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NICOLAU, Jairo. PARA RFORMAR O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS NO BRASIL

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DEZEMBRO 2007
D E M O C R A C I A V I V A 37
DEZEMBRO 2007
Dez anos de
compromisso
com a informação
crítica e cidadã
8 DEMOCRACIA VIVA Nº 37
N A C I ON A C I O N A LJairo Nicolau*
O financiamento de campanhas é o tema mais importante, entre os muitos que apare-
ceram na discussão sobre a reforma política nos últimos anos no Brasil. A forma
como as campanhas são financiadas no país atualmente apresenta muitos problemas.
Neste artigo, serão destacados os três mais relevantes.
O primeiro é o alto custo. Ainda que seja difícil estabelecer uma comparação
rigorosa entre os custos de campanha dos diversos países (por conta das especificidades
da campanha, do sistema eleitoral e do valor da moeda), alguns dados mostram que a
brasileira é uma das mais caras do planeta.
O segundo é que as campanhas são fortemente dependentes das doações do
empresariado. Nas últimas eleições, cerca de 80% dos recursos declarados pelos(as)
candidatos(as) a presidente vieram de doações feitas por empresas. A dependência desses
Para reformar o
financiamento
de campanhas
no Brasil
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N A Lrecursos levanta a suspeita (algumas vezes,comprovada) de que determinadas políticaspúblicas são implementadas para favoreceralguns doadores – ou de que certas doações
são retribuições a políticas de favorecimento a
empresas, promovidas no passado. Por isso,
na maioria dos países, as doações diretas de
empresas para políticos são proibidas.
Um último aspecto é que, embora o país
tenha melhorado muito o sistema de prestação
de contas dos gastos de campanha, a arrecada-
ção ilícita é uma prática corriqueira. É impossível
saber quanto é arrecadado nessa prática, mas
as diversas denúncias revelam que o fenô-
meno é generalizado.
Uma agravante neste caso é que os re-
cursos não são somente oriundos do caixa-dois
de empresas tradicionais, mas de redes conec-
tadas ao crime organizado e à informalidade
(bicheiros, empresários de bingo, igrejas, narco-
tráfico). Agentes que, em muitos casos, sequer
têm o caixa-um.
Obstáculos a granel
Sair da situação atual não é tarefa das mais
simples. Uma das opções, discutida nos últi-
mos anos, no Congresso, é a introdução de
um sistema de financiamento exclusivamente
público. Assim, os(as) candidatos ficariam proi-
bidos de receber qualquer doação privada.
Os recursos viriam do Orçamento e seriam
distribuídos de acordo com o desempenho do
partido nas eleições anteriores.
O financiamento exclusivamente público
apresentaria uma série de vantagens. A princi-
pal delas seria uma competição mais equili-
brada, pois os menores partidos receberiam re-
cursos mínimos para realização de campanhas.
Além disso, a influência direta de empresas
sobre a campanha seria reduzida. Existe ainda
a expectativa de que a diminuição da corrupção
eleitoral e o caixa-dois sejam minorados.
O sistema de financiamento público pa-
rece a solução ideal. Contudo, quando analisa-
mos com mais cuidado, percebemos alguns pro-
blemas. O primeiro deles é que a Justiça Eleitoral
não tem capacidade para fiscalizar como os(as)
milhares de candidatos(as) que concorrem em
uma eleição no Brasil gastam seus recursos.
Faltam técnicos e instrumentos para
fazer a auditoria das contas. Podemos imaginar
as novas fraudes geradas com dinheiro público:
candidatos obtendo notas para serviços não
prestados, gastos particulares contabilizados
como gastos de campanha.
Outro problema é que o financiamento
público não seria uma garantia do fim do caixa-
dois. Imagine, por exemplo, um candidato que
gasta R$ 1 milhão em uma campanha e que
no novo sistema recebesse R$ 150 mil para
gastar. A possibilidade de obter dinheiro ilícito
para fazer uma campanha mais cara não deve
ser descartada. Esses dois argumentos são
suficientes para mostrar as dificuldades de
adoção repentina de um sistema de financia-
mento público exclusivo no país.
Estudiosos(as) do tema são unânimes
em reconhecer que é uma ilusão acreditar que
é possível criar um sistema perfeito de finan-
ciamento dos partidos e das campanhas – que
não seja vulnerável à corrupção eleitoral –,
sobretudo em economias com o grau de infor-
malidade como a brasileira.
Partindo dessa premissa realista, é fun-
damental estabelecer alguns componentes
que devem estar presentes em um sistema
de financiamento de campanhas. Em linhas
gerais, precisa contemplar três aspectos: trans-
parência, praticidade e sanções rigorosas para
os transgressores. A seguir, seis idéias inspi-
radas nessas premissas.
1. Manter o sistema de financiamento
misto – – – – – O Brasil utiliza um sistema misto de
financiamento de campanhas: parte dos re-
cursos vem do orçamento da União, parte
de doações privadas. Os recursos orçamen-
tários chegam às campanhas por dois cami-
nhos. O primeiro é o fundo partidário. Os recur-
sos do fundo (R$ 113 milhões em 2004) têm
sido fundamentais para viabilizar a estrutura
dos partidos.
O segundo é o horário partidário e elei-
toral gratuito. Apesar do nome “gratuito”, o
tempo utilizado para propaganda partidária
(todo os anos) e eleitoral (nos pares) é finan-
ciado pelos recursos públicos, pois as redes de
rádio e televisão recebem isenção fiscal pelo
tempo ocupado. Atualmente, o Brasil tem um
dos sistemas mais generosos de concessão de
tempo de rádio e televisão do mundo. Até hoje,
não foi possível obter os valores oficias das
renúncias fiscais, mas, segundo matérias pu-
blicadas na imprensa, as quantias variam de
R$ 200 milhões a R$ 800 milhões.
Atualmente, os(as) candidatos(as) podem
gastar recursos próprios para fazer as campa-
nhas e receber apoio de empresas ou de pessoas
físicas. Caso utilizem recursos próprios, o único
limite é o valor definido como teto pelo partido
antes das eleições. Para os(as) cidadãos(ãs) e as
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empresas, a legislação estabelece limite para
as doações. Um indivíduo pode doar até 10%
dos rendimentos brutos auferidos no ano an-
terior à eleição; uma empresa, até 2% do fa-
turamento bruto do ano anterior à eleição.
A tendência na maioria das democracias
é adotar um sistema misto para financiamento
das campanhas. A principal justificativa para
aporte de recursos públicos para os partidos
e as campanhas eleitorais é a possibilidade
de um maior equilíbrio entre os competidores.
O principal argumento contrário ao financia-
mento público exclusivo é que este violaria o
direito de os indivíduos contribuírem com
partidos e candidatos que defendem suas
causas. Outros acreditam que a busca de apoio
financeiro é um mecanismo fundamental para
dar vitalidade aos partidos e envolver cidadãs
e cidadãos nas campanhas políticas.
Outro aspecto importante a ser assina-
lado é que existem diversas formas de finan-
ciamento público da atividade dos partidos e
das campanhas: impressão de material, utili-
zação de espaços públicos para eventos e para
afixar publicidade, apoio para envio de material
pelo correio. A experiência internacional revela
que esses subsídios indiretos são preferíveis aos
diretos (dinheiro vivo). Se o objetivo é ampli-
ar o papel dos recursos públicos nas campa-
nhas brasileiras, deveríamos estudar formas
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de fazê-lo de maneira indireta. Por exemplo,
garantindo a impressão de panfletos e materi-
al de campanhas ou garantindo espaços pú-
blicos para a difusão de publicidade.
2. Introduzir um rigoroso sistema de
sanções – – – – – Muitas razões podem ser aponta-
das para explicar a prática generalizada do
caixa-dois em campanhas no Brasil. Algumas
empresas temem ver seus nomes associados
a determinados políticos que, muitas vezes,
acabam sendo identificados como lobistas.
Outras temem que haja uma corrida de candi-datos para receber recursos, caso as doações
feitas para os concorrentes sejam reveladas.
Outros financiadores sequer se constituem
como empresas, mas como organizações cuja
contabilidade está associada ao crime e à infor-
malidade (bicheiros, empresários de bingo,
igrejas, doleiros, narcotráfico); ou seja, agentes
que simplesmente não têm o caixa-um.
O financiamento ilegal permanece
porque atende aos interesses de uma parte da
elite política que acaba se utilizando desse arti-
fício para toda sorte de negociatas (enriqueci-
mento ilícito, tráfico de influência, drenagem
ilegal de recursos para os partidos).
Sendo realista, é impossível imaginar
que, da noite para o dia, os bilhões que circu-
lam “por fora” (para usar os termos do depu-
tado Roberto Jefferson), passariam magica-
mente a ser declarados “por dentro”. Mas a
introdução de sanções rigorosas para as em-
presas e políticos envolvidos com o financia-
mento ilegal poderia estimular que o grosso
dos recursos recebidos e gastos numa campa-
nha fosse oficialmente declarado.
A maior falha da legislação brasileira de
financiamento de campanhas é a ausência
de severas punições para os transgressores.
Dos candidatos é exigido apenas que apresen-
tem suas contas até um mês após as eleições,
do contrário, não poderão ser diplomados;
das empresas se espera apenas que não doem
acima dos valores permitidos, do contrário,
ficam proibidas de participar de licitações e
celebrar contratos com o poder público.
Para piorar, os partidos são obrigados
a manter a documentação das contas de cam-
panha por apenas 180 dias após a diploma-
ção – salvo se tiver algum processo com julga-
mento pendente. Portanto, não há nada a fazer
com as empresas que doaram ilegalmente, ou
com os candidatos que utilizaram o caixa-dois
e foram descobertos depois de seis meses,
quando já não é mais obrigatório manter os
documentos de campanha. As sanções deveri-
am ter vigência até a data da eleição seguinte
para o mesmo cargo. As empresas que doas-
sem ilegalmente, além de pagar multas, ficari-
am cinco anos sem poder participar de licitações
ou de celebrar contratos com o poder público.
Os partidos políticos seriam punidos com a anu-
lação dos votos, multas e proibição de acesso
ao fundo partidário e ao horário eleitoral gra-
tuito. Os políticos transgressores deveriam ter
os seus mandatos cassados.
3. Criar um sistema de auditoria por
sorteio ––––– O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
e os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) não
têm capacidade para fazer uma auditoria de-
talhada das contas de todos os candidatos que
concorrem no Brasil. São milhares de nomes
em cada pleito, com dezenas de informações
prestadas por candidato(a). Sem contar que o
simples preenchimento dos formulários de
prestação de contas, sem a apresentação das
notas e a checagem com doadores e fornece-
dores, é pouco eficiente.
Uma sugestão é adotar um sistema de
auditagem das contas por sorteio. Apenas um
número reduzido de candidatos (10%, por
exemplo) seria rigorosamente investigado.
Desses, seria pedido uma prestação extremante
detalhada com checagem dos dados às empre-
sas doadoras, aos prestadores de serviços e
fornecedores. O espírito é o mesmo que guia
a prática do exame antidopping no esporte e
as recentes investigações da Controladoria
Geral da União (CGU) nas contas dos municí-
pios: a possibilidade de ser sorteado é um
desestímulo para a transgressão.
4. Baratear as campanhas – – – – – Na última elei-
ção, os quatro candidatos mais importantes
na disputa presidencial declararam ter gasto
cerca de R$ 60 milhões. A comparação com
outros países é difícil, por conta de uma série
de fatores: o sistema eleitoral, o tamanho do
eleitorado, o valor da moeda e a renda da
população. Mas só para se ter uma idéia, na
França, um candidato a presidente pode gas-
tar no máximo cerca de R$ 22 milhões no
primeiro turno e R$ 30 milhões no segundo
(valores do ano de 2000). Nos Estados Uni-
dos, os dois principais candidatos nas elei-
ções presidenciais de 2000 receberam do
fundo público cerca de US$ 134 milhões –
grande parte foi gasta na compra de tempo
na televisão, já que lá não existe horário elei-
toral gratuito.
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*Jairo Nicolau
Cientista político,
professor-pesquisador
do Instituto
Universitário de
Pesquisas do Rio de
Janeiro (Iuperj)
N A C I O N A L
As campanhas brasileiras são caras por
uma série de razões. Nas disputas para o Execu-
tivo, a modernização das técnicas de propa-
ganda – com uso intensivo de pesquisas, pro-
dução de sofisticados programas de rádio e
televisão, contratação de profissionais de
marketing, produção de elaborado material de
publicidade – encareceu em demasia os custos.
Nas eleições proporcionais, o grande número
de candidatos e de partidos e o tempo reduzido
no horário eleitoral incentivam que os candi-
datos gastem cada vez mais para garantir uma
votação que os torne competitivos. Além disso,
candidatos de todos os partidos reclamam do
fim da militância voluntária, que os obriga a
contratar cabos eleitorais, sobretudo para as
atividades de rua.
Existe muita controvérsia na classe políti-
ca sobre a viabilidade de baratear as campanhas
no Brasil. Mas algumas sugestões merecem ser
estudadas com cuidado, entre elas, o adia-
mento, em pelo menos um mês, do início oficial
da campanha de rua, e a transformação de
parte do horário eleitoral gratuito em trans-
missão “ao vivo”.
5. Simplificar a prestação de contas –
O sistema de prestação de contas em vigor
no Brasil é de um detalhamento bizantino.
Para preencher a contento todos os formulários
exigidos pela legislação, o candidato que real-
mente deseja fazer campanha deve contratar
um tesoureiro. Do contrário, passará horas do
seu dia anotando o número dos cheques rece-
bidos, dos recibos emitidos e tendo que iden-
tificar, entre os 23 quesitos do formulário de
despesas, onde um determinado gasto se enqua-
dra. Ainda que quisessem, não seriam muitos
os políticos em condições de prestar contas tal
como exigido pela legislação.
Duas medidas poderiam ser adota-
das para simplificar a prestação de contas.
A primeira é a utilização de um sistema on-
line, à maneira do utilizado para a declara-
ção do Imposto de Renda. Pelo menos, os(as)
candidatos(as) que concorressem às eleições
gerais (Presidência da República, governos es-
taduais, Senado e Câmara dos Deputados)
seriam obrigados(as) a preencher seus dados
em um programa on-line, que teria a vanta-
gem de identificar possíveis incongruências de
preenchimento. Outra vantagem desse siste-
ma é que se poderia exigir uma primeira pres-
tação de contas ainda durante a campanha.
Uma segunda medida necessária é diferen-
ciar as contribuições de valores altos das de
valores reduzidos. Quantias de até, por exem-
plo, R$ 500, seriam notificadas de maneira
mais simples, enquanto que acima desse valor
teriam prestações mais detalhadas. O sistema
deve ser realista e estabelecer um patamar a
partir do qual uma doação para um candi-
dato ou partido pode configurar influência
de interesses econômicos na disputa. O que
importa é monitorar o fluxo de valores rele-
vantes e não as pequenas quantias doadas
por pessoas comuns.
6. Garantir o acesso às informações so-
bre os gastos de campanha – O Brasil tem
um dos melhores sistemas de apresentação das
contas de campanha para o público. Qualquer
pessoa que visitar a página do TSE pode obter
informações detalhadas (quem doou e quanto
foi doado, e quanto e em que os recursos fo-
ram gastos) de todos(as) os(as) candidatos(as).
Um problema é que as informações aparecem
de maneira indiferenciada. Por exemplo, em
uma página com recursos recebidos pelo can-
didato Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, apa-
rece uma doação de R$ 13 ao lado de outra de
R$ 1,9 milhão. Os dados aparecem em deze-
nas de páginascom informações sobre doações
e gastos, sem qualquer sistematização – o que
dificulta o acesso às informações mais relevan-
tes (grandes doações e grandes gastos).
Na maioria dos países existe um patamar
mínimo acima do qual se exige a identificação
dos doadores. O objetivo é simplificar a pres-
tação de contas, reduzir os custos administra-
tivos e manter o anonimato das pequenas
doações, que são interpretadas como expressão
da participação política. Nos Estados Unidos,
apenas pessoas que doam mais de US$ 200 por
ano são identificadas. Na Austrália, os valores
são ainda mais altos; os partidos são obrigados
a apresentar as informações apenas das pessoas
que doaram acima de US$ 1 mil. No Brasil, a
abertura dos dados apenas dos maiores doa-
dores poderia simplificar o acesso e facilitar
a fiscalização.
O público leitor pode estar se pergun-
tando se com a adoção das medidas elenca-
das neste artigo o financiamento ilegal das
campanhas deixaria de existir no Brasil. A res-
posta é não. Mas, certamente, os incentivos
para a doação legal aumentariam significati-
vamente. Sobretudo, por conta da introdução
de auditorias detalhadas e de pesadas sanções
para os transgressores. Além disso, as mudan-
ças devem produzir um sistema mais simples,
mais transparente e mais barato.

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