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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FERNANDA CAMILA SINIGALIA SACCUCHI CAUSAS DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL CURITIBA 2016 FERNANDA CAMILA SINIGALIA SACCUCHI CAUSAS DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Adriana Coelho. CURITIBA 2016 TERMO DE APROVAÇÃO FERNANDA CAMILA SINIGALIA SACCUCHI CAUSAS DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba, de de 2016 Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito Orientadora: Professora Adriana Coelho Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito Professor: Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito Professor: Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho aos meus pais que estão sempre ao meu lado me apoiando e incentivando para que eu me torne uma pessoa melhor. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pela força, coragem e fé durante essa longa caminhada. Aos meus pais, que com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. À professora Adriana, pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão desta monografia. Agradeço também a todos os professores da Universidade Tuiuti do Paraná, que foram tão importantes na minha vida acadêmica. EPÍGRAFE “Peça a Deus que abençoe seus planos e eles darão certo”. (Provérbios 16:3) RESUMO Salienta-se que subsiste, hodiernamente, um vasto número de crimes cometidos por adolescentes, sendo considerados como atos infracionais. Tais condutas são penalizadas de acordo com o instituído no Estatuto da Criança e do Adolescente, que, dentre outras penalidades, dispõe acerca da advertência e da prestação de serviços à comunidade. Contudo, a ausência de um regramento jurídico mais severo implica na prática reiterada de crimes e contravenções, eis que sendo menores de dezoito anos, não serão penalizados na forma prevista no Código Penal, que, indubitavelmente, traz em seu bojo uma normatização menos branda. No entanto, oportuno mencionar que a ausência de uma legislação que imponha sanções mais severas as crianças e adolescentes não é o único fundamento para a prática reiterada de atos infracionais, eis que subsistem diversos outros motivos que ensejam a marginalização dos infantes, consoante restará demonstrado ao longo deste trabalho monográfico. Palavras-chave: Atos infracionais. Menor. Medidas sócioeducativas. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 8 2 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ACERCA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE......................................................... 9 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE........................................................................... 9 2.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO ATO INFRACIONAL............................... 12 3 A PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL.................................................... 15 3.1 PRINCÍPIOS INSCULPIDOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE..................................................................................... 15 3.1.1 Princípio da prioridade absoluta............................................................. 15 3.1.2 Princípio do melhor interesse do menor................................................. 16 3.1.3 Princípio da dignidade da pessoa humana............................................ 16 3.2 A BASE FAMILIAR................................................................................. 18 3.3 DADOS ESTATÍSTICOS........................................................................ 20 4 MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS........................................................... 23 5 CAUSAS DO ATO INFRACIONAL........................................................ 32 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 40 8 1 INTRODUÇÃO Hodiernamente, constata-se em diversos meios de comunicação, como, por exemplo, rádios, jornais de grande circulação, internet e noticiários televisivos a exposição de crianças e adolescentes a situações imbuídas de violência, desamparo social e miséria. Muitos menores conseguem se coadunar com a realidade fática vivenciada, seja em um ambiente violento ou com poucas condições sociais, mas, contudo, outras acabam se revoltando e, consequentemente, se marginalizando, tendo em vista ser, na concepção do menor, o melhor caminho a ser trilhado. Nesta toada, crianças e adolescentes acabam entrando para o mundo do crime e, assim, praticando diversas condutas contidas na lei penal incriminadora. Entretanto, não se deve olvidar que se trata de menores de dezoito anos e, portanto inimputáveis, nos moldes estabelecidos pelo artigo 104, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sendo inimputáveis, não praticam crimes propriamente ditos, mas sim atos infracionais, ainda que a conduta esteja descrita como crime ou contravenção penal, conforme dispõe o artigo 103, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim sendo, indubitavelmente, as medidas cabíveis para a penalização dos adolescentes encontram-se insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente, mormente em seu artigo 112, sendo denominadas como medidas sócioeducativas. Elide-se, portanto, a aplicabilidade das penas constantes no Código Penal Brasileiro e demais Leis Extravagantes. Diante disso, surge a seguinte indagação: tais medidas sócioeducativas possuem, efetivamente, o condão de reprimir o adolescente pela prática do ato infracional, ou serve apenas de aparato para estimulá-lo a cometer outros delitos, na medida em que não subsiste uma normatização mais severa para os crimes de grande potencial ofensivo? Ora, parece que não, eis que subsistem diversos fatores que ensejam demasiadamente a prática do ato infracional, tanto na órbita familiar, quanto na social, conforme restarádemonstrado ao longo do presente trabalho monográfico. 9 2 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ACERCA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Insta salientar, inicialmente, que na Idade Antiga a família romana regia-se pelo poder paterno marital, eis que o pai perfazia a figura da autoridade familiar, cabendo ao mesmo exercer o poder absoluto sobre seus filhos, independentemente da menoridade. Portanto, enquanto vivessem na casa dos genitores, os filhos não possuíam quaisquer direitos, sendo apenas objeto de relações jurídicas, conforme ensina Andréa Rodrigues Amin (2010). Paulatinamente, os direitos das crianças passaram a ser reconhecidos, mormente com o advento do Cristianismo, que, de acordo com Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 4), "(...) trouxe uma grande contribuição para o início do reconhecimento de direitos para as crianças: defendeu o direito à dignidade para todos, inclusive para os menores". Dentro do contexto brasileiro, a proteção aos menores restou instituída pela Igreja Católica, que, mediante a Roda dos Expostos, passou a albergar crianças vítimas de abandono. Contudo, conforme assevera Josiani Rose Petry Veronese (1999), "(...) na Casa dos Expostos, devido à escassez de recursos materiais e humanos, era grande o numero de crianças que não resistiam às precárias condições a que eram submetidas". O Decreto n.º 5.083/1926 foi o primeiro Código de Menores instituído no Brasil, trazendo em seu bojo uma normatização que albergava crianças expostas e abandonadas. Posteriormente, tal regramento jurídico foi substituído pelo Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, ocasião em que foi intitulado como Código Mello Mattos. A aludida legislação estabelecia que caberia a família suprir as necessidades fundamentais do menor, independentemente de sua condição financeira, consoante ensina Andréa Rodrigues Amin (2010). Além do mais, mediante uma análise mais acurada acerca dos Documentos Internacionais, muito embora a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra (1924) tenha sido a primeira normatização em reconhecer os direitos das crianças e dos adolescentes, o grande marco histórico foi a Declaração Universal dos Direitos 10 da Criança (1959), ocasião em que se ponderou a imprescindibilidade da proteção das crianças, conforme esclarece Andréa Rodrigues Amin (2010). Não se deve olvidar, ainda, que em 1941 foi instituído o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), que, de acordo com Irma Rizzini (1995), surgiu com o escopo de abrigar e distribuir os menores nos educandários, além de orientá-los e fiscalizá-los, instigando a iniciativa privada a criar mecanismos que visassem prestar assistência as crianças e adolescentes abandonados. Andréa Rodrigues Amin (2010) menciona que com o advento da Lei n.º 4.513/1964 restou instituída a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), ocasião em que o Estado passou a interferir com mais afinco nas questões atreladas a criança e ao adolescente. Nesta toada, Martha de Toledo Machado (2003, p. 27) dispõe que: Se no final do século XIX, início do século XX, já existiam casas públicas de custódia de crianças e adolescentes, por volta da década de 1960, com a criação da Funabem e das Febens estaduais, o Poder Pública passa a interferir de modo mais significativo na questão, ampliando quantitativamente o atendimento. Ademais, não se deve olvidar que com a promulgação da Lei n.º 6.697/1979 restou instituída a questão da liberdade assistida, conforme esclarece Marcos Antônio Santos Bandeira (2006, p. 153), senão vejamos: A liberdade assistida, pelo menos no seu aspecto estrutural, já era conhecida da legislação “menorista” e identificada como “liberdade vigiada” no Código Mello Matos, de 1927, todavia, já no Código de Menores de 1979 modificava a nomenclatura para “liberdade assistida”, todavia, sem perder as características essenciais de uma medida repressiva e expiatória, sem qualquer conteúdo pedagógico, pois alcançava o “menor com desvio de conduta”, nos termos do disposto no Art. 2º, V e VI c/c o Art. 38 do Código de Menores, que era “vigiado” e fiscalizado, nos mesmos moldes do que acontece com o imputável em relação ao sursis, sem que houvesse um programa de atendimento ou entidade responsável para promover ou orientar, socialmente, o adolescente, no sentido de afastá-lo do mundo da criminalidade, oportunizando-lhe ou criando condições para se tornar um cidadão. Nota-se, portanto, que no decorrer dos anos diversas legislações foram promulgadas com o escopo de regulamentar as situações de violência que envolva criança e adolescente, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Programas de incentivo também foram criados, como o Sistema Nacional Sócio educativo (SINASE). 11 Sobre o tema, Gabriel José Chittó Gauer, Silvio José Lemos Vasconcellos e Tácia Rita Davoglio (2012, p. 183/184) explicam que: São incontestáveis os avanços na legislação brasileira que foram conquistados ao longo dos anos no sentido de promover regramentos às ações destinadas ao enfrentamento de situações de violência envolvendo crianças e adolescentes e que estão em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, em especial, com acordos internacionais na área dos direitos da criança e do adolescente da qual o Brasil é um dos signatários, sendo o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) um exemplo disso. Mais especificamente na área da socioeducação temos o Sistema Nacional Socioeducativo (Sinase) que atua como uma política nacional, e, no Rio Grande do Sul, o Programa de Execução de Medidas Socioeducativas de Internação e Semiliberdade (PEMSEIS). Com o advento da Constituição Federal de 1988, restou consagrado no texto constitucional o princípio da proteção integral das crianças e adolescentes, notadamente em seu artigo 227. Tendo em vista que se encontram em situações de vulnerabilidades e, portanto, merecem um tratamento especial, faz-se necessário a criação de mecanismos que instrumentalizem sua proteção, conforme ensina Maria Berenice Dias (2015, p. 49/50). A consagração dos direitos de crianças, adolescentes e jovens como direitos fundamentais (CF 227), incorporando a doutrina da proteção integral e vedando referências discriminatórias entre os filhos (CF 227 § 6.º), alterou profundamente os vínculos de filiação. Como afirma Paulo Lôbo, o princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como pessoas em desenvolvimento, os faz destinatários de um tratamento especial. Daí a consagração constitucional do princípio que assegura a crianças, adolescentes e jovens, com prioridade absoluta, direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também são colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF 227). Hodiernamente, com o escopo de dar mais efetividade aos direitos das crianças e dos adolescentes, além da Constituição Federal de 1988, vige no ordenamento jurídico brasileiro a Lei n.º 8.069/1990, a qual traz em seu bojo, mormente em seu artigo 2.º, preceitos que os individualizam, eis que "Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade". Luiz Antonio Miguel Ferreira(2008, p. 10) dispõe acerca da importância da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente: 12 O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069, de 13.07.1990) proporcionou uma mudança significativa no que diz respeito ao direito do menor. Representou uma alteração de princípios, congregando as transformações ocorridas em nível nacional e internacional. Por conseguinte, Marcos Antônio Santos Bandeira (2006) menciona que tal distinção tem o desiderato de identificar aqueles que estão sujeitos a medidas sócioeducativas, elidindo-se, assim, sua aplicabilidade para os indivíduos que não se coaduna com a delimitação conceitual trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO ATO INFRACIONAL Há de se mencionar que o instituto do ato infracional perfaz um fenômeno antigo, eis que desde o período imperial já havia grande preocupação com as infrações cometidas por menores. Sob a égide das Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal passou a ser atribuída aos maiores de sete anos de idade. Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 5) explica que: Durante a fase imperial tem início a preocupação com os infratores, menores ou maiores, e a política repressiva era fundada no temor ante a crueldade das penas. Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos sete anos de idade. Dos sete aos dezessete anos, o tratamento era similar ao do adulto com certa atenuação na aplicação da pena. Dos dezessete aos vinte e um anos de idade, eram considerados jovens adultos e, portanto, já poderiam sofrer a pena de morte natural (por enforcamento). A exceção era o crime de falsificação de moeda, para o qual se autorizava a pena de morte natural para maiores de quatorze anos. Ressalta-se, ainda, que o Código Criminal do Império do Brasil de 1830 elidia a responsabilização dos menores de quatorze anos. Contudo, como o advento do Código Penal da República, mormente em 1890, passou-se a considerar como inimputável os menores de nove anos, ou, sendo maiores de nove anos e menores de quatorze anos, não obtivesse o discernimento necessário para agir, nos moldes explicitados por José Celso de Mello Filho (1999). Seguindo a mesma linha de raciocínio, Marco Antônio Cabral dos Santos (2010, p. 216/217) salienta que: A capacidade de "obrar com discernimento", presente nos dois códigos, era portanto o fator determinante de uma possível aplicabilidade das penas 13 sobre menores que estivessem na faixa dos nove aos 14 anos, sendo motivo de inúmeras polêmicas não só entre juristas, mas também entre os pais dos ditos "delinquentes", que na esperança de verem soltos seus filhos, de tudo faziam para comprovar a incapacidade mental e a consequente irresponsabilidade dos mesmos. Com o advento do Decreto 17.943-A/1927, ocorreram algumas ressalvas acerca das medidas punitivas para as crianças a adolescentes, conforme ensina Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 6). Já no campo infracional crianças e adolescentes até os quatorze anos eram objeto de medidas punitivas com finalidade educacional. Já os jovens, entre quatorze e dezoito anos, eram passíveis de punição, mas com responsabilidade atenuada. Foi uma lei que uniu Justiça e Assistência, união necessária para que o Juiz de Menores exercesse toda sua autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre, potencialmente perigosa. Nesta toada, nos moldes delimitados por Gabriel José Chittó Gauer, Silvio José Lemos Vasconcellos e Tácia Rita Davoglio (2012), até 1980 a única legislação que trazia em seu bojo um arcabouço protetivo acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes era a Lei n.º 6.697, de 10 de outubro de 1979, também denominada como Código de Menores, fazendo um apanhado dos atos delituosos, assim como de atitudes comportamentais do menor que ensejasse medidas de reeducação. Além do mais, não se deve olvidar que a Lei n.º 6.697/1979 adentrava-se na esfera do menor de forma demasiada, eis que a privação da liberdade não era aplicada apenas aos autores do ato infracional, mas também as crianças e adolescentes carentes. Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, o aludido contexto histórico sofreu algumas transformações, eis que o menor passou a ser consagrado como sujeito de direito, o que culminou o ápice de sua proteção integral. Sobre o tema, Paulo Eduardo Lépore e João Rafael Mião (2015, p. 160) esclarece que: Na vigência do Código de 1979, a privação da liberdade dos infantes por meio da aplicação de medida de internação era abrangente, pois poderia ser aplicada tanto aos autores de ato infracional, quanto às crianças e adolescentes carentes, em situação de abandono, sem qualquer distinção. [...] Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/90), 14 houve grande evolução no âmbito de proteção aos infantes, pois o ordenamento jurídico brasileiro passou a ser norteado pela Doutrina da Proteção Integral. A partir dessa mudança paradigmática, crianças e adolescentes passaram a ter status de sujeitos de direitos, posto serem considerados pessoas em situação peculiar de pessoa em desenvolvimento físico, psíquico e moral, conforme detalha o art. 227 da CF [...]. Neste diapasão, a Constituição Federal de 1988, com o desiderato de elidir a aplicabilidade do Direito Penal aos menores de dezoitos anos e, assim, sujeitá-los a uma normatização própria de responsabilização (Estatuto da Criança e do Adolescente), trouxe à baila, mormente em seu artigo 228, que, "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". Assim sendo, nota-se que o ato infracional vem delimitado no artigo 103, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo que "Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal". O ato infracional perfaz, portanto, a violação de normas que definem os crimes e contravenções, quando praticados por crianças ou adolescentes, consoante ensinam Bianca Mota de Moraes e Helane Vieira Ramos (2010). Válter Kenji Ishida (2015, p. 255) esclarece que "Dessa forma, a conduta delituosa da criança e do adolescente é denominada tecnicamente de ato infracional, abrangendo tanto o crime como a contravenção". 15 3 A PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL 3.1 PRINCÍPIOS INSCULPIDOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 3.1.1 Princípio da prioridade absoluta Denota-se que o artigo 4.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que caberá à família, à sociedade e ao Poder Público criar mecanismos que viabilizem a efetivação dos direitos inerentes as crianças e aos adolescentes. Trata- se, portanto, do princípio da prioridade absoluta. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Neste diapasão, urge mencionar que, indubitavelmente, as criançase adolescentes devem estar sempre à frente na escala de preocupação da sociedade, da família e do Estado, eis que as necessidades dos menores devem ser supridas antes de qualquer outra, conforme ensina Wilson Donizeti Liberati (1991, p. 30). Sobre o princípio da prioridade absoluta, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 53) explica que: Tal princípio está reafirmado no art. 4º do ECA. Neste dispositivo estão lançados os fundamentos do chamado Sistema Primário de Garantias, estabelecendo as diretrizes para uma Política Pública que priorize crianças e adolescentes, reconhecidos em sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Nesta toada, Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 20) menciona que "Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse infanto- juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o 16 interesse a tutelar em primeiro lugar (...)" 3.1.2 Princípio do melhor interesse do menor Inicialmente, importante mencionar que o princípio do melhor interesse da criança encontra-se insculpido no artigo 5.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual traz em seu bojo que "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais". Sobre o tema, Paulo Lôbo (2011, p. 75) explica que: O princípio do melhor interesse significa que a criança — incluído o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança — deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade. Assim sendo, com o advento do princípio do melhor interesse, a criança e o adolescente deixaram de ser considerados meros objetos, transformando-se em sujeitos dotados de proteção legal, cujos direitos que lhes são inerentes possuem absoluta prioridade quando comparado aos demais membros, conforme esclarece Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008). 3.1.3 Princípio da dignidade da pessoa humana Indubitavelmente, o princípio da dignidade da pessoa humana mostra-se um instituto de suma importância no ordenamento jurídico pátrio, eis que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. O artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal, assim estabelece: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...] 17 Nesta toada, Rolf Madaleno (2013, p. 45) corrobora os fatos acima articulados, mencionando que os direitos atinentes à criança e ao adolescente, ora insertos no artigo 227, da Constituição Federal, como, por exemplo, educação, lazer e respeito, perfazem garantias mínimas de vida, os quais devem ser obrigatoriamente observados, na medida em que atuam no desenvolvimento físico e mental do menor. A dignidade humana é princípio fundamental na Constituição Federal de 1988, conforme artigo 1°, inciso III. Quando cuida do Direito de Família, a Carta Federal consigna no artigo 226, § 7°, que o planejamento familiar está assentado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Já no artigo 227, prescreve ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, pois que são as garantias e os fundamentos mínimos de uma vida tutelada sob o signo da dignidade da pessoa, merecendo especial proteção até pelo fato de o menor estar formando a sua personalidade durante o estágio de seu crescimento e desenvolvimento físico e mental. O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe acerca do tema em seu artigo 18, estabelecendo que "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor". Neste passo, extrai-se do artigo acima colacionado que as crianças e adolescentes devem ser tratadas de forma digna, respeitosa, cuja obrigação impõe- se a toda a sociedade, de modo indistinto, conforme leciona Luiz Antonio Miguel Ferreira (2008). Sobre o princípio em espeque, Francismar Lamenza (2012, p. 27) explica que: A dignidade reside essencialmente em aspectos basilares da vida de nossas crianças e adolescentes. São fundamentais para uma vida digna saúde, alimentação, água potável, vestuário, moradia, paz espiritual, educação e renda. São elementos aparentemente de simplicidade para o observador, mas de caráter essencial para que todos os demais direitos daí derivem. Derradeiramente, Maria Berenice Dias (2015) explica que o princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta o Estado Democrático de Direito, sendo considerado, inclusive, como um macroprincípio, na medida em que todos os demais 18 princípios dele se irradiam. 3.2 A BASE FAMILIAR Inicialmente, vale mencionar que a família é à base do indivíduo, eis que é por meio dela que o menor se desenvolverá, cujo ambiente deverá ser dotado de carinho, afeto e respeito. Sob este prisma, o artigo 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe acerca da convivência familiar: Art. 19 Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Nesta toada, Válter Kenji Ishida (2015, p. 45) traz à baila o instituto da convivência familiar, que: Pode ser conceituado atualmente como o direito fundamental da criança e adolescente a viver junto à sua família natural ou subsidiariamente à sua família extensa. Trata-se de uma ampliação do previsto no art. 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) que prevê o direito da criança em não ser separada dos pais contra a vontade dela. Sob este enfoque, insta salientar que, nos moldes delimitados por Marcia Maria Silva Lopes de Carvalho (2015, p. 186). "A família ainda é o lugar mais seguro para crescer, lugar de origem da história pessoal e espaço no qual acontecem às relações mais espontâneas". Neste diapasão, cumpre mencionar que à proteção à criança e ao adolescente encontra amparo constitucional, cabendo à família, à sociedade e ao Estado, criar mecanismos que resguardem, efetivamente, os direitos que lhes são inerentes. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Corroborando os fatos acima articulados, Andréa Rodrigues Amin (2010, p. 19 11) assevera que: A Carta Constitucional de 1988, afastando a doutrina da situação irregular até então vigente, assegurouàs crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, direitos fundamentais, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever legal e concorrente de assegurá-los. Não se olvide, inclusive, que a aludida proteção encontra amparo no item 11, das Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, senão vejamos: 11. Como a família é a unidade central encarregada da integrarão social primária da criança, deve-se prosseguir com os esforços governamentais e de organizações sociais para a preservação da integridade da família, incluída a família numerosa. A sociedade tem a obrigação de ajudar a família a cuidar e proteger a criança e garantir seu bem-estar físico e mental. Deverão ser prestados serviços apropriados, inclusive o de creches diurnas. Oportuno mencionar, ainda, que o artigo 229, da Constituição Federal, dispõe que "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Nesta toada, não se deve olvidar que "(...) a educação é sempre uma tarefa pessoal dos pais, que não podem ser substituídos por uma fantasmática escolarização precoce, nem pelo assessoramento pedagógico (...)", consoante leciona Jorge Trindade (1993, p. 78). Sendo assim, nota-se que a ação dos genitores na educação dos menores mostra-se de suma importância para o seu desenvolvimento, de modo a integrá-lo de forma sadia dentro do contexto social. Robert Kail (2004, p. 274) dispõe acerca do tema: Uma visão simplista da educação das crianças é que a ação dos pais é tudo o que realmente importa. Ou seja, com seu comportamento, os pais determinam direta e indiretamente o desenvolvimento dos filhos. Essa visão dos pais como todo-poderosos fazia parte das primeiras teorias psicológicas [...] e é sustentada até hoje por alguns pais de primeira viagem. Mas a maioria dos teóricos, atualmente, encara as famílias de uma perspectiva ecológica [...]. Ou seja, as famílias constituem um sistema de elementos que interagem - pais e filhos se influenciam uns aos outros [...]. Diante disso, não pairam dúvidas de que a família perfaz um instrumento de 20 suma importância para o desenvolvimento da criança e do adolescente, eis que é por meio dela que o menor receberá afeto e limitações. A ausência de tais condutas, dentro do arrimo familiar, poderá ensejar diversos transtornos aos indivíduos, como, por exemplo, o desejo de buscar no ato de delinquência a valorização e o reconhecimento, conforme pondera Gabriel José Chittó Gauer, Silvio José Lemos Vasconcellos e Tácia Rita Davoglio (2012). 3.3 DADOS ESTATÍSTICOS Insta salientar, inicialmente, que as condutas ensejadoras dos atos infracionais remontam o século XIX, eis que desde aquela época, mormente entre os anos 1900 e 1916, já se vislumbravam a prática de tais condutas por menores. Acertadamente, Marco Antônio Cabral dos Santos (2010, p. 210) leciona acerca do tema: Desde o século XIX, quando se passou a elaborar estatísticas criminais em São Paulo, o menor de idade sempre esteve presente. A especialização dos aparelhos policiais e o constante aperfeiçoamento das técnicas importadas de controle e vigilância resultaram em estatísticas cada vez mais precisas acerca da ocorrência de crimes na cidade. Entre 1900 e 1916, o coeficiente de prisões por dez mil habitantes era distribuído da seguinte forma: 307,32 maiores e 275,14 menores. A natureza dos crimes cometidos por menores era muito diversa daqueles cometidos por adultos, de modo que entre 1904 e 1906, 40% das prisões de menores foram motivadas por "desordens", 20% por "vadiagem", 17% por embriaguez e 16% por furto ou roubo. Silvia Helena Koller, Normanda Araújo de Morais e Elder Cerqueira Santos (2009, p. 18/19), com supedâneo nos dados extraídos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fazem alusão acerca do número de menores infratores no Brasil, que, em 2001, perfazia a monta de 16.802.021 adolescentes entre quinze e dezenove anos de idade, ao passo que em 2005, estimou-se em 34.195.733, incluindo-se jovens entre quinze a vinte e quatro anos. A juventude brasileira compõe uma parcela expressiva da população do País. Em 2001, essa parcela correspondia a 16.802.021 adolescentes entre 15 e 19 anos de idade e 14.408.060 entre 20 e 24 anos de idade, um uma população de 170 milhões (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2001). A projeção de jovens entre 15 a 24 anos, para 2005, era de 34.195.733, ou seja, um considerável aumento em quatro anos. Atualmente, no Brasil, existem mais de 35 milhões de jovens entre 15 e 24 anos, o equivalente a 20% da população do País [...]. 21 Nesta toada, Simone Paludo (2011, p. 139/140) menciona que em 2006, de acordo com os dados obtidos pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Secretaria Especial dos Direitos Humanos [SEDH]) houve um aumento de 363% no número de adolescentes que cumpriram medida privativa de liberdade. Em 2008 foram 16.868, sendo, posteriormente, majorado para 16.940, em 2009. Tratar dos valores morais daqueles que transgridem regras e leis parece contraditório, especialmente quando o cenário nacional oferece cada vez mais visibilidade para a violência cometida pelos adolescentes. No ano de 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Secretaria Especial dos Direitos Humanos [SEDH], 2006) divulgou um crescimento de 363% em relação ao número de adolescentes em conflito com a lei que cumpriram medida privativa de liberdade. O referido percentual revelou um aumento em relação ao número daqueles jovens que cometeram algum ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou reiteraram no cometimento de outras infrações graves ou, ainda, descumpriram uma medida anteriormente imposta. [...] O número de adolescentes que cometem delitos graves continua crescendo, passando de 16.535 em 2007 para 16.868 em 2008 e para 16.940 internos no sistema socioeducativo de meio fechado no país em 2009 (SEDH, 2008, 2009). De modo a demonstrar que o delinquência juvenil não se trata de um problema inserto apenas no contexto brasileiro, salienta-se que nos Estados Unidos, os adolescentes são responsáveis por mais de um quarto dos assassinatos e, no que tange ao roubo de carros, por mais da metade, conforme entendimento corroborado por Roberto Kail (2004). Neste diapasão, com o escopo de melhor elucidar a questão atinente ao número de atos infracionais, mormente em 2015, colaciona-se a tabela abaixo, cujos dados foram extraídos da Fundação Casa. Nota-se que os números são alarmantes, sendo os casos mais corriqueiros aqueles atrelados ao roubo qualificado, que perfaz o total de 4.319 (43,96%). Por sua vez, os atos infracionais de menor incidência encontram-se intrinsecamente ligados ao estupro, na medida em que sua estimativa foi de 56 casos (0,56%).1 1 GIRO INTERIOR. Confira os dados de atendimento a menores infratores no Estado. Disponível em: <http://www.giromarilia.com.br/noticia/giro-interior/confira-os-dados-de-atendimento-a-menores- infratores-no-estado/2363>. Acesso em: 23 ago. 2016. 22 FIGURA 1: DADOS ESTIMATIVOS ACERCA DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL FONTE: Fundação Casa. Assim sendo, nota-se que os casos mais corriqueiros acerca da prática do ato infracional encontram-se intimamente ligado ao roubo, tráfico de drogas e furto, sendo que tais delitos, direta ou indiretamente, possuem cunho patrimonial, o que se percebe, desde logo, que os atos praticados poradolescentes estão atrelados a miserabilidade vivenciada pela camada menos abastada da sociedade. 23 4 MEDIDAS SÓCIOEDUCATIVAS Importante mencionar, em um primeiro momento, que as medidas sócioeducativas se destinam apenas aos adolescentes, posto que as crianças não estão a elas submetidas. Nos moldes delimitados por Válter Kenji Ishida (2015, p. 287), a medida sócioeducativa pode ser entendida como sendo "(...) a providência originada do juiz da infância e da juventude através do devido processo legal de natureza educativa, mas modernamente também com natureza sancionatória como resposta ao ato infracional cometido por adolescente". Assim sendo, mostra-se imperioso mencionar que uma vez transitada em julgado à sentença que julgou procedente o pleito de medida sócioeducativa, nasce para o Estado a possibilidade de se executar o título executivo judicial, conforme esclarece Marcos Antônio Santos Bandeira (2006). Consoante entendimento corroborado por Francismar Lamenza (2012, p. 194), "O magistrado, ao final do procedimento de apuração do ato infracional, constatadas materialidade e autoria com relação a ele, poderá aplicar ao adolescente medidas socioeducativas, que guardem natureza reeducativa (...)", que, nos moldes instituídos pelo artigo 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente, será de advertência, reparação do dano, prestação de serviços, liberdade assistida, semi-liberdade e, ainda, internamento em estabelecimento educacional. Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Diante disso, passando-se a análise das medidas sócioeducativas acima elencadas, há de se ressaltar que o artigo 115, do Estatuto da Criança e do 24 Adolescente, dispõe que "A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada". Nota-se, portanto, que a advertência será aplicada nos casos em que se vislumbrar a prática de um ato infracional de menor potencial ofensivo, carecendo, assim, de uma reprovação menos branda, conforme assevera Marcos Antônio Santos Bandeira (2006). No mesmo sentido é o entendimento de Bianca Mota de Moraes e Helane Vieira Ramos (2010, p. 839), asseverando que "Na prática, tem ficado restrita aos atos infracionais de natureza leve, sem violência ou grave ameaça à pessoa e às hipóteses de primeira passagem do adolescente pelo Juízo da Infância e da Juventude, por ato infracional". Sob este prisma, O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim se posicionou: EMENTA. ECA. ATO INFRACIONAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO PENAL. IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. ADVERTÊNCIA. CABIMENTO. 1. A conduta desenvolvida pelos adolescentes, segurando os braços e os cabelos da vítima com a intenção de baixar as calças dela, constitui fato que configura importunação ofensiva ao pudor público e configura a contravenção penal tipificada no art. 61 da LCP, sendo merecedor de reprovação pela sociedade e da medida socioeducativa compatível com a natureza do fato e com as condições pessoais dos infratores. 2. Não se pode cogitar de fragilidade da prova, quando o fato é admitido pelos infratores e apontado pelas testemunhas e pela vítima. 3. Sendo inequívoca a prática infracional pelos infratores, impõe-se o juízo de procedência da representação, com a devida desclassificação, pois merece crédito a palavra da vítima, quando o seu depoimento é claro e coerente. 4. A aplicação da medida socioeducativa de advertência é branda, mas ainda assim necessária para mostrar aos jovens a reprovação da sociedade pelo comportamento desenvolvido e para incutir neles o senso de responsabilidade e de limites, a fim de que aprendam a respeitar os seus semelhantes. Recurso desprovido. 2 Por sua vez, a obrigação de reparar o dano encontra-se inserta no artigo 116, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual será aplicada nos casos em que subsistirem reflexos patrimoniais ante a prática do ato infracional, senão vejamos: 2 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação n.º 70064428188. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/202432151/apelacao-civel-ac-70064428188-rs>. Acesso em: 27 ago. 2016. 25 Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada. Nota-se que nos casos em que o dano mostrar-se reparável à vítima, o Juízo competente poderá aplicar a pena de reparação do dano, que é mais amena, eis que possui apenas reflexos patrimoniais. Ademais, Francismar Lamenza (2012) menciona que nos casos em comento, o magistrado deverá observar a capacidade econômica do menor em reparar o dano, na medida em que tal obrigação não se transmite aos genitores, eis que se trata de obrigação personalíssima. Aliado a isso, Marcos Antônio Santos Bandeira (2006, p. 147) explica que: Finalmente, quando se tratar, por exemplo, de atos infracionais similares a furto, roubo, apropriação indébita, a simples devolução da res furtiva ou objeto do ato infracional já satisfaz às exigências do cumprimento da medida de reparação de danos. Acerca da pena de reparação de danos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim decidiu: EMENTA. ECA. ATO INFRACIONAL. DANO. PROVA. ADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE ADVERTÊNCIA CUMULATIVAMENTE COM A DE REPARAÇÃO DO DANO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. 1. Comprovada a autoria e a materialidade do ato infracional, impõe-se o juízo de procedência da representação e a aplicação de medida socioeducativa compatível com a gravidade do ato infracional e com as condições pessoais do infrator. 2. Mostram-se adequadas as medidas socioeducativas de advertência cumulativamente com a de reparação do dano, pois dessa forma o adolescente tomará consciência de que deve respeitar o patrimônio alheio. 3. Não se pode cogitar, no caso, da incidência do princípio bagatela, sob pena de estimular o jovem a prosseguir seu caminho desprovido de limites e a desrespeitar o patrimônio alheio, desconsiderando regras de comportamento essenciais para a vida em sociedade. 3 Por outro lado, o artigo 117, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe acerca da prestação de serviços à comunidade, que não excederá seis meses, cujas tarefas serão distribuídas de acordo com a aptidão do adolescente. 3 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação n.º 70053362851. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112694629/apelacao-civel-ac-70053362851-rs>. Acesso em: 27 ago. 2016.26 Veja-se: Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho. Marcos Antônio Santos Bandeira (2006) menciona que a prestação de serviços comunitários encontra-se intrinsecamente ligado ao princípio da intervenção mínima do Estado, eis que elide o seu encarceramento, criando mecanismos que possibilitem o adolescente a refletir sobre as consequências provenientes do ato infracional. Nesta toada, Bianca Mota de Moraes e Helane Vieira Ramos (2010) esclarecem que a prestação de serviços à comunidade perfaz uma medida sócioeducativa de grande valia, eis que o índice de reincidência daqueles que cumprem a aludida penalidade é baixíssimo. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou: EMENTA. HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE PROVAS. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA FÁTICO- PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. CABIMENTO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. As instâncias ordinárias, após exame do conjunto fático-probatório dos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, concluíram pela existência de elementos coerentes e válidos a embasar a procedência da representação instaurada em face dos Pacientes pelo delito de furto qualificado. 2. A análise da tese relativa à absolvição depende do reexame minucioso de matéria fático-probatória, sendo imprópria na via estreita do habeas corpus, remédio constitucional de rito célere e de cognição sumária. 3. Não existe qualquer impedimento legal à fixação da medida de prestação de serviços à comunidade no caso de ato infracional análogo ao crime de furto qualificado, quando o Juízo da Infância e da Juventude, fundamentadamente, demonstrar a necessidade da medida para ressocialização do Adolescente. Inteligência do art. 117, e parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 4. Ordem de Habeas corpus denegada. 4 4 JUSBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 241087. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23942188/habeas-corpus-hc-241087-rs-2012-0088954-7- stj>. Acesso em: 27 ago. 2016. 27 O artigo 118, do Estatuto da Criança e do Adolescente, traz em seu bojo a questão da liberdade assistida, com o objetivo de orientar e auxiliar o adolescente, o qual se dará pelo prazo mínimo de seis meses. O orientador, dentre outras atribuições, deverá criar mecanismos que viabilizem a inserção do adolescente no mercado de trabalho, nos moldes explicitados no artigo 119, do mesmo diploma legal. Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. § 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros: I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV - apresentar relatório do caso. Corroborando o contido nos artigos acima colacionados, Francismar Lamenza (2012, p. 195/196) assevera que: Essa medida é aplicável ao jovem em casos que tenham certa gravidade e que demandem um acompanhamento mais prolongado do adolescente, de sua família e de suas atividades. Se houver cometimento de atos mais severos, essa medida poderá ser cumulada com a prestação de serviços à comunidade, como acontece com certa frequência na prática. Tal medida vem acompanhada de entrevistas que serão realizadas por equipe interprofissional, podendo ser vinculada ou não ao Poder Judiciário (por meio de convênios com os municípios, universidades privadas etc.). Sob este enfoque, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu: EMENTA. HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE FURTO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA. ART. 118 DO ECA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE NA ESPÉCIE. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 28 2. O paciente ostenta outras anotações delitivas e reconhece que seus atos estão relacionados ao vício em crack, evidenciando-se o caráter habitual na prática de pequenos furtos. 3. Apesar do pequeno valor da res, para que o princípio da insignificância seja aplicado, são necessários alguns requisitos: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, fatos que não estão presentes no caso analisado. Adequada a aplicação da medida socioeducativa de liberdade assistida. 4. Habeas corpus não conhecido. 5 Bianca Mota de Moraes e Helane Vieira Ramos (2010) dispõem acerca da importância do papel do orientador, eis que cabe ao mesmo conduzir a medida, além de providenciar elementos que sirvam de embasamento para a análise judicial, de modo que o magistrado possa decidir acerca da manutenção, revogação e, ainda, da substituição da medida. O artigo 120, do Estatuto da Criança e do Adolescente, traz à baila a questão da semiliberdade, que possibilita a realização de atividades externas, ainda que não haja autorização judicial. As realizações de atividades escolares e de profissionalização mostram-se obrigatórias, utilizando-se, para tanto, os recursos que estejam disponíveis na sociedade. Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação. Insurge-se, assim, que o regime de semiliberdade, nos moldes dispostos por Jussara de Goiás (1999) poderá ser determinado pelo magistrado desde o início do cumprimento da medida sócioeducativa, ou, posteriormente, como método do menor transacionar para meio aberto. Além do mais, de acordo com Marcos Antônio Santos Bandeira (2006, p. 166), a semiliberdade poderáser aplicada nos casos em que se constatarem crimes considerados como médio potencial ofensivo, como, por exemplo, lesões corporais graves, estupro e roubo. 5 JUSBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n.º 253769. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24352935/habeas-corpus-hc-253769-es-2012-0190248-0- stj>. Acesso em: 27 ago. 2016. 29 O juiz poderá aplicar a medida socioeducativa de semiliberdade como resposta a qualquer ato infracional praticado pelo adolescente, principalmente aqueles similares aos crimes de médio potencial ofensivo, como lesões corporais graves, homicídio, estupro, roubos etc., desde que, analisando as circunstâncias, a gravidade e as condições pessoais do adolescente, seja a medida considerada como a mais adequada para aquele caso concreto. Acertadamente, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina assim se posicionou: EMENTA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL. EQUIPARAÇÃO A TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI N. 11.343/06, ART , 33, CAPUT). PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. RECURSO DEFENSIVO. SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. INVIABILIDADE. GRAVIDADE DO ATO INFRACIONAL SEMILIBERDADE MANTIDA. Mostra-se adequada a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade ao adolescente que pratica conduta análoga ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, notadamente porque, ao mesmo tempo em que procura inibir a reiteração de atos infracionais, não o exclui do convívio social. RECURSO NÃO PROVIDO. 6 Por outro lado, o artigo 121, do Estatuto da Criança e do Adolescente, traz à tona a questão do internamento, que, de acordo com Marcos Antônio Santos Bandeira (2006), perfaz, indubitavelmente, a medida mais severa de intervenção estatal na esfera do indivíduo. Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida. § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. § 7 o A determinação judicial mencionada no § 1 o poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária. 6 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n.º 20140118032. Disponível em: <http://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25176567/apelacao-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente- apl-20140118032-sc-2014011803-2-acordao-tjsc. Acesso em: 27 ago. 2016>. 30 O artigo 122, do Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu âmago as hipóteses em que será cabível a medida de internação, que, dentre outros aspectos, ressalta a possibilidade de sua implementação quando o ato infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência. Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1 o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. § 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. Neste diapasão, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal assim decidiu: EMENTA. INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO A HOMICIDIO QUALIFICADO CONSUMADO CONTRA DUAS VÍTIMAS DIFERENTES. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAMENTO. GRAVIDADE EXTREMA DO FATO IMPUTADO. PRECARIEDADE DAS CONDIÇÕES SOCIOFAMILAIRES DO MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1 MENOR SUBMETIDO A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAMENTO POR PRAZO INDETERMINADO EM RAZÃO DE PRATICAR ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AO TIPOS DO ARTIGO 121, § 2º, COM A QUALIFICADORA DOS INCISOS I E IV, EM RELAÇÃO A UMA VÍTIMA, E A DO INCISO IV, EM RELAÇÃO À OUTRA, NA FORMA DO ARTIGO 70, TODOS DO CÓDIGO PENAL. AGINDO SOB A ORIENTAÇÃO DE PESSOA IMPUTÁVEL JUNTO COM UM COMPARSA TAMBÉM IMPUTÁVEL, ELE SEGUIU AS VÍTIMAS, UM CASAL DE NAMORADOS, QUANDO SAÍRAM DE UM BAR SITUADO NA VILA PLANALTO E OS SURPREENDEU EM PLENA VIA PÚBLICA, DISPARANDO VÁRIOS TIROS. O COMPARSA QUE ARQUITETOU O CRIME E FORNECEU AS ARMAS NECESSÁRIAS À CONSUMAÇÃO TINHA UMA DESAVENÇA COM A VÍTIMA HOMEM, CUJA NAMORADA FOI TAMBÉM ALVEJADA PELO SIMPLES FATO DE ESTAR JUNTO COM ELE MOMENTO DO FATO. 2 AS PROVAS ORAIS E PERICIAIS COLHIDAS ENSEJAM JUÍZO DE CERTEZA SEGURO PARA JUSTIFICAR A IMPOSIÇÃO DA MEDIDA EXTREMA, EIS QUE TESTEMUNHAS INSUSPEITAS ESCLARECERAM A DESAVENÇA EXISTENTE ENTRE A VÍTIMA HOMEM E A TURMA DO REPRESENTADO, QUE CONFIDENCIOU A ALGUNS AMIGOS A AUTORIA DAS MORTES E FORMA COMO ACONTECERAM. 3 RECURSO DESPROVIDO. 7 7 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação n.º 57786420098070001. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17096125/ape-57786420098070001-df-0005778- 6420098070001-tjdf>. Acesso em: 27 ago. 2016. 31 Acerca do instituto da internação, Gabriel José Chittó Gauer, Silvio José Lemos Vasconcellos e Tácia Rita Davoglio (2012) explicam que: Ela pode durar um período máximo de três anos e a liberação será compulsória caso o jovem complete 21 anos, Para a desinternação deverá haver autorização judicial e o Ministério Público deve ser ouvido. Por ser medida extrema, a internação acontecerá somente quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Neste último caso, não poderá ser superior a três meses. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescente, em local distinto do destinado ao abrigo, obedecendo à rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. De acordo com Bianca Mota de Moraes e Helane Vieira Ramos (2010), o período de internação deve ser breve, eis que o menor está em processo de formação e, portanto, possui o direito fundamental à liberdade, a qual deverá prevalecer, sempre que possível. Além do mais, não se deve olvidar que "A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração", conforme se depreende do artigo 123, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Derradeiramente, há de se mencionar que a aplicabilidade das medidas sócioeducativas insertas no Estatuto da Criança e do Adolescente mostram-se diversas do sistema adotado pelo Código Penal, eis que não traz em seu âmago uma sanção proveniente para cada tipo penal, ficandoa cargo do magistrado o dever de analisar cada caso concreto e, discricionariamente, aplicar a medida que entender viável. 32 5 CAUSAS DO ATO INFRACIONAL Ressalta-se que, desde os tempos remotos, já subsistia na sociedade os atos infracionais, sendo o mais comum o crime de "vadiagem", inserto nos artigos 399 e 400, do Código Penal. Sob este enfoque, muitas crianças e adolescentes eram alvos de prisões arbitrárias, eis que, pelo simples fato de não possuírem uma ocupação, eram alvo de criminalização. Nota-se, portanto, que desde os primórdios da sociedade os menores já eram vitimizados pela rejeição do mercado de trabalho, situação que muito se assemelha ao que vem se vivenciando, hodiernamente, no contexto brasileiro. Corroborando tal entendimento, Marco Antônio Cabral dos Santos (2010, p. 222) assevera que: A criminalidade infantil estava quase sempre condicionada ao que se convencionou chamar crime de "vadiagem", previsto nos artigos 399 e 400 do Código Penal. As ruas da cidade, repletas de trabalhadores rejeitados pelo mercado formal de mão de obra e ocupados com atividades informais, era palco de inúmeras prisões motivadas pelo simples fato de as "vítimas" não conseguirem comprovar, perante a autoridade policial, sua ocupação. Boa parte dessas prisões arbitrárias tinham como alvo menores, que perambulando pelas ruas, eram sistematicamente capturados pela polícia. A correção que o Estado lhes imputava passava necessariamente pela pedagogia do trabalho. Indubitavelmente, àqueles que possuem condições de vida mais precárias, insertos nas favelas e periferias, estão mais propícios a cometerem atos delituosos, eis que, hodiernamente, não se deve olvidar que tais indivíduos, em muitas ocasiões, sequer conseguem arrumar um emprego, o que acaba desvirtuando-os para a criminalização. Nesta toada, Antônio Luiz Serpa Pessanha (2001, p. 89/90) assevera que: A população mais carente de uma cidade como São Paulo foi jogada para a periferia. Migrantes, sobretudo nordestinos, que chegam em busca de melhores oportunidades de trabalho, também ficam confinados nos bairros periféricos, nas favelas e cortiços, onde as condições de vida são precárias. Este ambiente só pode gerar seres humanos amargurados e revoltados. Partindo disto é fácil concluir que o nosso maior problema reside na periferia. A situação fica ainda mais drástica quando se percebe o término de empregos, vinculado ao advento da tecnologia avançada e à globalização que fecja as portas da indústria para o homem, que cada vez mais é substituído pelas máquinas. Diverso não é o entendimento de José Celso de Mello Filho (1999, p. 17/18), 33 que, acertadamente, menciona que a carência dos direitos insculpidos na Constituição Federal, mormente a profissionalização, educação e lazer ensejam o aumento exacerbado da marginalização de crianças e adolescentes. Vê-se dessa proclamação constitucional, que são imensos os desafios que se apresentam às instituições governamentais e às organizações sociais, especialmente num país como o Brasil, cujo quadro social - notadamente na área da infância e da juventude - se mostra manchado por graves carências que comprometem, de maneira particularmente séria, o exercício, por nossas crianças e por nossos jovens, do direito à subsistência, à saúde, à educação, ao lazer e à profissionalização, afetando-lhes, de modo tão injusto quanto inaceitável, o seu direito indisponível à dignidade e ao respeito como pessoa humana. [...] A questão da criminalidade juvenil - que se vincula, em sua própria origem, ao desprezo inconsequente e irresponsável pelos direitos dos adolescentes, a quem se nega, injustamente, em diversos pontos de nosso País, o acesso à educação, ao lazer, à profissionalização e à saúde, dentre outras prerrogativas básicas - representa, em seus aspectos essenciais, uma questão de caráter político-social, que reclama o cumprimento, pelo Poder Público e pela comunidade, de deveres impostergáveis resultantes de um contrato social por eles nem sempre cumprido. Jussara de Goiás (1999, p. 27) corrobora o entendimento acima articulado: E aqui não falo só da miséria provocada pelo empobrecimento não, falo da miséria social dos valores humanos e éticos, que está vitimizando tantos o(a)s filho(a)s dos pobres quanto o(a)s filho(a)s das elites, que também cometem ato infracional. Todos eles(as) estão sendo encaminhados para as Febem's, Caje's (Centro de Atendimento Juvenil Especializado), ou qualquer outro nome que se dê às unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei. Waldyr de Abreu (1995) dispõe acerca da vulnerabilidade da criança e do adolescente, que, imbuído de condições de extrema miséria, proporciona uma passagem célere da condição de vítima para o de infrator, na medida em que necessita realizar furtos e/ou roubos para sua sobrevivência. Inclusive, oportuno ressaltar que a questão da miserabilidade já se mostrou discutível na jurisprudência, consoante entendimento emanado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, nos moldes instituído em sua decisão, ressaltou que a condição sócio-econômica desfavorável do menor não tem o condão de justificar sua conduta. EMENTA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO ART. 12 DA LEI 6.368/76. 34 RAZOABILIDADE. LEVANDO-SE EM CONTA A GRAVIDADE DO ATO INFRACIONAL, AS CONDIÇÕES PESSOAIS DO REPRESENTADO, O FATO DE ELE JÁ POSSUIR OUTROS ANTECEDENTES INFRACIONAIS E, AINDA, APRESENTAR UM QUADRO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA, A APLICAÇÃO DE OUTRA MEDIDA MAIS BRANDA REPRESENTARIA AFRONTA ÀS REGRAS E AOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. -A MEDIDA DE SEMILIBERDADE NÃO OBSTA QUE O MENOR CONTINUE A ESTUDAR E A TRABALHAR, ALIÁS, TAIS ATIVIDADES SÃO OBRIGATÓRIAS, NOS TERMOS DO ART. 120 DA LEI MENORISTA. -A CONDIÇÃO SÓCIO- ECONÔMICA DESFAVORÁVEL NÃO JUSTIFICA A CONDUTA DO MENOR, CASO ASSIM SE ENTEDESSE, ESTAR-SE-IA ELEVANDO A POBREZA À CONDIÇÃO DE CAUSA DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE. - NEGADO PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. 8 Por outro lado, Robert Kail (2004), pontua quatro hipóteses que contribuem para o comportamento delinquente, quais sejam: a classe social, os processos familiares, o autocontrole e as forças biológicas. Neste toada, não se deve olvidar que os atos infracionais são praticados em todas as camadas sociais, mas, indubitavelmente, tornam-se mais frequentes nas camadas menos abastadas da sociedade. Os processos familiares também têm o condão de influenciar, eis que a ausência da supervisão adequada dos filhos, aliado ao fato do menor encontrar-se inserto em um ambiente imbuído de brigas e ameaças, também enseja a criminalidade do menor. Acerca da desestrutura familiar, oportuno colacionar o julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Paraná: EMENTA: APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AOS CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06. INSURGÊNCIA RECURSAL. TESE DE NEGATIVA DE AUTORIA. AFASTAMENTO. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO A DEMONSTRAR A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO ATO INFRACIONAL IMPUTADO AO ADOLESCENTE. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS HARMÔNICOS. PROVAS COLHIDAS NA SEDE JUDICIAL EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS COLIGIDOS NOS AUTOS. CONDENAÇÃO QUE SE MANTÉM. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. SUPOSTA DESPROPORÇÃO. PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDA DIVERSA. NÃO ACOLHIMENTO. REITERAÇÃO EM INFRAÇÕES GRAVES. ADOLESCENTE QUE OSTENTA OUTRAS REPRESENTAÇÕES,DUAS DAS QUAIS PELO MESMO ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO TRÁFICO, E QUE POSSUI FAMÍLIA DESESTRUTURADA, ESTANDO FORA DA ESCOLA, NÃO TENDO, APÓS SUAS LIBERAÇÕES DAS INTERNAÇÕES ANTERIORES, DADO CONTINUIDADE AOS ENCAMINHAMENTOS 8 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação n.º 32974120038070001. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7296360/apelacao-apl-32974120038070001-df- 0003297-4120038070001>. Acesso em: 27 ago. 2016. 35 REALIZADOS. PRÁTICA HABITUAL DE ATOS INFRACIONAIS QUE DEMONSTRA A NECESSIDADE DA MEDIDA EXTREMA DA INTERNAÇÃO, NO INTERESSE DO PRÓPRIO MENOR. LAUDO TÉCNICO INFORMATIVO QUE REVELA A NECESSIDADE DA INTERNAÇÃO, QUE, NO CASO EM CONCRETO, ENCONTRA RESPALDO NO INCISO I I, DO ARTIGO 122 DA LEI Nº 8.069/90. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO DESPROVIDO. 9 Ademais, crianças e adolescentes que carecem de autocontrole também se tornam mais propícias a cometerem atos infracionais, eis que agem de modo impulsivo, e, portanto, de imediato, sem fazer uma análise mais acurada acerca das consequências de sua conduta. Da mesma forma, as forças biológicas também acarretam um comportamento agressivo e impulsivo, que poderão acarretar a criminalidade do menor. Classe social. O crime adolescente acontece em todas as camadas sociais, mas é mais frequente entre adolescentes de classes sociais mais baixas. Essa relação pode refletir diversos fatores. Primeiro, o crime é mais comum em bairros de classe baixa; assim, os modelos criminais adultos estão mais facilmente disponíveis para as crianças. Segundo, os adolescentes de classe mais baixa muitas vezes são malsucedidos na escola e não recebem muitos incentivos em relação ao resultado de seus esforços acadêmicos; a atividade criminal é um campo em que eles podem se destacar e obter o reconhecimento dos colegas. [...]. Terceiro, as tensões constantes da vida à beira de um desastre econômico podem reduzir a eficácia da educação parental nos lares das classes mais baixas [...]. Processos familiares. O comportamento delinquente muitas vezes está relacionado à supervisão inadequada por parte dos pais. Os adolescentes que não são supervisionados (porque, por exemplo, os pais trabalham fora) são muito mais propensos a se envolver em atos deliquentes. Os pais também podem contribuir para o comportamento delinquente se a sua disciplina não é sistemática e o relacionamento conjugal é marcado por conflitos constantes [...]. Autoncontrole. À medida que a maioria das crianças se desenvolve, elas se tornam mais capazes de controlar o próprio comportamento. Tornam-se mais capazes de inibir as tendências impulsivas, de adiar a gratificação e de considerar o impacto de seu comportamento sobre os outros [...]. Vendo um novo aparelho de CD ou um carro, os jovens delinquentes são tentados a roubá-lo, simplesmente para poderem tê-lo de imediato. [...]. Forças biológicas. O comportamento agressivo e impulsivo, parte comum do comportamento anti-social, tem raízes biológicas. Alguns jovens anti-sociais aparentemente herdam uma predisposição para se comportarem agressiva e impulsivamente [...]. Além do mais, oportuno mencionar que Maria de Lurdes Trassi Teixeira (1994) pontua diversos aspectos que podem ensejar a prática de delitos por crianças e adolescentes, como, por exemplo, a ausência da figura paterna e/ou materna, a 9 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação n.º 12786515. Disponível em: <http://tj- pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/187581180/apelacao-apl-12786515-pr-1278651-5-acordao>. Acesso em: 27 ago. 2016. 36 ausência de um ambiente seguro e, ainda, situações de violência física e psicológica, que figurou como vítima. Acerca do instituto familiar, Paula Gomide (1999, p. 37) explica que: A família se enfraqueceu enormemente em nossa sociedade. Sua unidade interna foi minada pela pauperização, assolada pela arbitrariedade policial nos grandes bairros periféricos, pelo tráfico de drogas, pelo alcoolismo, pela violência, pela prostituição e pelo abandono dos filhos. Sem que os pais assumissem nenhuma responsabilidade sobre seus filhos, as mães repetiam casamentos similares várias vezes, perdendo-se os filhos dos primeiros matrimônios na rejeição e na violência das relações familiares degradadas. Além do mais, vale salientar que, nos moldes corroborados por Paula Gomide (1999, p. 39), "(...) os comportamentos anti-sociais somente se desenvolvem se houver condições propícias na família". Por sua vez, além das hipóteses acima elencadas, Jorge Trindade (1993, p. 44) explica que, em muitas ocasiões, os atos infracionais podem ser cometidos pelo uso exacerbado de drogas. Definir delinquência juvenil resulta, portanto, difícil, posto que alguns teóricos incluem nesse conceito não só comportamentos delitivos, senão condutas irregulares e anômicas, como, por exemplo, a indisciplina, as fugas do domicílio familiar, o consumo de drogas, os transtornos afetivos e os fenômenos de inadaptação, que tendem a se confundir, apesar da possibilidade de um menor ser inadaptado sem, todavia, ser delinquente. Sob este prisma, indubitavelmente, "Hoje, um dos fatores responsáveis pelo aumento da criminalidade está ligado ao tráfico de drogas, e, nas grandes cidades, o crescimento da violência e as disputas entre as quadrilhas do crime organizado estão diretamente relacionadas", nos moldes delimitados por Sandra Mári Córdova D'Agostini (2003, p. 53). Com o desiderato de demonstrar que o tráfico de drogas também tem o condão de fazer surgir atos infracionais, colaciona-se o julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: EMENTA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PRÓPRIO (ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006). REPRESENTAÇÃO REJEITADA NA ORIGEM ANTE A AUSÊNCIA DE OITIVA INFORMAL DO ADOLESCENTE (ART. 179 DO ECA). RECURSO MINISTERIAL. ALEGADA PRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA. ACOLHIMENTO. OITIVA INFORMAL DO MENOR QUE SE DESTINA A 37 AUXILIAR O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A ESCOLHER PELO ARQUIVAMENTO DO FEITO, REMISSÃO OU REPRESENTAÇÃO. PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE, DIANTE DOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO EXISTENTES NOS AUTOS, ENTENDEU CABÍVEL A REPRESENTAÇÃO, AFASTANDO, IMPLICITAMENTE, A POSSIBILIDADE DE ARQUIVAMENTO OU REMISSÃO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL. DECISÃO CASSADA. RECURSO PROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a oitiva informal do adolescente, ato de natureza extrajudicial, não é pressuposto para o oferecimento da representação, servindo apenas para auxiliar o representante do Ministério Público a decidir sobre a necessidade ou não da instauração da ação socioeducativa, nos termos do art. 180 da Lei n.º 8.069/90. Precedentes. (...). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. 10 Derradeiramente, Gabriel José Chittó Gauer, Silvio José Lemos Vasconcellos e Tácia Rita Davoglio (2012, p. 207) mencionam que "Os adolescentes que cometem uma infração possuem, em sua maioria, histórico de problemas comportamentais na infância". 10 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação n.º 20140539157. Disponível em: <http://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25321522/apelacao-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente- apl-20140539157-sc-2014053915-7-acordao-tjsc>. Acesso em: 27 ago. 2016. 38 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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