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COSTA, Célia. Lysâneas, um autêntico do MDB

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Lysâneas, um autêntico do MDB 
Célia Costa e Julialla Gagliardi 
Este trabalho se insere no âmbito de uma pesquisa mais ampla sobre a 
constituição do campo dos direitos humanos no Brasil durante o período do re­
gime militar (1964-1984). Pretendemos analisar a constituição desse campo, a 
partir da ação política de um parlamentar de oposição ao regime, Lysâneas Maci­
el, cuja trajetória como advogado e parlamentar se identifica cof!l o gradual pro­
:esso de luta pelo direito à cidadania nesse período. 
Nessa primeira abordagem fizemos um recorte na atuação parlamentar 
de Lysâneas, trabalhando principalmente com a sua primeira legislatura na Câ­
mara Federal (1970-1974). Mais especificamente, analisaremos sua atuação na 
Câmara, a partir de sua inserção no grupo de parlamentares do Movimento De­
mocrático Brasileiro (MDB), conhecido como "autênticos", e que surge exata­
mente na legislatura que se inicia em 1970. Esses parlamentares destacavam-se 
pelo trabalho desenvolvido na Câmara em prol da defesa dos direitos humanos e 
Nota: Cél ia Cosla é pesquisadora do CPDOC/FGV. Juliana Gagliardi é aluna de graduação em História da 
Ueri e bolsista de iniciação científica da Faperj. 
Estudos Hist6n"cos, Rio de Janeiro, n" 37. janeiro-junho de 2006. p. 201·212. 
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do respeito à soberania nacional, freqüentemente desrespeitados pelo regime de 
ditadura militar instaurado no país com o golpe de 1964. 
O desenvolvimento deste texto baseou-se não só no uso de fontes biblio­
gráficas, como também em pesquisa em jornais e nos arquivos pessoais de Lysâ­
neas Maciel e Ulysses Guimarães, além de informações colhidas em depoimen­
tos com remanescentes do grupo, como é o caso de Fernando Lyra. 
Lysâneas, adJlogado e político 
Nascido em Patos de Minas (MG) em 23 de dezembro de 1926, filho de 
Antônio Dias Maciel, advogado e pastor protestante, e de Ordália Pinto Maciel, 
Lysâneas Maciel formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1951. De origem 
conservadora, membro da Igreja Presbiteriana, Lysâneas só começou a desper­
tar para a política após o golpe militar de março de 1964, quando assumiu, como 
advogado, a defesa de presos políticos e levantou a bandeira dos direitos huma­
nos. 
Por ocasião da implantação do bipartida ris mo optou por filiar-se ao 
MDB, partido pelo qual se elegeu deputado federal pela Guanabara, em 1970. 
Durante seu primeiro mandato, foi membro da Comissão de Constituição e Jus­
tiça e suplente da Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados. Na 
Comissão de Consti tuição e Justiça, desempenhou um importante papel na defe­
sa dos direitos humanos, apresentando, por diversas vezes, "voto em separado" 
em relação a projetos analisados pela Comissão. Uma das suas participações mais 
polêmicas diz respeito ao projeto de lei apresentado por Tancredo Neves com o 
objetivo de modificar o Decreto-Lei nO 898, relativo a "crimes contra a Seguran­
ça Nacional e a Ordem Política e Social", que previa a instituição da pena de mor­
te. Lysâneas, no seu "voto em separado", criticou severamente o parecer do rela­
tor contrário ao projeto, apresentando em seguida um parecer juridicamente 
fundamentado, aprovado pela Comissão por 14 votos contra 4 (Arquiyo Lysâne­
as Maciel, CPDOC/FGV). 
Eleito para o mar,dato seguinte (1974-1978) com 100 mil votos, Lysâneas 
tornou-se presidente da Comissão de Minas e Energia, sendo considerado pela 
imprensa, na época, um dos melhores parlamentares do Congresso N acionaI. Sua 
identificação com a causa da defesa dos direitos humanos, bem como a opção pela 
atuação dentro do Parlamento, faziam de Lysâneas um oUlsider em relação ao "pa­
drão de esquerda marxista" atuante no período. No início dos anos 1970, os direi­
tos humanos constituíam um campo de atuação quase exclusivo dos movimentos 
cristãos. Nesse sentido, é importante lembrar a relação de Lysâneas com o Conse­
lho Mundial de Igrejas, inclusive sua participação como funcionário desse Conse-
Lysi/neas, UIII autêntico do MDB 
lho durante seu período de exílio voluntário (1976-1979), após sua cassação, em 
1976. A luta pelos direitos do homem, levada a cabo por Lysâneas e pelos autênti­
cos do MDB, sobretudo no período de 1970 a 1974, só será encampada e valoriza­
da pela esquerda marxista após a anistia, em 1979. 
Quando assumiu o mandato de deputado, em 1971, Lysâneas tinha a ex­
pectativa de poder atuar como membro de um partido de oposição, mas logo per­
cebeu que o partido seguia a orientação de se opor "teoricamente" ao regime, sem 
se posicionar contra medidas concretas do governo, razão pela qual não se priori­
zava a discussão de questões importantes como, por exemplo, o desrespeito aos 
direitos humanos. Tal conduta caucionava a impressão de que o partido havia 
sido criado para forjar uma "aparente democracia" e de que a grande maioria dos 
deputados emedebistas compactuava com essa farsa (Motta, 1998). 
o Ato Institucional,," 2 e o "ascimento do MDB 
Para a melhor compreensão da atuação do grupo dos "autênticos" den­
tro do MDB, torna-se necessário contextualizar as origens do partido, sua com­
posição e atuação na conjuntura política do período. 
No dia 10 de abril de 1964, dez dias depois do golpe, o general Humberto 
Castelo Branco é eleito pelo Congresso presidente da República. Militar da linha 
moderada do Exército, muito próximo aos EUA, Castelo foi um dos principais 
articuladores da conspiração militar contra o presidente João Goulart e gozava 
de grande prestígio junto aos oficiais da ativa. O novo governo congregará políti­
cos conservadores da União Democrática Nacional (UDN) e tecnocratas, além 
de militares. 
Apesar do clima de repressão política contra os que apoiavam o antigo 
governo, os militares ainda contavam com o apoio dado pelas classes médias ao 
golpe. Esse apoio, contudo, começava a ser minado, sobretudo em decorrência 
do caráter impopular do programa de estabilização econômica do governo. Tan­
to isso é verdade que, em outubro de 1965, a oposição conseguiu sair vitoriosa das 
eleições para os governos de dois importantes estados, Minas Gerais e Guanaba­
ra. Em represália, o governo promulgou, ainda em outubro, o Ato Institucional 
n° 2 que, entre outras medidas de exceção, dissolveu todos os partidos políticos e 
estabeleceu eleições indiretas para presidente da República e governadores. 
No final de novembro, após a dissolução dos partidos políticos em funci­
onamento, o governo instituiu O bipartidarismo. Foram criados a Ação Renova­
dora Nacional (Arena), que aglutinou os adeptos ao regime militar, e o Movi­
mento Democrático Brasileiro (MDB), que reuniu os políticos contrários ao gol­
pe e ao governo dos militares mas que ainda acreditavam na oposição via parla-
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mento, e também os que, apesar de não terem se posicionado contra, ofereciam 
algum tipo de resistência ou crítica ao governo. 
Do ponto de vista do governo, a instituição do bipartidarismo visava a 
solucionar dois importantes problemas. Em primeiro lugar, os militares julga­
vam necessário aniquilar os partidos comprometidos com as reformas de base 
defendidas pelo governo anterior, em particular o Partido Trabalhista Brasileiro 
(PTB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), tendo em vista que se constituíam 
em potenciais contestadores do regime militar recém-instaurado no poder. Em 
segundo lugar, era preciso constituir um partido identificado com o "ideário" do 
regime, de forma a garantir ao governo apoio no Congresso Nacional. Além de 
solucionar esses dois problemas, a opção pelo bipartida ris mo, ao invés de um 
partido único, garantiria também a "fachada democrática", importante para a 
imagem do governo no exterior, e possibilitaria melhor controle da oposição no 
• 
Congresso (Kinzo, 1988: 28). E nesse contexto político que surge,em 1966, o 
MDB, congregando não só políticos dos partidos que haviam sido extintos pelo 
AI-2, como também pessoas que estavam iniciando sua vida parlamentar naque­
le momento, e que se posicionavam politicamente contra a ditadura militar. 
Uma das grandes dificuldades encontradas pelo partido, na sua consti­
tuição, residiu na obtenção do número de representantes exigidos pela nova le­
gislação, 113 da representação na Câmara e no Senado. Essa dificuldade decorria 
do esvaziamento da oposição legal, em virtude do grande número de cassações 
de mandatos de parlamentares dos antigos PTB e PSB, partidos cujos membros 
integrariam a base da nova agremiação. Como se pode observar, foram grandes 
os problemas encontrados pela oposição para a constituição do novo partido, 
cuja base era essencialmente urbana. A parcela do partido oriunda do antigo Par­
tido Social Democrático (PSD) garantiria, contudo, algum tipo de penetração no 
interior do país em determinados estados, além do tom moderado do partido, 
principalmente no Senado. 
Essa composição variava de acordo com a herança partidária de cada es­
tado. Assim, por exemplo, se no Rio Grande do Sul o MDB era constituído so­
bretudo de ex-trabalhistas, no Rio de Janeiro havia uma presença forte de pesse­
distas. Já em Pernambuco, PSD e UDN aderiram ao partido do governo, ficando 
originalmente a oposição reservada ao PSB e aos membros do Partido Comunis­
ta Brasileiro (PCB) que ainda não haviam sido cassados pela repressão. De uma 
maneira geral, podemos, entretanto, afirmar que o MDB absorveu prioritaria­
mente as agremiações com bases urbanas. 
Com relação aos objetivos do partido, por ocasião de sua fundação, 
pode-se destacar a restauração da democracia plena, o desenvolvimento econô­
mico em bases nacionais e uma política externa independente, o que significa di-
Lysâlleas, 1/11/ alltêlltico do MDB 
zer o combate à penetração do capital multinacional na economia. Na prática, a 
oposição se comportava de forma conciliatória, e a luta pelo retorno à democra­
cia permanecia letra morta. Os objetivos do partido, todavia, se tornariam, a par­
tir de 1970, as principais bandeiras do grupo dos "autênticos". 
Apesar das inúmeras restrições políticas impostas ao país pelos atos ins­
titucionais, as eleições para o legislativo, como sabemos, mantiveram-se diretas, 
com o Congresso Nacional funcionando normalmente, com exceção de dois pe­
ríodos. Um primeiro, entre dezembro de 1968 e outubro de 1969, quando esteve 
fechado em decorrência do Ato Institucional nO S, decrétado em 13 de dezembro 
de 1968. O Ato Complementar nO 38, editado logo após o AI-S, determinou o re­
cesso do Parlamento por tempo indeterminado, além de ter ampliado o número 
de cassações de deputados. Um segundo período ocorreu durante o governo Gei­
sel, em abril de 1977, quando foi decretado o Ato Complementar nO 102, que de­
terminou novamente o recesso do Congresso. O governo havia proposto uma re­
forma para o Judiciário que recebeu voto contrário do MDB, não atingindo os 
2/3 necessários para sua aprovação. Em reprimenda ao comportamento da oposi­
ção e temendo que em 1978 o partido oposicionista repetisse a vitória de 1974, o 
governo decidiu pelo recesso do Congresso, com o respaldo do AC-I02, e baixou 
uma série de medidas políticas, conhecidas como "pacote de abril", entre elas, a 
extensão do tempo de mandato presidencial para seis anos; a censura prévia so­
bre a propaganda política, conhecida como Lei Falcão; a instituição dos senado­
res biônicos, e a aprovação das leis no Congresso apenas com maioria simples 
(SO% + 1). 
Lysâneas, um autêntico do MDB 
Em 1970, em <iecorrência da nova onda de cassações ocorridas em 1969, 
após o AI-S, a grande maioria dos deputados eleitos pelo partido de oposição, 
provenientes dos mais diferentes estados do país, não tinha passado político e se 
encontrou pela primeira vez na Câmara Federal, em Brasília. Muitos não se co­
nheciam, mas logo perceberam que o partido ao qual haviam se filiado não se ca­
racterizava, de fato, como partido de oposição. Lysâneas Maciel era um desses 
deputados que iniciavam a vida política e parlamentar com as eleições de 1970. 
Logo no início da legislatura (1971-1974), os deputados 
posteriormente identificados como "autênticos" passaram a se destacar 
pelos seus discursos em plenária e por se posicionarem contra a inércia 
parlamentar dominante no Congresso. "No começo não conhecíamos 
uns aos outros", confirma Lysâneas, "mas logo vimos que tínhamos a 
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mesma linguagem, a mesma maneira de atuar e houve então o surgi­
mento natural do grupo em conseqüência das afinidades ideológicas" 
(Opinião, Rio de Janeiro, 18/10/1974). A alcunha de "autênticos" foi 
dada por um repórter do jornal O Globo, Evandro Paranaguá, que tinha 
ido cobrir, em 1971, um seminário do MDB realizado no Rio Grande do 
Sul. 
Como se tratava de um grupo de deputados muito participativo, eram 
constantes as propostas de projetos-lei, emendas e CPIs encaminhadas pelos de­
putados "autênticos", embora freqüentemente não fossem votadas ou não obti­
vessem maioria, como no caso da CPI dos direitos humanos, que será proposta e 
defendida por Lysâneas Maciel no seu segundo mandato, em meados de 1975. 
Aliás, Lysâneas era o representante do grupo em todas as situações que envolvi­
am os direitos humanos. Já em 1971, em pleno governo Médici, Lysâneas profe­
riu um discurso defendendo a música de Chico Buarque ''Apesar de você", que 
havia sido censurada pelo governo. 
Fora do Congresso, o clima político era de radicalização. Organizaçoes 
políticas que atuavam na clandestinidade partiam para o conflito armado em res­
posta à censura dos meios de comunicação, às prisões e torturas, enfim, à total 
ausência de liberdade nos diferentes setores da sociedade. A oposição parlamen­
tar, até então voz consentida, começou a mudar a face do Congresso, sobretudo 
da Câmara, com a presença dos novos deputados. A luta dos autênticos pelos di­
reitos humanos transformou o Parlamento em um campo legítimo de luta pelo 
retorno à democracia, preenchendo o vazio programático que dominava o Con­
gresso no período pós-golpe. 
Segundo depoimento de Fernando Lyra, I um dos depu tados autênticos, 
o grupo era constituído de 13 deputados, mas contava com o apoio de outros par­
lamentares do partido em votações importantes, ampliando seu raio de ação con­
forme a conjuntura política ou a ocorrência de determinados episódios. Nessa le­
gislatura (1971-1974), a bancada do MDB era composta por 76 deputados, e os 
autênticos chegaram a contar, em algumas situações, com o apoio de mais de 20 
deputados2 
Na verdade, os autores divergem com relação ao número exato de inte­
grantes do grupo de autênticos. Fernando Lyra afirma que são 13, mas ao relacio­
nar os nomes dos deputados chega a 14. Por outro lado, exclui da lista nomes im­
portantes citados no livro de depoimentos publicado por Ana Beatriz Nader, tais 
como Fernando Cunha (PE), Amaury Müller (RS) e Francisco Amaral (RJ). Ao 
que parece, esse número variava de acordo com cada situação específica. Toman­
do por base um dos mais importantes episódios da trajetória do grupo, o lança­
mento da anti candidatura à Presidência da República em 1974, observa-se, ana­
lisando três autores, que esse número oscilava em torno de 20 membros. Ana 
Lysâneas, UI1I autêntico do MDB 
Beatriz Nader (1998: 16), em seu livro Autênticos do MDB, trabalha com a hipóte­
se de serem 23 autênticos, Maria D' AI va Kinzo (1988: 150) fala de 21 deputados, 
enquanto Alencar Furtado (1977: 81-82), um dos integrantes do grupo, afirma 
em seu livro Salgando a teITa que 22 "autênticos" assinaram o documento entre­
gue ao colégio eleitoral. Especificamente em relação a esse episódio, Fernando 
Lyra confirma, com certeza, que foram 23 os assinantes do manifestocontrário à 
participação nas eleições indiretas que conduziram Ernesto Geisel à Presidên­
cia da República, ressaltando, inclusive, ter sido esse o episódio que conseguiu 
maior adesão de parlamentares à causa dos autênticos. 
Em que consistiu esse famoso episódio? Como se sabe, durante o regime 
militar a sucessão presidencial era decidida pelo colégio eleitoral. No final do go­
verno do general Emílio Garrastazu Médici surgiu, no grupo dos "autênticos", a 
idéia de lançar "anti candidatos" em protesto contra as eleições presidenciais, 
consideradas por eles ilegítima, por julgarem que seu resultado era previamente 
definido. Após discussão dentro do partido, o grupo consultou Ulysses Guima­
rães, ex-pessedista considerado pela imprensa um deputado combativo mas 
identificado com a ala moderada do partido, para lançar sua anticandidatura. Se­
gundo depoimento de vários deputados autênticos, Ulysses reagiu negativamen­
te à idéia, no início, mudando sua posição quando soube que Barbosa Lima So­
brinho, consultado pelos "autênticos" para ocupar a vice-presidência na chapa, 
havia dado o seu aval. 
Desde o início, não era intenção do grupo participar do colégio eleitoral, 
e o acordo selado com os "anticandidatos" ia nessa dIreção. A idéia principal 
consistia em utilizar os meios de propaganda eleitoral, aproveitando a oportuni­
dade da "campanha" para desenvolver uma consciência política crítica no inte­
rior do país, o que de fato aconteceu, como mostraram os resultados das eleições 
para a Câmara Federal, realizadas também em 1974. A renúncia à votação no 
colégio funcionaria como protesto e denúncia da "farsa eleitoral", criando uma 
situação de fato. Por ocasião das eleições, entretanto, realizou-se uma reunião do 
partido, e a decisão de participar do pleito indireto saiu vitoriosa, com 129 votos 
contra 62. O jornal Opinião, ao comentar favoravelmente a proposta do grupo, 
informa e questiona: 
• 
( ... ) o partido oficial de oposição deverá sustentar seus 
candidatos até que eles sejam derrotados na votação de um Colégio Elei­
toral composto por 4/5 de arenistas e 1/5 de representantes do MDB ( ... ) . 
Se o MPB só vai apresentar seus candidatos no dia 15 de janeiro para 
que eles sejam derrotados, que diferença fazia deixar de apresentá-los? 
Teoricamente nenhuma. Na prática, entretanto, a decisão da convenção 
corresponde à tática de não correr nenhum risco de desagradar o futuro 
governo. (Opinião, 10/12/1973: 2) 
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Derrotados, os "autênticos" retiraram-se do plenário na ocasião, após 
entregar à Mesa um documento explicando as razões da renúncia ao voto. 
Os "autênticos" recordam o episódio com mágoa. Segundo eles, além de 
ter quebrado o acordo inicial, Ulysses Guimarães não se portou de forma leal du­
rante a campanha, na medida em que não citava os autênticos em seus discursos, 
omitindo inclusive a paternidade da idéia da anticandidatura (Arquivo Ulysses 
Guimarães, CPDOC/FGV). Novamente, o jornal Opinião denuncia: "se [os au­
tênticos] sao os mais combativos e fervorosos membros da bancada federal do 
MDB, o que estão fazendo todo esse tempo afastados da grande atividade atual 
do partido, a campanha de Ulysses e Barbosa Lima Sobrinho à presidência e 
vice-presidência da República?" (Opinião, 19/11/1973: 3). Falando da participa­
ção de Ulysses no colégio eleitoral, Freitas Diniz afirma que foi uma "fraqueza 
irreparável, que maculou sua biografia", enquanto Alencar Furtado (1998: 52) se 
queixa: "Ele poderia ter chegado ao plenário como um gigante, 'mas chegou 
como um pigmeu". 
Embora integrassem o MDB, os parlamentares "autênticos" criticavam 
a atuação do partido no Congresso, sobretudo quando este compactuava com a 
política repressiva e entreguista da ditadura. Os outros membros do partido, 
chamados em contrapartida de "moderados", nem sempre os apoiavam, embora 
em algumas situações houvesse cumplicidade entre os dois grupos. Lysâneas 
Maciel criticava essa falta de apoio dos correligionários, acusando os parlamen­
tares de se preocuparem prioritariamente com a defesa de seus próprios manda­
tos, em detrimento de uma verdadeira atuação de oposição. Como "autêntico", 
lutou pelas idéias e princípios defendidos pelo seu grupo sem, no entanto, se 
afastar da linha programática do partido nem promover qualquer ruptura no 
quadro institucional. Ao contrário, empenhou-se em preservar a unidade parti­
dária exigindo, contudo, a definição de diretrizes que tornassem o partido mais 
atuante no cenário político brasileiro. 
Era visível, entretanto, a divisão do partido. Enquanto os "moderados" 
mostravam-se tímidos e ponderados diante das arbitrariedades do governo, os 
"autênticos" exerciam o verdadeiro papel de oposição. Essa divisão fica mais evi­
dente quando o próprio partido é atingido pelo regime e não reage, como no caso 
da condenação e cassação do deputado "autêntico" baiano Chico Pinto. Segundo o 
Opinião, a direção do partido, dominada pela facção dos "moderados", "limitou-se 
a distribuir uma tímida nota oficial, onde (sic) quase pede desculpas ao Supremo 
Tribunal (Militar) por ser obrigada a vir a público discordar de sua decisão". Ouvi­
do pelo Opiniao, Lysâneas propôs: "O partido de oposição, se não levar em conta o 
que realmente vem acontecendo, não passará de um simulacro justificado r do que 
pretendo condenar. ( ... ) A oposição tem que ser impertinente, para se tornar perti­
nente, tem que ser audaciosa e não consentida" (Opinião, 18/10/1974: 3). 
Lysâlleas, 11m autêlltico do MDB 
Em discurso pronunciado no dia 4 de janeiro de 1973, Lysâneas defen­
deu a volta do habeas corpus, alegando ser o principal instrumento de defesa dos 
direitos individuais; em 28 de maio de 1974, denunciou na plenária as torturas e 
o desaparecimento de presos políticos; em 3 de agosto de 1974, posicionou-se 
contra a prisão indefinida, sem julgamento, de muitos presos políticos, e, em ou­
tubro do mesmo ano, um projeto de sua autoria determinando proteção judiciá­
ria para os presos ou detidos foi aprovado, por unanimidade, pela Comissão de 
Constituição e Justiça da Câmara. São inúmeros os pronunciamentos, projetos e 
pareceres de Lysâneas nessa direção. Sua atuação séria e destemida em prol dos 
direitos humanos, nos seis anos em que esteve na Câmara durante o regime mili­
tar, marcará sua trajetória pública. 
No início do ano de 1976, Lysâneas voltou a denunciar as prisões políti­
cas arbitrárias e, no dia 30 de março desse mesmo ano, pronunciou veemente dis­
curso em defesa dos deputados gaúchos Amaury Muller e Nadyr Rosetti, inte­
grantes do grupo dos autênticos do MDB, que haviam sido cassados em decor­
rência de pronunciamentos críticos ao governo. Isso resultou na sua própria cas­
sação, em 10 de abril, exatamente o dia em que o golpe militar completava seu dé­
cimo segundo aniversário. Lysâneas permaneceu em Genebra, em exílio volun­
tário, até o decreto da Anistia, em 1979, quando retornou ao Brasil. 
Apesar da não-organicidade do grupo, havia, segundo depoimento de 
Lyra, uma certa divisão de trabalho entre os seus membros. Dessa forma, assim 
como Lysâneas era o principal responsável pela defesa dos direitos humanos 
frente aos abusos do regime, Francisco Pinto, outro aguerrido membro do grupo 
dos autênticos, era sempre o indicado pelos companheiros para denunciar na tri­
buna a política econõmica do governo, particularmente quando estava em jogo a 
soberania nacional, e assim por diante. 
O papel desempenhado pelo grupo dos "autênticos" nos anos 1970 foi, 
sobretudo, o de denunciar as arbitrariedades do regime e de pressionar no senti­
do de abrir caminho para o retorno à democracia. Desse prisma, o traço mais 
marcante da atuação parlamentar do grupo consistia nos seus contundentes dis­
cursos em plenária. Um dos primeiros exemplos, nesse sentido, foi o pronuncia­
mento de AlencarFurtado (1998: 48), em 1971, denunciando o desaparecimento 
de Rubens Paiva e cobrando seu paradeiro. A partir de então, foram vários os 
pronunciamentos contra as aplicações do Decreto-Lei nO 477, contra a censura 
nos meios de comunicação, contra a tortura e o desaparecimento de presos políti­
cos, e a favor da proteção do mercado nacional. Por diversas vezes, os "autênti­
cos" se pronunciaram reivindicando a revogação do AI-5, que acabou atingindo 
grande parte do grupo. Vários deputados tiveram seus mandatos cassados e os 
direitos políticos suspensos, com base nesse Ato, como foi o caso do próprio 
Lysâneas Maciel. 
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A luta dos "autênticos" do MDB em oposição ao regime e aos governos 
militares foi um marco fundamental no processo de redemocratização do país. 
Na verdade, o maior mérito dos autênticos residiu no combate, sem cessar, den­
tro e fora do Congresso, em defesa dos direitos humanos. Sua luta teve uma im­
portância e significado especial na transformação do MDB numa verdadeira 
frente parlamentar de oposição, que por sua vez teve papel fundamental no pro­
cesso de abertura democrática que se iniciou no final da década de 1970, com a 
anistia ampla e irrestrita. Mesmo merecendo críticas, a lei da anistia permitiu a 
volta ao Brasil de dezenas de cidadãos brasileiros excluídos, durante 15 anos, da 
vida política do país. 
Notas 
I. Depo.imento. prestado. ao. CPDOC/FGV 
no âmbito do projeto "Memória Viva", 
co.nvênio. FGV/Assembléia Legislativa de 
Pernambuco., no. dia 06/07/2005, em 
Recife. 
2. São os seguintes os deputados citados 
po.r Fernando. Lyra co.mo. integrantes do. 
grupo.: Alceu Colares (RS); Alencar 
Referências bibliográficas 
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EdUfo?, 
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(MA); Freitas No.bre (SP); Getúlio. Dias 
(RS); JG de Araújo. Jo.rge (RJ); Lysâneas 
Maciel (RJ); Marco.ndes Gadelha (PB); 
Marco.s Freire (PE); Paes de Andrade 
(CE); Santílio. So.brinho. (SP); e Walter 
Silva (RJ). 
NADER, A. B. 1998. Autênticos <W MDB: 
semeadores da democrzcia. São Paulo, paz 
e Terra. 
Periódicos 
Jornal Opinião (1972-1977) 
Jornal Movimento (1975-1976) 
Arquivos 
Arquivo pessoal de Lysâneas Maciel. 
Centro de Pesquisa e Documentação de 
História Contemporânea do Brasil 
(CPDOC-FGV), Rio de Janeiro. 
Arquivo pessoal de Ulysses Guimarães. 
Centro de Pesquisa e Documentação de 
Resumo 
Lysâ'lCas, um autê"tico do MDB 
História Contemporânea do Brasil 
(CPDOC-FGV), Rio de Janeiro. 
(Recebido para publicação em outubro e 
apruvado em dezembro de 2005) 
O trabalho se propõe a analisar a luta em defesa dos direitos humanos travada 
no Congresso brasileiro durante o regime militar (1964-1984), tendo por base 
a atuação de Lysâneas Maciel, deputado "autêntico" do Movimento 
Democrático Brasileiro (MDB), na legislatura 1970-1974. O texto procura 
mostrar como, em um contexto político de radicalização ideológica, marcado 
de um lado pela atuação das organizações políticas clandestinas, e de outro 
pela ação repressiva dos militares, os "autênticos" conseguiram transformar o 
Parlamento em um campo legítimo de luta pelo retorno à democracia, e o 
MDB, numa verdadeira frente parlamentar de oposição. Essa "frente" teve 
papel fundamental no processo de abertura democrática que se iniciou no 
final da década, com a anistia ampla e irrestrita. 
Palavras-chave: direitos humanos, Lysâneas Maciel, partidos políticos, 
regime militar, repressão. 
Abstract 
T his article intends to analyze the struggle in defense of human rights held at 
Brazilian Congress during military rule (1964-1984), with emphasis on the 
performance, in the 1970-1974 term, of Lysâneas Maciel, a member of the 
"autênticos" group of the opposition party, the Brazilian Democratic 
Movement (MDB). It tries to show how, in a context of ideological 
radicalization, with clandestine political organizations on one side, and 
military repressive action on the other, the "autênticos" were able to turn the 
Parliament into a legitimate field of struggle for the return to democracy, and 
MDB into a real opposition parliamentary front. T his front has played a 
major role in the democratic process that began at the end of the decade with 
wide and unrestricted amnesty. 
Key words: human rights, Lysâneas Maciel, political parties, military rule, 
• repreSSlOn. 
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estudos históricos e 2006 - 37 
Résumé 
Le texte analyse la lutte en défense des droits de l'homme au Congres 
National brésilien pendant la dictature militaire (1964-1984), en prenant 
comme référence Lysâneas Maciel, membre du "groupe des authentiques" du 
parti d'opposition, le Mouvement Démocratique Brésilien (MDB), dans la 
période 1970-1974. I.;analyse veut montrer comment, dans un contexte 
politique de radicalisation idéologique, marqué d'un côté par I'action des 
vrganisations c1andestines, et de l'autre par la repression militiare, les 
"autentiques" ont transformé le Parlement brésilien en un champs de lutte 
pour le retour à la démocratie, et le MDB en un vrai front d'opposition. Ce 
front a joué um rôle essentiel dans le processus d'ouverture démocratique qui 
a commencé avec I'amnistie poli tique à la fin des années 1970. 
Mots-clés: droits de l'homme, Lysâneas Maciel, partis poli tiques, dictature 
militaire, repression. 
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O eu que enuncia "eu" (Benveniste, 1972:32) ... 
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Exemplo: BACHELARD, Gaston. 1984. La (erre el /esrêveries de /avollJlué. Paris, Librairie 
Jose Corti. 
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data da publicaçãoj c) tírulo do artigo entre aspas; d) nome do periódico por extenso (itálico); e) local 
de publicação; O volume e nO do periódico. 
Exemplo: CAMARGO, Aspásia, 1984. "Os usos da história oral c da história de vida: 
trabalhando com elites políticas". Dados. Rio de Janeiro. vol. 27, nO 1.

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