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84 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II Unidade II 5 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS NOVAS MODALIDADES DE SUBORDINAÇÃO DO TRABALHO Como já informado, com o grande crescimento da industrialização e a formação das cidades, as pessoas que moravam em regiões rurais ou não industrializadas vinham para esses centros em busca de oportunidade de trabalho, visando ao melhoramento de sua qualidade de vida e de sua família. As cidades não tinham estrutura para recebê-los, e as indústrias não tinham vagas de emprego para todos, pontos que intensificavam o número de desempregados e os problemas sociais, inquietações/ movimentos populares, de forma que a burguesia e o Estado se sentiram ameaçados pela sociedade que presenciava tais injustiças sociais. O Estado, em resposta a essa realidade, atuava de forma paliativa, caritativa, conjuntamente com a Igreja Católica, com o objetivo de “acalmar as inquietações” dos trabalhadores, sem ações eficientes, efetivas e eficazes. O Serviço Social surge dessa benemerência e dessa caridade atrelada às instituições religiosas, representadas, principalmente, pela Igreja Católica, cujas atuações eram de caráter assistencialista, sem embasamento teórico e metodológico, sem reflexão crítica sobre as possibilidades interventivas. Assim, as ações supriam os interesses da Igreja, do Estado e da burguesia. Tal meio de colocar em prática a profissão foi denso desde seu surgimento formal (década de 1930) até o movimento de reconceituação (década de 1960), podendo ser caracterizado como a “esquerda profissional”, pois um grupo de técnicos sociais começou a questionar as intervenções dos assistentes sociais, e, assim, iniciou-se uma crítica à profissão. O movimento foi de suma importância para que a categoria profissional se distanciasse das ações caritativas sem o empoderamento técnico, apropriada de embasamentos teórico-metodológicos, com senso crítico. O assistente social tem como foco de sua intervenção os reflexos da questão social, pois, com o conflito existente entre capital e trabalho, intensificam-se as problemáticas sociais. Atualmente ainda vivenciamos o movimento de reconceituação, pois é preciso, de forma contínua, acompanhar as transformações societárias e, com isso, reconsiderar e repensar a profissão com a mesma dinamicidade que ocorre na sociedade. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a possibilidade do trabalho do assistente social não só ganhou embasamento, mas também os mínimos sociais foram reconhecidos pelo Estado como direitos sociais, incluindo a moradia: 85 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988). Nessa perspectiva de garantia de direitos, o Estado responde às demandas sociais com as políticas sociais, campo de atuação do assistente social que realiza a mediação de interesses de tais atores: Estado, sociedade e mercado. Nesse sentido, trazer para o campo das práticas as legislações é pensar na totalidade existente no cotidiano do indivíduo. Por esse motivo, utilizamos o item seguinte para representar as legislações, como a construção e as ideologias no território, pois não há uma consonância entre as áreas e as necessidades. A fragmentação do espaço urbano, o contínuo crescimento e adensamento da periferia e o aprofundamento da segregação e exclusão socioterritorial são as principais características do processo de urbanização brasileiro. Esse processo possui íntima relação com o mercado imobiliário formal e informal, cuja dinâmica privatiza a renda fundiária gerada coletivamente e ocasiona a formação de núcleos que não se articulam com a malha urbana existente, produzindo enormes áreas vazias no interior do espaço urbano (BRASIL, 2004, p. 20). Os interesses humanos são diversos, pois somos únicos e com construções diferenciadas; porém, como técnicos, temos de entender para quem trabalhamos e o que queremos com nossas intervenções. As cidades não dispõem de áreas suficientemente capazes para atender à demanda de acordo com as necessidades dos sujeitos. Nesse sentido, como forma de proteção, os sujeitos vulnerabilizados, por exemplo, utilizam áreas inapropriadas para a manutenção da vida, não podendo ser entendidos como oportunistas, mas como pessoas que não tiveram acesso aos itens essenciais para sua vida. Os limites estruturais do mercado de moradias para oferta de habitações em número suficiente, com qualidade e localização adequadas, sob os aspectos ambiental e social, combinados com a ausência de políticas públicas que tenham como objetivo ampliar o acesso à terra urbanizada, têm levado um contingente expressivo da população brasileira a viver em assentamentos precários marcados pela inadequação de suas habitações e pela irregularidade no acesso à terra, comprometendo a qualidade de vida da população e provocando a degradação ambiental e territorial de parte substantiva das cidades (BRASIL, 2004, p. 21). Pensar na efetivação dos direitos é refletir as diferenças cotidianas e as necessidades individuais, ou seja, a “legal, real e ideal”, como diz Vera Telles (2006), pois a primeira indica os interesses do Estado, que, por vezes, possui legislações desconexas com a realidade, ou seja, onde se vive, a necessidade dos sujeitos; e nós, técnicos, temos o entendimento da cidade que seria ideal, com habitações de acordo 86 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II com as características do cidadão, respeitando-o em sua totalidade, com moradias horizontalizadas, próximas aos serviços públicos e privados. O assistente social, com sua formação, tem conhecimento técnico e crítico para compreender o indivíduo, a localidade onde mora e para onde será inserido, se necessário, de forma singular, utilizando desses saberes para minimizar os traumas e rompimentos de sua história, preparando-o para a transformação de sua vida social. 5.1 Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho e Serviço Social Em abril de 1993, foi realizado, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o fórum de debates “O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber”, em que foi adotada metodologia favorável ao exercício crítico da reflexão, caminhando para níveis operacionais. Os temas foram debatidos por filósofos, historiadores, psicólogos, assistentes sociais e educadores, permitindo um debate transdisciplinar. Unidade e multiplicidade confrontam-se historicamente em um campo tensional e, dentro das diferentes áreas do conhecimento, assiste-se à multiplicação de perspectivas e ao confronto de abordagens. Um mesmo fenômeno pode ser compreendido com metodologias variadas quando abordado por particulares formas de integração de informações/conhecimento de várias áreas distintas. Importante e também desafiadora é a manutenção das significações originárias, não no sentido da perspectiva da unidade integral ou na simples somatória, mas sim no sentido transcodificado. Monismo epistemológico é aqui compreendido por uma unidade do conhecimento humano, ou seja, todo conhecimento humano deve pautar-se por um mesmo modelo. Alguns pensadores, filósofos e cientistas insistem no monismo. Outros, ao contrário, preferem crer que cada área do conhecimento humano, tendo um objeto próprio, uma metodologiaprópria, não pode transferir a metodologia de um campo para o outro, dando o nome de pluralismo epistemológico. Vejamos dois pensadores representativos de cada corrente: • Descartes, como representante do monismo epistemológico: deve-se ter um mesmo tipo de certeza, a do tipo matemático, a demonstração que não deixa dúvida. • Aristóteles, como representante do pluralismo epistemológico: tem-se a segmentação do conhecimento e a não transferência de metodologias propugnada, cada segmento tendo um grau de certeza que lhe é próprio. Atualmente, as tendências globalizantes parecem esconder certo desrespeito às especificidades de áreas do saber; o conhecimento humano se constrói e se manifesta em um coeficiente de poder que atravessa a sociedade, em razão de representações valorativas. A atividade do conhecer é, ao mesmo tempo, qualificada para a superação do enviesamento ideológico que ela traz em si, quer pela crítica, quer pela denúncia, tornando-se arma contra o poder. 87 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Nessa complexidade, o saber só pode exercer-se interdisciplinarmente, e o conhecimento só adquire sentido no cenário culturalmente mais amplo. A unidade e a multiplicidade compõem um movimento único, sendo a multiplicidade desterritorializante, e a unidade, conservação; o sentido que a relação uno/múltiplo nas áreas do saber e do poder toma é determinada pelas relações que sustentam certa forma de vida e sobrevivência humana. Geralmente, o tema pós-moderno é visto sob o estigma do irracionalismo, que está intensamente presente no mundo contemporâneo, em comportamentos, em práticas de vivências sociais ou em práticas políticas. Esse irracionalismo tem até interferência no saber, mas não significa irracionalidade da ciência. Ela hoje trabalha também com referências externas à tradição científica, por exemplo, provenientes da tradição oriental do taoismo. Nada disso implica irracionalismo, e, em tal sentido, a ciência nunca é irracional. A questão contemporânea em relação à multiplicidade pode ser assim entendida: em termos conceituais, o múltiplo não significa simplesmente multiplicação indefinida; a multiplicidade irá valorizar o que se passa “entre” o que se elabora, não na continuidade e totalidade (isto é, de acordo com um ponto de vista), mas “transversalmente”, na associação de signos heteróclitos, o que não implica simples elogio da fragmentação, uma vez que esta pode postular uma realidade que já existe (e se apresenta fragmentariamente) ou um conjunto que ainda virá a existir, retirando a violência dos fragmentos e suas relações diferentes e impossíveis de serem reduzidas à unidade. Unidade e multiplicidade são, assim, componentes de um único movimento que procura dar conta das coisas no momento presente – e para isso não há uma linguagem adequada. No campo educacional, apesar das experimentações e iniciativas teóricas e técnicas de organização de sistemas, ainda é mantida acentuada distância entre discursos modernizantes e práticas modernizadoras. Continua valendo o pressuposto de que a educação objetiva a realização de um programa que reunifique a experiência por exigência do dever, da formação e necessidade do cumprimento de objetivos e produção de ações, com o mínimo de consenso. Os educadores sabem que hoje a prática pedagógica exige a coexistência de múltiplas referências teóricas. Assim, é impossível ignorar as transformações. Foi criada, na civilização ocidental, uma oposição entre o uno e o múltiplo. O movimento da identidade, no decorrer da vida, é constituído pela combinação de igualdade e de diferença em relação a si e aos outros. Sempre estamos recompondo as identidades. O embate entre ter condições de agir como unidade na multidisciplinaridade redunda na exclusão do diverso ou nessa multidisciplinaridade, que redunda na aceitação das diferenças. Atualmente, há um movimento para reconhecer essa multidisciplinaridade entre os homens, mas também há um movimento para recompor a uniformização. A meta é o reconhecimento e a incorporação das diferenças sociais e o estímulo de uma nova forma de troca entre os saberes socialmente construídos e transformados. 88 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II A ação profissional é perpassada e regulada pelos instituídos sociais, que acabam homogeneizando o que é heterogêneo, sem crítica e sem a liberdade das alternativas que poderiam ser possíveis. No âmbito do Serviço Social, da Filosofia, da História, da Antropologia e em outros domínios das ciências sociais, uma questão que vem preocupando é o uno e o múltiplo nas áreas do saber. Procura-se, em seus espaços específicos de atuação, discutir e formular modos de lidar com a complexidade e a pluralidade do social, questionando abordagens generalizantes e homogeneizadoras. Essas abordagens tendem a ignorar e desqualificar as diferenças e tensões que permeiam o fazer-se social como anomalias ou disfunções a serem extirpadas, controladas ou superadas, pois trazem em seu bojo noções de ciências objetivas, de teoria perfeita, totalizada com estatuto de verdade. Nos vínculos da história entre saber e regimes de poder, podemos exemplificar as práticas jurídicas e judiciárias, as quais são definidoras de modos de determinação da verdade e modelares em relação a outras esferas da ação humana, dos saberes à política e à ação no dia a dia. No debate pós-moderno, quanto à questão da unidade e da multiplicidade, considera-se que o múltiplo não é só a justaposição de elementos, pois é preciso considerar as relações desses elementos. O conhecimento é resultante de uma tensão de forças múltiplas e heterogêneas de uma práxis em perspectiva não consensual e não totalizante. Na realidade brasileira, significativas mudanças sociais e políticas, nesses últimos vinte ou trinta anos, forjaram lutas diferenciadas e multidirecionadas em várias dimensões do social, adquirindo visibilidade política, com a emergência de novos sujeitos populares na cena histórica. Criaram-se, assim, novos espaços políticos; emergiram práticas disciplinadoras e ideias homogeneizadoras do social no mundo capitalista, no que diz respeito à construção de uma organização social de natureza produtiva, ou seja, para o trabalho, e, no plano social, a quanto se desenvolve uma forma de sociabilidade política capaz de destruir a ideia de ação coletiva que determine o curso da sociedade. Nessas sociedades capitalistas, esse mecanismo engendra-se apoiado em práticas e discursos técnicos, profissionais, da mídia e dos políticos; promove a construção de um imaginário coletivo na mesma medida e com igual interesse em um projeto social e político para todos os cidadãos, com o discurso do avanço para o progresso. O destaque da sociedade e o poder político são expressões dessas articulações e facilitam a representação do Estado como universalidade, tomando para si o papel regulador dos conflitos e ordenador do espaço social por meio da lei e da prestação dos serviços públicos. O Estado, em sua complexidade, centraliza e personifica, nesse processo, as funções decisórias da nação, não podendo aparecer como sociais ou coletivas, mas tão somente como privadas. O “povo”, nesse panorama, apresenta-se sob uma concepção neutra, envolvendo, ao mesmo tempo, indiferenciadamente, todos os cidadãos, com seus mais variados interesses, mas destituídos de poder diante de um Estado que assume, em suas mãos, os destinos da nação. Outra dimensão desse mecanismo é a concepção de sujeito individual, com uma identidade singular e privada do “eu” produzido por saberes que se engendram ese articulam nessas sociedades. Em sua constituição, esse sujeito traz duas marcas: 89 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar • a individualização como o centro do qual partem as ações livres e responsáveis; • o sujeito como consciência individual soberana da qual irradiam ideias e representações postas como objetos domináveis pelo intelecto. Como oposição a essa concepção de sujeito individual, Marilena Chauí (1980) refere-se aos movimentos sociais como novos sujeitos. Esses movimentos são considerados como expressão de indivíduos que passam a definir-se e a reconhecer-se mutuamente como sujeitos que aparecem como reposição do conceito de reabertura do espaço político retraído pela sociedade capitalista. Os sujeitos como individuais acabam por ser desresponsabilizados de sua importância no encaminhamento da vida pública e da orientação dos destinos sociais, deixando essa responsabilidade unicamente para o Estado. Nós, como trabalhadores intelectuais, preocupamo-nos com a construção de caminhos mais democráticos, não sendo possível desprezar propostas de democratização que nasçam do próprio conhecimento, incorporando sujeitos sociais que anteriormente foram excluídos das explicações históricas. Também não devemos perder de vista as condições históricas em que os saberes se forjaram, além do seu significado político de emergir e sua propagação como saber. Devemos seguir na direção de um novo direito, de uma forma de sociabilidade que incorpore a ação coletiva. O conhecimento histórico deve ser pensado e trabalhado como um saber em permanente construção e articulado às próprias transformações da sociedade, mediadas por interesses e valores. A partir do momento em que valorizamos a especialização, acabamos por favorecer métodos, categorias e critérios determinados e a prejudicar explicações de mecanismos mais amplos, confinando-nos aos limites da especialização. Abrindo espaços para uma investigação nas áreas do conhecimento, para o reconhecimento e a incorporação das diferenças sociais, estimulamos um novo tipo de diálogo entre as áreas, para construir os caminhos da investigação em colaboração mútua. Vamos dialogar sobre critérios e referenciais de análise em torno de temáticas de interesse comum. Assim, iremos formulando esses referenciais em conjunto, a despeito da variedade de objetivos que são únicos para cada área. Por isso, trata-se de um aprendizado que exige tolerância, respeito e flexibilidade. A ruptura com o princípio da permanência que, em nossas instituições, produz práticas sociais reprodutoras do já produzido, é necessária para se falar em identidade atualmente. É fundamental um olhar crítico e rigoroso para o real, o estimular da nossa consciência crítica de modo que lance as raízes da possibilidade de construção de práticas sociais múltiplas, plurais, capacitadas a contribuir efetivamente para que se produza o novo. Porém, a tradição brasileira é de uma sociedade fundada na autocracia, que estratifica saberes, concedendo a prática a partir da ausência de movimento imanente do real, do princípio da permanência. 90 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II A influência positivista nas origens da universidade brasileira orienta-se, há muito tempo, por formulações que reduzem o próprio exercício do saber à transmissão de conhecimento acumulado. Temos a possibilidade de investir no impulso inaugural do novo quando nos dispomos a viver sob o signo da contradição, a cada momento aprendendo algo novo, considerando que a vida se constrói a cada dia. Precisamos construir identidade que evidencie quão fecunda é a relação entre as áreas do saber para as práticas sociais brasileiras, em uma época marcada pelo agravamento da questão social. Consolidar, fortalecer uma nova prática social exige que aprendamos a visualizá-la a partir de uma perspectiva histórica e a reconhecê-la como: • expressão do saber, uma vez que toda prática social é teoria sendo movimentada, saberes sendo articulados, construção coletiva em busca de objetivos determinados socialmente e estabelecidos através da história; • prática educativa, uma vez que toda prática social concebida na perspectiva que temos enfatizado é realmente uma prática educativa. É, assim, prática do encontro, da possibilidade do diálogo, da construção partilhada. A instituição é criada para permitir a operacionalização de políticas sociais direcionadas aos cidadãos; assim, é um espaço mais do usuário do que do profissional, pois a razão de ser da instituição é o usuário. Uma exigência fundamental relacionada à concepção de saber como espaço do múltiplo é como promover o estabelecimento de uma nova relação entre profissionais, considerando que nossas formações devem nos proporcionar os fundamentos para a construção do saber coletivo. É também das diferenças das profissões que podem surgir possibilidades para trabalharmos em prol de causas comuns. Em toda prática profissional, sempre há caminhos críticos, e as vias de superação somente são encontradas por aqueles que as procuram pacientemente e corajosamente. A diferenciação entre conhecimento e pensamento se dá desta forma, segundo Marilena Chauí (1980, p. 26): [...] o conhecimento é a apropriação intelectual de certo campo de objetos materiais ou ideias como dados, isto é, como fatos ou como ideias. O pensamento não se apropria de nada – é um trabalho de reflexão que se esforça para elevar uma experiência (não importando qual seja) à sua inteligibilidade, acolhendo a experiência como indeterminada, como não saber (e não como ignorância) que pede para ser determinado e pensado, isto é, compreendido. Para que o trabalho do pensamento se realize é preciso que a experiência fale de si para poder voltar-se sobre si mesma e compreender-se. O conhecimento tende a cristalizar-se no discurso sobre; o pensamento se esforça para evitar essa tentação apaziguadora [...]. 91 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar A esfera do saber amplia-se na perspectiva do risco, da criatividade, diversa do âmbito estrito do conhecimento, que é configurado como um exercício mais intelectual e formal. Consequentemente, essas características trazem dinamismo, fortalecimento na busca por experiência, pesquisa, prática com disposição para descoberta, empreendimento de um aprendizado e elaboração de conhecimentos. O que nos mantém em constante procura é a vivacidade do saber, pois esse abarca o conhecimento, porque o propicia e conduz, mas não cabe dentro dele. Há algum tempo, o Serviço Social vem alimentando uma preocupação com o conhecimento. Na composição e organização de mestrado e doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (na época do fórum de debates tratado no livro que serve como referência para este texto), destacava-se como uma de suas linhas de pesquisa a “construção do conhecimento em Serviço Social”. Procurando a direção para constituir um novo conhecimento, essas linhas de pesquisa indicavam a intenção de rever o Serviço Social do ponto de vista: • das fontes de conhecimento de que se alimenta; • das possibilidades de sistematização dos conhecimentos produzidos pela pesquisa e pela prática profissional. Como dizem as organizadoras de “O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber”, o Serviço Social é uma profissão que tem por atraente uma prática – social, educativa, política – de enfrentamento da “questão social”, principalmenteno que tange às interfaces pobreza/riqueza e às recorrências do progressivo empobrecimento da população (MARTINELLI; ON; MUCHAIL, 1995). A partir dessa definição clara e precisa, podemos compreender que a atuação do Serviço Social é também concretizada nas relações da esfera microssocial, e não somente na esfera macrossocial, ou seja, conjuntural, estrutural, havendo o confronto com o binômio solidariedade e barbárie no plano macrossocial. No cotidiano, a profissão é confrontada com as carências e necessidades fundamentais do homem; ainda assim, o Serviço Social não assume o desafio de constituir-se em uma profissão produtora de conhecimentos, mesmo que se leve em conta a dimensão da especificidade de sua proposta profissional. Podemos considerar que a profissão tem condições de produzir conhecimentos, argumentando que as práticas por ela desenvolvidas caracterizam-se por certo modo de apropriação e aplicação dos conhecimentos das ciências a formas peculiares de ação profissional e de atuação na realidade social – apropriação, aplicação, ação e intervenção – capazes, por sua vez, de possibilitar a produção de “outros” ou de “novos conhecimentos” (MARTINELLI; ON; MUCHAIL, 1995). A prática do Serviço Social revela o modo único pelo qual compreende e pretende alterar uma determinada realidade, lidando com as situações-limite que envolvem problemas sociais, mesmo sendo uma profissão de natureza interventiva. Um modo inédito de exteriorizar e sistematizar conhecimentos já 92 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II elaborados pode ser a apropriação e a transformação de conhecimentos subjacentes ao agir profissional. A prática neles fundamentada, ao mesmo tempo, propicia a elaboração de outros conhecimentos. A articulação dos conhecimentos que buscamos na Sociologia, nas Ciências Políticas e Econômicas, na Psicologia, na Filosofia e em outras faz-se necessária no intuito de criarmos metodologias de trabalho mais evidentes e capazes de trazer à luz a produção da prática profissional desenvolvida por nós. O Serviço Social é uma profissão de prática, e sua intermediação com as “ciências puras” permite a construção de conhecimentos para as chamadas “ciências aplicadas”. Assim, contribui efetivamente para o avanço das formas de abordagens práticas do real, e a originalidade do conhecimento construído está na maneira pela qual articula o conhecimento, transformando tal articulação em mediações para que se possa agir especificamente. Também contribui para que se construam coletivamente os conhecimentos no interior do conjunto das ciências sociais, demarcando a legitimidade de sua configuração profissional. Conforme Etges, (1993, p. 79), em seu livro Produção de Conhecimento e Interdisciplinaridade, “a interdisciplinaridade é o princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão e exploração de seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e da criatividade”. Serviço Social é uma área de atuação interdisciplinar por excelência, uma vez que articula os diversos conhecimentos de modo específico, próprio, em um movimento crítico entre prática-teoria e teoria- prática. A interação com outras áreas é primordial para abrir-se à interlocução diferenciada com outros. A interdisciplinaridade o enriquece. Para compreendermos essa interdisciplinaridade como postura profissional, temos de aprender a conviver com as diferenças, com o múltiplo; buscar amadurecimento profissional que se reverta em um novo saber ético e social. 5.2 Os serviços na contemporaneidade: o trabalho nos espaços ocupacionais É recorrente na contemporaneidade o trabalho em equipe de diversos segmentos profissionais, portanto utilizaremos este espaço para tratarmos de trabalho multidisciplinar, sendo necessário abordar alguns conceitos, como: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e pluridisciplinaridade. O trabalho interdisciplinar, entre qualquer área e em qualquer estrutura de trabalho, seja no serviço público, em organizações governamentais ou não governamentais, ou em empresas, deve sempre buscar atingir objetivos comuns: a qualidade no atendimento, a eficácia das ações, a finalidade do tipo de trabalho que nos propomos a desenvolver, independentemente de sua formação. Como define o filósofo brasileiro Hilton Japiassu, [...] os termos multi e pluridisciplinaridade pressupõem uma atitude de justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração 93 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar de conteúdos numa mesma disciplina, atingindo-se, quanto muito, o nível de integração de métodos, teorias e conhecimentos. Quando nos situarmos no nível da multidisciplinaridade, a solução de um problema exige informações tomadas de empréstimo a duas ou mais especialidades sem que as disciplinas levadas a contribuir para aquelas que a utilizam sejam modificadas ou enriquecidas. Estuda-se um objeto de estudo sob vários ângulos, mas sem que tenha havido antes um acordo prévio sobre os métodos a seguir e os conceitos a serem utilizados. No nível pluridisciplinar o agrupamento das disciplinas se faz entre aquelas que possuem algumas relações entre si, visando à construção de um sistema de um só nível e com objetivos distintos, embora excluindo toda coordenação. No sistema multidisciplinar uma gama de disciplinas é proposta simultaneamente para estudar um objeto sem que apareçam as relações entre elas. No sistema pluridisciplinar justapõem-se disciplinas situadas no mesmo nível hierárquico de modo que se estabeleçam relações entre elas. Em relação à interdisciplinaridade tem-se uma relação de reciprocidade, de mutualidade, em regime de copropriedade que possibilita um diálogo mais fecundo entre os vários campos do saber. A exigência interdisciplinar impõe a cada disciplina que transcenda sua especialidade, formando consciência de seus próprios limites para acolher as contribuições de outras disciplinas. A interdisciplinaridade provoca trocas generalizadas de informações e de críticas, amplia a formação geral e questiona a acomodação dos pressupostos implícitos em cada área, fortalecendo o trabalho em equipe. Em vez de disciplinas fragmentadas, a interdisciplinaridade postula a construção de interconexões, apresentando-se como arma eficaz contra a pulverização do saber. Em relação à transdisciplinaridade, termo cunhado por Piaget, se prevê uma etapa superior que eliminaria, dentro de um sistema total, as fronteiras entre as disciplinas. O movimento pós-moderno se utiliza do paradigma transdisciplinar. (JAPIASSU, 1976). O tema da interdisciplinaridade apresenta nos textos publicados nos últimos anos as seguintes linhas centrais do debate: • as bases fisiológicas e epistemológicas da prática interdisciplinar para as ciências em geral e para as ciências sociais em particular; 94 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II • a interdisciplinaridade como proposta de organização do ensino e da pesquisa em Serviço Social; • as práticas interdisciplinares em campos específicos de atuação do Serviço Social; • as bases filosófico-políticas do pluralismo como exigência de uma abordagem democrática à práxis científica e profissional. Nas relações interdisciplinares, é necessário impedir que interesses de múltiplas associações sigam no sentido da fragmentação corporativa ou particularista por meio do conflito entre a necessidade de uma vontade coletiva(ou segundo a abordagem gramsciana, de projetos com vocação hegemônica) e a conservação dessa multiplicidade, diversidade e pluralismo de sujeitos. As ciências são sempre aproximativas, não esgotam o real para o próprio desenvolvimento de nossa posição e, de modo geral, da ciência, precisamos da postura pluralista, com abertura para o diferente, respeito pela posição alheia. Essa posição nos leva a ficarmos atentos aos nossos próprios erros e limites, além de nos fornecer sugestões. Com base na diversidade, a formação de vontades e saberes coletivos – os quais possuem diferenciados níveis de consenso e convenção – requerem uma unidade interna dinâmica. Os projetos hegemônicos e o conhecimento científico em ciências sociais implicam essa formação. Os valores e concepções de mundo atravessam a produção de verdades nas ciências sociais e são objetivados a serem compartilhados intersubjetivamente por conjuntos de pessoas. Empenhar-se para elaborar uma consciência coletiva e considerar o ponto de vista do outro implica, muitas vezes, a conciliação com o ponto de vista contrário e, neste sentido, não se trata de ecletismo no mau sentido da palavra. Na área de saúde mental, por exemplo, visualizamos campos de saber envolvidos na teorização e nas novas práticas. Entre outras, podemos nos lembrar das seguintes disciplinas: • Filosofia e Epistemologia; • Psiquiatria; • Psicologia; • Psicanálise; • Sociologia; • o campo da saúde pública; • o campo das ciências políticas e institucionais. 95 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Lembrete Recorreremos ao entendimento de Segre e Ferraz (1997, p. 542): “Saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade”. A partir de diferentes classificações indicadas por Jupiassu (1976), podemos assim entender os conceitos e os níveis de prática interdisciplinar: Quadro 1 Prática interdisciplinar Conceito Níveis Multidisciplinaridade Conjunto de disciplinas a serem trabalhadas simultaneamente, sem que as relações existentes entre elas apareçam. É um tipo de sistema de um só nível, com objetivos comuns, mas sem nenhuma cooperação. Pluridisciplinaridade Associação de disciplinas para uma realização comum, mas sem modificar a visão das coisas ou das situações e os próprios métodos de cada disciplina. É um tipo de sistema de um só nível, objetivos múltiplos; com cooperação, mas sem coordenação. Interdisciplinaridade auxiliar Quando uma disciplina recorre ao emprego de metodologias de pesquisas próprias ou originais de outras áreas do conhecimento. É um tipo de sistema de dois níveis que admite um nível de integração ao menos teórico. Interdisciplinaridade Interação de duas ou mais disciplinas que pode ir da simples comunicação de ideias à integração mútua dos conceitos da epistemologia, da terminologia, dos procedimentos. É um tipo de sistema de dois níveis e objetivos múltiplos; tendência à horizontalização das relações de poder. Transdisciplinaridade Coordenação de todas as disciplinas sobre a base de uma axiomática; implica, além da cooperação entre as várias disciplinas, um entendimento que as organiza e ultrapassa. É um tipo de sistema de níveis e objetivos múltiplos; tendência à horizontalização das relações de poder. Em termos de profissões e campos de conhecimentos envolvidos, têm-se também profissões e áreas do saber que constituem “recombinações” de uma ou mais disciplinas. O Serviço Social é um desses casos, assim como a Enfermagem, a Terapia Ocupacional, a Educação Física, a Fonoaudiologia. Essas áreas integram equipes multiprofissionais de saúde mental. A integração buscada hoje, na área da saúde mental, está centralizada, sobretudo, no objetivo histórico de revisão dos paradigmas que reduziram e aprisionaram a loucura como objeto de um saber exclusivamente médico e de superação de formas assistenciais que apenas segregam, no sistema público de saúde, desrespeitando, assim, a cidadania do doente mental. O Serviço Social, assim como outras profissões e áreas do saber, constitui-se em recombinações de uma ou mais disciplinas, no que se refere a profissões e campos aplicados de conhecimento. Os 96 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II conflitos socioinstitucionais entre os saberes se dão diretamente na prática assistencial em instituições e organizações corporativas, em que esses saberes estão sedimentados. Precisamos ter clareza de que a proposta de interdisciplinaridade reconhece de forma dialética a necessidade de diferentes olhares para um mesmo objeto, ao constatar a complexidade dos fenômenos e a busca de uma integração que não interfira diretamente na autonomia e na criatividade interna de cada disciplina integrante, não podendo, assim, prescindir da especialização. Na atual conjuntura, os pactos sociais e científicos passam a ser internacionalizados, por meio da criação de blocos regionais de nações e da própria globalização. Assim, há a necessidade também de uma razão comunicativa e de um diálogo que sustentem a convivência humana e a gestão democrática no plano nacional e internacional. Não significa necessariamente uma imposição de um saber totalitário, quando se ampliam e integram em um campo de saber as diversas disciplinas em ciências sociais. Pelo contrário, estimula a visão do todo, uma abertura por meio do conhecimento mais ampliado, com suas especificidades mantidas. Para compreendermos os conflitos e processos de poder nas práticas interdisciplinares, devemos considerar quatro elementos básicos: • processo de inserção histórica na divisão social e técnica do trabalho e da constituição dos saberes como estratégia de poder; • mandato social sobre um campo específico; • institucionalização de organizações corporativas; • cultura profissional. Cada profissão tem a sua história, o seu mandato social, suas organizações por meio de conselhos, sindicatos, associações e uma cultura conforme a sociedade em que se insere, por meio de valores culturais, identidades sociais, preferências. As barreiras impostas – no que diz respeito à troca de saberes – às práticas interprofissionais colaborativas e flexíveis se dão pelo fato de a interdisciplinaridade conviver, na prática profissional, com um conjunto de estratégias de saber/poder, de competição e de processos institucionais e socioculturais muito fortes. As propostas de prática interdisciplinar precisam ser concebidas e analisadas com a devida consideração das estruturas históricas e institucionais. É fundamental, para uma análise crítica das práticas interdisciplinares, uma compreensão mais específica das identidades profissionais e da dinâmica da cultura. 97 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar As identidades construídas pelas categorias e grupos profissionais, assim como outras formas de identidade social, dão segurança e status por meio do estabelecimento dos padrões de competência e da organização dos dispositivos de ação. Como condições para que os profissionais se engajem em práticas interdisciplinares, é preciso que haja adesão às propostas de mudança de suas identidades convencionais. As condições de emprego, como um mínimo de reciprocidade quanto a salários dignos, condições de trabalho compatíveis e jornada de trabalho que evite o multiemprego, são fatores que influenciam o compromissocom o trabalho e o investimento em treinamento e supervisão. As estruturas históricas e instituições extremamente poderosas e complexas devem ser levadas em consideração na análise das propostas de prática interdisciplinar, pois possuem uma dinâmica própria que pode tender a uma resistência quanto aos processos de mudança técnica, social e política. Podem-se levar em consideração algumas sugestões para o desenvolvimento de propostas no trabalho multidisciplinar, conforme segue: • estimular a discussão de legislações profissionais em geral e do sistema ou área específicos de trabalho, assim como dos estatutos desses serviços, no intuito de descobrir brechas que permitam melhor distribuição de responsabilidades legais pela assistência entre diversos profissionais, o que possibilitaria, assim, a flexibilização dos mandatos sociais; • seleção de profissionais, recrutamento dos que se identificam politicamente com projeto assistencial inovador, que possuam flexibilidade e competência para o desenvolvimento do trabalho de acordo com a prática proposta; • criar, entre os trabalhadores da equipe, uma vontade política que seja a mais consensual possível em torno de um projeto teórico, político e assistencial que contemple novas perspectivas e experiências concretas. Um projeto político-assistencial que seja fundamental para a criação de balizas mais gerais de orientação e avaliação, em termos profissionais, que esteja acima das veleidades e particularidades das categorias ou subgrupos profissionais; • estimular a negociação constante nas relações institucionais do serviço, uma estrutura democrática, mecanismos de discussão e decisão horizontais, sem privilégios corporativos, o que não significa, de modo algum, democratismo ou complacência generalizada, tornando, assim, difícil a prestação de contas e a cobrança dos deveres de cada um; • criação de dispositivos grupais e institucionais, possibilitando aos profissionais que reconheçam suas fragilidades, limites de sua abordagem, troca de experiências. A supervisão pode ter uma função importante na implementação da democratização das equipes e da interdisciplinaridade; • em relação à estrutura institucional, é importante a criação e a negociação de dispositivos de defesa e autonomia relativas dentro do serviço, no que diz respeito a cobranças corporativas, administrativas e institucionais conservadoras que venham de fora, propiciando, assim, um clima 98 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II de maior segurança interna para a ousadia e experimentação de novos dispositivos técnicos, assistenciais e éticos; • reconhecer a importância da conexão de ensino e pesquisa aos novos serviços; • constituir um processo mais coletivo no estabelecimento de metodologias, técnicas e abordagens; • ouvir os usuários e, quando for o caso, os familiares destes, prevendo mecanismos de escuta e participação ativa. No cotidiano institucional ou empresarial, os profissionais de diferentes áreas enfrentam relações cuja qualidade interfere no alcance dos resultados, pois são culturas profissionais diversas objetivando propósitos comuns. Os profissionais de Serviço Social nas empresas estão inseridos em equipes interdisciplinares e/ou multidisciplinares. Conforme citado, nos projetos desenvolvidos pelos assistentes sociais, o trabalho interdisciplinar é feito em uma abordagem preventiva, diminuindo o enfoque da abordagem individual, gerando crescimento tanto profissional quanto em relação aos resultados para os usuários ou funcionários atendidos. Em uma pesquisa, um dos profissionais de Serviço Social empregado de uma empresa de economia mista relatou que as ações, antes, eram mais voltadas para possíveis resoluções de problemas. Atualmente, há um novo campo de ação para a área, em educação continuada, desenvolvimento de pessoas, equipe interdisciplinar, inserção nos recursos para trabalhar a qualidade de vida, autogestão, desenvolvimento e empregabilidade. Podemos constatar que as empresas, atualmente, adotam princípios com fortes traços de cooperação, harmonia, confiança e comprometimento; possibilitam e abrem espaço para um trabalho em equipe com abordagem interdisciplinar. Em nossa profissão é muito importante o investimento no aperfeiçoamento, para estarmos aptos a trabalhar com novas situações colocadas em nosso cotidiano profissional. Assim, investindo na nossa qualificação profissional, poderemos preservar nossos espaços de atuação e legitimar nossa prática profissional. Em um mesmo ambiente de trabalho, a multidisciplinaridade, mesmo não sendo uma prática caracterizada pelo intercâmbio, pode ser expressa pela pacificidade. Quanto à interdisciplinaridade, esta necessariamente implica uma relação de sujeitos: reciprocidade, discussão, trocas entre especialistas das profissões envolvidas no contexto, respeito pela visão de mundo do outro, ampliação da consciência crítica do conjunto. Para um bom trabalho interdisciplinar, devemos procurar sempre aprender a escutar o outro. O ato de escutar e respeitar o outro leva ao mútuo enriquecimento e é determinante para que o profissional se torne hábil no enfrentamento das questões a serem analisadas conjuntamente por diferentes profissionais. 99 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Precisamos ter consciência da realidade das instituições e empresas que tendem a cobrar especificidade e valorizar os profissionais por isso e podemos contribuir para uma ação interdisciplinar diante das diferentes situações de maneira efetiva e competente. A formação em Serviço Social permite uma visão ampla no enfrentamento do genérico, e, considerando que diferentes profissionais estão presentes nas relações de trabalho, é de se esperar diversidade de relações diante de várias situações. Cabe o reconhecimento de que a interdisciplinaridade determina a cada disciplina a tarefa de transcender sua especialidade e acolher contribuições de outras disciplinas. 6 REESTRUTURAÇÃO NOS BANcOS E AÇÃO DO SERVIÇO SOcIAL Como previamente analisado por nós, a natureza humana tem passado por diferentes e intensificadas transformações (biológicas e sociais), as quais afetam de maneira direta ou indireta as seguintes áreas: • desenvolvimento; • território; • psicologia; • física; • cultural; • ambiental; • entre outras. No entanto, essas ações não acontecem de maneira isolada, e ao entendermos sob esta ótica, ou seja, ao acatarmos que fatores externos influenciam as características do ser humano e sua socialização (relações sociais), temos de ficar atentos às mudanças, sobretudo, às estruturais. Como exemplo, temos, nos primórdios, a população indígena, que age para promover o bem coletivo e a proteção de todos os que fazem parte do grupo instituído, mas, no decorrer da historicidade humana, os interesses individuais não atingem o objetivo coletivo. O homem tem a capacidade de transformar conscientemente objetos para satisfazer seus desejos (pessoais ou não) e intensifica cada vez mais a necessidade de transformar-se. Esse desejo é potencializado pelo mercado de consumo, já que o valor do homem está no que ele tem, e não no que ele é. Ao refletir que variações ocorridas foram necessárias para gerar condições de sobrevivência, foi preciso “ajustar” a necessidade do capital à sociedade, sendo isso conotado como medida protetiva de sua espécie. Por que isso é possível? Pelo fato de o ser humano possuir a capacidade teleológica, ou seja, de prever, planejar seus objetivos, a ação, e caracterizá-la antes de acontecer, provocando uma ação “refletida” e não imediatista.Infelizmente, porém, tal prática caiu em desuso por diversos profissionais. 100 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II Indo ao encontro do mundo dos desejos, Dupas (2001, p. 29) coloca que “as ideias apresentam anseios humanos e exercem um poder decisivo na história”. Idealizamos aquilo que queremos possuir de maneira concreta e, possivelmente, abstrata. Tal modo de agir, e até mesmo de pensar, pode estar associado à globalização. A globalização foi-se preparando nesses dois processos anteriores por meio de uma intensificação das dependências recíprocas (BECK, 1998), do crescimento e da aceleração de redes econômicas e culturais que operam em escala mundial e sobre uma base mundial. Mas foram necessários os satélites e o desenvolvimento de sistemas de informação, manufatura e processamento de bens com recursos eletrônicos, o transporte aéreo, os trens de alta velocidade e os serviços distribuídos em nível planetário para que se construísse um mercado mundial, onde o dinheiro e a produção de bens e mensagens se desterritorializassem, as fronteiras geográficas se tornassem porosas e as alfândegas fossem muitas vezes inoperantes. Ocorre nesse momento uma interação mais complexa e interdependente entre focos dispersos de produção, circulação e consumo [...]. Longe de mim sugerir um determinismo tecnológico; quero apenas demonstrar o papel facilitador da tecnologia. Na verdade os novos fluxos comunicacionais informatizados geraram processos globais ao se associarem a grandes concentrações de capitais industriais e financeiros, com a flexibilização e eliminação de restrições e controles nacionais que limitavam as transações internacionais (CANCLINI, 2007, p. 42). A globalização não aconteceu (e não acontece) isoladamente ou temporariamente, e sim como um fenômeno que só foi possível com a tecnologia, a comunicabilidade e a interdependência dos países, sob a ótica do acúmulo da riqueza, da concentração do poder e da economia. A globalização influenciou os povos em diversos aspectos, por exemplo: • político; • cultural; • educacional; • de saúde; • familiar; • de trabalho; • de meios de produção; • entre outros. 101 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Além disso, a globalização, sucintamente, é a interação global (de diversos países), sendo marcada pelas características de quebra de fronteiras, unificação econômica e influência do capitalismo, que gera a acentuação das desigualdades em diferentes campos, avanços da tecnologia e pesquisas. É preciso perguntar: se a globalização existe, provavelmente beneficie alguém, mas quem? Alguns estudiosos economistas defendem que os grandes beneficiários dela sejam: • países desenvolvidos, com grandes economias de exportação, mercado interno e presença mundial cada vez maior, ou seja, influentes mundialmente. Também trouxe alguns aspectos positivos para a sociedade, como: • a internet, permitindo maior facilitação na comunicabilidade com pessoas de qualquer parte do mundo, assim, aproximando os povos e as famílias; • novos estudos em diversas áreas, promovendo a discussão de assuntos de interesse coletivo; • melhoramento do transporte. Contudo, por estar associada ao capitalismo, a globalização acentua o crescimento desigual da sociedade, pois nem todos têm o mesmo acesso; o que diferencia é o poder de compra e o real interesse no processo. Para satisfazer o mercado, é proposta a quebra de fronteiras da economia na globalização que, por sua vez, intensifica o comércio internacional, potencializando a mudança dos hábitos de consumo de quase todos os povos do mundo, e, por consequência, o governo começa a rever suas políticas econômicas. Ao mesmo tempo, isso influencia as instituições bancárias que se internacionalizam e buscam a hegemonia do mercado consumidor, com o intuito do aumento do lucro, quando todas as transações financeiras passam a ser feitas com a mediação dos bancos; por exemplo, grande parte das organizações solicita ao empregado que tenha conta em determinado banco para pagamento do salário e outros benefícios; com isso, o colaborador, em muitos casos, precisa recolher taxas sobre as transações realizadas. Quando abordamos trocas de hábitos de consumo, falamos, por exemplo, de veículos automotores, criados como meio de transporte mais rápido e individualizado para o consumidor e que, atualmente, são considerados como artigo de luxo, com acessórios para atrair maior número de consumidores, que, por vezes, preferem comprar um determinado modelo por conta destes, perfazendo a ideia de trocar na mesma medida em que o mercado faz outro lançamento de modelo. Com esse mercado consumidor, os países não se limitam ao mercado interno, pois podem exportar produtos para outros países, bem como comprar tecnologias que não fabricam, uma constatação admitida até na China. Há pouco tempo, este país era o maior exemplo de economia fechada, e hoje é campeão de captação de investimentos estrangeiros, de olho em um mercado de 1 bilhão de consumidores exacerbados; por características peculiares e nem sempre elogiáveis, pode lançar produtos com grande 102 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II poder de competição no mercado externo. Tal expansão visa ao aumento do lucro, que é o que move a arena dos mercados. A guerra é cada vez mais econômica, e o campo de batalha é o mercado mundial altamente globalizado. A invasão atual se dá instantaneamente on-line, via redes mundiais de computadores. Segundo alguns cientistas políticos, a globalização é o movimento sobre o qual se constrói o processo de ampliação da hegemonia econômica, política e cultural ocidental das nações. Os interesses nela colocam o aumento da lucratividade e da expansão do mercado consumidor em primeiro plano, e somente depois se articula o pensamento coletivo, ou seja, a influência negativa que este estabelece na população que não faz parte do empresariado. Por haver interesses de cunho econômico, as articulações societárias também são influenciadas por tais preceitos, não permitindo uma participação consciente, autônoma, reflexiva e desprendida de interesses individuais do ser humano no interior das suas sociedades, pois estes são vistos como consumidores e possíveis geradores de lucro, e não como cidadãos, sujeitos de direitos, com necessidades. Com tal perspectiva de sobreposição do interesse individual sobre o coletivo, a economia no melhoramento de questões sociais fere diretamente os direitos legalmente instituídos em um Estado Democrático de Direito, provocando a diminuição de suas ações, direcionando-as de acordo com o interesse do capital/mercado, intensificando a exclusão social de maneira geral, bem como seus reflexos. Diante de tudo o que discutimos neste item, ainda é possível reconstruir e organizar uma sociedade com cidadania plena e participativa? Ao nos respaldarmos na Constituição Federal de 1988 para esta reflexão, nos deparamos com os fundamentos do país: Art. 1º – A República Federativa do Brasil, [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988). Constitucionalmente o artigo citado colocaa soberania do Estado, ou seja, poucos (representantes) pensando por muitos; talvez não seja a melhor forma de democracia. Tal lei posta também o trabalho como valor social, entretanto com livre-iniciativa, denotando visão capitalista. 103 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). O bojo do artigo 3º é composto por objetivos que levam a entender que o foco de atuação é a igualdade, mas indiretamente também coloca a questão industrial quando fala sobre o desenvolvimento. Art. 4º – A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (BRASIL, 1988). No artigo 4º, há uma contradição ao discursar “independência nacional” com o modelo econômico vigente, visto que não existe esse preceito, pois, como vimos no decorrer deste livro-texto, vivemos sob a dependência, principalmente, mercantil. Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. [...] (BRASIL, 1988). No artigo 5º, é posto claramente que somos iguais perante a lei, independentemente de características, mas será que é isso é respeitado na prática? Como técnicos, compactuamos com a igualdade ou com a desigualdade no cotidiano profissional? Estabelece também a inviolabilidade da propriedade, favorecendo 104 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II os grandes latifundiários (donos de grandes áreas); estes fazem parte dos nossos representantes, logo precisam proteger os interesses pessoais. “Art. 6o – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988). O artigo 6º é um dos mais interessantes para nossos estudos, pois afirma como direito dez áreas, cabendo uma reflexão: se é direito, de quem é o dever de sua promoção? A Constituição colocará para cada item suas formas de efetivação. Os artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11 colocam as questões direcionadas aos trabalhadores. O artigo 14 direciona a área política e, neste, vemos um retrocesso quanto à cidadania, à autonomia e à liberdade, ao colocar a obrigatoriedade do voto aos maiores de 18 anos não igualando os analfabetos e maiores de 70 anos na condição de representantes do povo, pois o voto dessa população é facultativo, bem como o dos que têm entre 16 e 18 anos. No artigo 144, são postas questões de segurança, bem como seus representantes e respctivas responsabilidades. Art. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares (BRASIL, 1988). É um direito de todos ter acesso a serviços que levem à segurança pública, bem como dever do Estado a prestação destes serviços; entretanto, a sociedade também é responsabilizada na sua dinâmica. No artigo 193, temos: “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Aqui evidenciamos a responsabilidade que é posta ao trabalho, mas e quanto às pessoas que não o possuem? O artigo 194 dispõe que a “seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Então a seguridade, que tem seu tripé formado por saúde, previdência e assistência social, mais uma vez discursa como direito e não explicita de quem é o dever da promoção. O parágrafo único complementa: 105 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento (BRASIL, 1988). Vamos direcionar as observações ao inciso III, que estabelece “seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços”, ou seja, os benefícios e serviços não são para todos. No artigo 196, temos no texto que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Inova quando dispõe o aspecto de proteção (prevenção) como um dever do Estado e não coloca condições de uso. O artigo 201 traz em seu bojo a previdência social, que tem como beneficiários somente os contribuintes, ou seja, não é para todos, “será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei”. Nos artigos 203 e 204, temos a direção para a assistência social: Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204 – As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: 106 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia/V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I – despesas com pessoal e encargos sociais; II – serviço da dívida; III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados (BRASIL, 1988). Como observamos, é colocada como direito de todos a quem dela precisar, mas por qual motivo “selecionar” os beneficiários de uma lei que deveria ser para todos? É o que acontece costumeiramente, visto que, como muitos programas e serviços, selecionam muitos que precisam, mas não se “enquadram” no perfil dos atendidos, permeando o não acesso. Do artigo 205 ao 214, temos o assunto atrelado à educação; no 215 e no 216 à cultura; e no artigo 217, ao desporto. Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...] Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. [...] Art. 217 – É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento; 107 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional (BRASIL, 1988). A educação é colocada como direito de todos e dever do Estado e da família, responsabilizando, mais uma vez, o cidadão. A inclusão não depende somente de ter vaga na organização escolar. Quanto ao acesso à cultura, é de responsabilidade do Estado sua garantia, entretanto é necessária a promoção do interesse pela cultura, pois não temos esse hábito; já em se tratando do esporte, é direito singular sua prática, e dever do Estado sua fomentação. Voltando à questão da globalização, temos de entender que ela trouxe a política neoliberal e, com isso, a redução de despesas públicas que seriam destinadas a setores como saúde, assistência e previdência social; a flexibilização de direitos trabalhistas; desemprego estrutural; aumento da desigualdade; reflexos da exclusão social; e a grande intensificação da diferença entre as camadas sociais; além da privatização de instituições bancárias. Ao ser imposta a lógica competitiva das relações mercantis (bancos), visando à ascensão produtiva e econômica dos detentores do meio de produção, por consequência, temos também uma sociedade competitiva, ou seja, que não consegue ver o outro como igual, e sim como adversário, alimentando o desejo de destruição. Observação O neoliberalismo é um conjunto de ideias que defende um mercado livre e global, em oposição ao keynesianismo. Os neoliberais enfatizavam a abertura da economia com a liberação financeira e comercial. Diante do problema exposto quanto à formação da cidadania plena e autônoma em um ambiente globalizado, faz-se necessária uma prática complexa e não superficial direcionada aos princípios fundamentais estabelecidos em nosso Código de Ética de 1993. Essa nova arquitetura do Estado-nação que, segundo Tostes (2004, p. 57), é “uma estratégia de institucionalização de identidade de uma certa coletividade”, tem sido influenciada e moldada por outra consequência vinda do crescimento tecnológico da modernidade globalizada, ou seja, a falta de parâmetros conceituais para explicar os acontecimentos vivenciados no presente, pois os significados de clássicos conceitos, como liberdade, igualdade, soberania, entre outros, já não é mais algo absoluto ou estático; antes, foram relativizados em uma época de insegurança e incerteza permanentes. Somos “lançados em um vasto mar aberto, sem cartas de navegação e com todas as boias de sinalização submersas e mal visíveis” (BAUMAN, 1999, p. 93). 108 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II Os que apoiam a globalização na relação mercantil a associam diretamente com o progresso (termo amplo e diferenciado, dependendo do sujeito), mas cabe uma pergunta: o que é exatamente progresso? Numa visão capitalista, é o mercado gerando produtos para o consumo, não preocupado com os reflexos da questão social, e sim com o empoderamento dos meios de produção e crescimento do lucro, prática bastante difundida entre os bancos. Mas como pensar em progresso na medida em que, para muitos, lhes são comprometidos a dignidade, a cidadania, a identidade, as relações e o próprio ser humano? Lembre-se de que uma nação justa em todos os aspectos se faz de estruturas bem-solidificadas, seja no social, no econômico, na saúde, na educação, na segurança, no lazer e na cidadania, que, juntos, formam o que chamamos de vida plena, porém em conjunto com a população. Podemos fazer uma analogia dos interesses bancários, do empresariado em relação ao território, pois, de acordo com o texto “O Dinheiro e o Território”, a “geograficidade se impõe como condição histórica [...] a partir do conhecimento do que é o território” (SANTOS, 2007, p. 13), ou seja, “a geograficidade, como essência define a relação do ser-no-mundo e não do ser-no-espaço” (HOLZER, 1997, p. 80). Desta forma, este conceito atrela-se à construção histórica da qual o indivíduo é acometido, na medida em que se relaciona com o mundo, a partir de um território que se trata do “lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência” (SANTOS, 2007, p. 13). Na medida em que o indivíduo verifica a possibilidade de obter rendimentos com a comercialização do excesso produzido, surge, em seu cotidiano, o dinheiro e uma contradição: “o dinheiro, que tudo busca desmanchar, e o território, que mostra que há coisas que não se podem desmanchar” (SANTOS, 2007, p. 13). O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. [...] tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade (SANTOS, 2007, p. 14). Para Sack (1983), território é a área geográfica em que um indivíduo ou grupo influencia objetos, pessoas e relacionamentos existentes, ou seja, com o intuito de controlá-la, sendo uma categoria de análise. Completando o direcionamento de Milton Santos, dessa forma, trata-se de um território utilizado, o qual possui uma identidade que é “o sentimento de pertencer àquilo quenos pertence [...]. Assim, é o território que ajuda a fabricar a nação, para que a nação depois o afeiçoe” (SANTOS, 2007, p. 14). Nesse momento, o dinheiro aparece em decorrência de uma vida econômica tornada complexa, quando o simples escambo já não basta, e, ao longo do tempo, 109 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar acaba se impondo como um equivalente geral de todas as coisas que existem e são, ou serão, ou poderão ser, objeto de comércio. Desse modo, o dinheiro pretende ser a medida do valor que é, desse modo, atribuído ao trabalho e aos seus resultados (SANTOS, 2007, p. 14). Milton Santos (2007, p. 14-5) faz um apontamento interessante na medida em que “num primeiro momento há um dinheiro local, expressivo de contextos geográficos limitados e de um horizonte comercial limitado. Era o tempo de um mundo cuja compartimentação produzia alvéolos que seriam quase autocontidos”, ou seja, tinha rotatividade local, pois o território era influenciado somente pelos resquícios do saber do sítio, porque então as técnicas eram de alguma forma herdeiras da natureza circundante ou um prolongamento do corpo. Elas eram ao mesmo tempo o resultado desse afeiçoamento do corpo à natureza e desse comando da natureza sobre a história possível, de tal maneira que a tecnicidade, a partir dos objetos fabricados além do corpo, era limitada (SANTOS, 2007, p. 15). Pode-se visualizar que “a vida material de algum modo se impunha sobre o resto da vida social” (SANTOS, 2007, p. 15), e nessa influência a terra começa a ganhar valor comercial, pois “o valor de cada pedaço de chão lhe era atribuído pelo próprio uso desse pedaço de chão [...], o território assim delineado rege o dinheiro; o território era usado por uma sociedade localizada, assim como o dinheiro” (SANTOS, 2007, p. 15). Na medida em que a comercialização foi crescendo, houve paralelamente “a interdependência crescente entre sociedades, com a produção de um número maior de objetos e de um número maior de valores a trocar, a complexificação do dinheiro, com o alargamento do seu uso e da sua eficácia” (SANTOS, 2007, p. 15). Entretanto, era preciso determinada segurança nessas trocas e, nesse momento, o “dinheiro começa sua trajetória como informação e como regulador” (SANTOS, 2007, p. 15). Cria-se o Estado territorial, o território nacional, o Estado nacional, que passam a reger o dinheiro. [...] É evidente que o dinheiro nacional sofre modulações internacionais. [...] Mais profundamente a partir da presença forte do Estado, esse dinheiro é representativo das relações então profundas entre Estado territorial, território nacional, Estado nacional, nação. Era um dinheiro relativamente domesticado, o que era feito dentro dos territórios (SANTOS, 2007, p. 16). Com a facilitação da troca de informações entre pessoas e empresas, as relações “permitem que as mais diversas técnicas se comuniquem” (SANTOS, 2007, p. 17) e, nesse ponto, causa dependência e distância cada vez mais aos indivíduos, pois as relações ficam intermediadas por aparelhos tecnológicos, quais sejam, televisão, telefone, internet, entre outros. Essas técnicas da informação que, afinal, a partir do planeta, produzem um mundo (e é por isso que se fala de globalização), e que nos levam à ilusão 110 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Unidade II da velocidade como matriz de tudo, como necessidade indispensável e que certamente criam uma fluidez potencial transformada nessa fluidez efetiva a serviço de capitais globalizados, de tal modo que o dinheiro aparece como fluido dos fluidos, o elemento que imprime velocidade aos outros elementos da história. No entanto, se o dinheiro que comanda é dinheiro global, o território ainda resiste. [...] Em outras palavras, o território também pode ser definido nas suas desigualdades a partir da ideia de que a existência do dinheiro no território não se dá da mesma forma. [...] Mas, sobretudo, o comando se dá a partir do dinheiro global (SANTOS, 2007, p. 17). Logo, “o dinheiro aumenta sua indispensabilidade e invade os mais numerosos aspectos da vida econômica e social [...]. O dinheiro é, cada vez mais, um dado essencial para o uso do território” (SANTOS, 2005, p. 99). Mas quem sustenta esse dinheiro? [...] é sustentado por operações da ordem da infraestrutura. É um dinheiro sustentado por um sistema ideológico. Esse dinheiro global é o equivalente geral dele próprio. E por isso ele funciona de forma autônoma e a partir de normas (SANTOS, 2007, p. 17). Ainda de acordo com Santos (2007, p. 18), vivemos em uma era de ditaduras, pois “a ditadura do dinheiro não seria possível sem a ditadura da informação”. No texto solicitado para análise, o autor faz uma comparação do momento contemporâneo com o da década de 1980, pois “há 25 anos, empolgava-nos a assimilação da diferença entre o veraz e o não verdadeiro, entre a aparência e a existência, entre o ideológico e o real” (SANTOS, 2007, p. 18). Atualmente a globalização promove [...] um mercado avassalador, dito global, é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado (SANTOS, 2005, p. 19). As empresas buscam maior mercado consumidor e assumem a lógica da competitividade; para isso, adotam medidas que têm como resultado seu crescimento e adotam o sistema de fusões (produção material e de informação). “Essas fusões reduzem o número de atores globais e, ao mesmo tempo, a partir da noção de competitividade, conduzem as empresas a disputarem o menor espaço, a menor fatia do mercado” (SANTOS, 2007, p. 18). Mas o Estado não pode ser a inteligência que as empresas precisam, pois [...] essas lógicas individuais necessitam de uma inteligência geral, e essa inteligência geral não pode ser confiada aos Estados, porque estes podem 111 SS OC - R ev isã o: Vi rg in ia /V al er ia - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 3/ 02 /1 4 Serviço Social em equipe multidiSciplinar decidir atender aos reclames das populações. Então, são esses governos globais, representados pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial, pelos bancos internacionais regionais, como o BID, pelo consenso de Washington, pelas Universidades centrais produtoras de ideias de globalização e pelas universidades subalternas que aceitam reproduzi-las (SANTOS, 2007, p. 19). Dessa forma, é preciso entender que o conteúdo do território é diferente de outros momentos da história, principalmente, com a globalização nas mais diferentes áreas, “seja o conteúdo demográfico, o econômico, o fiscal, o financeiro, o político” (SANTOS, 2007, p. 20). Essa instabilidade é visualizada nos territórios e na sociedade e os compõe, pois [...] a presença das empresas globais no território é um fator de desorganização, de desagregação, já que elas impõem cegamente uma multidão de nexos que são do interesse próprio, enquanto ao resto do ambiente nexos que refletem as suas necessidades individualistas, particularistas. Por isso, o território brasileiro se tornou ingovernável. E como o território é o lugar de todos os homens, de todas as empresas e de todas as instituições, o país também se tornou ingovernável, como nação, como Estado e como município (SANTOS, 2007, p. 20-1). Para reflexão, vale finalizar com a observação de que
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