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Trabalho final: Transição e Comunismo (A Luta de Classes na União Soviética) Nome: Mariana Barros Pereira DRE: 113037499 Professor: Luiz Eduardo Pereira da Motta Disciplina: Transição e Comunismo Charles Bettelheim, em seu livro “A luta de Classes na União Soviética”, vai buscar retomar a história desse país para fazer um paralelo com o comunismo teórico e repensar as relações que foram modificadas e as que permaneceram nessa, considerada, primeira grande experiência de edificação socialista no mundo. Esse livro busca demonstrar, também, as barreiras que limitaram o desenvolvimento do centralismo democrático, que é basicamente o direito do partido de constituir facções, e os motivos que levam a percepção da União Soviética como uma superpotência que participa de um complexo jogo de rivalidade e cooperação com o imperialismo norte americano, o que representa uma dupla ameaça às lutas atuais. O ponto de partida deste trabalho é a invasão e ocupação da Tchecoslováquia pelo exército soviético, sendo que este país invadido já havia sido várias vezes vitimado por outras ocupações militares, porque esse foi um dos momentos que constituem a política externa de tipo imperialista adotada pela URSS, sendo necessário impor sacrifícios ao seu povo e o atraso do desenvolvimento econômico do país para a otimização de seu desempenho na corrida pela hegemonia mundial com os Estados Unidos. Essa postura contraditória não se tornou objeto de nenhuma análise, critica Bettelheim, sendo explicada, na maior parte das vezes, como “perversões” de certas personalidades dirigentes do país, como é o caso da grande demonização e culpabilização da figura do Stálin por quase todos os problemas enfrentados pelo comunismo da URSS. Essa associação testemunha o abandono do marxismo como instrumento de análise, porque só cumpriu o papel de consolidar as relações de classes que concentraram poder político e econômico nas mãos de uma minoria desculpabilizando-a, ou seja, só contribuiu para um aprofundamento das contradições sociais ali vigentes. Para além desse atestado de análise simplista, Charles Bettelheim também atenta que o principal obstáculo a uma política socialmente unificada encontra-se não no nível de desenvolvimento das forças produtivas, mas na natureza das relações sociais dominantes, porque, independente do nível das forças produtivas, as classes dominantes é que colocam obstáculos a uma política socialmente unificada. Portanto, o desenvolvimento das forças produtivas jamais pode, por si só, fazer desaparecer as formas capitalistas da divisão do trabalho e as outras relações sociais burguesas. Dessa forma é possível perceber a partir da experiência soviética que o mais difícil não é derrubar as antigas classes dominantes, mas sim destruir, de início, as antigas relações sociais e em seguida impedir que essas relações se reconstituam a partir dos elementos antigos ainda presentes por muito tempo nas novas relações. Pois o que aconteceu na URSS não foi seguir a via do socialismo, mas sim uma forma específica de capitalismo tão opressiva e agressiva quanto suas formas “clássicas”. Bettelheim observa e critica o que chama de “marxismo simplificado”, marxismo que prevaleceu na Europa nas seções da III Internacional e se afastou do leninismo, que trazia em si as premissas do revisionismo moderno, ou seja, uma ideologia burguesa que contribui para consolidar a existência de relações sociais capitalistas na URSS e fora dela. Esse marxismo possui 3 teses fundamentais, com as quais, de acordo com o autor, é necessário romper para devolver ao materialismo histórico e o dialético o seu caráter verdadeiramente revolucionário. São elas: o funda mento das relações de classe, o papel das forças produtivas e as condições de existência e de enfraquecimento do Estado. A primeira tese foi explicitamente desenvolvida por Stálin que faz um balanço das formas de propriedade na URSS entre 1924 e 1936 e conclui que, com a propriedade jurídica privada praticamente liquidada e substituída pela estatal, não há mais capitalistas nas mesmas, logo, as classes exploradoras estariam, também, liquidadas. Essa tese desarma o proletariado na ideia de que a luta de classes terminou, mas, para Bettelheim, a vida se encarrega de lembrar que a transformação das formas jurídicas de propriedade não basta para eliminar as condições de existência das classes e nem abole as relações de produção capitalistas. Já a segunda tese consiste na simplificação do marxismo apresentando o desenvolvimento das forças produtivas como o “motor da história”. Essa tese do primado das forças produtivas também foi exposta por Stálin que coloca a luta de classes em segundo plano e ocorrendo em conformidade com as forças produtivas: “Em primeiro lugar, modificam-se e se desenvolvem as forças produtivas da sociedade; em seguida, em função e em conformidade com essas modificações, transformam-se as relações de produção entre os homens” (Stálin, 1938). E embora alguns textos de Marx sugiram uma temática semelhante, toda sua obra mostra que o motor da história é a luta de classes e não as forças produtivas. Além disso, Charles atenta que essas duas teses precedentes contribuíram para bloquear toda a ação organizada do proletariado soviético destinada a transformar as relações de produção, já que essas seriam automaticamente transformadas pela mudança das forças produtivas. Essa interpretação contribuiu para dissimular a existência da luta de classes na União Soviética levando, por isso, a procurar em outra parte os motivos das grandes dificuldades que afligiam o país; essa outra parte se calcava na culpa das forças produtivas estarem ainda insuficientemente desenvolvidas. Já a terceira tese se refere a existência do Estado soviético não como uma forma transitória transformando-se em um não-Estado, mas em um Estado dotado de um aparelho que funciona dentro de uma hierarquia ainda não terminada. Para o materialismo histórico, o Estado só pode existir se fundamentado nos antagonismos de classes, portanto, o fortalecimento deste é um sinal de aprofundamento dos antagonismos, enquanto o desaparecimento deles vem acompanhado pela extinção do Estado propriamente dito. Sabendo disso, Stálin é levado a afirmar que a existência de um Estado vasto não é fundamental para as relações internas da URSS, mas sim para a causa externa de defender a “propriedade socialista” contra os ladrões e depiladores capitalistas do bem público; defesa militar. Já Trotski explica que o Estado subsiste porque a “luta pela existência individual” ainda não tinha desaparecido da União Soviética, mas defende que, na medida que a organização social se torne socialista, os sovietes deveriam desaparecer. Todas as teses citadas fazem parte da temática economicista do pensamento marxista que traz a dominância da problemática das forças produtivas sobre as outras questões. Esse termo “economicismo” foi empregado por Lênin para caracterizar, de maneira crítica, essa concepção do marxismo que se esforça para reduzi-lo a uma simples “teoria econômica” a partir da qual seria possível entender o conjunto das transformações sociais. Um de seus principais efeitos foi considerar a luta política de classes como produto direto e imediato das contradições econômicas, o que impeliria a classe operária a estar espontaneamente na revolução e também negaria que outras classes oprimidas não pertencentes ao proletariado pudessem lutar pelo socialismo. Dentre as formas desse economicismo estão a centralizadora, considerada “direitista”, e unificadora, que seria de esquerda. A primeira faz da direção centralizada da economia a essência do comunismo e a segunda afirma, pelo menos implicitamente, que a unificação da classe operária e a união dessa com outras classes trabalhadoras pode acontecer espontaneamente pela convergência de interesses. Essas formas geram, também, 2 resultados: um que tende a substituir a direção política e ideológica do proletariado pela coerção estatal, e aoutra substitui essa direção pela ação dos organismos sindicais. Um ótimo exemplo da grande falha dessas teorias para Bettelheim está no exempli chinês, no qual o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas não constituiu obstáculo a transformação socialista das relações sociais e nem tem como obrigatoriedade a passagem por formas de acumulação primitiva, pelo agravamento das desigualdades e etc; prova que não precisa construir primeiro as bases materiais e deixar para mais tarde a transformação das relações sociais. Outra evidência da falha de tal teoria está no próprio exemplo soviético, que tornou-se a segunda potência industrial do mundo e a primeira da Europa, e sua situação de atraso atribuída pelos economicistas como o grande problema para a transição ao comunismo acaba não sendo mais uma realidade enquanto que os problemas nas relações sociais continuam subsistindo. Com tudo isso, nos dias de hoje, a identificação da União Soviética com o socialismo repercute seriamente nas lutas de classe operárias, sobretudo nos países industrializados. Isso porque, além da forte propaganda anti-comunismo pós guerra fria ter sido facilmente propagada numa espécie de demonização do mesmo, os próprios trabalhadores possuem o temor de que o exemplo da URSS seja a grande alternativa ao capitalismo. Para isso, Bettelheim procura estudar a luta de classes na União Soviética a partir de uma perspectiva marxista-leninista em contraposição a esta economicista que triunfou com a execução dos primeiros planos quinquenais e fazia parte das correntes mais Revolucionárias do marxismo da época. Sendo assim, dentro de sua linha de análise, o autêntico partido marxista-leninista tem papel fundamental na resolução de problemas referentes a transformação socialista das relações sociais, esclarecendo uma série de questões que a prática social não podia solucionar. Portanto, uma das grandes chaves para a desmistificação do comunismo em relação a União Soviética está numa reinterpretação da história comparada as teorias de Marx para que se compreenda quais foram os verdadeiros erros nesse primeiro país a tentar edificar uma sociedade comunista no mundo e não persistir nas velhas linhas de pensamento dentro do próprio marxismo que insistem na construção teórica do primado das forças produtivas na transição para uma sociedade igualitária.