terra” (Esd 4,4). Se se trata 
do mesmo grupo social que já conhecemos, cs latifundiá­
rios das regiões rurais, bem podemos entender seu inte­
resse em participar na construção do templo. Nos tempos 
da monarquia tinham lealmente apoiado os reis e o templo 
construído por Salomão. Porém, agora as coisas tinham 
mudado. O novo templo era construído pelos exilados. Re­
cordando os assentamentos de estrangeiros do rei Asara- 
don, questionaram a legitimidade dos que viviam na Pa­
lestina. Este tipo de conflito entre os que viveram no 
exílio e agora regressavam com o apoio do governo persa 
e os que permaneceram no país explica o grande inte­
resse nos textos desta época pela pureza racial. As genea­
logias eram armas que os exilados esgrimavam contraos 
israelitas do país.
A nível ideológico este conflito de poder é percebido 
nitidamente nas profecias da época. Pelo lado dos exila­
dos (a Golá, segundo a terminologia hebraica), encontra­
mos os profetas Ageu e Zacarias que apoiaram com suas 
profecias a reconstrução do templo. Pelo lado oposto, o 
lado dos que estavam sendo excluídos de participação 
neste projeto, se situam os profetas anônimos, cujas pro­
fecias foram recolhidas no livro de Isaías (Is 56—66, co­
nhecido por todos como o “Trito-Isaías”).
Veremos primeiro os profetas que falaram pelo 
povo. O oráculo mais dramático é Is 66,1-2. Nega qual­
quer interesse de Javé pelo templo que a Golá está cons­
truindo, pois Javé é o criador de tudo e não necessita 
dele. Is 58,1-12 é uma condenação aos ritos de jejuns, 
parte muito significativa do calendário litúrgico dos sacer­
dotes que controlavam o templo pós-exílico: o jejum de­
sejado por Javé é libertar os oprimidos e alimentar os fa­
mintos, e não o inclinar a cabeça como juncos; isto não 
lhe consegue a atenção. Javé é um Deus que habita nas 
alturas mas também com os oprimidos e humildes da 
terra (Is 57,15).
O entusiasmo pelas genealogias encontra uma pala­
vra dura na primeira profecia da coleção (Is 56,1-7). Javé 
aceita até os eunucos que guardam o sábado e a aliança, 
e o estrangeiro não deve ser excluído da comunidade. De 
fato, o templo será chamado “casa de oração para todos 
os povos” (Is 56,7). A estupenda visão utópica de Is 
65,17-25 nem sequer fala do templo, mas de vida longa e 
comida abundante.
O anonimato desta coleção de profecias pode ser 
explicado pela necessidade de ocultar sua identidade. As 
profecias puderam ser preservadas, num território onde os 
sacerdotes da Golá tinham muito poder, somente porque 
foram colocadas no livro de Isaías. As semelhanças de 
estilo, vocabulário e até teologia sugerem que estes profe­
tas populares do tempo de Dario eram discípulos do gran­
de profeta do exílio conhecido como Segundo Isaías.
Pelo lado da Golá os profetas Ageu e Zacarias (os 
ditos deste estão recolhidos nos capítulos 1 a 8 do livro 
que leva o seu nome) deram grande impulso à constru­
ção, interpretando as limitações econômicas como resulta­
do das suas poucas ofertas e seus fracos esforços em prol 
desta causa (Ag 1,2-11; 2,15-19). Ageu via em Zorobabel o 
comissário responsável pela obra ante o império, um novo 
Davi escolhido por Javé como sinete para “destruir o poder 
das nações” (Ag 2,20-23).
O messianismo de Zacarias introduz na teologia ju­
daica a dualidade que por muitos séculos será a caracte­
rística de suas correntes. Zorobabel, o comissário, e Josué, 
o sumo sacerdote, são “os dois ungidos que estão de pé 
diante do Senhor de toda a terra” (Zc 4,14). São as duas 
oiiveiras que alimentam de azeite as sete lâmpadas do 
candelabro que Zacarias viu profeticamente (Zc 4,1-4). Em 
outra visão o profeta viu como satanás investia contra 
Josué, porém Javé o protegeu, proteção simbolizada pelos 
vestidos limpos que Deus lhe deu (Zc 3,1-7).
O confronto entre a Golá e o povo da terra reflete-se 
em sua maior algidez em torno da construção do templo 
sob os auspícios da administração persa e as disputas 
sobre a pureza racial. Este confronto é, na verdade, em 
grande parte, um conflito de classes: os camponeses e la-
tifundiáricss aparentemente empobrecidos pela desorganiza­
ção do período babilônico em oposição a um exílio bem 
organizado em torno de um projeto religioso e sacerdotal, 
com o apoio econômico e político das autoridades persas. 
Podemos csquematizar a situação que prevaleceu desde a 
construção do templo até a missão de Neemias (520-445 
a.C.) da seguinte forma:
IMPÉRIO PERSA
O esquema mostra que a relação entre as aldeias, 
unidades produtivas de Israel, e o império se realiza atra­
vés de uma dupla mediação. Por um lado está o gover­
nador persa com sua sede em Samaria. Este extrai alguns 
tributos das aldeias, embora não saibamos como rnedir 
sua intensidade. Por outro lado, o império tenta manter 
o consenso social através do sacerdócio de Jerusalém, pro­
vindo do exílio babilônico e comprometido, pela sua posi­
ção, com as autoridades persas. O império está inicialmen­
te disposto a custear o restabelecimento desta casta sacer­
dotal, ainda que, logo depois das primeiras ajudas, o 
templo tenha dado rendimentos econômicos para o impé­
rio. Uma dificuldade deste esquema é a tensão criada 
entre a elite dominante da província com sua sede em 
Samaria e o sacerdócio de Jerusalém. Cada grupo man­
tinha seus contatos diretamente com as capitais persas de 
Ecbátana e Susa. Eram poucas as relações entre si.
Os profetas neste período aparecem divididos em 
duas facções contrárias. De um lado os profetas oficiais 
servindo de apoio à casta sacerdotal. Do outro lado, um
grupo de profetas, cujos nomes desapareceram, chocando- 
se, em nome dcs interesses populares, com os sacerdotes 
e os profetas oficiais. Quanto às aldeias, incluindo as fa­
mílias importantes (o “povo da terra”), sua relação com 
Samaria é a do pagamento de tributos, enquanto que sua 
relação com o templo de Jerusalém e seu sacerdócio era 
seguramente de apoio, em termos gerais. Apesar de alguns 
interesses antagônicos articulados por seus profetas, o 
templo era a maior expressão cúltica de sua fé em Javé, 
o Deus de seus pais.
A composição do Pentateuco e a missão de Esdras. 
Quando no sétimo ano de Artaxerxes, Esdras, “o escriba 
da lei do Deus do céu”, foi enviado pelo rei com a missão 
de fazer valer a lei entre os habitantes de Judá (“todo 
aquele que no meu reino pertença ao povo de Israel”), 
muito provavelmente se tratava da promulgação do Pen­
tateuco. O edito, que certamente é autêntico, foi conser­
vado em seu original aramaico em Esd 7,13-26. Se Arta­
xerxes é o primeiro com esse nome, a missão de Esdras 
teria sido no ano 458 a.C. (Artaxerxes I governou de 465 
a 424; a outra possibilidade, menos provável, seria Arta­
xerxes II, cujos anos de reinado são 404-358 a.C.).
A leitura da lei por Esdras em uma assembléia so­
lene de sete dias em Jerusalém (Ne 8,1-18) recorda a pro­
clamação do livro da aliança, o Deuteronômio, nos tempos 
de Josias, e faz pensar que se trate de sua primeira apre­
sentação oficial, com o respaldo das autoridades persas, 
não somente da província mas também do império.
A redação do Pentateuco foi feita, provavelmente, 
na primeira metade do século V. O simples fato de sua 
composição revela uma unificação dentro da classe domi­
nante de Israelitas. Esta obra foi feita sobre a base de 
relatos das origens de Israel, começando com a criação 
até Moisés. Estes relatos, R® e P, eram antagônicos em 
muitos pontos. A combinação do Javista e do Eloísta, 
como vimos, foi feita sob os auspícios da corte de Ezequias 
no final do século VIII. Dava grande realce aos patriarcas 
que inclusive estabeleceram santuários e sacrificaram em 
lugares como Hebron e Betei. Exaltava também a figura 
de Moisés, enquanto colocava em dúvida a retidão de
Aarão. Por sua vez, o relato sacerdotal (P) era uma leitu­
ra revisionista. Reduzia a figura dos patriarcas e exaltava 
a de Aarão. Somente teria sido possível combinar estes 
relatos, com pontos de vista antagônicos, se as forças so­
ciais que representavam tivessem logrado uma reconciliação.
Por outro lado, na redação do Pentateuco incluiu-se 
a primeira parte da História Deuteronomística (Dtr), aque­
la que trazia a história de Moisés. Vimos como nos últi­
mos anos do reinado da dinastia davídica houvera tensões 
entre os projetos deuteronomista e sacerdotal. Com o fim 
da monarquia se evitou um dos principais problemas entre 
estes dois grupos da elite de Jerusalém, pois seus pontos 
de vista com relação aos reis eram muito diferentes.
O resultado final da redação de uma única versão 
das origens de Israel, desde acriação até a morte de 
Moisés, leva acentuadamente a marca sacerdotal. Embora 
essa redação incorpore RJE e Dt, o padrão geral e os co­
mentários editoriais privilegiam o documento Sacerdotal 
(P), seu enfoque histórico e teológico. Isto reflete a rea­
lidade política da força do grupo sacerdotal que controla­
va o templo e contava com o apoio do império. Do ponto 
de vista popular, dever-se-ia dizer que em meados do 
século V a classe dominante estava unificada.
A missão de Esdras, promulgando a lei de Moisés, le­
gitima a posição dominante do templo. Uma das princi­
pais tarefas de Esdras foi impor à população as proibi­
ções de matrimônios mistos (Ex 34,16; Dt 7,3), e isto com 
tal rigor que obrigava a divorciar-se aqueles cujas mulhe­
res não podiam demonstrar sua genealogia israelita (Esd 
9—10). Esta é uma tática repressiva da Golá contra os que 
viviam no campo e nunca sofreram o exílio. É um projeto 
de dominação da casta sacerdotal sobre a base camponesa 
da sociedade.
O estabelecimento da província de Judá. No ano 20 
de Artaxerxes (445 a.C.), o rei enviou a Jerusalém Neemias, 
um israelita de sua confiança, com uma missão bastante 
ampla. Devia reconstruir os muros de Jerusalém, povoar a 
cidade e tomar as medidas civis necessárias para conso­
lidar a região. Esteve em Jerusalém até o ano 32 de Arta­
xerxes (443 a.C.), o que confirma a impressão de que não
era apenas um comissário para uma tarefa limitada, mas 
o governador de uma nova província. Judá ficou assim sepa­
rado da Samaria, com sua própria administração (persa).
Apesar de Neemias ter o apoio do rei, encontrou opo­
sição das províncias contíguas, para as quais um Judá 
forte não era desejável. Da menção dos inimigos de 
Neemias em textos como Ne 4,1 e 6,1 podemos deduzir que 
as províncias eonfinantes eram Samaria ao norte, Amon 
ao oriente, Arábia ao sul e Azoto ao ocidente. Samaria 
foi a mais afetada, pois perdia parte do seu território, 
incluindo o templo, aonde alguns de seus habitantes que­
riam continuar fazendo peregrinações. Mas nas outras pro­
víncias também, especialmente em Amon, havia fiéis de 
Javé que olhavam para Jerusalém como sede principal de 
culto.
O templo em Garizim. As comunidades dos judeus 
de Elefantina no Egito do ano 408 ainda mostram respeito 
às autoridades civis tanto de Jerusalém como de Samaria, 
embora demonstrem um reconhecimento sacerdotal unica­
mente às autoridades de Jerusalém. Durante o século IV 
deu-se o inevitável: a construção de um templo, como 
centro religioso, na província da Samaria.
O historiador Flávio Josefo situa a autorização para 
esta construção na passagem de Alexandre Magno pela 
Palestina no ano 332 a.C. (Ant XI,8-9 e XIII 9). Um exame 
cuidadoso destes textos levanta a suspeita de que são afir­
mações artificiais baseadas em Ne 13,28. Em todo caso, 
esta construção supõe a existência de uma província de 
Judá, criada em 445 a.C., e a existência do Pentateuco em 
sua forma acabada, o que provavelmente aconteceu antes 
de Esdras (458 a.C. ou, se se trata de Artaxerxes II em 
Esd 7,7, 397 a.C.). A invasão de Alexandre provavelmente 
é a última data possível para esta construção que pode 
muito bem ser anterior.
O lugar escolhido, Garizim, um monte defronte a 
Siquém, é um lugar muito tradicional, pois ali Josué reu­
niu as tribos antes de sua morte (Js 24). Ademais, o Deu­
teronômio autoriza um altar no monte Ebal, defronte ao 
monte Garizim (Dt 27,4-7), mas afirma explicitamente que 
Garizim é o monte da bênção (Dt 11,29). Dentro de um
livro que pede um único lugar para o culto, esta referên­
cia é inexplicável. Deu aos dirigentes da Samaria uma só­
lida base para a construção de um santuário, pois alega­
vam que cumpriam a vontade de Moisés ao estabelecer o 
culto no legítimo lugar estipulado por ele.
Do ponto de vista das elites da Samaria, era impres­
cindível ter “seu” templo. Era uma necessidade política. 
Porém o efeito, na fé do povo, foi de criar um cisma re­
ligioso. Tratava-se de duas interpretações contraditórias 
de um mesmo texto revelado, o Pentateuco. Fazer peregri­
nações a Garizim era rechaçar a legitimidade do templo 
de Jerusalém e vice-versa, já que Moisés dissera claramente 
(em Lv 17,1-7 e Dt 12,1-14) que pode haver somente um 
lugar para o culto, o lugar escolhido por Javé. De um pro­
blema político das elites surgiu um problema de fé para 
as bases populares, problema ainda não resolvido nos 
tempos de Jesus (ver Jo 4).
A história cronista versus os “dêutero-profetas”. Ao 
longo dos séculos da dominação persa, a casta sacerdotal 
que comandava a vida de Judá se esforçou para elaborar 
uma releitura da história de Israel. A obra histórica re­
sultante é de grande complexidade redacional. Passou por 
várias edições que não podemos reconstruir com seguran­
ça. Tudo culminou em nossos dois livros das Crônicas ou 
Paralipômenos. Foram concluídos, parece, no século IV, 
antes da construção do templo de Garizim e antes do 
cisma conseqüente, do qual não mostram ter consciência. 
Esta história de Israel começa, depois de longas árvores 
genealógicas, com Davi, e termina com a destruição do 
templo por Nabucodonosor. Sua principal fonte de infor­
mação é a história deuteronomista (Dtr), à qual acrescen­
ta informações independentes sobre assuntos administra­
tivos e militares.
O centro da história de Israel segundo esta releitura 
é o templo de Jerusalém. Mostra grandíssimo interesse na 
organização do pessoal sacerdotal e levítico do mesmo. 
Seu interesse por Davi se estriba na convicção de que foi 
ele quem organizou o pessoal do serviço cúltico de Jeru­
salém, deixando tudo projetado para que seu filho Sa­
lomão pudesse realizar a construção e fazer funcionar os
vários grupos levíticos. Davi era cantor e compositor de 
Salmos e encarregou as famílias levíticas de Asaf, Hemã, 
Coré e Jedutun de organizarem o canto no templo.
Moisés instruíra os levitas que transportassem a arca 
sobre os ombros (lCr 15,15). Quando Davi trouxe a arca 
para fixá-la em Jerusalém, encarregou os levitas do canto 
(lCr 6,16). Para este importante serviço eles são dotados 
do “espírito de Javé” (2Cr 20,14), convertendo-se pois em 
profetas. A história da batalha de Josafá contra Amon 
(2Cr 20) é ilustrativa da importância profética dos can­
tores (ver v. 14-17). Eles anunciam a vitória e animam 
o exército com seus cantos/profecias. Também na refor­
ma de Ezequias os levitas cantores aparecem como figuras 
proféticas que orientam as ações (2Cr 29,25-30). Hemã e 
Asaf, pais de famílias levíticas de cantores, são chamados 
pelos cronistas de “videntes”, indicando sua função pro­
fética (lCr 25,5; 2Cr 29,30). Há uma clara tendência nas 
Crônicas de colocar os cantores do templo no lugar dos 
homens do espírito de Javé, os profetas. Em 2Cr 34,30, 
por exemplo, o texto cronista põe os levitas no lugar dado 
aos profetas em 2Rs 23,2, a fonte de onde recolhe infor­
mações sobre a reforma de Josias.
O movimento profético fora, ao longo da história 
de Israel, uma defesa do povo contra as imposições dos 
reis e seus aparelhos de dominação. As Crônicas dão tes­
temunho de um processo de apropriação desta tradição 
pelo pessoal do templo, que na época persa eram os ver­
dadeiros dominadores. Segundo a casta sacerdotal que 
exercia o poder desde o templo, os verdadeiros profetas 
que cantavam a palavra de Javé por inspiração eram os 
cantores levíticos. Entender isto é necessário para enten­
der a agressividade da ruptura popular, que passamos 
agora a comentar.
Os últimos profetas apresentados com seus próprios 
nomes como enviados de Javé foram Ageu e Zacarias, nos 
tempos da construção do segundo templo (520-516 a.C.). 
Estes, ao invés de serem defensores dos interesses popu­
lares, dedicaram-se a urgir do povo respaldo ao projeto 
da Golá de reconstruir o templo. Ao longo do período de 
hegemoniapersa os verdadeiros sucessores dos profetas
viveram no anonimato. Pensando que o Espírito de Javé não 
estava inspirando profetas autênticos, conformaram-se em 
estudar as profecias dos profetas antigos e acrescentar co­
mentários anônimos às coleções de seus ditos. Estes pie­
dosos e diligentes sucessores dos grandes profetas são 
conhecidos, na ciência bíblica, como “dêutero-profetas”. 
Seus ditos se encontram em passagens como Is 24—27; Jr 
23,34-40; Zc 9—14; J1 3—4 e todo o livro de Malaquias (que 
não é um nome próprio e parece ter-se composto como 
apêndice a Zacarias).
Zc 13,2-6 ilustra a amargura destes círculos contra 
os levitas que se faziam passar por profetas, roubando 
assim, da memória do povo humilde de Javé, a imagem 
dos verdadeiros profetas. Afirma este comentarista profé­
tico que todo aquele que ousa declarar-se profeta é um 
mentiroso e deve ser morto pelos próprios pais. O Espí­
rito de Javé abandonou seu povo depois de ter-lhe dirigido 
insistentemente a palavra, por tanto tempo, através dos 
profetas. Segundo o gracioso poema de Joel 3,1-5, Javé 
mandará novamente seu Espírito nos últimos tempos e os 
anciãos terão sonhos e os jovens terão visões. Enquanto 
isso, os que se chamam profetas não são mais que impos­
tores. Na mesma linha de pensamento o livro de Malaquias 
afirma o envio, nos últimos tempos, do profeta Elias para 
preparar a salvação de seu povo (Ml 3,1.23-24).
O contraste entre Crônicas e os dêutero-profetas é 
a expressão religiosa de um conflito de classes. É o enfren- 
tamento do povo humilde do campo contra os exilados que 
voltaram a se instalar em Jerusalém, durante a dominação 
persa. Voltavam com a proteção do império e como os 
legítimos representantes da fé em Javé. Foi uma tentati­
va de roubar a fé do povo, convertendo-o em instrumento 
de sua própria opressão.
------------------------------------------------------X III --------------------------------------------------------
O período da dominação helenística 
(332-167 a.C.)
Delimitamos o começo deste período de maneira na­
tural e não polêmica, pela passagem de Alexandre Magno 
pela Palestina em sua campanha para conquistar o Egito. 
Conseguiu sem grandes dificuldades submeter ao seu con­
trole as províncias persas da Palestina. O final deste pe­
ríodo é mais discutível. O ano 167 é o ano do levante 
de Matatias e seus filhos que provocou o que se conhece 
como a guerra dos Macabeus. Esta terminou com o esta­
belecimento sobre os judeus da Palestina de uma monar­
quia chamada hasmonéia. Através da monarquia consegui­
ram uma certa autonomia frente aos reinos helenísticos. 
Os reis helenísticos selêucidas não puderam restabelecer a 
soberania sobre a Palestina, embora possuíssem a hegemo­
nia daquela situação.
O domínio de Alexandre mesmo foi breve, pois 
morreu na Babilônia em 323 a.C. Três dos seus generais 
disputaram o reino, e algumas de suas batalhas foram 
precisamente na Palestina. A partir do ano 301 a Pales­
tina ficou submetida definitivamente aos reis helenísticos 
instalados no Egito, os ptolomeus. A Palestina fazia parte 
da província de “Síria e Fenícia”. Governaram sucessiva­
mente Ptolomeu I Soter (301-282), Ptolomeu II Filadelfo
(282-246), Ptolomeu III Evergetes (246-221) e Ptolomeu IV 
Filopátor (221-203). Seleuco ficara com a parte oriental 
do império de Alexandre: Pérsia, Babilônia e Armênia. 
Estabeleceu sua capital em Antioquia sobre o rio Orontes 
ao norte da Síria. Os selêucidas nunca se conformaram 
com a perda da “Síria e Fenícia”, e, depois de várias ten­
tativas, Antíoco III, o Grande, derrotou o exército de 
Ptolomeu V Epífanes em Pâneas e pôde restabelecer a so­
berania sobre a Síria e Fenícia. Eles governaram a região 
até o levante do ano 167 a.C.
O domínio dos ptolomeus durante um século deu à 
Palestina um dos mais longos períodos de paz que jamais 
conheceu em sua história, Foi, contudo, um tempo de explo­
ração econômica muito aperfeiçoada. Os gregos estabelece­
ram no Egito um estado burocrático fortemente centrali­
zado, muito mais “asiático” em sua forma que grego. O 
oficial máximo em cada região ou “nómos” do reinado 
era o general da tropa ali acantonada, o “strategós”. A 
seu lado, na administração, estava o “oikónomos”, encar­
regado das finanças, e especialmente dos impostos. Havia 
uma série de outros oficiais, porém todos eles estavam 
cuidadosamente supervisionados por enviados constantes 
do governo central do Egito.
Toda a província da Síria e da Fenícia era conside­
rada território conquistado pela espada e como tal proprie­
dade pessoal do rei. Porém não se administrava tudo igual­
mente. A principal fonte de informação nos chega por um 
certo Zenão, enviado de Apolônio, o “dioikétes” ou o se­
gundo no poder, encarregado da administração do rei 
Ptolomeu II Filadelfo. Não existem fontes bíblicas para 
este período, fora de Dn 11 que se limita a apresentar a 
história em chave militar. Os judeus não tiveram uma his­
tória própria sob os ptolomeus, mas foi um tempo impor­
tante para estabelecer a conformação social que se man­
teria, com variantes, até o final da história de Israel nas 
guerras contra Roma.
A administração dos territórios da Palestina que nos 
interessa para uma história de Israel foi complexa, poden­
do distinguir-se pelo menos três formas. A mais inovadora 
e a que mais importância teria a longo prazo foi a intro­
dução de cidades helenísticas. Possivelmente já Alexandre, 
ou seu lugar-tenente Perdicas, estabeleceu como cidades 
militares Samaria e Gérasa (na Transjordânia). Estas eram 
colonizadas por soldados macedônios, a quem eram entre­
gues terras e, ao estilo das cidades gregas, uma certa 
autonomia de governo. Os ptolomeus estabeleceram “cida­
des” em Aco (que recebeu então o nome de Ptolemaida 
e foi o principal centro de toda a Síria e Fenícia), em Betsã 
no extremo oriental do vale de Jezrael (com o novo nome 
de Skythópolis), Filatéria no extremo sul do mar da Ga- 
liléia, Filadélfia (a antiga Rabá-Amon, capital dos amoni- 
tas), e várias cidades na costa, como Dor e Gaza.
Estas cidàdes não foram colonizadas somente por 
soldados mas também por civis gregos ou helenizados. 
Através deles os ptolomeus podiam controlar a população 
nativa e explorar mais intensamente a agricultura. A ci­
dade helenista era formada por uma base de cidadãos 
livres que a governavam dentro dos limites estabelecidos 
pelo fundador, neste caso dos reis ptolomeus.
A maioria da população, porém, não era composta 
por cidadãos. Havia escravos domésticos e produtivos por 
um lado, e estrangeiros dedicados a diversas atividades, 
mas que não tinham voz nos assuntos políticos, nem di­
reitos de propriedade de terra tanto dentro como fora da 
cidade, por outro. O verdadeiro cidadão era aquele que 
vivia na cidade, porém do produto de suas terras agrí­
colas trabalhadas por escravos e diaristas. Para poder 
possuir terras, era obrigatório ser cidadão. Importantes 
funções tinham as mulheres na administração das proprie­
dades de seus maridos, porém nenhuma participação nos 
assuntos públicos.
O centro mais importante da reprodução política era 
o ginásio. Ali estudavam os jovens varões. O plano de 
estudo era centrado nas épicas de Homero, que exaltavam 
as virtudes militares, e nas práticas esportivas, que obje­
tivavam a preparação física e mental para a guerra.
Ao redor das cidades existiam vastas extensões de 
terras do rei, administradas diretamente por funcionários 
do Estado ptolomeu ou entregues, como benefícios, aos 
amigos do rei para seu próprio enriquecimento. Parece
que a maior parte das melhores terras eram deste tipo, 
incluindo toda a costa do Mediterrâneo, o vale de Jezrael 
e do Jordão e boa parte da Transjordânia. Fundavam-se 
cidades entregando blocos de terras reais para a distribui­
ção entre cidadãos.
Jerusalém tomou-se umacidade sacerdotal à frente 
da “etnia” judaica. Não era a única cidade deste tipo nos 
reinos helenísticos nem eram os judeus a única etnia. 
Outras etnias reconhecidas na Palestina foram os idumeus 
e os gazitas. O sumo sacerdote assumiu funções adminis­
trativas, assessorado por um conselho de notáveis chama­
do “gerusia” (e que nos tempos de Herodes recebeu o 
nome de Sinédrio, termo familiar aos estudantes da Bí­
blia). O sumo sacerdote era responsável por levantar gran­
des somas de dinheiro para o Estado mas tinha pouca 
autonomia administrativa. Ninguém a possuía na Palestina 
no tempo dos ptolomeus. O Estado ptolomeu era compos­
to de uma imensa burocracia e, segundo parece, altamente 
eficiente.
Síria e Fenícia sob a administração ptolomaica trans­
formaram-se em uma área agrícola muito rica e produtiva. 
A paz foi um benefício certamente reconhecido pela po­
pulação. O impacto, porém, na vida cotidiana da popula­
ção foi muito grande. A nova modalidade de produção 
agrícola, especialmente nas terras das cidades helenísticas, 
destruiu a antiga vida das aldeias e proletarizou os cam­
poneses nativos. De agricultores livres, cujas autoridades 
imediatas eram os anciãos de seu povoado, tomaram-se 
diaristas sobre terras alheias sem nenhuma participação 
nos assuntos públicos. A situação das terras submissas a 
Jerusalém pode não ter sido tão ruim. Também é possível, 
nos territórios do rei, alguma medida de sobrevivência da 
vida das aldeias. Porém, nos séculos seguintes, cada vez 
mais o campo estava sendo submetido às cidades de lati­
fundiários, trazidos de outras partes e que não tinham 
nenhuma consideração pelo direito tradicional dos habitan­
tes de Israel.
Outro elemento perturbador da vida da sociedade 
judaica da época foi o recrutamento para o exército. Os 
jovens judeus demonstraram ser bons soldados. Alguns se­
guramente foram recrutados à força, porém é provável que 
a maioria tivesse entrado voluntariamente como mercená­
rios. Os gregos tinham os melhores exércitos do mundo 
tanto pelo espírito de equipe como por sua disciplina. A 
vida militar oferecia uma alternativa aos jovens judeus que
certamente se tomou atraente.
0
O Eclesiástico ou a Sabedoria de Jesus Ben Sirac. 
A única obra bíblica situada com segurança no período 
helenístico é o Eclesiástico, uma magnífica produção lite­
rária que reflete a serenidade e confiança com que a aris­
tocracia judaica podia enfrentar os perigos do momento. 
Seu autor parece ser contemporâneo do sumo sacerdote 
Simão II, mais ou menos entre 220 e 195 a.C. Sua obra 
é uma reflexão sobre a sabedoria (hokmah). Para entendê-la 
é necessário situá-la no contexto das reflexões israelitas 
sobre a sabedoria.
As primeiras coleções de sabedoria proverbial em 
Israel são as encontradas no livro dos Provérbios, capí­
tulos 10—31. São coleções feitas provavelmente em época 
anterior à destruição de Jerusalém, em círculos próximos 
à corte de Jerusalém. São todos ou quase todos atribuídos 
pseudonimamente ao rei Salomão, segundo a tradição, gran­
de admirador e praticante da sabedoria.
Estes provérbios, alguns deles sem dúvida provenien­
tes de âmbitos populares, entendem que a sabedoria se 
adquire mediante a observação atenta da vida, a vida fa­
miliar, social e até animal e vegetal. É um conhecimento 
profano, pois embora reconheça um lugar real para Javé 
o Deus verdadeiro, não permite que as suas tradições do­
minem sobre a observação chamada por nós de “empíri­
ca”. Neles existe a confiança de que a sociedade é regida 
por uma ordem moral que premia o homem honesto e tra­
balhador e penaliza o que vive de forma contrária. Embo­
ra a evidência de que tudo corre bem para o justo nem 
sempre seja clara, os sábios podem confiadamente pedir- 
lhe paciência, pois logo o perverso cairá das alturas pre­
cárias onde está montado.
A vida social de Israel chegara a um momento em 
que as desordens sacudiram na base esta confiança. Nas 
reflexões sapienciais, a sabedoria se torna mais problemá­
tica. Já não se pode mais pedir ao “filho” que observe 
diligentemente ao seu redor para descobri-la. A sabedoria 
está oculta. É mais difícil encontrá-la do que a prata pro­
curada pelos mineiros nas entranhas da terra (Jó 28). 
Nesta situação de ausência de sabedoria, um seu amante 
escreve o maravilhoso livro de Jó. Nele se coloca um caso 
“test” de um homem íntegro aos olhos de Deus e dos 
homens, empurrado por Deus e Satanás até os extremos 
da desgraça para descobrir as limitações de sua fé (em 
Deus, mas na verdade na sabedoria). O protagonista do 
livro termina questionando a presença da sabedoria na 
criação, na esfera das relações sociais e na atuação do 
próprio Deus. Somente ele como pessoa mantém sua re­
tidão. .. e Deus mesmo termina reconhecendo-o por isso.
A mesma crise social se reflete na coleção prover­
bial conservada no livro de Provérbios 1—9. A Sabedoria 
assume tuna existência própria. Já não está presente na 
realidade social e natural para que qualquer jovem a pos­
sa descobrir com a observação atenta. A sabedoria está em 
Deus e por ela o mundo foi criado (Pr 8,22-31). Ela passeia 
pelas ruas chamando os homens para que a acolham; tem 
ela, pois, que tomar a iniciativa num mundo onde sua 
presença não está na superfície (Pr 8,1-11). Constrói uma 
casa, põe sua mesa e sai para buscar os hóspedes (Pr 
9,1-6).
É muito difícil, senão impossível, datar a crise so­
cial da sabedoria que aparece em Jó e Provérbios 1—9. Po­
demos supor que seja posterior à destruição das institui­
ções estatais na Samaria (722) e Jerusalém (586). Nada 
obriga a situá-las depois do século VI, porém igualmente 
podem ser do período persa. Em compensação, Coélet ou 
Eclesiastes possui evidências, em seu idioma, de influên­
cias persas e, segundo alguns, também gregas. Revela a 
mesma crise da Sabedoria encontrada em Jó e Pr 1—9. 
Para Coélet, escrevendo sob o pseudônimo do rei Salomão, 
a vida é absurda: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” 
(Ecl 1,2). É absurdo pensar que o sábio e o insensato 
terão a mesma sorte: como morre um, morre o outro 
(Ecl 2,15-16). A sabedoria é a melhor propriedade que se 
possa ter (Ecl 7,11-12), mas fere a razão porque, depois 
do esforço para consegui-la, toma-se nada, “pois mais vale
um cachorro vivo que um leão morto” (Ecl 9,4). Traba­
lhar com afã para adquirir riqueza permite ao homem 
desfrutar prazeres; porém é absurdo ter que deixá-la a 
outros (Ecl 6,1-2). Coélet não aceita deixar de pretender 
que haja sabedoria nas ordens deste mundo; sua “vaidade 
das vaidades, tudo é vaidade” é um protesto contra a 
ausência da sabedoria onde seu coração diz que deveria 
estar. É um mestre; escreve e ensina para que seus dis­
cípulos não se conformem com um mundo absurdo. Não 
oferece, porém, nenhum rem édio...
Chegamos assim a Jesus Bar-Sirac, que (se é corre­
ta a leitura de Burton L. Mack) escreve para construir 
uma imagem da sabedoria que novamente encontra seu 
lar no mundo. Dissemos “novamente” porque Jó, Pr 1—9 
e Coélet viviam mais a ausência que a presença da Sa­
bedoria. Segundo o hino à Sabedoria de Eclo 24, esta andou 
pela terra procurando um lar até que Deus a mandou 
assentar-se em Jerusalém. Ali encontrou descanso, ensinan­
do a lei de Deus ao seu povo. Depois de recolher refle­
xões sobre as múltiplas facetas da vida humana numa longa 
série de capítulos, este sábio termina sua obra com uma 
grande celebração da glória de Deus revelada na natureza 
(Eclo 42,15—43,33) e na história de Israel (Eclo 44—50). 
Esta última é uma nova leitura da história de Israel como 
busca da glória/sabedoria das instituições/alianças nas 
quais se encarna, culminando, surpreendentemente, na per­
feição da beleza do sumo sacerdote Simão, oficiando no 
templo com suas esplêndidas roupas. A sabedoria teria 
encontrado seu lar no culto. O assombro é devido, semdúvida, ao nosso conhecimento de que justamente o mundo 
de Jesus Ben-Sirac eclodiu com a rebelião dos Macabeus 
apenas uns anos mais tarde. Um pouco antes se havia 
empanado pela venda do sumo sacerdócio a quem ofereceu 
o maior lance aos vendedores, os reis selêucidas. Não 
deixa de ser uma boa proposta que reflete quanta segu­
rança conseguiram os judeus sob a longa paz dos ptolo­
meus. Não podia o sábio prever a efemeridade dessa 
glória. Era um projeto elitista sem uma base estável no 
bem-estar das maiorias populares.
O projeto helenizante. Um certo Tobias, de uma dis­
tinta família judaica da Transjordânia que remonta ao
Tabeel dos tempos de Isaías, vivia em Jerusalém e era 
um grande latifundiário em meados do século III. Seu 
filho José foi por vinte e cinco anos, 239-217 a.C., o coletor 
de impostos para toda a província da Síria e Fenícia, con­
forme seu contrato com o rei Ptolomeu III Evergetes. 
Possivelmente era o homem mais rico da província. Sua 
mãe, a esposa de Tobias, era irmã do sumo sacerdote 
Onias. Esta informação que nos é dada pelo historiador 
Flávio Josefo e confirmada por Zenão é muito importante 
porque revela o grau de integração existente entre as prin­
cipais famílias judias e o mundo helenístico.
Durante o governo de Antíoco IV Epífanes (175-163 
a.C.), os principais sacerdotes fizeram o esforço de fundar 
em Jerusalém uma cidade helenística que chamavam “Antio­
quia em Jerusalém”. O sumo sacerdote Jasão (nome grego) 
que obtivera o cargo oferecendo um aumento de impostos 
ao rei e uma soma inicial generosa (80 talentos), foi o 
promotor da helenização da cidade. Com esta suculenta 
oferta, Antíoco III retirou do cargo o sumo sacerdote 
Onias III e reconheceu a Jasão, que era irmão de Onias. 
Os conservadores apoiavam-se em uma “carta de liberda­
de” de Antíoco III que permitia ao “éthnos” judaico viver 
de acordo com suas leis ancestrais. Jasão, apoiado, segun­
do parece, por uma maioria dos sacerdotes de Jerusalém, 
respondeu estabelecendo a “pólis” com seu ginásio e tudo. 
Tinham o controle da admissão à cidadania da nova ci­
dade, cujas leis “democraticamente” promulgadas em esti­
lo grego se convertiam nas leis dos judeus. O grau de 
corrupção é registrado pelo fato de três anos mais tarde 
Menelau “comprar” o sumo sacerdócio subindo para tre­
zentos talentos os impostos anuais que prometera. Os se- 
lêucidas, com o controle da Palestina adquirido por direito 
de conquista em 198, não souberam manter o sistema 
administrativo excelente dos ptolomeus, mediante o qual 
extraíam da Palestina um grande excedente, e recorriam 
a estas medidas oportunistas para cobrir seus déficits 
permanentes. É este o pano de fundo da insurreição ju­
daica conhecida como guerra dos Macabeus, com a qual 
se inaugura a época seguinte da história de Israel.
----XIV —
A insurreição macabéia 
e o governo hasmoneu 
( 167-63 a.C)
Entre os anos 167 a.C. e 63 a.C. a história de Israel 
está marcada pela atividade da dinâmica família dos has- 
moneus. Eles levaram os israelitas primeiro a rebelar-se 
contra as leis opressivas dos selêucidas que atentavam 
contra as leis de Deus e depois coroaram sua atividade 
com a conquista de todos os territórios dos antigos reinos 
de Judá e Israel. Suas conquistas são assombrosas. Causa 
maravilha pensar que um pequeno povo tinha podido con­
quistar toda a Palestina e impor sobre todo o território 
o ideal deuteronomístico do reconhecimento do templo de 
Jerusalém como a sede do Deus verdadeiro. Unicamente 
isto foi possível porque guerrearam constantemente com 
exércitos, no início compostos por voluntários que queriam 
a restauração da fé de Israel, e posteriormente por mer­
cenários. Lamentavelmente, toda esta valentia patriótica e 
piedosa teve um alto custo numa crescente divisão interna 
do povo, divisão que se expressou religiosamente como se 
expressara primeiro o nacionalismo judaico. As legiões ro­
manas comandadas por Pompeu no ano 65 encontraram 
aceitação inicial entre grupos que já estavam cansados dos 
reis hasmoneus, entre os quais se encontravam os fariseus.
A família dos hasmoneus era composta por sacer­
dotes levitas (não aaronitas), residentes no povoado de 
Modin na costa ocidental da cordilheira Centrai da Pales­
tina. Tinham, segundo as disposições do discurso final de 
Moisés (Deuteronômio), pleno direito de oficiar no culto 
sacrifical quando se transferiam para Jerusalém, que na 
opinião do Dtr era o único lugar de culto escolhido por 
Javé entre as tribos. Em compensação as disposições da 
primeira revelação sinaítica (as seções atribuídas a P) li­
mitavam o sacerdócio aos descendentes de Aarão, excluin­
do, portanto, famílias como a hasmonéia. Como desde o 
ano 152 os hasmoneus se apossaram do sacerdócio, cargo 
visto como a cabeça visível da nação, a questão da sua 
legitimidade sacerdotal veio a ser um dos motivos da di­
visão. As famílias aaronitas, que desde o século VI haviam 
controlado o sacerdócio e produzido uma literatura que 
amparava seu monopólio ( “P”, a história cronista), se opu­
seram às pretensões hasmonéias. Também outros grupos 
menos elitistas, como os essênios e os fariseus, surgiram 
como movimentos de protesto. A pergunta básica deste 
período, nada fácil de responder, é a pergunta acerca de 
quem representava realmente os interesses populares. Como 
toda discussão política se levava como um debate em torno 
da interpretação de textos, consagrados já como inspira­
dos por Deus, ninguém explicitamente se apresentava como 
representante do povo.
A história política. Conhecemos já a cobiça e o opor­
tunismo da monarquia selêucida. Estas qualidades se ma­
nifestaram com toda sua força quando Antíoco IV Epífa- 
nes saqueou o templo de Jerusalém em seu retomo de 
uma campanha no Egito no ano 169 a.C. (IMe 1,16-28). 
Dois anos mais tarde, voltou a Jerusalém, saqueou, quei­
mou e, em seu interior, edificou Akra, uma cidadela forti­
ficada que teria importante papel nos acontecimentos fu­
turos (IMe 1,29-35). Consagrou o templo de Jerusalém a 
Zeus Olímpico e o de Garizim a Zeus Hospitaleiro (Xénios, 
2Mc 6,1-2). Pôs sobre o altar dos hclocaustos a “Abomí- 
nação da Desolação” (IMe 1,54; Dn 9,27), provavelmente 
uma estátua de Zeus. É possível que isso tenha sido soli­
citado pelos sacerdotes helenizantes, pois assim se pode 
interpretar no texto de 2Mc 6,2 “os habitantes do lugar”.
Teriam visto em Zeus uma manifestação do mesmo Javé 
criador do céu e da terra.
Como parte das medidas de Antíoco, com as quais 
parece que pretendia submeter e humilhar os judeus, 
proibiu a circuncisão de crianças e obrigava-os a sacrificar 
em honra de seu natalício (2Mc 6,3-11). Ante estas pro­
vocações, Matatias respondeu com violência em Modin, ma­
tando sobre o altar um judeu, que fazia o sacrifício proi­
bido, e o enviado do rei, que o obrigava a sacrificar (IMe 
2,24-25). Fugiu para as montanhas com seus filhos e outros 
valentes seguidores, e começou uma luta contra os judeus 
que violavam a lei de Deus.
CRONOLOGIA DO GOVERNO HASMONEU NA JUDÉIA
167 — Matatias se levanta, mata em Modin o judeu
infiel.
166-160 — Judas, terceiro filho de Matatias, luta pela inde­
pendência. O culto no templo é restaurado, 164. 
Judas Macabeu e seus irmãos invadem a Gali- 
léia e Galaad, destruindo cidades gregas. 
(Alcimo, aaronita, é nomeado sumo sacerdote, 
162-159).
160-143 — Jônatas, irmão de Judas, assume o comando da 
luta.
Jônatas declara-se sumo sacerdote, 152.
143-134 — Simão, outro irmão, é “sumo sacerdote, general 
e líder dos judeus”.
Simão conquista a fortaleza Akra de Jerusalém, 
141.
Expansão territorial, incluindo o porto de Jope 
(Jafa).
134-104 — João Hircano assume os títulos de seu pai. 
Destrói o templo de Garizim.
Conquista Samaria (107) e Iduméia, onde impõe 
a circuncisão.
104-103 — Aristóbulo I governa.
103-76 — AlexandreJaneu, outro filho de João Hircano, 
declara-se sumo sacerdote e rei.
Conquista toda a Transjordânia e a planície de 
Aco/Ptolemaida.
Nomeia Antípatro I “strategós” da Iduméia.
.76-67 — Salomé Alexandra, viúva de Alexandre Janeu, é 
rainha e seu filho Hircano II, sumo sacerdote.
67-63 — Aristóbulo II, filho de Alexandre e Salomé, toma 
ambos os títulos.
65 — A Síria é declarada província romana.
63 — Pompeu conquista Jerusalém.
63-40 — Hircano II volta ao sumo sacerdócio.
55-43 — O idumeu Antípatro II é procurador da Pa­
lestina.
47-40 — Hircano II é reconhecido como etnarca da Ju- 
déia, Galiléia e Peréia.
40-37 — Antígono, o último dos governantes hasmoneus, 
é rei e sumo sacerdote.*
Matatias e seus seguidores destruíram altares pagãos, 
mataram judeus que seguiam as novas práticas, circunci- 
daram crianças à força, etc. Matatias morreu, já ancião, 
em 166 a.C. Porém sua luta continuou e se aprofundou 
sob a liderança de seu terceiro filho, Judas, que era de­
nominado Macabeu, “martelo”. Os selêucidas então man­
daram um exército para restabelecer a. ordem e, para 
assombro de todos, Judas e seu exército conseguiram 
derrotá-lo em Bet-Horon (IM e 3,24). No ano seguinte, 165 
a.C., um exército selêucida entrou pelo sul, mas novamen­
te o exército de Judas o derrotou, desta vez em Betsur na 
fronteira sul de Judá. No ano seguinte, Judas pôde tomar 
Jerusalém, embora os gregos mantivessem o controle da 
cidadela (Akra). Aos 25 de Casleu, em meio de um grande 
regozijo, o templo foi purificado e consagrado novamente 
(IMe 4,36s).
Foi uma grande conquista, porém as forças judaicas 
não descansaram. No ano 163 a.C., Judas e seus irmãos 
fizeram incursões na Galiléia e Galaad, onde em ambas 
as regiões viviam israelitas que nunca, em todas as ge­
rações desde a destruição do Reino de Israel, tinham dei­
xado de reverenciar a Javé. O exército judaico destruiu 
várias cidades helenísticas. Os habitantes que sobreviveram 
à espada de Judas fugiram ao exílio. Trouxe a Jerusalém 
e Judá todos os israelitas que queriam abrigar-se sob o 
projeto hasmoneu (IMe 5,9-54, esp. 42-45), Os judeus 
foram depois derrotados em Bet-Zacarias. O rei ofereceu-
lhes a paz propondo o cancelamento do programa que 
havia suscitado o levante. Cansados da guerra, o povo 
aceitou (IMe 6,60), e o rei nomeou sumo sacerdote Alci- 
mo, de boa família sacerdotal aarônica.
Foi um momento decisivo. Foram atingidos os obje­
tivos imediatos da insurreição. O rei cancelara seu progra­
ma humilhante e prometia voltar ao status quo ante. Diante 
disto o povo se dividiu tragicamente. Os “assideus”, pie­
dosos que se empenhavam em cumprir a lei, aceitaram 
Alcimo e promoveram a paz no meio do povo (IMe 
7,12-14). Judas, porém, com outro grupo se manteve em 
pé de guerra, percorrendo todo o território “para vingar- 
se dos desertores” (IMe 7,24). Alcimo teve que fugir e 
Judas novamente obteve algumas vitórias, mas sucumbiu 
em meio a uma derrota de seu exército no ano 160 a.C.
A morte de Judas Macabeu não significou o fim de 
sua luta para restaurar a Palestina sob o controle de Je­
rusalém e da lei de Moisés. Tomou o comando seu irmão 
Jônatas que posteriormente se declarou sumo sacerdote, 
com o reconhecimento do rei selêucid.a, ou melhor, um 
dos reis que competiam pelo trono (IMe 10,18). Foi um 
passo que alienou outro grupo de fiéis, os que se aferra- 
vam às prescrições aarônicas para o sacerdócio. Além das 
velhas elites, surgiu, possivelmente neste momento, o mo­
vimento dos essênios entre os grupos mais humildes. Estes 
se retiraram para “convéhtos”, onde viveram uma vida 
comunitária centrada no trabalho e no estudo da Bíblia, 
na espera da restauração do sacerdócio. Foram dirigidos 
por um “Mestre de Justiça” e dedicavam-se ao estudo das 
Escrituras, de modo especial os livros proféticos, onde 
buscavam chaves de leitura para os últimos tempos.
Desde então, no ano 152 a.C., quando Jônatas assu­
miu o sumo sacerdócio, a nação ficou dividida em facções 
com aparência de seitas religiosas que contendiam sobre 
a verdadeira interpretação de uma mesma tradição reli­
giosa. O poder tanto civil como religioso permaneceu com 
os hasmoneus até a invasão de Pompeu no ano 63 a.C. 
Eles tinham a intenção cada vez mais clara de restaurar 
a nação de Israel segundo o modelo davídico. Tudo indi­
ca que contavam com grande apoio popular. Os assideus/
fariseus não aceitavam a necessidade de lutar pelo poder 
nacional, conformando-se em levar uma vida privada de 
rigorosa observância da lei do Sinai. Romperam com os 
hasmoneus por causa da paz de 160 a.C. e não se reconci­
liaram até o reinado de Salomé Alexandra (76-67 a.C.). 
Sua força se reflete na importância política desta recon­
ciliação e na necessidade em que se encontravam os has­
moneus de pelejar com tropas mercenárias. O terceiro 
grupo, os essênios, é mais difícil de medir em termos de 
atração popular.
O êxito de Jônatas em continuar o projeto de restau­
rar Israel se pode observar no reconhecimento pelo rei 
Demétrio de seu controle sobre qg três distritos tradicio­
nalmente pertencentes à província da Samaria:. Aferema, 
Lida e Ramataim (IMe 11,34). Seu irmão Simão continuou 
o governo hasmoneu de 143-134 a.C. Tomou os títulos de 
“sumo sacerdote, general e líder dos judeus” (IMe 13,42). 
Comportou-se cada vez mais como rei, pois fez alianças 
com Esparta e Roma (IMe 14,16-24). Conseguiu conquis­
tar a cidadela (Akra) de Jerusalém, retirar seus habitan­
tes (inclusive, supomos, o destacamento militar selêucida) 
e “purificar suas imundícies” (IMe 13,49-53). Fez várias 
conquistas, das quais a mais importante foi Jope, dando 
assim à nação uma saída para o mar (IMe 14,5-6).
Sucedeu-o no trono seu filho João Hircano (134-104 
a.C.). Estendeu seus domínios a Siquém, onde destruiu o 
templo dos samaritanos sobre o monte Garizim. Conquis­
tou a Iduméia ao sul de Judá, obrigando seus habitantes 
a circuncidar-se e submeter-se à lei do Sinai (Flávio Jo- 
sefo, Ant XIII, 254-258). Seu filho Alexandre Janeu (103-76 
a.C.), já com o título de rei, conseguiu completar a con­
quista da Palestina com a submissão de toda a Transjordâ- 
nia, Moab e Galaad, e o porto fenício de Aco com a sua 
planície. A dinastia hasmonéia termina com sua esposa 
Salomé Alexandra (76-67 a.C.) e dois de seus filhos que 
disputaram o poder até a invasão romana. Sob Alexandre 
Janeu e Salomé Alexandra era governador de Judéia Anti- 
pas, cuja família exerceria uma influência decisiva em Judá 
posteriormente.
Este rápido resumo, que omite muitos subornos e 
assassinatos no interior da família hasmonéia, permite
apreciar algo da glória da libertação nacional macabéia e 
também a ambição, corrupção e tragédia que marcaram 
este período. A política hasmonéia pretendia, à força das 
armas, restaurar a religião de Javé. Tinham seguramente 
muito apoio popular. Na ótica popular, o mais importan­
te da sua administração foi sua atuação nas cidades hele- 
nísticas. Estas foram integradas à força à nação gover­
nada desde Jerusalém pelo sumo sacerdote de Javé (que 
também era, de forma secundária, rei), A cidade que não 
aceitasse essas condições, totalmente opostas aos costumes 
gregos, era destruída e seus habitantes passados à espada, 
como acontecera com Péla nos tempos de Alexandre Janeu 
(Flávio Josefo, Ant XIII, 397).
A literatura do período hasmoneu. As gestas heróicas 
e as tragédias do projeto nacionalista e religioso dos has­
moneus evocou várias obras literárias de consideração, 
embora somente uma (Daniel) tenha entrado sem polêmi­
cas na coleção de livros reconhecidos como inspirados 
pelos rabinos. Os livros produzidos entre os judeus da 
Palestina (excluímos aqui o judaísmo da dispersão cuja 
vida é tangencial para a história de Israel) foram dois 
livros de história (1 e 2 Macabeus), dois apocalípticos(Daniel e as primeiras partes da longa história redacional 
do apocalipse de Henoc), uma releitura sacerdotal das 
histórias dos patriarcas (Jubileus), e vários documentos 
das comunidades essênias, entre as quais se destacam o 
Documento de Damasco e o Manual de Disciplina. Ademais 
têm-se informes de outros livros que não sobreviveram ao 
desgaste do tempo.
O primeiro livro dos Macabeus se conservou unica­
mente em grego, ainda que seu original fosse hebraico. 
Não faz parte do cânon hebraico, porém entrou nas Bí­
blias cristãs através da Bíblia grega (LXX). As igrejas 
protestantes têm dúvidas quanto à sua inspiração. É um 
livro disciplinado e sério de história. Narra os eventos 
desde o começo do reinado de Antíoco IV Epífanes (175 
a.C.) até os começos do reinado hasmoneu de João Hirca­
no (134 a.C.). Foi escrito na confiança que Javé foi quem 
restaurou seu povo, atuando na história para sua salva­
ção como nos tempos de Moisés. Sóbrio em sua apresen­
tação da ação de Deus, evita as intervenções milagrosas
que provavelmente pareciam ao autor características somen­
te dos tempos antigos.
O segundo livro dos Macabeus, em coriipensação, 
tem fins mais didáticos. Celebra as ações de Deus e tam­
bém de heróis e mártires como Judas Macabeu e o ancião 
Eleazar, que preferiu a tortura e a morte do martírio a 
contaminar-se com carne de porco (2Mc 6,18-31). Este 
livro limita-se a narrar a época gloriosa de Judas Macabeu. 
O relato do martírio dos sete irmãos (2Mc 7) exorta ao 
martírio antes que à desobediência à lei, e afirma com 
clareza e convicção sua confiança na ressurreição.
Os dois livros dos Macabeus foram escritos dentro 
dos círculos ligados ao projeto hasmoneu. Daniel, por seu 
turno, foi escrito no tempo da gloriosa luta pela restaura­
ção da pureza do templo (entre 167 e 164 a.C.), porém se 
afasta da luta de Judas por crer que a história se determina 
no céu. Pouco podem os homens fazer para adiantar o 
calendário histórico proposto por Deus. Tanto o sonho de 
Nabucodonosor (Dn 2,31-45) como a visão dos quatro ani­
mais (Dn 7,1-14) contemplam a história como uma tota­
lidade. Olham para o futuro e podem adiantar como o 
governo de Deus retirará da cena terrenal os impérios 
deste mundo. Embora a alegoria de Dn 11 mostre que 
seus autores observam com interesse os sucessos da his­
tória, não pensam no povo de Deus como autor impor­
tante da mesma. Sua salvação virá, melhor, por obra de 
“Miguel, o grande príncipe que defende os filhos do teu 
povo” (Dn 12,1). Quer dizer, o livro de Daniel dá clara 
evidência de que setores do povo, embora no período de 
maior glória, vitória e unidade, se afastavam da luta na 
espera de uma salvação do céu.
A ampla literatura de Henoc, preservada em sua to­
talidade unicamente em etíope, surge também em círcu­
los que contemplam o cenário histórico na perspectiva 
apocalíptica. Somente suas partes mais antigas foram escri­
tas na época hasmonéia. Sua importância está em refor­
çar o testemunho de Daniel sobre a existência, naquela 
época, de setores do povo distanciados das lutas políticas 
para a restauração da independência nacional.
Os escritos essênios permitem conhecer um setor do 
povo que tomou tão a sério sua fé a ponto de retirar-se 
ao deserto para conservar-se puro na espera da restaura­
ção do templo a seus legítimos sacerdotes. Já aludimos à 
possibilidade de que o “Mestre de Justiça” tenha levado 
seus discípulos ao deserto, depois que Jônatas assumiu o 
sumo sacerdócio (152 a.C.). O Livro dos Jubileus, que não 
faz parte da Bíblia tal como se decidiu posteriormente, 
evidencia a existência de outro grupo sacerdotal inconfor­
mado com a condução hasmonéia da vida religiosa em 
Israel.
Conclusão. Do ponto de vista dos pobres e especial­
mente devotos de Javé, o que de mais importante fizeram 
os hasmoneus foi destruir as cidades helenísticas funda­
das pelos ptolomeus. Infelizmente as fontes não nos infor­
mam acerca da política agrária seguida pelos hasmoneus 
com as terras entregues às cidades pelos ptolomeus. Não 
sabemos, então, o que se passou com os camponeses. No 
século anterior foram obrigados a ser diaristas em terras 
alheias. Das primeiras etapas, tempo de Judas, ouvimos 
como muitos foram levados da Galiléia e Galaad a Judá 
para sua própria proteção. Porém, não sabemos como lá 
foram integrados.
O período da dominação romana 
sobre Israel 
(63 a.C a 135 d.C)
Chegamos assim ao último capítulo da história desta 
nação de camponeses que quiseram ser livres, sob a so­
berania de seu Deus Javé. Ao longo dos séculos da sua 
existência, vimos como o projeto original foi subvertido 
pelos segmentos dominantes que puderam aproveitar-se 
das pressões estrangeiras para impor-se sobre os campo­
neses. Em um momento crítico da história, até final do 
século VI e ao longo do século V, a Golá pôde impor 
um projeto elitista sacerdotal com o apoio das autorida­
des imperiais persas. A organização secular dos campone­
ses em aldeias, com seus próprios conselhos de anciãos, 
foi violada no século III com a fundação de cidades de 
estilo helenístico no território da Palestina e a introdu­
ção da propriedade privada da terra. No século II houve 
uma reação nacionalista dirigida por um segmento de sa­
cerdotes levitas (e não aarônicos) que teve surpreendente 
êxito em voltar ao modelo deuteronomístico tentado por 
Josias no século VII com muito menos êxito. Com tudo 
isso se preparou o terreno para se entender os dois últi­
mos séculos de Israel, de 63 a.C. a 135 d.C., séculos de 
intensas lutas populares que terminaram com a morte 
violenta de Israel em mãos da repressão brutal das le-
giões romanas. De Israel sobreviveu à hecatombe somente 
a “diáspora”, uma grande comunidade religiosa dispersa 
pelo mundo todo, desarraigada do seu solo e da natureza 
camponesa que constituía a essência do projeto israelita. 
Também sobreviveu outra comunidade religiosa, a Igreja 
cristã, que tem suas raízes em Israel, mas que igualmen­
te perdeu suas bases camponesas. É a história da glória 
e a tragédia do fim de Israel que nos ocupa nesta última 
seção do nosso relato.
Existem escritos históricos que nos permitem recons­
truir com bastante detalhe os eventos deste período. Trata- 
se das várias obras históricas de Flávio Josefo, um judeu 
de família sacerdotal e simpatizante com os romanos (ele 
mesmo se deu o nome de Flávio em honra aos imperado­
res flavianos Vespasiano, 69-79, e Tito, 79-81). Josefo nas­
ceu no ano 37 d.C. e viveu até os últimos anos do pri­
meiro século. Participou ativamente na Primeira Guerra, 
sendo nomeado general pelo governo provisório do sumo 
sacerdote Anano para dirigir a campanha na Galiléia que 
terminou com a derrota de Jotapata (67) e a captura de 
Josefo. Antes da queda de Jerusalém, quando Vespasiano 
foi nomeado imperador, Josefo foi libertado e tratado com 
respeito pelos romanos. Depois da Guerra foi-lhe erguida 
uma estátua em Roma. É discutível se devemos considerar 
Josefo por traidor. Ele mesmo se considerava um vidente 
que como os antigos profetas havia visto que Deus entre­
gava Israel às mãos de Roma. Previu a nomeação de 
Vespasiano como imperador através de uma visão, segun­
do parece, antes da queda de Jotapata no ano 67 d.C., na 
qual ele mesmo foi general perdedor. Seus escritos supõem 
claramente que nunca teve nenhuma simpatia pela luta 
popular. Se assumiu o comando da campanha na Galiléia 
foi para evitar que os radicais o fizessem. Sua intenção, 
como a do governo provisório que o nomeou, foi negociar 
uma paz com Roma que satisfizesse aos radicais (o mo­
vimento popular) sem alterar no fundo as relações sociais 
anteriores.
Terminada a guerra, nos anos de 75-79 d.C., escreveu 
uma história sobre a mesma em sete livros. É um teste­
munho valiosíssimo de alguém participante nos aconteci­
mentos e por isso mesmo nãoé imparcial. Mais tarde, na
última década do primeiro século, escreveu uma imensa 
obra em 20 livros chamada Antiguidades Judaicas (Ant), 
que narra a história de Israel desde sua origem até o 
começo da guerra. Escreveu ainda duas obras mais curtas, 
uma vida e uma apologia contra Apião. O conjunto desses 
escritos são a principal fonte para qualquer história de 
Israel durante esse período. A isto se deve acrescentar as 
informações que nos dão os Evangelhos cristãos e as tradi­
ções dos rabinos recolhidos por volta do ano 200 d.C. na 
Mixná.
CRONOLOGIA DO DOMÍNIO ROMANO 
SOBRE A PALESTINA
• Pompeu conquista Jerusalém, 66 a.C.
• Herodes reina em toda a Palestina (menos nas cidades 
da Decápolis), 37-4 a.C.
• Com sua morte, o reino divide-se entre seus três filhos:
1. Arquelau, etnarca de Judéia, Iduméia e Samaria 
4 a.C.-6 d.C.
2. Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia e Peréia, 4 a.C.- 
39 d.C.
3. Filipe, tetrarca da Traconítide, Batanéia e Aurã, 4 a.C.- 
34 d.C.
• Arquelau é deposto e a Judéia convertida em província 
sob procuradores:
Copônio, 6-9 d.C.
Ambívio, 9-12 d.C.
Rufo, 12-15 d.C.
Valério Grato, 15-26 d.C.
Pôncio Pilatos, 26-36 d.C.
Marcelo, 36 d.C.
Marulo, 37-41 d.C.
• Agripa I, neto de Herodes, é posto como rei sobre a
tetrarquia de Filipe em 37, Galiléia e Peréia em 40 e
Judéia em 41. Morre em 44 d.C.
• Novamente a Palestina vem a ser província .sob pro­
curadores:
Cúspio Fado, 44-46 d.C.
Tibério Alexandre, 46-48 d.C.
Ventídio Cumano, 48-52 d.C.
Félix, 52-60 d.C.
Festo, 60-62 d.C. • Agripa II, filho de Agripa I,
Albino, 62-64 d.C. é rei de vários distritos, na
Floro, 64-66 d.C. maioria helenísticos, ao norte
da Palestina, 49-92 d.C.
• A primeira grande guerra com Roma, 66-74 d.C.
Governo provisório sob o sumo sacerdote Anano, 66-67.
Queda de Jotapata, 67 d.C.
Domínio zelota em Jerusalém, 67-70 d.C.
Tito destrói a cidade, 70 d.C.
Queda da fortaleza de Massada, 74 d.C.
• Vigência do Sinédrio de Jâmnia, 74-132 d.C.
Sob o príncipe Johanan Ben-Zakkai, 74-80 d.C.
Sob o príncipe Gamaliel II, 80-120 d.C.
• A segunda grande guerra com Roma, 132-135 d.C.; queda 
de Betar, 135 d.C.
A administração imperial. Durante os duzentos anos 
do domínio romano sobre Israel até seu desaparecimento 
definitivo, houve muita troca na administração da região, 
incluída somente em parte na cronologia supra. Ao longo 
dessas mudanças, é possível discernir algumas tendências 
que trataremos de esclarecer neste parágrafo.
Uma das preocupações dos romanos neste setor foi 
a defesa da fronteira oriental do império. Durante todo 
esse tempo, o inimigo principal de Roma foram os partos 
de além do Eufrates. Porém, mais perto de Israel, os ára­
bes também ofereceram oposição esporádica. A aliança ro­
mana com Herodes e seus filhos se explica pelas vanta­
gens que esta oferecia para a defesa, permitindo assim nãó 
ter que comprometer muitas forças na Palestina, libe­
rando-as para as guerras constantes com os partos. Hero­
des era idumeu e portanto um “nativo”, conhecia bem os 
romanos e lhes era totalmente leal. Gozava de uma frágil 
legitimidade por seu casamento com Mariana da família 
dos hasmoneus.
Porém não convinha aos romanos permitir uma cen­
tralização de poder nas mãos de seus súditos, de maneira 
que viram o amplo reinado de Herodes sobre toda a Pa­
lestina como um fenômeno passageiro. A máxima “divide 
et impera” foi aplicada nessa região do império. Em pri­
meiro lugar, os romanos fomentaram a fundação e o for­
talecimento de cidades helenísticas. Estas gozavam de “auto­
nomia”. Na prática significava que suas relações se esta­
beleciam diretamente com as autoridades superiores sem 
estar sujeitas ao governo regional. Ademais, onde havia 
cidades havia propriedade privada das terras, o que des­
truiu a coesão das aldeias camponesas apoiada sobre a 
posse comunitária das terras. Os camponeses, por não 
serem “cidadãos”, careciam de qualquer direito de possuir 
terras e se viam obrigados ao trabalho assalariado se fi­
cassem nas terras, ou emigrar para buscar outras formas 
de subsistência sem as garantias que anteriormente davam 
seus vínculos com a comunidade e„a terra.
Naquelas zonas onde era difícil fundar cidades, pelas 
condições topográficas desfavoráveis e a resistência da po­
pulação, como a Galiléia (sua elevação montanhosa central 
diferente do vale do Jordão e do mar de Genesaré), os 
romanos estabeleceram governos baseados em conglomera­
dos étnicos. Era outra forma de fomentar as divisões 
entre a população súdita, aproveitando divisões “naturais” 
como a dos judeus e idumeus ou procurando criar divi­
sões onde a população não as sentia, como a dos judeus 
e galileus, que estes nunca assumiram plenamente por sua 
lealdade ao templo de Deus em Jerusalém da Judéia, leal­
dade adquirida durante o período hasmoneu.
Um dos propósitos do império em seu controle sobre 
o território e a população da Palestina era obter riquezas 
através de um complexo sistema de tributos e impostos. 
Havia impostos sobre a terra, sobre a população, e di­
reitos de alfândega e pedágio para o uso de pontes e vias. 
Cobrar os impostos era um negócio que se outorgava por 
contratos a grandes empresários, que por sua vez emprei- 
tavam aos coletores locais de impostos. Para a população 
judaica existiam ainda os impostos do templo, principal­
mente o dízimo sobre a produção do campo e o imposto 
anual da didracma sobre cada varão. A carga para o cam­
ponês comum devia ser verdadeiramente espantosa.
Podemos representar a estrutura social deste perío­
do de uma maneira simplificada com o seguinte esquema:
O império extrai riqueza da Palestina por três vias 
que se indicam neste esquema: 1) diretamente, mediante 
os cobradores de impostos que arrecadam tributo de toda 
a população; 2) mediante os conselhos das cidades, que 
eram obrigados a contribuir para vários serviços que lhes 
prestava o Estado; e 3) mediante o templo, por cujos ren­
dimentos as autoridades sempre mantiveram um especial 
interesse.
Neste esquema os círculos da base representam as 
aldeias tradicionais, sujeitas a uma dupla exploração pelo 
templo, por um lado, e pelas autoridades romanas, por 
outro. As aldeias que tiveram a desgraça de cair dentro 
da esfera de influência das cidades, que em número cres­
cente se fundaram nesta época, tiveram expropriadas suas 
terras para formar o patrimônio a ser distribuído aos ci­
dadãos. Estes cultivavam “suas” terras agora privadas 
através de administradores, escravos e - operários assalaria­
dos, sistema que conhecemos pelas parábolas de Jesus.
Foi durante o longo reinado de Herodes o Idumeu 
(37-4 a.C.) que se configurou a Palestina romana. Hero­
des governava sobre todo o território que havia sido dos 
hasmoneus em virtude do seu hábil manejo e suas rela­
ções com Roma. Foi um protegido de Antônio durante o
triunvirato de Antônio, Lépido e Otaviano (43-37 a.C.). 
Pôde transferir sua lealdade a Otaviano, quando este der­
rotou a Antônio no ano de 31 a.C. e foi proclamado impe­
rador “Augusto” pelo senado.
Herodes era idumeu e portanto judeu, ainda que não 
de antiga ascendência. Durante seu reinado portou-se como 
judeu com seus súditos judeus, evitando demonstrações 
em suas aldeias que ofenderiam seus sentimentos. Porém 
foi também o fundador de muitas cidades helenísticas, 
onde adornou suas avenidas com estátuas e construiu gi­
násios e outras obras que para os judeus eram pagãs. 
Entre as cidades que fundou estava o soberbo porto que 
chamou Cesaréia, com obras portuárias e urbanas que a 
tornavam a cidade mais cômoda da Palestina. Foi o lugar 
desde o qual os procuradores posteriormente governariam 
a província.
Em Jerusalém Herodes empreendeu a construção de 
um templo renovado, ampliado e adornado de forma so­
berba. Seu esplendor superava qualquer coisaconhecida. 
Construiu ainda um palácio para seu próprio uso na ci­
dade e a -fortaleza Antônia que controlava a área do tem- 
pJo. Fora da cidade construiu um anfiteatro.
Converteu Samaria em uma cidade com o novo 
nome de Sebaste. E fez várias fortalezas em pontos estra­
tégicos, entre elas Massada no deserto ao ocidente do mar 
Morto.
Mesmo um relato sumário como este causa surpre­
sa. Um plano tão ambicioso de construções só era possí­
vel mediante uma tremenda carga sobre a população. Esse 
longo governo de luxo desmedido ajuda a explicar a for­
mação de um grande ressentimento popular. Desde a mor­
te de Herodes (4 a.C.) até a destruição do povo de Israel 
como nação camponesa em 135 d .C ., deu-se uma longa 
luta popular que marca o fim de Israel com uma glória 
e heroísmo especiais.
jls "filosofias” dos judeus. Josefo diz (Bell II, 119s) 
que entre os judeus havia três filosofias: a farisaica, a 
saducéia e a essênia. Considerando os números que atribui 
a cada filosofia: fariseus “mais de seis mil” (Ant XVII,
42), os essênios “mais de quatro mil” (Ant XVIII, 20) e 
os saduceus “apenas uns poucos” (Ant XVIII, 17), pode-se 
apreciar que a grande maioria da população não era parte 
de nenhum destes grupos. Pela descrição que faz Josefo 
destas filosofias, em Ant XVIII, de 119-166, pode-se perceber 
que se trata de grupos mais ou menos disciplinados (os 
essênios mais, os saduceus menos) que apoiavam sua for­
ma de vida em sua interpretação das tradições das Escri­
turas. Os saduceus eram um grupo da aristocracia esco­
rada quase exclusivamente no templo. Os essênios e os 
fariseus estavam em contato mais estreito com o povo e 
seguiam um - estilo de vida provindo das camadas médias 
da sociedade. Os fariseus, com seu ensinamento de uma 
forma de vida que se media pela fidelidade pessoal à lei 
de Deus, deixaram uma impressão profunda e permanente 
no judaísmo da Diáspora, que se viu obrigado a viver fora 
do contato com a terra.
Nas primeiras páginas do livro XVIII de suas Anti­
guidades Judaicas (Ant), Josefo admite a intrusão recente 
de uma “quarta filosofia” introduzida por Judas, um gau- 
lanita de Gamala (ao oriente do mar da Galiléia), que foi 
motivo de tumultos e distúrbios na Palestina. Judas surgiu 
na ocasião do censo de Cireneu, governador da Síria (6 
d.C.), pregando que submeter-se ao censo era o mesmo 
que submeter-se à escravidão. Chegava até ao homicídio 
para lograr seus propósitos (Ant XVIII, 5). Ensinava que 
não se devia aceitar senhores mortais (thnétous déspotas) 
ao lado de Deus (Bell II, 118).
Como devemos entender esta “quarta filosofia” à 
qual Josefo dá apenas o nome de seu fundador, Judas o 
Galileu? É evidente que o historiador, apesar de não sim­
patizar com ele, lhe atribui uma grande importância nos 
acontecimentos que levaram toda a nação a uma guerra 
contra Roma. Josefo a considerava suicida. Durante a 
guerra, sessenta anos mais tarde (66-74 d.C.), encontramos 
entre os líderes radicais um certo Manaém, que era filho 
ou neto de Judas, o qual indica alguma medida de con­
tinuidade durante os distúrbios que marcaram esse perío­
do. Porém, durante a defesa de Jerusalém, nos renhidos 
anos da guerra (67-70 d.C.), encontramos cinco facções 
radicais que rivalizam pela condução revolucionária: sicá-
rios, zelotas, idumeus, seguidores de João de Giscala, e 
seguidores de Simão Bar-Giora (Bell V, 248-250). Nenhum 
desses bandos era uma organização descendente direta­
mente de Judas.
Parece, então, que a quarta filosofia não era uma 
seita nem tampouco um movimento revolucionário orga­
nizado. Foi bem mais uma doutrina articulada em primei­
ra mão por Judas que encontra um terreno confirmado pelo 
sofrimento dos camponeses da Judéia e Galiléia. Deu ori­
gem a um movimento popular, contínuo ao longo de mais 
de um século, com diversas expressões orgânicas em dife­
rentes momentos. É em reconhecimento do seu núcleo dou­
trinário como interpretação das tradições de Israel que 
Josefo de má vontade o admite como outra filosofia judai­
ca ao lado das três que ele considerava legítimas. Porém, 
Israel foi em suas origens um movimento libertador de 
camponeses, que Judas com seu chamado a “não reconhe­
cer outro senhor senão Deus” estava resgatando em sua 
pureza. Historicamente falando, esta quarta era a mais le­
gítima filosofia judia entre as que rivalizavam nesse pri­
meiro século.
O movimento popular de Israel. Nossa hipótese é 
que, ao longo dos anos 6-135 d.C., devemos entender os 
muitos conflitos havidos como expressões de um único mo­
vimento popular que não conseguiu articular-se atrás de 
uma “vanguarda” senão nos últimos anos, quando Simão 
Bar-Kokba (= Bar Cosiba) o dirigiu até sua destruição 
pela força das armas romanas. Tomamos como expressões 
deste movimento: Judas o Galileu, Jesus o Nazareno com 
João seu precursor e seus seguidores, Teudas, os sicários 
da década de 50, as várias facções revolucionárias durante 
a primeira guerra com Roma (66-74 d.C.), a rebelião que 
Simão dirigiu e desembocou na segunda e última guerra 
com Roma (132-135 d.C.).
Da rebelião de Judas em 6 d.C. não sabemos nada 
senão o que Josefo nos diz acerca de seu amor insubor- 
nável à liberdade e sua convicção de que esta devia ser 
defendida pelas armas, para vencer ou perder. Neste caso 
ganhariam ao menos honra e fama (timén Jcai kleós, Ant 
XVIII, 5). É provável que haja perecido em combate, 
porém disso não possuímos informação.
Por volta do ano 30 d.C., surgiu na Galiléia um mo­
vimento em tomo de um mestre de Nazaré chamado 
Jesus. Conhecemo-lo através dos quatro evangelhos que 
foram escritos fora da Palestina, por seguidores interessa­
dos em Jesus não como um líder popular e sim como 
fundador de um novo caminho rumo a Deus e à salvação 
aberta para todos, judeus e gentios. Apesar desta tendên­
cia de nossas fontes de informação, parece-nos possível 
interpretar sua atuação na Galiléia e posteriormente na 
Judéia como outra expressão do movimento popular que 
tanto agitou o panorama palestino naqueles anos.
Deste ponto de vista, destacam-se vários elementos 
no movimento de Jesus: primeiro e antes de tudo, viu o 
templo de Jerusalém e os mestres fariseus da Galiléia 
como o antagonismo principal ao Reino de Deus. Como 
Judas, seu tema central era que Deus é rei e podemos 
esperar seu Reino como uma nova e mais perfeita socie­
dade. Ao contrário de Judas, creu que a principal opressão 
era a dos religiosos judeus mais que a dos romanos. O 
momento climático de todo o seu movimento foi um ata­
que simbólico ao templo, seguido por vários dias de polê­
mica com os sacerdotes e escribas que ali dominavam, até 
que eles o eliminaram com a força bruta. Porém, já na 
Galiléia havia mostrado que os ensinamentos dos fariseus 
justificavam a opressão no templo.
Em segundo lugar, a estratégia do movimento de Jesus 
foi atacar no plano ideológico, buscando deslegitimar um do­
mínio sustentado acima da lei de Deus. “O sábado foi feito 
para o homem, e não o homem para o sábado”. Deus é um 
pai bondoso e não um juiz temível. O Reino é semelhante 
a um latifundiário que paga a todos a jornada porque 
dela necessitam, mesmo àqueles que não tenham realiza­
do o trabalho para “merecê-la” (Mt 20,1-15). Se o Deus 
de Israel é assim, não pode estar preocupado com o 
cumprimento dos deveres religiosos, e sim com o que se 
faz na vida. Comparado com Judas, a estratégia popular 
de Jesus se parece à de Gramsci diante de Lênin. Onde 
Judas busca o poder para transformar as condições de 
vida do povo, Jesus busca retirar a base do consenso 
sobre a qual o templo oprime o povo. Depois disso, o pro­
blema do poder poderia ser abordado de uma maneira 
distinta.
Em terceiro lugar, Jesus busca desde já criar uma 
pequena comunidade que se organize segundo as relações 
de irmandade que caracterizarão o Reinode Deus. Nem 
as riquezas nem os laços familiares de nada valem para 
esta comunidade, senão somente a disposição de pôr-se 
por completo a serviço dos “irmãos”. O movimento exige 
de seus adeptos uma ruptura com a sociedade, a entrega 
de suas riquezas e o abandono de suas famílias. Como no 
tema anterior, vemos que para Jesus o assunto do poder 
deixa de ser primário na direção que lhe dá ao movimento 
popular. Ou quiçá devêssemos dizer que o poder surge 
da base mais que de uma organização vertical. Para Jesus, 
Deus é assim, pois é como um latifundiário que expõe 
seus enviados e seu próprio filho ao abuso do poder de 
pessoas menores que não entendem ou não querem enten­
der os propósitos últimos do Reino (parábola do vinha- 
teiro, Mc 12,1-12).
Por fim, o movimento popular tal como o concebia 
Jesus parece ter sido um nacionalismo aberto. Não é por 
acaso que se põem em sua boca, durante o assalto crítico 
ao templo, palavras de Jeremias e do Trito-Isaías: “Minha 
casa será chamada casa de oração para todas as nações 
(Is 56,7), porém vós a transformastes em covil de ladrões 
(Jr 7,11)”. Jeremias também criticou o templo e seu pes­
soal e pediu que o povo reconhecesse na presença babi- 
lônica a vontade de Deus em favor da vida de seu povo 
(Jr 25,1-10). Enfrentando a Golá com suas pretensões de 
pureza racial, os profetas populares do Trito-Isaías pro­
mulgavam uma visão generosa e aberta da salvação de 
Deus. Jesus procura colocar o movimento popular da Ga­
liléia e Judá nesta linha aberta, nacionalista, porém não 
excludente.
O movimento de Jesus sobreviveu à sua morte em 
mãos das autoridades judaicas e romanas em Jerusalém. 
Transformou-se em movimento contestatário que vivia se­
gundo princípios de vida comum (At 2,42-47), e que desde 
Jerusalém questionava a legitimidade do templo (o sermão 
de Estêvão em At 7) e de suas autoridades, culpadas de
matar o autor da vida e convidados a arrepender-se 
(sermão de Pedro, At 4,8-12). A repressão das autorida­
des foi a resposta, e foram executados, primeiro Estêvão, 
em seguida e sob Herodes Agripa I, Tiago, e finalmente, 
por ordem de Anano, em 62 d.C., o outro Tiago, “irmão 
do Senhor”. Depois desta severa repressão, o movimento 
de Jesus não teve papel de importância na defesa de Je­
rusalém. Foi obrigado a sair de Israel, sobrevivendo nas 
cidades do império, onde se formaram “igrejas” para pôr 
em prática a esperança popular do movimento. Porém, 
deixa com isso de ser parte da história de Israel.
Segundo Josefo (Ant XX, 97s) surgiu nos tempos 
do procurador Cúspio Fado (44-46 d.C.) um certo Teudas, 
dizendo-se profeta. Conseguiu seguidores populares para 
“repartir o Jordão”. Seu movimento terminou abruptamen­
te, quando o procurador, vendo o perigo à sua autoridade, 
decapitou Teudas e trouxe sua cabeça para Jerusalém.
Nos anos seguintes houve diversos incidentes em 
que a população, tanto urbana como rural, protestou con­
tra os abusos de poder por parte das autoridades. Tibério 
Alexandre, procurador de 46 a 48 d.C., sentenciou e crucifi­
cou Tiago e Simão, filhos de Judas o Galileu, ainda que 
Josefo não nos informe sobre suas atividades revolucioná­
rias (Ant XX, 102).
No início da gestão de Félix (52-60 d.C.) o movi­
mento popular assumiu uma nova modalidade. Formou-se 
um grupo organizado de sicários. Estes revolucionários? 
assassinavam pessoas consideradas inimigas do povo em 
meio à multidão de peregrinos nas festividades. Traziam 
um punhal sob as roupas, matavam repentinamente a ví­
tima e desapareciam na multidão (Bell II, 254-56). O 
primeiro alvo de sua atividade foi o sumo sacerdote Jô­
natas, o que é significativo por indicar que viam a opressão 
vinda da classe dominante judaica. Esta tática, de fato, 
não podia funcionar contra as autoridades romanas, pois 
estas não se misturavam com a multidão nas celebrações. 
Os sicários aparecerão logo, durante a guerra, o que de­
monstra que eram um grupo organizado.
A insurreição que incendiou a guerra contra Roma no 
ano 66 d.C. parece ter surgido mais ou menos esponta­
neamente em distintos lugares como reação popular a 
uma série de abusos. Entre estes se destaca a decisão do 
imperador Nero a favor dos gregos em um litígio em 
torno de uma sinagoga na cidade de Cesaréia. Entre os 
líderes, Josefo destaca os cinco grupos a que nos referi­
mos acima (p. 126s). No início da insurreição, houve um 
esforço das autoridades em Jerusalém de levá-la a bom 
termo. Anano, o sumo sacerdote, assumiu a direção do go­
verno provisório. Seu governo nomeou Josefo, um jovem 
sacerdote filiado aos fariseus, para que dirigisse a cam­
panha na Galiléia, onde as hostilidades se exasperavam. 
Sua intenção parece ter sido tanto vingar-se das ofensas 
dos romanos contra a população judaica como evitar que 
o movimento revolucionário tomasse um rumo radical 
contra os próprios sacerdotes. Houve uma série de com­
bates ao longo de um ano, porém as forças rebeldes 
foram depois cercadas em Jotapata, um povoado no cora­
ção da serra da Galiléia. Jotapata caiu no verão de 67 d.C. 
e quase todos os defensores perderam a vida, muitos deles 
por suas próprias mãos. Josefo foi levado prisioneiro.
Os rebeldes conseguiram tomar a cidade de Jerusa­
lém, que durante os anos seguintes foi o cenário dos emba­
tes mais sérios. Manaém, um descendente de Judas o Ga- 
lileu, conduziu um assalto vitorioso ao palácio de Hero­
des, na cidade, porém foi assassinado pelo líder do bando 
sacerdotal, Eleazar, obrigando seus seguidores a se retira­
rem de Jerusalém e se refugiarem em Massada, onde re­
sistiram até o final da guerra. Em 67 os zelotas apela­
ram aos idumeus para virem em sua ajuda, argumentan­
do que o governo provisório estava tramando um acerto 
com os romanos (o que pode ser verdade). O sumo sacer­
dote foi assassinado e um novo escolhido democraticamen­
te: a sorte coube a um certo Phani, aparentemente um 
camponês (Bell IV, 155s). Este é um precioso exemplo 
do caráter social da luta dos zelotas, cuja origem parece 
ter sido entre as aldeias de Judá.
Durante esta primeira fase da luta em Jerusalém, 
os sicários exerceram um papel significativo. Entre eles 
Josefo fala de Manaém. Foram eles que incendiaram a 
casa de Ananias, um sumo sacerdote, e o edifício dos
arquivos públicos, onde se encontravam os controles das 
dívidas dos pobres (Bell II, 427). Retiraram-se da cidade 
e resistiram na fortaleza de Massada até o ano 74 d.C.
Surgiram, durante a batalha de Jerusalém, como os 
principais líderes, João de Gíscala (um «povoado do inte­
rior da Galiléia) e Simão Bar-Giora, este de Gérasa na 
Transjordãnia. Simão particularmente era um revolucioná­
rio radical com um programa de eliminação das riquezas 
e outras características da desigualdade. Era, além do mais, 
um homem disciplinado, cuja condução militar da defesa 
da cidade foi a mais eficaz. Quando Tito tomou a cidade, 
no ano 70 d.C., levou João e Simão cativos para exibi-los 
em seu triunfo público diante do povo de Roma.
Com a queda de Jerusalém a rebelião perdeu toda 
possibilidade de êxito. Os líderes revolucionários e popu­
lares puderam aglutinar uma grande massa e efetuar uma 
guerra de grande envergadura. Quase toda a população 
judaica se viu obrigada a unir-se à rebelião conduzida 
pelas forças populares. Estas tinham sua base principal 
no campesinato, donde provinham os zelotas, os sicários 
e as forças de João de Gíscala, porém também entre os 
elementos populares das cidades como Cesaréia e Gérasa. 
Tiveram em Jerusalém a dificuldade normal de todo mo­
vimento revolucionário: lutar simultaneamente contra os 
elementos elitistas do povo para fazer a revolução e 
defender-se dos ataques do império. Não deixaram de com­
plicar a situação os conflitos entre os próprios líderes re­
volucionários por posições de proeminência no movimento, 
o que chegou por vezesaté ao assassinato entre facções ri­
vais. O decisivo, porém, na derrota das forças populares 
foi o poderio incomensuravelmente superior das legiões 
romanas, que terminou esmagando toda resistência.
Em alguns lugares puderam manter-se, alguns anos 
mais tarde, focos de resistência. O último a cair foi Mas­
sada, onde se haviam entrincheirado os sicários. Morreram 
em um célebre suicídio coletivo ante uma situação deses- 
peradora em 74 d.C.
Todavia não foi o fim. A sorte dos camponeses con­
tinuava intolerável. A destruição do templo e de Jerusalém 
tornava difícil levantar um projeto na linha dos deutero-
nomistas e dos Macabeus. A revolução que explodiu em 
132 d C. teve como um dos eixos a reforma agrária, como 
se deduz dos documentos deixados pelos revolucionários 
nas grutas de Murabbaat e Nahal Hever.
Isto sucedeu durante o governo do imperador Adria­
no. Este passou pela Palestina no ano 130 d.C., deixando 
vários monumentos helenísticos em cidades como Cesaréia 
e Tibérias. O projeto de formar no lugar onde estava Je­
rusalém uma cidade romana chamada Aelia Capitolina 
possivelmente foi lançado neste momento. O acesso à ci­
dade era proibido aos judeus.
Infelizmente sabemos muito pouco deste movimento 
revolucionário encabeçado por Simão Bar Kokba. Parece 
ter sido um movimento de grande envergadura, compará­
vel ã primeira revolução dos anos 66-74 d.C. O líder indis- 
cutido foi Simão. Executou reformas legais importantes, 
especialmente em questões agrárias. Teve como assessor 
principal o famoso rabino Aquiba, que o chamou “estrela 
de Davi”, um título messiânico tomado de Nm 24,17. 
Simão evitou confrontos abertos com as tropas romanas, 
limitando-se a ações de fustigação. Suas forças se refugia­
ram em grutas desde as quais puderam sustentar a luta. 
Adriano teve que enviar um dos seus melhores generais, 
Júlio Severo, para sufocar a rebelião. Este conseguiu 
encurralar Simão em Beter, próximo de Jerusalém, onde 
morreu no ano 135 d.C. Além disso, foi buscar as forças 
restantes nas grutas do deserto até “limpar” toda re­
sistência.
As medidas dos romanos conseguiram eliminar da 
Palestina os restos do experimento Israel. Cidades hele- 
nísticas dominaram o território, os centros religiosos e 
culturais de Israel foram destruídos, e a identidade cul­
tural dos camponeses foi rapidamente eliminada.
Aqui termina a história de Israel, o povo de Javé.
Epílogo: Jâmnia. Antes da batalha de Jerusalém, um 
famoso rabino fariseu chamado Johanan Ben Zakkai retirou- 
se da cidade, declarou sua desaprovação quanto à insurrei­
ção e conseguiu permissão dos romanos para estabelecer 
em Jâmnia, no território antes pertencente à Filistéia, um
Bet Din, casa de estudo e de lei (quer dizer, uma corte). 
Foi ali, sob a liderança de Johanan, que se puseram as 
bases para o judaísmo rabínico que daria identidade, por 
muitos séculos, aos judeus dispersos nos centros urbanos 
do mundo. Ser judeu deixou de significar pertença ao 
povo camponês de Israel para converter-se em pertença a 
uma comunidade que vive de acordo com as leis e cos­
tumes dados por Deus a Moisés e que os rabinos inter­
pretavam para que pudessem servir de normas para a 
vida nos centros urbanos do mundo.
APÊNDICES
1. Bibliografia de material para aprofundamento
Sobre a história de Israel foram traduzidas algumas obras. Citamos 
aqui apenas as mais importantes e mais úteis para o leitor, acrescentando 
aquelas em espanhol, língua mais acessível para nós:
J. BRIGHT. História de Israel. Ed. Paulinas, S. Paulo 19812.
J. JEREMIAS. Jerusalém no tempo de Jesus. Pesquisas de história 
econômico-social no período neotestamentário. Ed. Paulinas, S. Paulo, 1983.
H. CAZELLES. História política de Israel desde as origens até Ale­
xandre Magno. Ed. Paulinas, S. Paulo, 1986.
R. de VA.UX. Historia antigua de Israel. 2 tomos. Ed. Cristiandad, 
Madri, 1975.
R. de VAUX. Las instituciones dei Antiguo Testamento. Ed. Herder, 
Barcelona, 1964.
J. LEIPOLDT-W. GRUNDMANN (eds.). El mundo dei Nuevo Testa­
mento. Ed. Cristiandad, Madri: 1973.
S. HERRMANN. Histeria de Israel. Ed. Sígueme, Salamanca, 1979.
E. R. GALBIATI-A. ALETTI. Atlas histórico da Bíblia e do Antigo 
Oriente. Ed. Vozes, Petrópolis, 1989.
H. G. KIPPENBERG. Religião e formação de classes m antiga Judéia. 
Ed. Paulinas, S. Paulo, 1988.
Para aprofundar a análise do modo de produção asiático, há vários 
textos em português, que poderão ser utilizados:
R. BARTRA (ed.). El modo de producción asiático. Era, México, 1969.
Ph. GEBRAN. Conceito de módo de produção. Rio de Janeiro, 1978.
P. HOUTART. Religião e modos de produção pré-capitalistas. Ed.’
Paulinas, S. Paulo, 1982.
C. P. CARDOSO. Trabalho compulsório na Antiguidade, em Biblioteca 
de História, v. 9. Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1984.
2. Bibliografia das obras mais importantes que orientam 
a leitura da história de Israel que se ofercce nesta obra
É impossível reconhecer a dívida, de quem escreve, com uma multidão 
de eruditos: Além do mais, não seria útil para o leitor produzir uma
bibliografia ampla num apêndice de uma obra destinada para o uso po­
pular. A honestidade científica, no entanto, exige uma indicação mínima 
de historiadores científicos em cujas obras se apóia a presente leitura em 
seus aspectos mais discutíveis. É o que agora faremos brevemente.
Se há um cientista que se destaca entre aqueles que com seus escri­
tos orientaram o autor, é o autor alemão Albrecht Alt. Alt era um investiga­
dor meticuloso que seguiu um método que denominou “histórico-territorial” 
(territorialgeschichtliche Methode). Seu enfoque era basicamente adminis­
trativo, inquirindo sobre as divisões administrativas do território da Pa­
lestina em suas diferentes épocas. É evidente que com isso ainda não
chegou a uma investigação da vida do povo. Mas suas perguntas contínuas 
sobre a geografia dos governos e dos impérios deram uma impressionante 
concretude à sua obra, que foi publicada em revistas científicas. Ao fim 
de sua vida ele a reuniu em dois tomos: Kleine Schriften zur Geschichte 
ães Volkes Israel (Munique, 1953). Após sua morte, em 1956, Martin Noth 
ajuntou outros estudos para acrescentar um terceiro tomo à segunda edição 
em 1959. Os muitos importantes estudos destes três tomos me foram de
grande valia para todos os períodos da história de Israel.
Uma das áreas mais complicadas para a história de qualquer povo 
da Antiguidade é a cronologia. Após enfrentar as dificuldades que a cro­
nologia apresenta ao pesquisador, cheguei por fim à conclusão que era 
impossível resolver tão intrincado problema. Para o período da monarquia 
de Israel e Judá (931-586 a.C.), decidi, então, seguir estritamente a cro­
nologia de De Vries, evitando assim a tentação de um ecletismo caprichoso 
e arbitrário. O esquema de De Vries pode ser encontrado em:
S. J. De Vries. Chronology of the Old Testament, em Interpreteis 
Dictionary of the Bible. Nashville, Abingdon, 1962, vol. I, 580-599.
Para as origens de Israel foi de grande utilidade, tanto para os
detalhes históricos como para a leitura a partir dos pobres, a obra de
Norman K. Gottwald:
N. K. Gottwald. As tribos de Iahweh. Uma sociologia da Religião 
de Israel liberto, 1250-1050 a.C. Ed. Paulinas, S. Paulo, 1986.
Para o problema crucial da avaliação crítica das fontes históricas 
deuteronomística e cronista me serviram com freqüência as seguintes obras:
M. NOTH. überlieferungsgeschichtliche Studien. Tubinga, 1957 (edição 
original de 1943). Esta é a obra fundamental sobre a qual se apóiam todos 
os pesquisadores posteriores.
R. E. FRIEDMAN. The Exile and Biblical Narrative. The Formation 
of the Deuteronomistic and Priestty Works. Scholars Press, 1981.
A. D. H. MAYES. The Story of Israel between Settlement and Exile. 
A Redactional Study of the Deuteronomistic History. Londres, SCM Press, 
1983..Conheço a obra de Manfred Weippert sobre a história de Israel que 
está por trás de lR s 22 a 2Rs 17 unicamente pelas informações que estão 
em Mayes, p. 120-122.
Para interpretar a dinâmica social do período persa foram-me de 
grande utilidade as obras de Hanson e Peterson:
P. D. HANSON. The Dawn of Apocalyptic. The -Historical and Sociolo- 
gical Roots of Jewish Apocalyptic Eschatology. Philadelphia, Fortress, 1975.
D. L. PETERSON. Late Israelite Prophecy: Studies in Deutero-Prophetic 
Literature and in Chronicles. Scholars Press, 1977.
Outras obras que me orientaram em diferentes períodos são:
B. ODED. The Historical Background of the Syro-Ephraimite War 
Reconsidered. CBQ 34 (1972), 153-165.
B. MAZAR. The Tobiads. IEJ VII (1957), 137-145; 229-238.
M. HENGEL. Judaism and Hellenism. 2 tomos. Philadelphia, Fortress,
1974.
B. L. MACK. Wisdom and the Hebrew Epic. Ben Sira’s Hymn in 
Praise of the Fathers. Chicago, University of Chicago Press, 1985.
H. JAGERSMA. A History of Israel from Alexander the Great to Bar 
Kochba. Philadelphia, Fortress, 1986.
D. C. HOPKINS. The Highlands of Canaan. Agricidtural Life in the 
Early Iron Age. Decatur, Geórgia, Almond, 1985.
F. S. FRICK. The Formation of the State in Ancient Israel. Decatur, 
Geórgia, Almond, 1985.

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