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Lenin grandes cientistas sociais

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f ------------------------------------------------------------------ -
EDIÇÃO Tradução: Carlos Rizzi
Copidesque: Maria Carolina de A. Boschi 
Coordenação Editorial: Paulo S. M. Machado 
Consultoria Geral: Prof. Florestan Fernandes
ARTE
<_____
Capa: Elifas Andreato 
Produção Gráfica: Virgínia Y. Fujiwara
Edição de Arte: Eliazar F. Sales
J
ISBN 85 08 03458 x
' .... ....... 1989 ■ ' -----
Todos os direitos reservados pela Editora Ática S.A.
R. Barão de Iguape, 110 — Tel.: PBX 278-9322 (50 Ramais) 
C. Postal 8656 — End. Telegráfico “Bomlivro” — S. Paulo
SUMARIO
INTRODUÇÃO 7
1. PODER E SOCIEDADE
1. Contra o oportunismo e o dogmatismo 
da esquerda, 53
2. Luta de classes e poder político, 66
3. A revolução burguesa e os dois tipos 
de democracia, 70
4. A luta de classes sob o poder 
soviético, 83
II. 0 MOVIMENTO POLÍTICO E
OS PARTIDOS
III. O ESTADO
5. A organização dos operários e a 
organização dos revolucionários, 97
6. Reflexões sobre o período atual, 111
7. Os partidos políticos na Rússia, 124
8. A sociedade de classes e o Estado, 139
9. As tarefas fundamentais da ditadura 
do proletariado e do partido comunista 
na Rússia,
i
153
10. As dificuldades de transição para 
o socialismo, 167
ÍNDICE ONOMÁSTICO 187
Textos para esta edição extraídos de:
Lenine, V. I. Oeuvres. Paris, Editions Sociales, Moscou, Editions du Progrès, 
Editions en Langues Etrangères, 1961, 1962, 1965, 1966, 1969, 1970. 
v. 5, 9, 15, 18, 25, 27, 29, 31, 32.
Florestan Fernandes
Professor de Sociologia da: 
Universidade de São Paulo (1945-69), 
Columbia University (1965-66), 
Universidade de Toronto (1969-72), 
Yale University (1977) 
e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Já se disse que “o leninismo 
é o marxismo da época do im­
perialismo e da revolução pro­
letária”. 1
Esse significado do marxismo- 
-leninismo delimita a impor­
tância teórica e prática de Lê- 
nin. Ele não só se tornou o 
mentor de uma corrente do 
marxismo — aliás, a única que 
produziu ou alimentou as revo­
luções do século XX — dentro 
e fora da Rússia. Ele foi o prin­
cipal dirigente da revolução so­
cialista na Rússia, em suas di­
ferentes etapas, e, em parti­
cular, o seu autêntico “homem 
político” na fase decisiva — como intérprete da história; como 
encarnação sublimada da vontade revolucionária do proletariado 
e de outros setores do povo russo; e como o verdadeiro artífice 
da vitória, nos momentos difíceis da tomada do poder e da cons­
trução das estratégias vinculadas à destruição da ordem burguesa, 
à consolidação do Estado proletário e à transição gradual para o 
socialismo sob a hegemonia do poder soviético — berri como o 
inspirador da rearticulação do internacionalismo socialista como 
movimento mundial.
1 Staline, J. Les questions du leninisme. Paris, Éditions Sociales. 1946 
v. I. p. 10.
8
Esse bosquejo sugere que não se pode fazer um balanço 
razoável da obra política de Lênin sem se considerar, simultanea­
mente, os três marcos de sua atividade: 1°) sua contribuição 
teórica, como criador altamente original no seio do pensamento 
marxista; 2.°) sua contribuição prática, como inventor de no­
vas combinações institucionais de organização do movimento 
marxista-leninista e dos partidos que podiam mediatizar a sua 
transformação em força política especificamente revolucionária 
ou, ainda, como inventor de táticas e de palavras de ordem que 
calibravam politicamente a influência de tal movimento e de tais 
partidos nas condições concretas em que operavam como força 
política revolucionária; 3°) seus papéis históricos, nos diversos 
momentos da evolução do marxismo e do marxismo-leninismo, na 
Rússia ou no plano internacional, e do desenvolvimento do que 
se convencionou chamar de “revolução russa”.
Nos limites de uma introdução a uma apertadíssima seleção 
de textos, além do mais destinada a uso didático, é impossível 
levar a cabo um balanço que faça justiça a Lênin nos três níveis 
mencionados. O terceiro aspecto só não foi sacrificado por com­
pleto porque aparece de modo implícito aqui e ali. Por sua vez, 
o primeiro e o segundo aspectos só foram abordados de forma 
esquemática, para assinalar pontos que são essenciais ou sugerir 
pistas de trabalho mais ou menos fecundas. Poder-se-ia dizer 
que Lênin, o político, cedeu lugar a Lênin, o pensador político, e 
que, ainda assim, este só foi localizado em alguns de seus ele­
mentos centrais. O que é verdade e nasce da natureza mesma da 
presente coletânea de textos. Não há nisso, portanto, nenhuma 
intenção “acadêmica” de despolitizar Lênin — nem isso seria 
possível.
Vida e Obra de Lênin
Vladimir Ilich Ulyanov (ou Nikolai Lênin) nasceu em Sim- 
birsk (depois Ulyanovsk), aos 10 (22)* de abril de 1870, e 
faleceu em Gorki, aos 21 de janeiro de 1924. O pai era inspetor 
escolar, e a mãe pertencia à pequena burguesia rural. Ele e seus 
cinco irmãos se devotaram à luta revolucionária contra a auto­
* O calendário juliano, substituído oficialmente na União Soviética pelo 
calendário gregoriano, em 1923, apresenta uma diferença de 13 dias a 
mais sobre aquele antigo calendário. (N. do Org.)
9
cracia. O irmão mais velho participou de um atentado contra o 
czar Alexandre III e foi executado a 8 (20) de maio de 1887.
Lênin concluiu os seus primeiros estudos em Simbirsk com 
grande êxito, recebendo na formatura uma medalha de ouro 
(Liceu de Simbirsk, em 10 (22) de junho de 1887). Começou os 
estudos universitários na Universidade de Kazan. Associando-se 
às atividades políticas revolucionárias dos estudantes de Kazan, 
nesse mesmo ano (1887) Lênin é expulso da universidade. Até 
1890 participou de vários círculos revolucionários, dedicando-se 
intensamente ao estudo e à divulgação da obra de Karl Marx. 
Autorizado a submeter-se como externo aos exames de Estado da 
Universidade de São Petersburgo, Lênin passou com brilhantismo 
nas provas a que se submetera, em 1891, qualificando-se no ano 
seguinte para o exercício da advocacia. Contudo, não pratica a 
profissão, absorvido como estava pelas atividades políticas. Estas 
o levaram à prisão, a 9 (21) de abril de 1895, e à condenação 
ao degredo na Sibéria oriental, a 29 de janeiro (10 de fevereiro) 
de 1897. Aí viveu durante três anos, deslocando-se por várias 
cidades, nas quais trabalhou fecundamente, tanto como intelec­
tual e investigador, quanto como líder revolucionário. Casou-se 
com Nadezhda Konstantinovna Krupskaya (1869-1939) na Si­
béria, a 10 (22) de julho de 1898.
Suas atividades políticas eram ilegais e clandestinas, sofren­
do constante perseguição policial. Isso impunha aos agrupamen­
tos revolucionários o uso do espaço exterior como recurso de 
sobrevivência. Livros, revistas e jornais eram publicados em 
países da Europa e de lá recambiados para a Rússia e distribuí­
dos clandestinamente. As reuniões para tratar da organização 
desses agrupamentos, de sua linha política, de agitação e de 
propaganda também eram realizadas no exterior. Doutro lado, 
os dirigentes mais importantes e os intelectuais mais criadores 
também eram enviados ao exterior, como medida de proteção de 
suas pessoas e de seu trabalho revolucionário. As duas razões 
concorreram para que Lênin passasse longos períodos de sua vida 
no exterior, embora por duas vezes a expatriação se prendesse a 
motivos específicos de segurança. Em 1895, Lênin realiza várias 
tarefas partidárias e políticas junto ao grupo “Liberação do Tra­
balho” — ao qual pertenciam Plekhanov, Axerold, Zassoulich e 
outras figuras muito conhecidas — e ao movimento operário 
europeu. Outras viagens, da mesma natureza, foram empreendi­
das de abril a maio de 1905 (em que Lênin participou do IV
10
Congresso de Unificação do Partido Operário Social-Democrático 
Russo, em Estocolmo); em 1906 e 1907, quando se desloca 
várias vezes à Finlândia, para tratar da organização do partido, 
da redefinição de suas tarefas ou para se proteger; de abril a fins 
de agosto de 1907 (em que participa de várias atividades do 
partido na Inglaterra, Finlândiae Alemanha). Os dois períodos 
mais extensos de vida no exterior compreendem: de 16 (29) de 
julho de 1900 a 7-8 (21-22) de novembro de 1905, no qual 
residiu em vários países da Europa; e de 13 (22) de dezembro 
de 1907 a 27 de março (9 de abril) de 1917, em que se deslocou 
novamente por vários países. A guerra acabou restringindo as 
cidades em que podia viver sob relativa segurança. Por isso, a 
partir de setembro de 1914 fixou-se na Suíça (em Berna e, mais 
tarde, em Zurique). Quando eclode a “Revolução de Fevereiro”, 
faz várias tentativas para voltar à Rússia. Graças a um acordo 
entre o socialista internacionalista suíço Fritz Platten e o embai­
xador da Alemanha na Suíça, um vagão selado, contendo 32 
imigrados russos e desfrutando as regalias de extraterritorialidade, 
transportou-os para o novo destino. Lênin chegou a Bieloostrov 
a 3 (16) de abril de 1917 e, à noite, a Petrogrado.
Essas condições de atividade política revolucionária davam 
aos militantes russos condições de participação simultânea no 
movimento revolucionário russo e no movimento socialista euro­
peu. Essa circunstância merece especial atenção, pois a ela se 
prende o teor realista e ao mesmo tempo universalista da orien­
tação política de Lênin. Ele conhecia profundamente tanto a 
situação histórica da Rússia, quanto a obra dos principais teóri­
cos europeus do socialismo, com as vantagens e mazelas do 
Partido Social-Democrático e da II Internacional na Europa. 
Doutro lado, graças às suas atividades políticas na Europa e à 
crítica construtiva que fazia às correntes reformistas ou oportu­
nistas do socialismo, Lênin logo granjeou grande prestígio como 
um dos principais teóricos do socialismo revolucionário russo. 
No momento em que eclodiu a revolução soviética, ele passou 
naturalmente ao primeiro plano do movimento socialista mundial, 
o que facilitou enormemente a irradiação mundial da III In­
ternacional, fundada sob sua inspiração e orientação em março 
de 1917.2
2 Sobre a III Internacional e sua fundação, ver esp. Lênin. CEuvres. v. 28.
p. 479-501 e v. 29, em particular, p. 308-16.
11
A facçào bolchevique do P.O.S.D.R. constituiu-se na cisão 
que se deu no II Congresso desse partido, realizado entre 15 (28) 
de julho e 10 (23) de agosto em Bruxelas e Londres. 3 O con­
flito fundamental centrou-se em “um episódio da luta pela 
influência sobre o Comitê central a instalar-se na Rússia”. Mas, 
como salientava Lênin,
“toda a atividade do Iskra [A Centelha, jornal político do par­
tido, então sob o controle de Lênin e seus colaboradores], como 
grupo particular, foi até o presente uma luta pela influência, 
porém, entenda-se, trata-se de algo mais: trata-se de comunicar 
essa influência às estruturas, e não apenas de lutar por ela”.4
A maioria então obtida — “bolchevique” e “menchevique” 
significam, respectivamente, maioria e minoria — logo se desvane­
ceu, com o deslocamento de Plekhanov para a facção antagônica a 
Lênin. Este conheceu, então, um árduo e melancólico período de 
ostracismo e de difamação, dentro do seu próprio partido, ao 
qual conseguiu sobrepor-se pela firmeza de suas convicções e por 
sua fibra de lutador. Mas aí se acham as raízes de sua vitória 
final, tanto no plano partidário, quanto nos planos ideológico e 
político.
Em torno de si formou o grupo de extrema-esquerda revo­
lucionária, que sob seu comando direto ou indireto iria crescer 
em termos partidário, ideológico e político, e passar, mais tarde, 
de núcleo bolchevique do P.O.S.D.R. a Partido Comunista da 
Rússia. Sob esse aspecto, além da personalidade política de 
Lênin, essa cisão, com suas conseqüências partidárias, ideológi­
cas e políticas, conta como um dos fatores históricos da radicali­
zação, do amadurecimento rápido e do êxito do movimento 
socialista revolucionário na Rússia. Foram a estratégia, as táticas 
e as palavras de ordem emanadas dessa facção, sobre cuja elabo­
ração e aplicação Lênin exercia profunda influência permanente, 
que criaram o vértice crítico da oposição operária em 1905 e 
decidiram os rumos da revolução de 1917, instalando Lênin na 
chefia do primeiro Estado proletário na história moderna.
3 Sobre a contribuição de Lênin a esse Congresso, ver CEuvres. v, 6. p.
489-533 (sobre as razões do conflito, esp. p. 529-32).
4 V. Lênin. CEuvres. v. 6, p. 531.
12
Nos períodos de grande tensão, Lênin superava-se a si 
próprio. Sintonizava-se psicológica e politicamente com a his­
tória in flux, ajustando ou reajustando rapidamente, em extensão 
e em profundidade, as táticas e as palavras de ordem às condições 
concretas cambiantes. Firme e inflexível quanto aos alvos finais 
e estratégicos, era pragmático e extremamente flexível na inter­
pretação dos fatos e na escolha dos “meios possíveis” da luta 
revolucionária. Como não cultivava o revolucionarismo “verbal” 
e “romântico”, repelia as intenções que só poderiam ser “revo­
lucionárias” na aparência. Graças à sua argúcia para descobrir 
e em atender os estados ou as orientações de opinião das massas, 
inventava táticas e palavras de ordem que traduziam, em termos 
políticos, o que ele chamava de “relações de poder real” (que 
podiam contar com o suporte revolucionário do proletariado ou 
de alianças dos setores operários e camponeses). Três situações 
ilustram de modo típico quão profunda e plástica era sua capa­
cidade de pensar revolucionariamente sob tensão.
Primeiro, na fase em que se atinge o vértice crítico da re­
volução de 1905, na qual dá várias palavras de ordem sucessivas
— que vão do boicote à Duma à luta de duas frentes (uma legal 
e outra clandestina), todas visando o melhor uso político da 
pressão revolucionária, que era a pressão operária (a única que 
poderia acelerar a evolução da democracia burguesa). Nesse 
período, viu com extrema lucidez o sentido do movimento dialético 
que entrelaçava os diversos momentos políticos da contra-revo­
lução e da revolução entre si, concentrando o impacto político 
da luta de classes no aprofundamento da revolução burguesa e 
na criação de obstáculos políticos à união da burguesia liberal 
com a reação.
Segundo, na fase em que as oscilações da esquerda revolu­
cionária puseram em risco a revolução de 1917, por imprimir à 
pressão operária o significado de uma luta pela democracia bur­
guesa. Logo após seu retorno — e no melhor estilo revolucio­
nário do seu pensamento político — define o alvo central como 
a tomada do poder pelo proletariado, a liquidação da maquinaria 
do Estado burguês e a insurreição armada. Assim, dava por 
concluída a revolução democrática burguesa e punha em primeiro 
plano a superação do impasse criado pela “dualidade do poder”
— concomitância de um governo provisório, que detinha o poder, 
e o soviete de deputados operários e soldados, dotado de um poder 
13
de controle fictício — por meio da “transformação da guerra 
imperialista em guerra civil”. 5
Terceiro, para superar os dilemas econômicos, sociais e 
políticos enfrentados sem êxito para a “transição socialista” pelo 
chamado “comunismo de guerra”, Lênin não trepidou em afrontar 
o ultra-radicalismo socialista russo e europeu, subvertendo as 
regras do jogo previstas. Delimitou friamente os riscos que um 
Estado proletário podia e devia correr, sem arriscar-se e sem 
arriscar o poder soviético, ao dar uma marcha-à-ré que se impunha 
como uma condição sine qua non para a consolidação desse mes­
mo Estado, do poder em que se fundava e da futura transição 
para o socialismo (ver a respeito a última leitura desta coletânea).
Nessas três situações, Lênin demonstrou seu talento ímpar, 
tanto como político e estadista revolucionário, quanto como in­
térprete da história em processo. O único erro irremediável de 
previsão, que lhe é imputado (e o qual não tinha como corrigir), 
refere-se ao prognóstico de que a revolução russa seria seguida 
de explosões análogas nos países adiantados da Europa, as quais 
iriam garantir as bases para a evolução “normal” do socialismo 
na Rússia. Esse é um erro de previsão que todointernacionalista 
teria de cometer (me$mo que se considerasse imune a qualquer 
utopia, como o fazia Lênin). Sem desculpá-lo, poder-se-ia per­
guntar: qual seria a evolução histórica se os movimentos socialis­
tas europeus não sucumbissem à traição nacional-chauvinista? 
Doutro lado, como o próprio Lênin ponderou em suas últimas 
análises globais, o “socialismo em um país” teria sido impossível 
ou muito mais difícil sem a solidariedade internacional do prole­
tariado. Esta operou como um foco de contenção, acabando por 
impor aos governos imperialistas uma política de acomodação e 
de conflito desmilitarizado com a Rússia Soviética.
Entre seus vários papéis, o que mais ò seduzia era o de 
publicista. Lênin tinha plena consciência de que era um intelec­
5 Sobre o assunto, ver Lênin. “Les tâches du prolétariat dans notre révo- 
lution”, as famosas “Thèses d’avril.” In: (Euvres. v. 24, p. 47-81 (e outros 
escritos anteriores, no mesmo volume ou no volume 23). Quanto à crise 
suscitada pela posição de Lênin e por suas teses autenticamente revolu­
cionárias entre os bolcheviques e na esquerda, ver a descrição completa 
de Trotsky, L. Storia de delia Rivoluzione Russa. 2.a ed. Monza, Garzanti, 
1946. v. 1, p. 315-45.
14
tual e de que sua preeminência política procedia de sua produção 
teórica e prática como “publicista”. Sua obra escrita não tem 
paralelos na história dos líderes políticos e dos grandes estadistas. 
Sem contar os volumes de correspondência e alguns escritos que 
não chegaram a ser incorporados, suas Obras atingiram, na quarta 
edição, 33 alentados volumes. Os seguintes livros ou ensaios 
aparecem como suas contribuições mais importantes, no consenso 
dos especialistas: O que São os “Amigos do Povo” e como Eles 
Lutam contra os Social-democratas (1894); Para Caracterizar o 
Romantismo Econômico (1897); O Desenvolvimento do Capi­
talismo na Rússia (1899); Que fazer? (1902); Um Passo Adian­
te, Dois para Trás {1904)\ Duas Táticas da Social-Democracia na 
Revolução Democrática (1905); O Programa Agrário da Social- 
-Democracia na Primeira Revolução Russa de 1905-1907 (1908); 
Materialismo e Empiriocriticismo {1909)’, A Questão Agrária na 
Rússia no Fim do Século XIX (redigido em 1908 mas publicado 
pela primeira vez em 1918); Notas de um Publicista (1910); Do 
Direito das Nações de Dispor delas Próprias (1914); O Socialis­
mo e a Guerra (1915); Novos Dados sobre as Leis do Desenvol­
vimento do Capitalismo na Agricultura (1917); O Imperialismo, 
Estágio Supremo do Capitalismo (1917); O Estado e a Revolu­
ção (1918); A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky 
(1918); A Doença Infantil do Comunismo, O “Esquerdismo” 
(1920). Do ponto de vista das ciências sociais, suas obras mais 
importantes são O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, O 
Estado e a Revolução e O Imperialismo. De um ponto de vista 
puramente político e socialista, são Que Fazer?, As Duas Táticas 
da Social-Democracia na Revolução Democrática, O Estado e a 
Revolução e A Doença Infantil do Comunismo. No entanto, vá­
rios dos seus pequenos ensaios ou escritos constituem verdadeiras 
obras-primas e disputam um lugar ao sol em confronto com suas 
obras mais famosas.
O que é o marxismo-leninismo ?
Desde o início de suas atividades intelectuais e políticas, 
Lênin sempre se considerou um marxista — e, o que é mais 
importante, sempre procurou ser um marxista ortodoxo. Por isso, 
não se contentou com a rica produção socialista que encontrou 
à sua disposição como jovem: foi diretamente aos textos de Marx 
e Engels, estudou-os sistematicamente e aos poucos tentou domi- 
15
nar também os autores que estavam nas raízes da formação do 
marxismo.6 A sua primeira obra de grande envergadura, O 
Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, evidencia três coisas: 
7) completo domínio crítico das teorias econômicas de Marx e do 
materialismo histórico; 2) aplicação exclusiva dessas teorias na 
descrição e na interpretação dos fatos (isto é, sem qualquer mo­
dalidade erudita de ecletismo); 3) as teorias econômicas de Marx 
forneciam “hipóteses diretrizes”, estando longe de ser a fonte de 
um dogmatismo estéril: o que assegurava a marcha criadora da 
investigação, que se abria para a descoberta tanto do que era 
geral, quanto do que era peculiar à manifestação do capitalismo 
na Rússia.
Esse estilo de trabalho aparece com igual maestria nos es­
critos especificamente políticos da época, principalmente naqueles 
em que faz a crítica marxista do “populismo” e “economicismo” 
no movimento socialista russo. Portanto, as aplicações do mar­
xismo ao plano prático revelam o mesmo espírito de identificação 
congruente, a um tempo flexível mas intransigente, com os prin­
cípios do socialismo revolucionário. Que Fazer?, como obra de 
síntese e de superação das experiências políticas acumuladas 
durante o período de formação, constitui a face política das des­
cobertas históricas e econômicas contidas em O Desenvolvimento 
do Capitalismo na Rússia. Sua total fidelidade ao marxismo não 
pressupunha a “repetição de Marx” ou a ossificação da dialética, 
e sim a busca de caminhos novos, que só o marxismo podia 
desvendar, desde que aplicado de forma precisa, exigente e ima­
ginativa, como um saber vivo, em intrínseca conexão com a 
vida.7
Na cisão de 1903, vários bolcheviques, mais intimamente 
associados a Lênin e à sua liderança política, foram designados 
” As influências da longa fermentação e maturação de várias correntes 
revolucionárias russas no pensamento de Lênin são apontadas por Ulam, 
A. B. The Bolsheviks. The Intellectual, Personal and Political History of 
the Triumph of Communism in Rússia. New York, Collier Books, 1965. 
cap. II e III, leitura muito útil apesar de incompreensões motivadas 
pelo antagonismo ideológico do autor. Para se ter uma idéia do mencio­
nado percurso pelas fontes originais do marxismo, veja-se Lefèbvre, H. 
La pensée de Lénine. Paris, Editions Bordas, 1957. p. 124-205 (sobre o 
pensamento filosófico de Lênin).
"Seria um absurdo dizer que “até 1905 foi a teoria abstrata que influen­
ciou e dominou todo o pensamento de Lênin” (Meyer, A. G. Lenine et
16
como “leninistas” (palavra que reaparece em outros contextos e 
mesmo, de passagem, em escritos de Lênin). No entanto, após 
a reviravolta de abril e a tomada do poder, o “leninismo” ganhou 
expressão política, que se acentuou graças à luta pela sucessão de 
Lênin após sua morte. O “leninismo”, assim entendido, signifi­
cava pouca coisa: na primeira acepção, “seguidor de Lênin”, no 
sentido de uma oposição intransigente ao reformismo, e ao 
oportunismo; na segunda acepção, alguém que fazia profissão de 
fé diante da natureza revolucionária do partido comunista, da 
ditadura do proletariado e do Estado soviético (e, implicitamente, 
no desdobramento das etapas de transição para o socialismo e 
para o comunismo). Ora, se isso fosse tudo, não haveria razão 
para o uso crescente da expressão marxismo-leninismo> que final­
mente se universalizou e se viu consagrada de modo definitivo. 
O legado de Lênin transformou o marxismo e é essa transformação 
que nos interessa aqui.
Sem subestimar-se a contribuição teórica de Lênin (crucial 
em vários pontos para o enriquecimento e o aprofundamento do 
marxismo: como no estudo da penetração do capitalismo na 
agricultura, das condições e efeitos do desenvolvimento desigual 
ou do imperialismo, na explicação da guerra e da revolução, na 
sistematização das explicações marxistas do Estado e da própria 
utopia marxista, tão mal representada e conhecida antes dele, 
etc.), é no terreno da prática que se acha o eixo da transmutação 
leninista do marxismo. Isto não quer dizer que esta prática esti­
vesse desligada da teoria — pois nunca esteve ou poderia estar, 
no pensamento dialético-materialista — nem tampouco que Marx, 
Engels e os seus seguidores tivessem negligenciado, na teoria e na 
ação, as várias dimensões da prática (especialmente a política). 
Mas significa, isso sim, que Lênin se impôs como tarefa de suavida a adequação instrumental, institucional e política do marxis­
mo à concretização da revolução proletária. O marxismo, depois 
de Lênin, não é mais a mesma coisa, porque ele incorporou um 
“modelo” de como passar da ditadura burguesa à ditadura do 
proletariado.
le leninisme. Trad. de M. Matignon. Paris, Payot, 1966. p. 202). Pois 
é exatamente nos últimos escritos, e em particular em O Estado e a Revo­
lução, que Lênin extrai o que havia de melhor nas teorias políticas de 
Marx e Engels.
17
Esse modelo desloca o âmago do marxismo para a reflexão 
política, ou seja, para as condições concretas da ação política e 
da transformação política, quando se focaliza dialeticamente as 
relações de classes como relações de poder (a luta de classes 
como um processo que conduz à formação e ao controle do 
Estado que mantém a ordem, ou à constituição de um Estado 
que a destrói e instaura a transição para o socialismo). Antes 
de Lênin, semelhante elemento político estava incluído no mar­
xismo como uma previsão e, também, como um momento da 
vontade política. Com Lênin, esse elemento converte-se no 
ponto central da indagação marxista e, do próprio marxismo 
como movimento político. Sob as condições mais ou menos 
paralisadoras da democracia burguesa, como dar ao proletariado 
— classe que pode arrastar atrás de si a massa não-possuidora e 
constituir-se em núcleo hegemônico de uma maioria atuante — 
a capacidade de converter seu poder potencial em poder real? 
Absorveu-se, assim, no problema político da sociedade de classes; 
e, como marxista, não apenas para explicar como a minoria pode 
suplantar a maioria e submetê-la, mesmo sob o “capitalismo 
agonizante”, mas também para descobrir como transformar o 
inócuo poder potencial da maioria em poder especificamente 
político, concentrado e disciplinado de forma revolucionária.
Atento às estruturas de poder e aos efeitos políticos da 
dominação de classe, inerentes à democracia burguesa, Lênin 
chegou rapidamente à conclusão de que a revolução proletária 
possui um padrão histórico próprio. Em contraste com a revo­
lução burguesa, ela não pode iniciar-se antes da tomada do poder 
pelo proletariado e da dominação pela maioria. Por isso, o pro­
blema estratégico da luta pelo poder tinha de ser proposto em 
termos do uso, revolucionário do espaço político que a classe 
operária pode conquistar e manejar com relativa autonomia, 
ilegal e legalmente, no seio da sociedade de classes. Como a 
dominação burguesa também implica socialização ideológica e 
política do resto da sociedade pela burguesia, tal uso do espaço 
político impunha, naturalmente, certas condições básicas: 1) for­
mação de uma minoria contestadora fortemente organizada, capaz 
de atuar legalmente e ilegalmente, sem vacilações, como vanguar­
da revolucionária da classe operária; 2) a ruptura com todas as 
formas diretas ou indiretas e visíveis ou invisíveis de acomodação à
18
ordem democrática burguesa; 3) a educação política do proletaria­
do e, na medida do possível, das massas pobres e da pequena bur­
guesia, através de situações e de reivindicações concretas, do 
desenvolvimento da consciência de classe e da agudização (aos 
níveis econômico, sócio-cultural e político) dos conflitos de classe. 
Isso punha em primeiro plano a quest&o da organização do partido 
revolucionário do proletariado e de sua orientação política. E, 
de outro lado, exigia uma nova mentalidade e uma nova prática 
política nas relações do partido com sua base e com a massa.
Com referência à organização do partido, Lênin fixou 
normas de racionalização que deviam ser iguais ou superiores às 
que têm vigência na grande empresa capitalista, no exército mo­
derno ou no Estado democrático búrguês. Em conseqüência, as 
tarefas de agitação e de propaganda podiam irradiar-se por toda 
a sociedade, embora concentrando-se com maior intensidade na 
classe operária; e as tarefas políticas, imediatas e de largos prazos, 
podiam ser definidas segundo critérios específicos de flexibilidade 
e de eficácia. A idéia básica consistia em que a revolução não 
nasce pronta e acabada — o partido revolucionário do proleta­
riado deveria travar suas batalhas, clandestina ou abertamente, 
tendo em vista as combinações que poderiam favorecer, em de­
terminado momento, ou o fortalecimento da democracia burguesa, 
ou o deslocamento desta no sentido de uma democracia operária, 
ou a tomada pura e simples do poder.
Podas essas estratégias foram exploradas, com as táticas 
correspondentes, e Lênin foi o mestre das principais diretrizes 
(embora a sua produção intelectual e política, nessa direção, 
aguarde estudo sistemático). Por sua vez, para cumprir essa 
missão era indispensável interromper a infiltração ou a corrupção 
burguesa, impedindo as soluções de compromisso ou de aparente 
“revolução dentro da ordem” (ambas de exclusivo interesse para 
a dominação burguesa e a consolidação do status quo). Daí a 
necessidade imperiosa de combater sem tréguas o oportunismo, o 
reformismo e o ultra-esquerdismo, por vários motivos dissolventes 
do espírito revolucionário, da atuação revolucionária racional e 
da solidariedade política do proletariado. Por fim, uma van­
guarda revolucionária do proletariado não podia nem devia 
representar-se e comportar-se como uma elite e segundo valores 
elitistas. Se ela devia contribuir para a expansão da consciência 
19
cie classe do proletariado de “fora para dentro” (isto é, imprimindo 
às suas tarefas políticas um teor pedagógico), ela nunca foi con­
cebida por Lênin, em si mesma, como o pólo decisivo. Este tinha 
de ser, naturalmente, o proletariado, como sujeito da ação revo­
lucionária em escala coletiva, já que de sua impulsão dependeria 
a vitória da revolução proletária ou da contra-revolução. Por 
conseguinte, as relações do partido revolucionário do proletariado 
com sua base e com a massa eram definidas segundo um esquema 
dialético: para dirigir o processo político, aquele partido teria de 
sintonizar-se com a classe operária e com as massas, acompa­
nhando as evoluções de sua aprendizagem e de sua socialização 
política através das flutuações da luta de classes.
Apesar da extrema condensação, essas formulações sugerem 
como Lênin, a partir do marxismo e dentro do marxismo, quebrou 
a circularidade política que pesava sobre a revolução proletária. 
Ele ignorou o peso paralisante da existência ou inexistência de 
“condições objetivas” que permitissem a revolução proletária. 
Fez isso deslocando em várias direções o aproveitamento revo­
lucionário das condições objetivas existentes (na consolidação da 
democracia burguesa, na acentuação da influência operária dentro 
da democracia burguesa ou na criação de uma democracia ope­
rária sem a destruição do Estado democrático-burguês, na 
implantação do Estado proletário, etc.), sempre em direções que 
atendessem, a curto e a longo prazos, os alvos finais de destruição 
do capitalismo e de transição para o socialismo. Doutro lado, deu 
maior ênfase (e mesmo maior peso relativo) ao controle político 
das “condições subjetivas”, mais suscetíveis de tratamento político 
deliberado, segundo manipulações estratégicas e táticas. Nessa 
esfera, tanto era possível aproveitar a influência direta da van­
guarda revolucionária sobre o proletariado e as massas, quanto 
os efeitos educativos, seja da ineficácia do Estado democrático 
burguês para atender às reivindicações do proletariado, seja da 
existência da opressão política e da repressão policial, seja de 
uma vitória eventual da contra-revolução. A vantagem de dis­
pensar maior atenção às “condições subjetivas” procedia de outro 
resultado previsível: a rápida transformação do proletariado em 
classe politicamente consciente e apta para proceder à reeduca­
ção política do resto da maioria. Assim, em “condições objetivas” 
aparentemente desvantajosas, um país atrasado como a Rússia 
logrou realizar a primeira revolução proletária da história.
20
As revoluções de 1905 e de 1917 forneceram a Lênin basepolítica para a ampliação e o aperfeiçoamento desse “modelo” 
básico. A primeira revolução, em particular, submeteu à prova 
a própria consistência do “modelo”. O comportamento do 
proletariado e do ^campesinato pobre demonstrou que ele era 
correto: a vanguarda revolucionária não ficou sozinha (e por 
vezes andou atrás das massas!). Portanto, dadas as condições 
adequadas de organização e de orientação política, o partido 
revolucionário do proletariado podia colocar-se à frente do mo­
vimento político revolucionário e dirigi-lo. De outro lado, 
eclodiram e multiplicaram-se greves de massas, econômicas e 
políticas, que abriram os olhos de Lênin e dos socialistas europeus 
para as novas técnicas revolucionárias que emergiam, as quais 
envolviam a contraviolência armada. À medida que os sovietes 
se firmam, por sua vez, como o equivalente russo da Comuna, 
as reflexões de Lênin se voltam para os aspectos institucionais e 
militares da tomada do poder. O soviete oferecia uma solução 
para a pressão democrático-revolucionária do proletariado, de 
alguns setores do campesinato ou das massas urbanas. Todavia, 
ao longo do processo ficou patente que os sovietes não detinham 
a força real e que não podiam, por si mesmos, suprimir a domi­
nação de classe burguesa. Ainda aí voltava a ser decisivo o 
“modelo” central esboçado acima. Só que a situação compelia a 
novas definições, relacionadas com a natureza e variedade dos 
meios institucionais de que se deveria valer a ditadura do prole­
tariado para atingir seus objetivos.
Os sovietes permitiam resolver o problema das fontes e da 
natureza do poder proletário, que deveria emanar da maioria 
e exprimi-la o mais democraticamente possível, em sua estrutura 
interna. As fases iniciais, porém, teriam de ser de dominação 
exclusiva e plena da maioria (portanto, não de abolição imediata 
das classes, que não iriam desaparecer por um passe de mágica, 
mas de sua destruição progressiva). Lênin formula o Estado 
desse período como um Estado proletário, fundado no poder 
real da maioria (isto é, o poder soviético), mas submetido à 
necessidade inelutável de construir uma fortíssima maquinaria 
estatal, instrumentalizada pelo partido revolucionário do proleta­
riado e pelos sovietes. Antes de promover a transição para o 
socialismo, esse Estado proletário ou soviético deveria proceder 
ao reajustamento das “condições objetivas”, levando a revolução 
21
proletária a todas as estruturas econômicas, sociais, culturais e 
políticas da sociedade russa. 8
Aí está, em linhas gerais, o “modelo” ampliado de Lênin, 
quanto à passagem da ditadura burguesa à ditadura do proleta­
riado. Para o marxismo, a contribuição de Lênin representa um 
acréscimo substantivo em duas direções. Primeiro, ela repôs o 
marxismo como política em suas bases revolucionárias, avan­
çando do conhecimento da realidade política da sociedade de 
classes para o modo de organizar politicamente a sua transforma­
ção e destruição, como etapa preliminar à instauração do socia­
lismo. Segundo, ela traz consigo a primeira descrição teórica e 
a primeira formulação prática da revolução proletária como 
K Essa síntese livre se funda principalmente em Que Fazer?', Duas Táticas 
da Social-Democracia na Revolução Democrática', O Estado e a Revo­
lução e A Doença Infantil do Comunismo. Mas também foram levadas 
cm conta formulações contidas em Um Passo Adiante, Dois para trás', 
A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky e nos seguintes escritos: 
(Euvres. v. 1, p. 280-87; v. 2, p. 356; v. 4, p. 175-86, 235-61 e 334-52; 
v. 5, p. 333-34 e 343-49; v. 6, p. 11-19, 31-74 e 237-55; v. 8, p. 209-19;
v. 9, p. 454-63; v. 10, p. 136-47 e 203-86; v. 11, p. 193-204 e 281-305;
v. 12, p. 205-15; v. 13, p. 116-25; v. 15, p. 27-36, 48-61 e 286-300; v. 20,
p. 427-32; v. 23, p. 84-96, 116-32 e 369-71; v. 24, p. 11-14, 32-45, 49-67 e
245-330; v. 25, p. 11-23, 198-206 e 247-62; v. 26, p. 13-19, 20-35, 50-52, 
68-79 e 83-134; v. 27, p. 155-59, 304-26, 327-30 e 348-67; v. 28, p. 281-499; 
v. 29, p. 29, p. 101-14; v. 30, p. 259-83; v. 31, p. 352-74; v. 32, p. 11-35, 
287-300, 362-81; v. 33, p. 53-74, 77-103, 221-29, 271-314 e 430-40.
O professor poderá localizar aqui a discussão da evolução do Estado 
soviético e suas relações com a centralização do poder e a hegemonia do 
partido comunista, adotadas por Lênin. Alguns autores atribuem a Lênin 
e ao “centralismo democrático” tudo o que ocorreu posteriormente (c/. 
Berdiaev, N. Le Fonti e lo Spirito dei Comunismo Russo. Trad. de E. 
Villoresi. Milano, A. Cortticelli, 1945. p. 137-56; Conquest, R. Lenin. 
London, Fontana/Collins, 1972. p. 116-29). Essa é uma forma eviden­
temente destorcida de ver as coisas, já que Lênin nunca falou em esta­
bilizar a transição. Em termos do debate socialista, podem ser aprovei­
tados criticamente: Luxemburgo, Rosa. A Revolução Russa. Trad. de M. 
Macedo e pref. de M. Pedrosa. Rio de Janeiro, 1946; e Lukács, G. His- 
toire et conscience de classe. Trad. de K. Axelos e J. Bois. Paris, Les 
Éditions de Minuit, 1960. p. 309/32 (uma crítica marxista de R. Luxem­
burgo e sua interpretação). Como análises de caráter histórico, seriam 
recomendáveis principalmente Carr, E. H. La formation de l'U. R. S. S.: 
la révolution bolchevique (1917-1923). Trad. de A. Broue. Paris, Les 
Éditions de Minuit, 1969; ou Ferro, M. La révolution russe de 1917. 2.a ed. 
Paris. Flammarion, 1967.
22
processo histórico e vivido. Embora Lênin se preocupasse mais 
com as condições, as técnicas e os processos políticos de interven­
ção revolucionária na realidade, limitando as formalizações 
abstratas ao conhecimento teórico essencial para atingir tais fins, 
suas indagações e reflexões introduzem no marxismo um trata­
mento mais livre e dialético do político.
Sem ignorar que qualquer transformação política possui uma 
base econômica e social concreta, ele desvendou, mais que os 
outros pensadores marxistas, o grau de autonomia relativa do 
político e a intensificação dessa autonomia nos momentos de 
crise e de revolução. Com ele, o marxismo torna-se politicamente 
operacional, o que explica porque, depois dele, converte-se em 
marxismo-leninismo. 9
Lênin e as Ciências Sociais
Lênin nunca procurou afirmar-se como cientista social (e 
tampouco, em sentido mais amplo, como scholar). Sempre rea­
lizou as suas investigações e análises tendo em mente os objetivos 
cognitivos e práticos do socialismo revolucionário. Todavia, não 
só possuía excelente formação universitária, vocação de investiga­
dor e erudição histórica: apreendeu com maestria a complexa 
tradição científico-filosófica inerente ao movimento socialista 
europeu e russo, nos vários domínios do conhecimento e em 
particular do estudo histórico-sociológico do homem em socie­
dade. Doutro lado, o marxismo forneceu-lhe — além de uma 
concepção básica da filosofia, do socialismo e da ciência — uma 
teoria da ciência social e uma metodologia para a investigação 
e a explicação dos fenômenos sociais. Nenhuma história das 
ciências sociais é completa se não considerar as suas contribuições 
e a importância que elas tiveram dentro e fora dos círculos 
socialistas.
O núcleo de sua visão da ciência social é extraído de Marx 
e já aparece totalmente constituído em seu pensamento a partir 
9 A propósito, seria conveniente refletir sobre a seguinte afirmação de 
Gramsci: “Traçar um paralelo entre Marx e Ilitch, buscando determinar 
uma hierarquia, não tem sentido e é ocioso; eles expressam duas fases: 
ciência-ação, que são simultaneamente homogêneas e heterogêneas” 
(Gràmsci, A. Concepção Dialética da História. Trad. de C. N. Coutinho. 
Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 1966. p. 94).
23
dos primeiros ensaios. Tomamos de um deles o esboço de 
caracterização materialista da sociologia como ciência crítica e 
objetiva. Como Marx, Lênin assimila a formação social (ou “a 
formação econômica da sociedade”) “à marcha da natureza e à 
sua história”. 10 11 Mas repudia, por igual, as concepções naturalista 
e subjetivistada sociologia, defendidas por autores como “Spencer 
e consortes”, que discutem a “sociedade em geral, o fim e a 
essência da sociedade em geral, etc.”. Prefere, antes, indagar 
por que Marx fala da sociedade “moderna” (enquanto os econo­
mistas e sociólogos que o precederam falavam da sociedade em 
geral); em que sentido Marx emprega a palavra “moderno”; em 
virtude de que critérios comprova essa modernidade; ou em que 
sentido fala da lei econômica da sociedade, que chama alhures 
de lei da natureza. O que está em jogo, portanto, é a concepção 
materialista da sociologia, que situa o homem e a sociedade na 
natureza, mas os compreende como uma realidade específica e 
de uma perspectiva histórica, dialético-causal. Retomando um 
largo excerto de A Crítica da Economia Política, procede à 
caracterização da sociologia assim concebida, a qual envolve, de 
um lado, o estudo científico das formações sociais concretas, 
consideradas nas condições de sua constituição e evolução,12 e, 
de outro, o estudo meticuloso dos fatos correspondentes.13 Esse 
estudo requer um tratamento analítico especial, (ao nível da téc­
nica de observação experimental dos fenômenos), que permitiu a 
Marx chegar à sua idéia fundamental de que “o desenvolvimento 
das formações econômicas da sociedade é um processo de história 
natural”, e abrange dois movimentos da inteligência-inquiridora: 
“Estudando à parte, entre as diversas esferas da vida social, a 
esfera econômica; estudando à parte, entre todas as relações 
sociais, as relações de produção, consideradas fundamentais, 
10 V. LêNIn. Ce que sont les “amis du peuple” et comment ils luttent con- 
tre les social-démocrates. (In: (Euvres. 4.a ed. Paris/Moscou, Éditions So- 
ciales/Êditions en Langues Étrangères, 1958. v. 1, p. 143-360). Obra es­
crita e publicada em 1894. Relembramos que usamos a 4.a ed. de suas 
Obras Completas.
11 V. Lênin. Op. cit. p. 150 (Lênin transcreve um trecho do prefácio à l.a 
ed. de O Capital).
12 “Marx apenas fala de uma só ‘formação econômica da sociedade’, a for­
mação capitalista”, e somente afirma “ter analisado a lei de evolução dessa 
formação” (c/. Lênin. Op. cit. p. 150).
13 Lênin. Op. cit. p. 150-51.
24
primordiais, e determinando todas as outras relações”.14 A 
reelaboração de idéias e de pontos de vista de Marx revela a 
própria posição central de Lênin em face da ciência social. Por 
isso, é essencial ler-se atentamente o largo excerto seguinte, 
transcrito do ensaio em questão: 15
(...) “Essa idéia do materialismo em sociologia era já, por si 
mesma, uma idéia genial. Ela não era ainda, naturalmente, 
mais que uma hipótese, porém uma hipótese que, pela primeira 
vez, permitia abordar os problemas histórico e sociais de um 
ponto de vista estritamente científico. Incapazes até então de 
descer ao conhecimento de fatos tão simples e primordiais, como 
são as relações de produção, os sociólogos procediam direta­
mente à análise e ao estudo das formas políticas e jurídicas. Eles 
enfrentavam uma realidade na qual essas formas surgiam de tais 
ou tais idéias da humanidade, em uma época dada — e não 
iam além disso. Assim, as relações sociais teriam sido estabe­
lecidas conscientemente pelos homens. Mas essa dedução, que 
encontrou sua plena expressão na idéia de Contrato social (cujos 
traços são muito visíveis em todos os sistemas do socialismo 
utópico), estava em completa contradição com todas as obser­
vações históricas. Nunca, tanto no passado quanto atualmente, 
os membros da sociedade representaram o conjunto das relações 
sociais no meio das quais vivessem, como um todo bem defi­
nido, inspirado em um princípio fundamental; ao contrário, a 
massa se adapta inconscientemente a essas relações, e ela está 
tão longe de concebê-las como relações históricas particulares 
que, por exemplo, a explicação das relações de troca, as quais 
presidiram a vida dos homens durante séculos, não foi formu­
lada senão nos últimos tempos. O materialismo suprimiu essa 
contradição, estendendo a análise mais ao fundo, até à própria 
origem das idéias sociais do homem; e sua conclusão, segundo 
a qual o curso das idéias depende do curso das coisas, é a única 
compatível com a psicologia científica. De outro lado, essa 
hipótese elevou a sociologia, pela primeira vez, à posição de 
uma ciência. Até então, os sociólogos mal conseguiam distin­
guir, na complexa rede dos fenômenos sociais, os que eram 
importantes e os que não eram (aí está a raiz do subjetivismo 
em sociologia); eles não podiam fundamentar essa distinção 
sobre um critério objetivo. O materialismo forneceu um critério 
perfeitamente objetivo, isolando as ‘relações de produção’ como
14 Id., ibid. p. 162.
15/í/., ibid. p. 153-55. (Textos transcritos como no original.)
25
estrutura da sociedade e abrindo a possibilidade de aplicar a 
essas relações o critério científico geral da repetição, que os 
subjetivistas consideravam inaplicável à sociologia. Enquanto se 
restringiam às relações sociais ideológicas (ou seja, às relações 
que, antes de se constituírem, passam pela consciência * dos 
homens), eles não podiam descobrir a repetição e a regularidade 
nos fenômenos sociais de diferentes países, e sua ciência não 
era, no melhor dos casos, mais do que uma descrição desses 
fenômenos, que uma acumulação de dados brutos. A análise 
das relações sociais materiais (quer dizer, daquelas que se cons­
tituem sem passar pela consciência dos homens: ao trocar pro­
dutos, os homens entram nas relações de produção, sem mesmo 
tomar conhecimento que aí se trata de relações de produção 
sociais), a análise, portanto, das relações sociais materiais, per­
mite constatar, de imediato, a repetição e a generalidade, e 
generalizar os sistemas dos diversos países para chegar a uma 
só concepção fundamental, a de formação social. Só essa gene­
ralização permitiu passar da descrição dos fenômenos sociais 
(e de sua apreciação de um ponto de vista ideal) à sua análise 
estritamente científica, a qual põe em evidência, por exemplo, 
o que distingue um país capitalista de outro e estuda o que é 
comum a todos. (...) Em terceiro lugar, por fim, uma outra 
razão pela qual essa hipótese tornou possível, pela primeira vez, 
uma sociologia científica: reduzindo-se as relações sociais às 
relações de produção e estas últimas ao nível das forças produ­
tivas, descobriu-se a única base sólida que permite estudar o 
desenvolvimento das formações sociais como um processo de 
história natural. É evidente que, se não se toma esse ponto 
de vista, é impossível uma ciência da sociedade. (Os subjeti­
vistas, por exemplo, embora admitissem que os fenômenos his­
tóricos se conformam a leis, eram não obstante incapazes de 
considerar sua evolução como um processo de história natural, 
e isso precisamente porque se limitavam às idéias e aos fins 
sociais dos homens, sem saber reduzir essas idéias e esses fins 
às relações sociais materiais.)”
Até que ponto essa visão da ciência social — que não fez 
senão consolidar e refinar ao longo de sua carreira, através de 
diferentes tipos de investigação empírica e de análises de situação, 
de conjuntura ou de processos de larga duração — satisfazia ao 
próprio Lênin, e como ele a avaliava, de uma perspectiva crítica?
* “Bem entendido, aí sempre se trata de relações sociais, e não de outras.” 
(Nota de Lênin.)
26
Ainda aí, é através de Marx que podemos conhecer o pensamento 
e a posição de Lênin, extraindo ou resumindo, do ensaio que 
focalizamos 16 os .textos mais reveladores a esse respeito.
“No entanto, Marx, que formulou essa hipótese depois de 1840, 
apega-se ao estudo concreto (nota bene) dos fatos. Ele toma 
uma formação econômica da sociedade — o sistema da econo­
mia mercantil — e, sobre a base de uma prodigiosa quantidade 
de materiais (que ele estudou pelo menos durante vinte e cinco 
anos), fornece uma análise minuciosa das leis que regem o 
funcionamento dessa formação e seu desenvolvimento. Essa 
análise se volta unicamente para as relações de produção entreos membros da sociedade, sem jamais recorrer, em suas expli­
cações, a fatores situados fora das relações de produção. Marx 
permite ver como se desenvolve a organização mercantil da 
economia social; como ela se transforma em economia capita­
lista e cria as classes antagônicas (desta vez no quadro das 
relações de produção): a burguesia e o proletariado; como ela 
desenvolve a produtividade do trabalho social e introduz assim 
um elemento que entra em contradição irredutível com os pró­
prios princípios dessa organização capitalista.”
Segundo Lênin, esse é o esqueleto de O Capital. Todavia, 
Marx não se limitou a esse esqueleto, já que ultrapassou a “teoria 
econômica” em seu sentido ordinário. Ao explicar “a estrutura e 
o desenvolvimento da formação social considerada exclusivamente 
pelas relações de produção”, ele sempre “analisou as superestru­
turas correspondentes a essas relações de produção, e revestiu o 
esqueleto de carne e de sangue”. Por conseguinte, O Capital 
revela a “formação social capitalista como uma coisa viva, com 
os fatos da vida corrente, com as manifestações sociais concretas 
do antagonismo das classes inerentes às relações de produção, 
com a superestrutura política burguesa que protege a dominação 
da classe dos capitalistas, com as idéias burguesas de liberdade, 
igualdade, etc., com as relações de família burguesa”.
Em suma, Marx pôs fim “à concepção segundo a qual a 
sociedade era um agregado mecânico de indivíduos que sofrem 
todas as espécies de transformações à mercê das autoridades 
(ou, o que dá no mesmo, à mercê da sociedade e do governo), 
que nasce e se transforma ao acaso. Ele foi o primeiro a fundar 
10 V. Lênin. Op. cit. p. 155-56, 156-57. (Transcrição como no texto ori­
ginal.)
27
a sociologia sobre uma base científica, analisando a noção de 
formação econômica da sociedade como um conjunto de relações 
dadas, e estabelecendo que o desenvolvimento dessas relações é 
um processo de história natural”.
“Atualmente — depois do aparecimento de O Capital — a con­
cepção materialista da história não é mais uma hipótese, porém 
uma doutrina cientificamente demonstrada. E enquanto não tiver­
mos outra tentativa de explicar cientificamente o funcionamento 
e a evolução de uma formação social, precisamente, e não dos 
usos e costumes de um país ou de um povo, ou mesmo de uma 
classe — uma outra tentativa que, como o materialismo, seja 
capaz de colocar a ordem nos ‘fatos correspondentes’, de traçar 
um quadro vivo de uma formação fornecendo uma explicação 
estritamente científica — a concepção materialista da história 
será sinônimo de ciência da sociedade. O materialismo não é 
‘por excelência uma concepção científica da história’, como acre­
dita o senhor Mikhaílovski, mas é a única concepção científica.”
Pelas transcrições feitas, fica evidente que Lênin situa a 
interpretação dialética nas ciências sociais como uma interpreta­
ção generalizadora, embora especificamente histórico-sociológica. 
Trata-se de explicar cientificamente, portanto, de generalizar, 
porém dentro dos limites que determinam a vigência histórica e 
a própria validade causal das explicações. Como escreveu em 
uma polêmica com Rosa Luxemburgo: “Quando se analisa uma 
questão social, a teoria marxista exige expressamente que ela 
seja situada em um quadro histórico determinado', pois, se se trata 
de um só país (por exemplo, do programa nacional para um país 
dado), que sejam tomadas em conta as particularidades concretas 
que distinguem esse país de outros, nos limites de uma só e 
mesma época histórica”.17 Do mesmo modo, na comparação 
de países diferentes, “a condição preliminar mais elementar, 
quanto à ocorrência, consiste em saber se as épocas históricas do 
desenvolvimento dos países comparados se prestam à compara­
ção”. 18 Ao mesmo tempo, para explicar, do ponto de vista 
dialético, é preciso não só apanhar o que é essencial na manifes­
tação do fenômeno, mas ainda fazê-lo de maneira a compreender 
o essencial em termos de sua estrutura interna, do seu funciona- 
17 V. Lênin. (Euvres. v. 20 (1913/julho de 1914), 423. (Grifo do original.)
18 ld., ibid. p. 428. (Grifo do original.)
28
mento e da sua evolução. Isso significa que, para Lénin, as 
“estruturas” não podem ser tomadas em si e por si mesmas, o 
mesmo sucedendo com os “dinamismos” da vida social. “Estru­
turas” e “dinamismos” são interdependentes e se dão simultanea­
mente in concreto, sendo preciso reconstruí-los, empírica e 
analiticamente, nessa condição.
É a partir dessa matéria-prima que se procede à observação 
e à descrição das causas, através da interpretação dialética. Pois, 
como escreve, “a dialética exige que um fenômeno social seja 
estudado sob todos os ângulos, e que a aparência, o aspecto 
exterior seja reduzido às forças motrizes capitais, ao desenvolvi­
mento das forças produtivas e à luta de classes”.19 Ou, ainda, 
como afirma em outra passagem mais elaborada:
“A lógica dialética exige que cheguemos mais longe. Para co­
nhecer realmente um objeto, é preciso apanhar e estudar todos 
os seus aspectos, todas as suas ligações e ‘mediações’. Nós não 
o conseguimos jamais completamente, mas a necessidade de con­
siderar todos oí, ^nectos nos protege de erros e de lapsos. Eis 
um primeiro pouSegundo: a lógica dialética exige que se 
considere um objeto em seu desenvolvimento, seu ‘movimento 
próprio’ (como o diz às vezes Hegel), sua transformação. (. . .) 
Terceiro: toda a prática do homem deve entrar na ‘definição’ 
completa do objeto, a um tempo como critério da verdade e como 
determinante prático da ligação do objeto com o que é necessário 
ao homem. Quarto: a lógica dialética ensina que ‘não há verdade 
abstrata’, que ‘a verdade é sempre concreta’, como gostava de 
dizer, seguindo Hegel, o falecido Plekhanov.” 20
Ao preservar o modelo da explicação marxista nas ciências 
sociais, Lênin também sempre soube manter-se fiel ao escrúpulo 
propriamente científico de respeito aos dados de fato.21 Se 
evitava os fatos isolados, “fora de sua conexão”, pretendia porém 
basear suas interpretações sobre princípios escrupulosamente 
19 V. Lênin. (Euvres. v. 21 (agosto de 1914/dezembro de 1915), p. 221.
20 V. Lênin. (Euvres. v. 32 (dezembro de 1920/agosto de 1921), p. 94.
21 Consulte-se, a respeito, as recomendações contidas em “Estatística e So­
ciologia”. (In: (Euvres. v. 23, agosto de 1916/março de 1917, p. 298-305). 
Citações extraídas da p. 299. Lênin apreciava muito os inquéritos, usando 
tanto os feitos por outros autores (como sobre os zemsfvcw), quanto os 
feitos por conta própria (no v. 6, p. 377-88; e no v. 8, p. 197-98 encon­
tram-se exemplos de formulários que ele mesmo elaborou).
29
inferidos de “fenômenos precisos e indiscutíveis”. Essa orientação 
aparece, clara e sólida, tanto em seus trabalhos de investigação 
empírica, quanto em suas análises políticas, aparentemente livres 
e abstratas. Tome-se, como exemplo, o seu ensaio sobre “A Vi­
tória dos Cadetes e as Tarefas do Partido Operário”. 22 Contra 
os liberais e os mencheviques, Lênin combate ferrenhamente “as 
ilusões constitucionais”, recusando-se a transferir o processo re­
volucionário da sociedade para o parlamento. Tomando em conta 
“todas as particularidades históricas do momento presente”, 
concluiu que a história de 1905 se repetia, o que reservava à 
autocracia, às classes burguesas e à pequena-burguesia, bem como 
ao proletariado, uma “crise revolucionária” (e não simplesmente 
uma “crise parlamentar”). Em consequência,
“a luta na Duma não pode decidir a sorte da liberdade do povo, 
ela não pode ser a forma principal de luta, pois é notório que 
esse ‘parlamento’ não é reconhecido por 'nenhum dos dois par­
tidos em luta’ e a forma principal do movimento social na Rússia 
atual permanece, como no passado, um movimento diretamente 
revolucionário de amplas massas do povo, quebrando as velhas 
leis, destruindo os órgãos de opressão do povo, conquistando o 
poder político, criando um direito novo”.
Esse sentido dialético(mas profundamente científico e não- 
-especulativo) do concreto levou-o a criticar com severidade as 
descrições e as interpretações que esvaziavam a história — ou 
pelo uso abusivo de “raciocínios gerais” e de “modelos”,23 ou 
pelo emprego sistemático de “modelos” abstraídos das condições 
histórico-sociais concretas, 24 ou, ainda, pela utilização de “defi­
nições forjadas, escolásticas e artificiais” e por “estéreis querelas 
de palavras”.25 Doutro lado, rejeitava as “posições” e as 
“definições” ecléticas, nas quais via uma ameaça à pureza, ao 
alcance e à solidez da explicação dialética. Aos níveis da inves­
tigação e da análise existe uma liberdade que desaparece ao nível 
da construção do raciocínio científico e de sua comprovação. 
Portanto, não era por simples dogmatismo que condenava a fusão 
22 V. Lênin. (Euvres. v. 10 (novembro de 1905/junho de 1906), p. 201-86. 
(Citações extraídas das p. 282-84).
23 Cf. (Euvres. v. 23, p. 299. (Grifos do original.)
24 Cf. (Euvres. v. 19 (março/dezembro de 1913), p. 122.
27>Cf. (Euvres. v. 25 (junho/setembro de 1917), p. 509. (Grifo do ori­
ginal.)
30
da lógica formal e da lógica dialética. Ele estava convicto de que 
tal fusão só pode produzir um conhecimento imperfeito, que 
esteriliza a dialética, pondo em seu lugar um “ecletismo morto, 
privado de conteúdo”. 26
Em confronto com Marx, se Lênin enfatiza mais o com­
ponente científico-natural da ciência social (no que acompanha 
Engels), ele o faz em uma direção puramente dialético-materia­
lista (mantendo inalteráveis, portanto, as fronteiras que separam 
o materialismo histórico seja da sociologia positiva franco-inglesa, 
seja da sociologia formal ou sistemática e da sociologia da com­
preensão alemãs). Mas, em alguns pontos, sua posição interpre- 
tativa apresenta matizes que o singularizam perante Marx. Isso 
merece ser assinalado, especialmente com referência a três temas 
centrais para o marxismo.
Primeiro, embora seguindo o exemplo de Marx e Engels e 
cingindo-se ao seu modelo básico de interpretação sociológica, 
Lênin põe mais ênfase nas funções heurísticas (para fins teóricos 
ou práticos) das relações de classe na explicação dos fenômenos 
sociais. 27 Dois simples exemplos: a) ao nível empírico e teórico 
— “um marxista não deve abandonar o terreno sólido da análise 
das relações entre as classes”; b) ao nível prático — o marxista 
deve manter-se atento à “necessidade de tomar em conta, com 
uma objetividade rigorosa, as forças de classes e a relação dessas 
forças, antes de iniciar uma ação política qualquer”. Note-se 
que essa não é uma conseqüência puramente prática de seu inte­
resse maior pelas estruturas de poder e do grau do seu envolvi­
mento político no processo revolucionário. É certo que não há 
uma quebra de ortodoxia: Lênin sempre observou e caracterizou 
as relações e as estruturas de classe a partir da organização e do 
desenvolvimento do sistema material de produção da vida social, 
sob o capitalismo. Todavia, sem separá-los um dos outros, ele 
se interessou menos pelo “esqueleto” mais pela “carne e sangue” 
da sociedade capitalista (retomando-se ao pé da letra sua avalia­
20 Cf. (Euvres. v. 32, p. 95 (onde procede à crítica de N. Bukharin: ver
p. 95-101). Não obstante a interpretação exposta, é sabido que Lênin era 
extremamente sensível às conseqüências da quebra da ortodoxia (por exem­
plo, como ela se liga, no caso de Bernstein e outros, à passagem ao 
reformismo e ao oportunismo: veja-se, a respeito, (Euvres. v. 19, p. 318). 
2‘ Cf. (Euvres. v. 24 (abril-/junho de 1917), p. 36; e v. 31 (abril-dezembro 
de 1920), p. 27, respectivamente.
31
ção de O Capital, mencionada acima). Assim, ele instaurou 
dentro do marxismo uma orientação menos economicista e mais 
político-centrista, que permite fixar as contradições de uma dada 
sociedade capitalista (ou em marcha para o capitalismo) a partir 
da irradiação imediata dos antagonismos e conflitos de classe.
Segundo, ainda dentro de uma orientação marxista indis­
cutivelmente ortodoxa — pois é dele a célebre afirmação: “sem 
teoria revolucionária, não existe movimento revolucionário”28 
— Lênin deslocou a preeminência para a prática. Em termos 
filosóficos, sua posição é a do aprendiz, repetindo Marx e En- 
gels; 29 como eles, também exigia extrema coerência: não se pode 
dizer-se marxista, ensinar o marxismo e eximir-se de aplicar a 
dialética marxista a todos os aspectos da vida.30 Entretanto, 
graças à situação e à experiência revolucionárias, o marxista 
russo ganhava uma nova compreensão da prática (e por meio 
dela, da teoria), definindo ambas a partir da revolução e da ação 
revolucionária (e não de suposições de como “transformar o 
mundo”). É nesse sentido que Lênin fala de “uma teoria revo­
lucionária justa, que não é um dogma, e que não se forma 
definitivamente senão em estreita ligação com a prática de um 
movimento realmente maciço e realmente revolucionário”. 31 Tal 
perspectiva não é a de quem pensa sobre a prática como uma 
condição de alteração do mundo; mas a de quem possui o 
domínio de uma prática que atua efetivamente na alteração do 
mundo. Deste ângulo, a prática ganha preeminência porque 
regula, ao mesmo tempo, a acumulação e a verificação do 
conhecimento, tanto quanto a transformação da realidade. Aí se 
encontra, segundo pensamos, o fundamento de afirmações do 
seguinte teor: “É preciso estudar a prática. (...) A prática é 
cem vezes mais importante que não importa que teoria”.32 O 
próprio processo revolucionário impunha seus ritmos e suas 
medidas, aconselhando o desvinculamento mesmo da teoria revo­
lucionária e o acercamento da prática exigida pela situação.
28 Cf. (Euvres. v. 5 (maio de 1901/fevereiro de 1902), p. 376. (Grifo 
nosso.)
29 C/. (Euvres. v. 14 (1908), p. 141-47.
30 Cf. (Euvres. v. 31, p. 98-99. (Grifo de Lênin.)
31 Id., ibid. p. 19-20 (nas quais Lênin analisa as origens do bolchevismo).
32 V. Lênin. (Euvres. v. 32, p. 22-23.
32
“Contudo, introduzir no programa uma abundância excessiva de 
minúcias é prematuro e pode mesmo nos prejudicar, atando 
nossas mãos em pontos secundários. E nós devemos conservar 
as mãos livres, para fazer o que é novo com mais força, quando 
entrarmos completamente na nova via”.33 Fiel à sua norma 
segundo a qual “um marxista deve, para julgar uma situação, 
fundar-se sobre o real e não sobre o possível”, Lênin recomenda 
que “é preciso saber adaptar os esquemas à vida” e não repetir 
mecanicamente fórmulas abstratas de suposto teor revolucionário 
(pelas quais não se reproduz, de qualquer modo, o “marxismo 
vivo”).34 Deveras importante para a compreensão da posição 
de Lênin diante das ciências sociais: ele não extraiu dessa nova 
visão das relações entre teoria e prática a conclusão de que, com 
a revolução bolchevique, essas ciências se convertiam em técnicas 
(convicção que se generalizou, em seguida, entre os intelectuais 
saídos da revolução).
Terceiro, Lênin também refundiu a concepção marxista das 
relações entre as “estruturas materiais” e as “superestruturas” da 
sociedade (ou seja, especificamente, entre o econômico, o político, 
o jurídico e o ideológico). De um lado, a sua tendência predomi­
nante sempre consistiu em buscar o “político”, por baixo ou 
acima do “econômico”. De outro, no processo revolucionário o 
“político” ganhou em relevo natural, sucedendo mesmo, após a 
tomada do poder, que a experiência iria mostrar-lhe vários âm­
bitos de precedência e de predominância das transformações 
políticas sobre as transformações econômicas. A formulação 
teórica dessa experiência foi feita através de uma linguagem 
puramente marxista: “Toda a democracia, como em geral toda 
superestrutura política (o que é inevitável enquanto a abolição 
da sociedade de classes não esteja concluída, enquanto a socie­
dade sem classes não tenha sido criada), está enfim a serviço da 
produção, e o que a determina, no fim das contas, são as relações 
de produção em uma sociedade”.35 Isso não impede que o 
político ganhe uma posição central e tampoucoo reconhecimento 
de sua importância relativa: “A política é a expressão concen- 
33 V. Lênin. (Euvres. v. 26 (setembro de 1917/fevereiro de 1918), p. 175.
34 V. Lênin. (Euvres. v. 24, p. 36. (Grifo no texto, com referência ao pri­
meiro excerto transcrito.)
35 V. Lênin. (Euvres. v. 32, p. 79.
33
trada da economia, como tenho repetido em meu discurso, pois 
eu já entendera antes os reproches à minha atitude ‘política’, o 
que é absolutamente destituído de sentido e inadmissível na boca 
de um marxista. A política não pode deixar de ter primazia sobre 
a economia. Raciocinar de outro modo, é esquecer o abc do 
marxismo”.30
O Pensamento Político de Lênin
Lênin nasceu, cresceu e viveu para a ação política — não 
para a ação política comum ou convencional, dentro das regras 
do jogo, para a qual também estaria credenciado, mas para a 
ação política revolucionária, consagrada ao socialismo. Todo o 
seu pensamento é político: em suas origens, em suas motivações 
ou em seus alvos. Mesmo sua maior obra de investigação cien­
tífica (O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia) foi em­
preendida por inspiração política. Lênin queria deixar patente, 
de uma vez por todas, que a revolução nacional russa era uma 
revolução atrasada, porém especificamente burguesa. Como tal, 
ela estava sujeita a determinadas regras, tinha um sentido inequí­
voco e seguiria certos caminhos mais ou menos previsíveis, cuja 
natureza e implicações políticas cabiam aos socialistas conhecer 
com rigor, para que pudessem agir revolucionariamente. Isso 
mostra quanto a ciência era instrumental para Lênin. O que era 
central em sua perspectiva intelectual era a ação política dirigida 
primariamente contra a autocracia czarista e, a largo prazo,, vol­
tada para a instauração do socialismo. Contudo, a ciência estava 
presente, distinguindo a qualidade do seu pensamento político e, 
quiçá, o grau de eficácia que ele com freqüência adquiria.
É muito difícil esquematizar as nuanças, as flutuações e, 
principalmente, o saber político acumulativo que resulta das 
múltiplas aplicações de um pensamento político voltado para os 
pequenos e os grandes dramas coletivos. Ele emerge não só sob 
o signo da história, mas com o propósito consciente de “fazer 
história”, de acelerar e de alterar os rumos das coisas. Essa é a
36 ld.t ibid. p. 82. (Grifo nosso.) A seguinte afirmação põe em evidência 
os riscos da posição oposta: "Em outras palavras, o ponto de vista político 
significa: se abordarmos os sindicatos de uma maneira errônea, o poder 
dos sovietes e a ditadura do proletariado estão perdidos” (loc. cit.).
34
área por excelência do marxismo vivo: uma força histórica atuan­
te, de baixo para cima. Não se pode compreender a vitalidade 
desse pensamento político, diretamente inserido na história em 
processo, se não se tem em mente que ele não existiria como tal 
sem o movimento socialista, que lhe deu ao mesmo tempo reali­
dade histórica e sentido político revolucionário. Ele definiu o 
seu módulo político, determinando tanto o seu conteúdo, quanto 
sua orientação revolucionários; e explicando simultaneamente 
seja sua continuidade e oscilações, seja suas debilidades e sua 
força terrível.
Em Lênin temos, portanto, uma combinação em profundi­
dade da ciência social com o movimento socialista revolucionário. 
Isso não produz uma variante pura e simples da “ciência políti­
ca”. O movimento socialista livrava Lênin do condicionamento 
institucional que bloqueia a pesquisa científica e o pensamento 
científico no mundo acadêmico e universitário. A “ciência bur­
guesa” não pode ir além da ordem existente (e, em alguns casos 
isolados, das revoluções dentro da ordem), em virtude desse blo­
queio. Contudo, o tipo de análise política que o movimento 
socialista impunha era uma expressão direta de sua própria 
orientação revolucionária: ele contrapunha a sua prática política 
revolucionária à prática política burguesa. Apoderando-se da 
ciência, o movimento socialista colima a transformação revolu­
cionária da sociedade burguesa (e não o crescimento puro e 
simples do “edifício da ciência”). Não se trata de cultivar a “ciên­
cia pela ciência” (ou seja, uma ciência política oposta à “ciência 
política burguesa”); porém, de usar a ciência na produção de 
um conhecimento livre de interferências conservantistas e intrin­
secamente explosivo.
Nessa conjunção, o modelo de análise político é substan­
cialmente prático. Ele não só é instrumento da prática revolucio­
nária socialista, como deve visar à previsão de suas possibilidades 
concretas e a complexa tarefa de sua orientação teórica. Por sua 
conexão com a ciência, ele se impõe critérios de verdade supra- 
políticos (que não entram, todavia, em conflito com os móveis 
práticos da ação revolucionária socialista: antes, são requeridos 
como conditio sine qua non de êxito no confrontamento daquela 
prática com a ordem burguesa). Não obstante, tais critérios de 
verdade não são questionados no processo político propriamente 
dito. Aí, o decisivo não é a origem nem a natureza do tipo de 
35
conhecimento político, mas a relação de forças que permite a 
uma ciasse (e não a outra) decidir os rumos da história por meio 
do uso de tal conhecimento. Portanto, não é o conhecimento em 
si c por si mesmo que opera como força social: ele pode conver­
ter-se ou não em força social, dependendo de uma relação que 
é, no mundo moderno, uma relação de classes antagônicas. Em 
conseqüência, seria errôneo considerar o pensamento político de 
Lênin (ou o modelo de análise política que dele se pode extrair) 
cm termos convencionais: ou da ciência política, tout court\ ou 
dos tipos de racionalidade contidos na ordem política burguesa. 
Ambos rompem esses limites, seja a partir da irradiação revolu­
cionária do movimento socialista, seja a partir da espécie de 
conhecimento político que esse movimento requer.
De um lado, não existem objetivos especificamente empíricos 
ou sistemáticos, pois não existe também análise política “abstra­
ta” ou “neutra”. De outro, a racionalidade burguesa é definida, 
ab initio. como 0 protótipo da irracionalidade, e o fim do processo 
revolucionário socialista não só consiste em negar aquela raciona­
lidade, mas em destruí-la. Por isso, a lógica a que se submete 
semelhante pensamento político (e também o seu modelo de 
análise), não é formal nem intelectualista: é prática. Para atingir 
seus alvos, o conhecimento político produzido precisa ser aceito, 
reconhecido como verdadeiro e absorvido pelas massas, para em 
seguida manifestar-se através do seu comportamento coletivo. 
Onde a revolução só pode dar-se de baixo para cima, não existe 
outro caminho nem outro veículo para a ação política revolucio­
nária. A massa não aparece apenas como objeto e consumidora 
presumível: ela se define como único agente que pode decidir, 
em termos finais, se haverá a vitória de uma revolução (ou de 
uma contra-revolução). Temos aí todo um rol de requisitos que 
situam a natureza do conhecimento político, sua forma, propa­
gação e meios de verificação numa relação direta com a prática 
política propriamente dita (e não com os requisitos do conheci­
mento científico formal). Voltamos a Marx: “A questão de 
saber se ao pensamento humano cabe verdade objetiva não é uma 
questão de teoria, mas uma questão prática”, 37 porém com outro 
espírito. Pois a prática política revolucionária engendra o seu 
próprio quadro de “verdade objetiva”.
37 Apud Fernandes, F. Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica.
2.a ed. São Paulo, Companhia Ed. Nacional, 1972. p. 280.
36
“Quando se pretende assumir um papel de direção política, 
deve-se saber meditar sobre as tarefas políticas”.38 Note-se: 
Lênin fala de um saber político que nasce de uma meditação. 
Mas essa meditação tom? por objeto “as tarefas políticas”, nos 
termos de “um papel de direção política”. O que vem a ser, pois, 
tarefa política para um líder revolucionário? “A questão do poder 
é a questão capital de toda revolução”,39 eis a resposta. “Atomada do poder é a tarefa da insurreição; seu fim político apa­
recerá claramente depois”. 40 Todavia, a revolução constitui um 
complexo processo político, que se determina, como outras ocor­
rências histórico-sociais, através da conjunção da “necessidade 
histórica” com o “papel da personalidade na história”.41 A 
cadeia causal não transforma os homens em marionetes: uma 
“evolução” necessária não se impõe mecânica ou automatica­
mente, pois a história não “usa” os homens (estes é que a 
constroem, como uma realidade viva e coletiva).
Sob o capitalismo, a organização da sociedade em classes 
antagônicas imprime uma forma típica a essa história. O poder 
econômico, social e cultural das classes torna-se poder político 
ao concentrar-se no Estado e, através dele, na dominação estatal. 
A luta de classes converte-se, assim, em luta política de “um 
grau superior”, quando entra em questão o controle do Estado 
e da dominação estatal pela burguesia ou pelo proletariado. “O 
marxismo reconhece que a luta de classe atinge seu pleno desen­
volvimento, que ela alcança ‘a escala de toda a nação’, unica­
mente quando, não se contentando em estender-se à política, ela se 
apodera do que é o mais essencial na própria política: a 
organização do poder de Estado”.42 A esse nível mais profundo, 
a luta de classe regula o curso da história, decidindo a continui­
dade de uma “evolução” ou o começo de outra:
“Para que a maioria decida verdadeiramente os negócios públicos, 
é necessário condições concretas determinadas. É preciso, pri­
meiro, estabelecer solidamente no país um regime político, um
38 V. Lênin. (Euvres. v. 27 (fevereiro/julho de 1918), p. 343.
39 ld., ibid. p. 362. (Grifo nosso.) V. também v. 26, p. 84. Isso sem 
ignorar que “uma larga política de princípios é a única realmente prática” 
(c/. v. 12, janeiro/junho de 1907, p. 493).
40 V. Lênin. (Euvres. v. 26, p. 241.
41V. Lênin. (Euvres. v. 1, p. 175.
42 V. Lênin. (Euvres. v. 19, p. 120. (Transcrito como no texto original.)
37
poder de Estado que torne possível a decisão dos negócios pela 
maioria e assegure a transformação dessa possibilidade em reali­
dade. Doutro lado, é necessário que essa maioria, por sua com­
posição de classe, pelas relações existentes em seu seio (ou fora 
dela) entre as diversas classes, seja capaz de conduzir em har­
monia e com êxito a carruagem do Estado. Para todo marxista, 
é evidente que essas duas condições concretas são de uma impor­
tância decisiva na questão da maioria e da direção dos negócios 
do Estado em conformidade com a vontade dessa maioria. (...) 
Se o poder é exercido no Estado por uma classe cujos interesses 
coincidam com os da maioria, uma direção dos negócios públicos 
efetivamente conforme a vontade da maioria é possível. Mas se 
o poder político é exercido por uma classe cujos interesses divir­
jam dos da maioria, a direção dos negócios públicos em confor­
midade com a vontade da maioria converte-se inevitavelmente 
em um logro, ou leva ao esmagamento dessa maioria. Cada 
república burguesa nos fornece centenas e milhares de exemplos 
desse gênero. Na Rússia, a burguesia exerce uma dominação 
tanto política quanto econômica. Seus interesses, sobretudo no 
curso de uma guerra imperialista, se opõem da maneira mais 
clara aos da maioria”.43
Por outro lado, a revolução requer um desdobramento da 
luta política em várias direções, inclusive da luta armada. Ela 
impõe uma organização especial e uma concentração única da 
vontade coletiva da classe. Como escreve Lênin, “a revolução se 
distingue precisamente da situação ‘normal’ dos negócios do Es­
tado naquilo em que as questões litigiosas da vida pública são 
decididas diretamente pela luta de classes e por uma luta das 
massas que chega ao recurso das armas. Não pode ser diferente, 
porque as massas são livres e armadas. Resulta desse fato essen­
cial que não é suficiente, em período revolucionário, conhecer a 
‘vontade da maioria’; não, é preciso ser o mais forte, no momento 
decisivo e no lugar decisivo; é preciso vencer. (...) Nós vemos 
inumeráveis exemplos que mostram uma minoria mais bem 
organizada, mais consciente, mais bem armada, impor sua von­
tade à maioria e vencê-la”.44
A luta pelo poder define-se, portanto, no próprio plano da 
luta de classes. O essencial vem a ser a preparação do proleta­
riado para enfrentar suas tarefas políticas: na luta contra a
4»V. Lênin. (Euvres. v. 25, p. 216-17.
44 Z</., ibid. p. 218.
38
autocracia, para neutralizar a contra-revolução e para consolidar 
ou expandir a democracia burguesa; ou na luta para tomar o 
poder, criar um Estado proletário e abrir o caminho para o socia­
lismo. Essa foi a seqüência das tarefas políticas que se delineou 
historicamente na Rússia, de 1905 a 1917. Contudo, outras 
combinações são possíveis. A questão consiste em saber: qual é o 
comportamento político do partido revolucionário do proletariado 
diante delas? “O dever imperioso do partido proletário era ficar 
com as massas, esforçar-se por imprimir um caráter tão pacífico 
e também organizado quanto possível à sua ação legítima, não 
se autoproteger, não lavar as mãos à maneira de Pôncio Pilatos, 
sob o pretexto pedantesco de que não está organizado até o 
último homem e que em seu movimento se produzem excessos”.43 
Em resumo, o partido revolucionário precisa comportar-se como 
uma vanguarda consciente, responsável e corajosa: cabe-lhe 
montar a tática e escolher as palavras de ordem ajustadas a 
cada situação, avançar sempre, estabelecer a melhor ligação pos­
sível e insuperável entre os fins imediatos e os fins permanentes 
ou gerais do movimento socialista. Se isso impõe uma constante 
recalibração política do partido revolucionário, também não deixa 
de exigir uma incessante reeducação política dos militantes, do 
proletariado e, através deles, da massa ou do povo. Lênin dis­
tingue esses vários conceitos, como partido e classe, classe e 
massa, proletariado e povo. Mas procede em sentido prático. Não 
pretendia colocar uma escolástica “marxista” no lugar de uma 
política proletária revolucionária, pois sempre foi infenso à in­
fecção liberal e pequeno-burguesa do marxismo.
No final das contas, o eixo da ação política revolucionária 
está na luta ativa, que aparece para Lênin, ao mesmo tempo, 
como meio de conhecimento e meio de transformação da rea­
lidade.
“Tudo o que podemos fazer, na hora atual, é enrijecer nossas 
forças, tendo em vista consolidar a organização ilegal de nosso 
partido e decuplicar nossa agitação entre as massas do proleta­
riado. Só a agitação pode nos revelar, em uma escala vasta, 
qual é o verdadeiro estado de espírito das massas, só a agitação 
pode criar uma ligação estreita entre o partido e o conjunto da 
classe operária, só a utilização, com fins de agitação política,
ibid. p. 222.
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de cada greve, de cada acontecimento ou problema importante 
da vida operária, de todos os conflitos no interior das classes 
dirigentes ou ainda entre uma facção dessa classe e a autocracia, 
de cada intervenção dos social-democratas na Duma, de cada 
manifestação nova da política contra-revolucionária do governo, 
etc., só o conjunto desse trabalho reformulará os quadros do 
proletariado revolucionário e nos fornecerá dados seguros para 
julgarmos a velocidade de maturação das condições de desenca­
deamento de novas batalhas mais decisivas”. 46
O ponto de partida desse processo de luta política deve re­
pousar na desintoxicação das massas populares, que precisam 
libertar-se do aburguesamento inevitável das condições de exis­
tência operária sob o capitalismo e das influências pequeno- 
-burguesas; e o objetivo final, por sua vez, deve ser a criação e 
a emulação do espírito revolucionário das próprias massas, ele­
vando sua consciência de classe e, concomitantemente, sua 
combatividade como e enquanto classe. Algumas citações per­
mitirão situar o pensamento de Lênin sobre tal assunto:
“A verdadeira educação das massas não pode ser jamais separada 
de uma luta independente, e principalmente