Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LITERATURA O QUE É LITERATURA? Conceito de Literatura Certamente não é uma questão de fácil resolução. É o tipo de conceito que está em constante movimento e que possui uma série de matérias que podem ou não ser incluídas em seus campos de estudo. A princípio, poderíamos dizer que Literatura é tudo que é escrito. Sendo assim, abrange produções como jornais, revistas, documentos, legislações etc. Deste conceito mais amplo é que surgem as subdivisões como: Literatura Médica, Literatura Esportiva, Literatura Jurídica, Literatura Jornalística... É claro que o que vamos trabalhar para o vestibular não será esta Literatura tão abrangente, cheia de caminhos distintos. Nosso conceito será mais restrito e está intimamente ligado ao conceito de Arte. Obviamente o conceito de Arte também é bastante complexo e, portanto, não nos aprofundaremos nestas questões. A literatura como expressão artística, a grosso modo, é a forma de arte que trabalha com a palavra. Contudo, não basta apenas jogar um punhado de verbetes em uma folha de papel para que se faça literatura. A obra de arte literária precisa atingir a “alma” do ser humano de maneira geral, opondo-se assim aos exemplos anteriores de literatura técnica. A produção da Literatura no mundo é organizada em escolas literárias, ou períodos literários. É uma divisão que leva em conta aspectos históricos, cronológicos e técnicos para que se possa enquadrar um conjunto de autores e obras em uma mesma repartição. A partir destes conceitos, observe os dois textos abaixo: Biassi tomou um ônibus da linha Belém Novo, na rodoviária, e se sentou na parte da frente. Na esquina da Avenida Carlos Barbosa com a Rua Oscar Schneider, dois jovens entraram no veículo afirmando não ter dinheiro. Um deles - aparentando entre 16 e 18 anos e vestindo uma camiseta azul, segundo testemunhas - sentou-se atrás de Biassi. O outro, de camiseta do Fluminense e boné, aparentava entre 18 e 20 anos, acomodou-se no banco ao lado e sacou um revólver. Ao anunciar o assalto, ele dirigiu-se ao cobrador exigindo dinheiro, enquanto o outro aplicava uma gravata no soldado. O atirador virou a cabeça e disparou à queima-roupa contra o rosto de Biassi. Ele morreu na hora. - O PM não reagiu em momento algum. Foi morto porque estava de farda - garante um dos cerca de 10 passageiros, pedindo para não ser identificado. (Zero Hora – 02/03/2007) Por fim, observe a definição de Machado de Assis: “Palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. ” LITERATURA Página 1 de 18 Módulo I LINGUAGEM LITERÁRIA A Prosa A prosa é um tipo de texto que se opõe à poesia. Os romances que lemos são escritos em prosa. Ela é caracterizada por ter, geralmente, uma estrutura interna bem definida permitindo ao leitor uma visualização de fatos, tempo e ambiente em que a história é escrita. Pode ser também chamada de gênero narrativo, justamente por narrar um evento qualquer. A prosa se divide em alguns subgrupos: Romance Á grosso modo, o romance é a forma narrativa mais longa. Sua estrutura é mais complexa, envolvendo uma trama geralmente com uma quantidade maior de personagens. As situações narradas no romance são norteadas por um conflito que se desenvolve ao longo da trama. Pode tanto trabalhar com ambientes externos quanto com o lado psicológico, interior aos personagens. Novela A novela difere do romance por possuir uma estrutura geralmente menor e menos complexa. O desenvolvimento dos conflitos dos personagens é menos aprofundado. Talvez seja o gênero mais complicado de ser delimitado, pois oscila entre a Prosa e o Conto. Conto O conto é geralmente considerado uma narrativa mais curta. A quantidade de personagens é reduzida em relação ao romance (lembrando que sempre há exceções) e seus conflitos são pouco aprofundados. Por ser um gênero narrativo mais curto, o clímax está sempre próximo da situação inicial, o que provoca uma expectativa mais imediata no leitor. Segundo alguns teóricos, o conto deve poder ser lido em uma “sentada” e seu enredo deve conduzir o leitor ao desfecho, sendo este esperado ou inesperado. Crônica Por fim, temos a Crônica. Este gênero é bastante utilizado em jornais, pois traz temáticas do cotidiano e tem um formato mais reduzido que o do conto. Aqui o enredo não possui maior complexidade e os personagens são poucos. Invariavelmente leva o leitor (através de uma visão geralmente pessoal do escritor) a realizar uma reflexão sobre o mundo que nos cerca. A Poesia A poesia tem suas origens na linguagem oral. Basta observarmos que célebres poemas já foram musicados e, em contrapartida, podemos declamar uma música em forma de poema. Antes de o homem começar a transmitir suas histórias via escrita, realizava tal processo por meio de cantigas. A Ilíada e a Odisséia são belos exemplos de histórias contadas oralmente que foram posteriormente transformadas em literatura escrita. Dada esta proximidade da linguagem oral, a poesia absorve algumas de suas características para tomar vida própria. Podemos citar como exemplo o ritmo e os refrões. A poesia é basicamente dividida em sílabas métricas, versos, estrofes e cantos. Sílabas Poéticas As sílabas métricas são a menor unidade de um poema. A Princípio podem parecer um exercício de divisão silábica comum, mas possuem algumas características especiais. Lembrando do fato de que a poesia é próxima da música, podemos observar que as sílabas poéticas colaboram na musicalidade do poema. Como há uma possibilidade de declamação, juntamos as vogais de fim e início de palavras. Deve ser ressaltado que não podemos juntar duas vogais tônicas. A contagem de sílabas de um verso termina sempre na última sílaba tônica do mesmo. Observe o exemplo: LITERATURA Página 2 de 18 Módulo I “Quan/do Is/má/lia en/lou/que/ceu/, Pôs/-se/ na/ tor/re a/ so/nhar/... Viu/ u/ma/ lu/a/ no/ céu, Viu/ ou/tra/ lu/a/ no/ mar. [...]” (trecho de “Ismália”, de Alphonsus de Guimarães) O trecho possui 7 sílabas métricas em todos os versos. Há algumas nomenclaturas que são dadas aos poemas que repetem o mesmo número de sílabas poéticas: Redondilha menor: Versos com 5 s.m. Redondilha maior: Versos com 7 s.m. Decassílabos: Versos com 10 s.m. Alexandrinos: Versos com 12 s.m. Versos Basicamente o verso é cada uma das linhas do poema. Um conjunto de versos forma uma estrofe. Em vários poemas, existem as rimas. Para que obtenhamos uma rima, a terminação de um verso deve ter uma identidade sonora com a terminação de um outro verso no poema. Os versos também podem ser “brancos”, ou seja, com ausência de rimas. As rimas podem ser separadas dentro de um poema de algumas formas: Emparelhadas: um verso rima com o seguinte Cruzadas: versos rimam intercalados Interpoladas: rima entre o 1º e o último versos de uma estrofe Estrofes As estrofes são como os parágrafos da prosa. Constituídas por uma série de versos são separadas por um espaço (basicamente de uma linha) entre si. Conforme o número de versos que possuem, podem ter as seguintes classificações (apenas as mais comuns): Terceto: estrofe com 3 versos Quarteto / Quadra: estrofe com 4 versos Oitava: estrofe com 8 versos Cantos Os cantos são geralmente utilizados em poemas épicos (poemas de grande extensão que narram fatos heróicosde algum povo). Constituem-se de uma série de estrofes e podem ser comparados aos capítulos de uma obra em prosa, pois geralmente tem por função uma separação dos episódios da epopéia. Figuras de Linguagem Outro elemento que merece nossa atenção especial são as figuras de linguagem. Podem fazer parte tanto da poesia quanto da prosa e podem parecer algumas vezes um erro. Mas observe, elas têm um papel importante na construção da literatura. Antítese: Consiste na oposição entre duas palavras ou idéias. Ex: “É um solitário andar por entre a gente” (Camões) Ironia: Consiste em sugerir o contrário do que as palavras ou ações parecem exprimir. Ex: “Meus móveis eram escandinavos. Caixotes de bacalhau norueguês.” (Luís F. Veríssimo) Perífrase: É a figura que consiste em exprimir por várias palavras aquilo que se diria em poucas ou em uma palavra. Ex: A pátria de Voltaire está em guerra. (A França está em guerra.) Eufemismo: É a atenuação ou suavização de idéias consideradas desagradáveis, cruéis, imorais, obscenas ou ofensivas. Ex: Ele entregou a alma a Deus. (Em lugar de: Ele morreu) Gradação: Consiste numa sequência de palavras, sinônimas ou não, que intensificam uma mesma idéia. Ex: Ele chorou, berrou, esperneou. Prosopopéia: Consiste em atribuir linguagem, sentimentos e ações de seres humanos a seres inanimados ou irracionais. Ex: O longo braço do Sol impele os ventos. Elipse: É a omissão de um termo ou de uma oração inteira que já foi dita ou escrita antes, sendo que esta omissão fica subentendida pelo contexto. Ex: Sobre a mesa, apenas uma garrafa. LITERATURA Página 3 de 18 Módulo I Polissíndeto: É a repetição expressiva da conjunção coordenativa. Ex: “Vão chegando as burguesinhas pobres, e as crianças das burguesinhas ricas, e as mulheres do povo, e as lavadeiras” (Manuel Bandeira) Assíndeto: É a ausência da conjunção coordenativa. Ex: Não sopra o vento; não gemem as vagas; não murmuram os rios. Pleonasmo: Redundância, repetição. Ex: Eu o vi com meus próprios olhos. Hipérbato: Inversão na ordem sintática. Ex: Dança, à noite, o casal de apaixonados no clube. Anáfora: Repetição de termos. Ex: “Se você gritasse se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense...” (Carlos Drummond) Assonância: Repetição de vogais. Ex: "Sou um mulato nato no sentido lato mulato democrático do litoral” (Caetano Veloso - Araçá Azul) Aliteração: Repetição de consoantes ou sílabas. Ex: “Vozes veladas, veludosas vozes, vórtices vorazes...” (Cruz e Souza) Onomatopéia: reproduz os sons por meio de palavras. Ex: Tique-taque / miau / zum-zum Metonímia: Substituição de um nome por outro. Ex: Gosto de ler Machado de Assis. Sinestesia: Mistura das sensações. Ex: Comia o erótico sabor vermelho da maçã. Comparação: Aproximação de duas coisas através de elemento comparativo. Ex: Esse carro é rápido como um jato. Metáfora: Comparação sem a utilização de elemento comparativo. Ex: Ele é um asno. Catacrese: Metáfora que se consagra na língua assumindo sentido próprio. Ex: Boca da garrafa / pé da mesa / dente de alho O Teatro O último gênero narrativo que iremos trabalhar é o dramático, o teatro. Alguns dos autores que estudaremos posteriormente se destacam nesta arte de escrever textos que serão representados. É interessante observarmos que o gênero dramático trabalha tanto com o texto poético como com o texto em prosa. Antigamente era mais utilizado o verso, para que os atores pudessem decorar as falas com mais facilidade. Hoje em dia, porém, a prosa é mais utilizada. Outra característica importante deste gênero é a descrição dos cenários. É importante situar o ambiente e a caracterização dos personagens para que se possa realizar uma posterior representação. Desde a Grécia antiga, o teatro tem uma importância fundamental na cultura humana. Naquele período, as peças eram representadas em grandes espaços, parecidos com estádios de futebol de hoje, que promoviam uma excelente acústica para que grandes platéias pudessem acompanhar as peças. Os atores representavam utilizando máscaras que determinavam seu estado de espírito, Daí vem a caracterização da arte teatral de duas máscaras: uma triste e outra feliz. Observe o trecho a seguir para melhor compreender as características do gênero dramático: “Vem Joane, o Parvo, e diz ao Arrais do Inferno: PARVO Hou daquesta! DIABO Quem é? PARVO Eu sou. É esta a naviarra nossa? DIABO De quem? PARVO Dos tolos. DIABO Vossa. Entra!”. LITERATURA Página 4 de 18 Módulo I (Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente) LITERATURA Página 5 de 18 Módulo I LITERATURA PORTUGUESA Humanismo Contexto A prova de vestibular da UFRGS nos exige conhecimentos de Literatura de Língua Portuguesa. Nossa literatura tem origem na literatura portuguesa devido a questões históricas e por isso, começamos a trabalhar com uma possível primeira questão da prova. O humanismo é o primeiro período literário que iremos trabalhar. Consiste em um momento de transição da Idade Média para o surgimento do Renascimento. Cronologicamente, podemos situá-lo no século XV, momento em que o teocentrismo medieval vai sendo substituído por um pensamento antropocêntrico que será marcante no Renascimento. É neste contexto histórico que Portugal começa a delinear sua separação definitiva da Espanha e vai consolidando uma língua própria. O gênero mais marcante deste período vai ser o dramático, no qual se destaca a figura de Gil Vicente. Gil Vicente (1465/66? - 1536/40?) A dualidade característica do Humanismo reflete-se no teatro de Gil Vicente. Ainda impregnado de preocupações religiosas, ele pretende reconduzir seus espectadores a uma autêntica vida cristã. Libertando-se das imposições da Igreja, os indivíduos hesitavam entre viver conforme os mandamentos da religião, o que lhes garantia a vida eterna, e usufruir os bens materiais, arriscando-se a padecer no inferno. A grande variedade de assuntos, enredos e personagens levou os críticos a criarem inúmeras classificações para as suas peças que mesmo se nos limitarmos à divisão básica entre religiosas e satíricas podemos compreendê-las em seu alcance. Quase todos os autos tratam com seriedade de assuntos ligados à fé. Já as farsas criticam, em tom de sátira, os costumes de seu tempo. Em seus autos, a religião aparece como um valor essencial para o ser humano. Apresentam-se tanto anjos, profetas, santos, Cristo, a Virgem Maria, como Diabo, Lúcifer, Satanás, etc. Os religiosos seriam gratificados com a vida eterna enquanto que os pecadores seriam conduzidos ao inferno. Assim, classifica-se o seu teatro como moralizante, porque põe em prática o tema conhecido desde a Antigüidade: ridendo de castigat mores (rindo, corrigem-se os costumes). Nas farsas, ou peças satíricas, esse objetivo moralizante manifesta-se mais claramente e mesmo expondo as pessoas ao ridículo, Gil Vicente não foi hostilizado ou censurado, pois ele não se voltava contra as instituições. Suas sátiras, na verdade, dirigiam-se contra os indivíduos que não agiam de acordo com as instituições em que se inseriam: o padre ganancioso ou o nobre falido que fingia ser rico, por exemplo. Triologia das Barcas:A Triologia das Barcas compõe-se de três peças ( Auto da Barca do Inferno, Auto da Barca do Purgatório e Auto da Barca da Glória) das quais a primeira é a mais conhecida. Nela, duas personagens conduzem um enredo bastante simples. São elas o Anjo e o Diabo, barqueiros encarregados de conduzir as almas ao destino apropriada, após a morte. Cada personagem - o fidalgo, o frade com sua amante, o juiz, a alcoviteira, o corregedor, etc - dirige-se ao Anjo com a intenção de ir para o céu. Uma a uma, todas vão sendo rejeitadas. Apenas o Parvo (um bobo e, portanto, um indivíduo sem pecado) e os quatro Cavaleiros das Cruzadas entraram na barca que conduz ao paraíso. Essas escolhas evidenciam o caráter moralizante da peça. Farsa de Inês Pereira: Inês Pereira, moça sonhadora, cansada do trabalho doméstico, resolve fugir da monotonia de sua vida, casando-se com um homem ideal. Despreza seu pretendente rico e tolo - Pero Marques - e casa-se com um escudeiro, que é malandro e a maltrata. Para a sua sorte, ele vai para a guerra e morre. Inês, viúva, casa-se então com o primeiro pretendente, fazendo cumprir o mote da peça, “mais LITERATURA Página 6 de 18 Módulo I quero asno que me leve, que cavalo que me derrube”. Auto da Lusitânia: É uma das suas últimas peças e tem enredo e personagens bem diferentes das anteriores. Nela, o cavaleiro Portugal e a jovem Lusitânia, sua noiva, casam-se. Na multidão que foi assistir a cerimônia encontram-se personagens alegóricas, como os dois diabos, Belzebu e Dinato. CLASSICISMO Contexto Cronologicamente o Classicismo vai surgir no século XVI. É um período bastante importante na história da humanidade, pois é aqui, com a consolidação do Renascimento que a Igreja Católica, que dominara o cenário cultural durante a Idade média, perde sua força. Grandes expoentes das artes e das ciências começam a ter liberdade para criar. É neste momento que emergem gênios como Da Vinci e Michelangelo. Em oposição ao teocentrismo vigente anteriormente, a cultura européia passa um processo de valorização do homem – o antropocentrismo. Mas tal fato não chega a se constituir em uma novidade. Já na Grécia e Roma antigas, podemos observar esta característica. Basta olharmos as esculturas que representavam os deuses do Olimpo, mostrando formas humanas. Além disso, através de obras como a Ilíada e a Odisséia, podemos perceber que os Deuses tinham características humanas que se apresentavam em suas personalidades. É por isso que temos a denominação Renascimento: um novo florescer da cultura clássica. Camões (1524/25? - 1580) Embora tenha publicado em vida apenas alguns sonetos e sua epopéia Os Lusíadas, Camões é considerado o maior poeta clássico em língua portuguesa. Camões obedeceu ao princípio clássico da imitação, cultivando sempre a perfeição formal. Buscou também o equilíbrio e o racionalismo, característicos do período renascentista: apesar da indiscutível qualidade dos seus sonetos, neles destacam-se a idéia do amor, a reflexão sobre o mesmo e a beleza da mulher, por exemplo, mais que o sentimento amoroso propriamente dito. O caráter racional e reflexivo da sua poesia manifesta-se em inúmeros poemas tratando do tema que se convencionou chamar de desconcerto do mundo, isto é, de uma explicação racional para os fatos e as situações que envolvem o ser humano. O amor e o desconcerto do mundo constituem os principais temas da lírica camoniana. O amor associa-se quase sempre à idealização da figura feminina, em um processo que remete aos conceitos do filósofo Platão, para quem tudo, neste mundo, não passa de cópia imperfeita de uma realidade superior e perfeita. Assim, a mulher que inspira o amor – cortesã ou pastora, não importa – é sempre uma figura idealizada, de rara beleza. Também há o amor espiritual e o amor físico ou sensual. Os poemas que têm por tema o desconcerto do mundo mostram uma postura filosófica de insatisfação e preocupação. Revela-se um mundo absurdo, em desalinho ou desordem, em contínua mutação. Não se encontra a harmonia. Ao Desconcerto do Mundo Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos; E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, só para mim Anda o mundo concertado. Amor é fogo que arde sem se ver Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; LITERATURA Página 7 de 18 Módulo I É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Os Lusíadas (1572): O mais conhecido poema de língua portuguesa é uma epopéia que teve como modelos literários a Ilíada e a Odisséia de Homero. Tem por assunto a viagem de Vasco da Gama ao Oriente. Mas o navegante é apenas o herói aparente da epopéia, pois, como o próprio título indica, seu verdadeiro herói é o povo português, cuja coragem tornou possível o grande feito. Camões dividiu Os Lusíadas em dez partes, chamadas de Cantos. Os cantos estão divididos em estrofes regulares. São 1102, de oito versos cada uma, totalizando 8816 versos. Todas as estrofes têm o mesmo esquema rímico: ABABABCC – ou seja, seis versos de rimas cruzadas e dois de rimas emparelhadas. São versos decassílabos heróicos (acento nas sexta e décima sílabas) ou sáficos (acentos nas quarta, oitava e décima sílabas). O poema está organizado de acordo com a epopéia clássica, isto é, em: • Proposição do assunto (Canto 1, estrofes 1-3) • Invocação às musas (Canto 1, estrofes 4-5) • Dedicatória a D. Sebastião (Canto 1, estrofes 6-18) • Narração da história de Vasco da Gama (estrofes 19 até 1045) • Epílogo contendo um fecho bastante dramático de Camões a respeito da cobiça (estrofes 1046 a 1102). LITERATURA Página 8 de 18 Módulo I A LITERATURA NO SÉCULO XVI 1. Literatura Informativa As primeiras manifestações literárias sobre a América estão delimitadas pelo seu caráter informativo. Expressam sem maiores intenções artísticas, os contatos do europeu com o novo mundo. São documentos a respeito das condições gerais da terra conquistada. Dentro da tradição utópica do Renascimento, a América surge como o paraíso perdido, local de maravilhas e abundâncias. Também os nativos são apresentados sob olhares favoráveis. Porém, na segunda metade do século XVI, à medida que os índios começam a se opor aos desígnios imperiais, a visão rósea transforma-se. A natureza continua exuberante mas os habitantes da terra são pintados como seres animalescos. A carta de Pero Vaz de Caminha Entre os testemunhos deixados pelos portugueses no século XVI, sobre o Brasil, o mais importante é a Carta do escrivão Pero Vaz de Caminha. O texto tem um notável valor histórico - por ser o primeiro registro escrito sobre a realidade local, mas vale ainda mais pela agudeza com que Caminha revela a paisagem física e humana daquilo que ele julga ser uma imensa ilha. Verdadeiro homem do renascimento, o escrivãoda frota lusa transforma a Carta num monumento de curiosidade antropológica e de abertura intelectual à diversidade. O crítico Sílvio Castro aponta alguns dos aspectos mais significativos do texto: - a atenção minuciosa dos detalhes - a simplicidade no narrar os acontecimentos - a disposição humanista de tentar entender os nativos - a capacidade constante de maravilhar-se Vejamos como ele descreve o primeiro contato com os índios: A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e de bons narizes. Em geral são bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto. Ambos traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco, do comprimento de uma mão travessa e da grossura de um fuso de algodão. (...) Deram-lhe de comer: pão e peixe cozido, confeitos, bolos, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada de tudo aquilo. E se provaram alguma coisa, logo a cuspiam com nojo. Trouxeram- lhes vinho numa taça, mas apenas haviam provado o sabor, imediatamente demonstraram não gostar e não mais quiseram. A nudez das índias A imagem mais desconcertante para os marinheiros lusos é a nudez das índias. Vindos de um mundo onde o corpo era censurado e reprimido, eles não escondem o assombro diante do que vêem. Caminha traduz esse sentimento, mas com seu particular espírito renascentista, procura ver os corpos femininos desnudos dentro do quadro cultural da sociedade indígena: Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. (...) E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima, daquela tintura; e certamente era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha - que ela não tinha - tão graciosa que, a muitas mulheres de nossa, vendo-lhes tais feições, provocaria vergonha por não terem as suas como a dela. (...) Ideal salvacionista LITERATURA Página 9 de 18 Módulo I A profunda religiosidade portuguesa, que era um dos móveis da conquista, mostra-se na possibilidade de conversão dos primitivos habitantes: E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã do que nos entenderem (...) E bem creio que, se Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degradados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram. A visão do paraíso A linhagem dominante é a do paraíso terreno, como se percebe no final do texto de Caminha: Essa terra, Senhor. (...) é toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender os olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos, terra que nos parecia muito extensa. Até agora não podemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem o vimos. Contudo, a terra em si é de muitos bons ares, frescos e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como de lá. As águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem! Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será alvar essa gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar. 2. Relatos de viajantes Durante todo século XVI, o Brasil despertou grande fascínio entre os europeus. Além dos colonos portugueses e dos invasores franceses, outros europeus visitaram a terra recém conquistada. Dois desses viajantes produziram obras definitivas sobre a vida cotidiana e os costumes dos Tupinambás: o alemão Hans Staden e o francês Jean de Léry. Duas viagens ao Brasil Sob este nome, Hans Staden publicou na Alemanha, em 1557, um livro no qual descreve as suas aventuras em território brasileiro, especialmente os nove meses e meio em que esteve prisioneiro dos Tupinambás. A antropofagia A antropofagia é o motivo principal de seu livro, talvez até pelo interesse que o assunto despertava na Europa. Além disso, mostra aos leitores europeus os animais da terra e a natureza, pintando um quadro intenso e colorido da realidade brasileira de então, transformando o seu livro num notável êxito editorial do século XVI. No fragmento abaixo ele descreve a execução e a devoração de um inimigo pelos Tupinambás: Quando trazem para casa um inimigo, batem-lhe as mulheres e as crianças primeiro. A seguir, colocam-lhe ao corpo penas cinzentas, raspam-lhe as sobrancelhas, dançam em seu redor e amarram-no bem. Dão-lhe então uma mulher para servi-lo. Se tem dele um filho, criam-no até grande e o matam e o comem quando lhes vem a cabeça. Dão de comer bem ao prisioneiro. Conservam-no por algum tempo e então se preparam. (...0 Assim que está tudo preparado, determinam o tempo em que ele deve morrer e convidam os selvagens de outras aldeias para que venham assistir. Enchem de bebidas todas as vasilhas. Logo que estão reunidos todos os que vieram de fora, o chefe da choça diz: “ Vinde agora e ajudai a comer o vosso inimigo”. (...) Quando principiam a beber, levam consigo o prisioneiro que bebe com eles. Acabada a bebida, descansam no outro dia e fazem para o inimigo uma pequena cabana no local em que deve morrer. Aí passa a noite, sendo bem vigiado. (...) O guerreiro que vai matar o prisioneiro diz para o mesmo: “ Sim aqui estou eu, quero te matar, pois tua gente também matou e comeu muitos dos meus amigos”. Responde-lhe o prisioneiro: “ Quando estiver morto, terei ainda muitos amigos que saberão me vingar”. Depois, ele é golpeado na nuca, de modo que lhe saltem os miolos, e de imediato as mulheres arrastam o morto para o fogo, raspam-lhe toda a pele, tornando-o totalmente branco e tapando-lhe o ânus com uma madeira, afim de que nada dele se escape. LITERATURA Página 10 de 18 Módulo I Depois de esfolado, um homem o pega e lhe corta as pernas acima dos joelhos e os braços junto ao corpo. Vêm então quatro mulheres que apanham quatro pedaços, correndo com eles em torno das cabanas, fazendo grande alarido, em sinal de alegria. Separam após as costas, juntos com as nádegas, da parte dianteira. Repartem isso entre eles. As vísceras são dadas às mulheres. Fervem- nas e com o caldo fazem uma papa rala que se chama mingau que elas e as crianças sorvem. Comem também a carne da cabeça. As crianças comem os miolos, a língua e tudo o que podem aproveitar. Ao guerreiro mais forte é oferecido o coração e as genitais. Quando tudo foi partilhado, voltam para casa, levando cada um o seu quinhão. Viagem à terra do Brasil Igualmente centrado no cotidiano da vida indígena é a obra Viagem à terra do Brasil, do calvinista francês Jean de Léry. Léry permanece no país durante um ano (1557), como enviado do líder religioso Calvino, para servir a Villegagnon, fundador de uma colônia francesa na futuracidade do Rio de Janeiro. Ali tem a oportunidade de conviver (em liberdade) com os tupinambás, fazendo uma série de anotações interessantíssimas a respeito de seu modo de vida. O canibalismo dos tupinambás Obviamente também a antropofagia é um dos temas predominantes da obra, sendo mostrada com uma riqueza de detalhes em muito superior à obra de Hans Staden. Observe-se esta cena, ocorrida logo após a morte do prisioneiro: “Em seguida, as mulheres, sobretudo as velhas, que são mais gulosas de carne humana e anseiam pela morte dos prisioneiros, chegam com água fervendo, esfregam e escaldam o corpo a fim de arrancar-lhe a epiderme; e o tornam tão branco como nas mãos dos cozinheiros os leitões que vão para o forno. Logo depois o dono da vítima e alguns ajudantes abrem o corpo e o esquartejam com tal rapidez que faria melhor um açougueiro ao esquartejar um carneiro. E então - incrível crueldade, assim como nossos caçadores jogam a carniça aos cães para torná-los mais ferozes, esses selvagens pegam os filhos, uns após outros, e lhes esfregam o corpo, os braços e as pernas com o sangue inimigo a fim de torná-los mais valentes. Em seguida, todas as partes do corpo, inclusive as tripas depois de bem lavadas, são colocadas no moquém, em torno do qual as mulheres , principalmente as velhas gulosas, se reúnem para recolher gordura que escorre pelas varas dessas grandes e altas grelhas de madeira. Em seguida exortam os homens a procederem de modo que elas tenham sempre tais petiscos e lambem o s dedos e dizem iguatu, o que quer dizer "está muito bom!.” LITERATURA Página 11 de 18 Módulo I BARROCO Características A) Arte da Contra-Reforma A ideologia do Barroco é fornecida pela Contra-Reforma. Estamos diante de uma arte eclesiástica, que deseja propagar a fé católica. Em nenhuma outra época produziu-se tamanha quantidade de igrejas e capelas, estátuas de santos e monumentos sepulcrais. As obras de arte deviam falar aos fiéis com a maior eficácia possível. Daí o caráter solene da arte barroca. Arte que tem de convencer, conquistar, impor admiração. B) Conflito entre corpo e alma Instaura-se na arte um conflito fundamental, o conflito entre os prazeres da carne as exigências da alma. O dilema se centra, portanto, na oposição entre vida eterna e vida terrena, espírito-carne. Não há possibilidade de conciliação para estas antíteses. Ou se vive sensualmente a vida ou se foge dos gozos humanos e se alcança a eternidade. Esta tensão causa no artista uma profunda angústia: o artista arroja-se nos prazeres mais radicais; em seguida sente-se culpado e busca o perdão divino. C) O tema da passagem do tempo Dilacerado entre a alegria da existência e a preparação para a morte e, conseqüêntemente, para o julgamento divino, o homem barroco assume uma consciência integral da fugacidade da vida humana. O tempo tudo destrói em sua passagem, se convertendo no tema predileto do período. D) Forma tumultuosa Durante o período barroco a forma é conturbada, traduzindo a oposição entre os princípios renascentistas e a ética cristã. Daí a freqüente utilização de antíteses, paradoxos, inversões violentas nas frases, comparações audazes, estabelecendo uma forma contraditória, dilemática, exacerbada, por vezes incompreensível e de mau gosto. O BARROCO NO BRASIL No Brasil, o Barroco resultou especialmente do confronto entra a realidade histórica vivida pelos senhores de engenho com uma absoluta ausência de moralidade, num desregramento sexual completo, e entrava em choque com os ensinamentos contra-reformistas que os padres ministravam nos colégios destinados aos filhos dos latifundiários do açúcar. O movimento na literatura ocorreu apenas durante o século XVIII, porém, no campo das artes plásticas o espírito barroco se estendeu pelo século XVIII e primórdios do século XIX, especialmente, em Minas Gerais. Já o apogeu literário do Barroco deu-se na Bahia, e alguns consideram como primeira obra do movimento a Prosopopéia, de Bento Teixeira. Medíocre poema épico, dedicado ao segundo donatário da capitania de Pernambuco, tem um valos meramente referencial. Gregório da Matos Guerra (1636-1696) Gregório de Matos deixou uma obra poética vasta, muitas vezes de duvidosa autoria. Afrânio Peixoto fez uma edição crítica de seus poemas, mas não conseguiu recolher uma série deles, dispersos ou conservados pela tradição popular. Com os poemas disponíveis, podemos apontar três núcleos básicos em sua produção: a) Poesia religiosa Como lírico religioso, Gregório da Matos revela um poeta que se ajoelha diante de Deus, com um forte sentimento de culpa por haver pecado, e que promete redimir-se. Trata-se de LITERATURA Página 12 de 18 Módulo I uma imagem constante: o homem ajoelhado, implorando perdão por seus erros, conforme podemos verificar no "Soneto a Nosso Senhor": Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque quanto mais tenho delinqüido Vos tem a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido: Que a mesma culpa que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu, como afirmais na sacra história, Eu sou, senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e não queirais, pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glória. b) Poesia satírica Filho de um universo decadente, o autor vingou-se realizando uma poesia mordaz. Ninguém escapava de sua fúria corrosiva, fidalgos, militares, padres, senhores de engenho, escravos, mulatos. Daí o codnome de Boca do Inferno que lhe deram: Que falta nesta cidade? ... Verdade. Que mais por sua desonra? ... Honra. Falta mais que se lhe ponha? ... Vergonha. O demo a viver se exponha Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. (...) Quais são seus doces objetos? ... Pretos. Tem outros bens mais maciços? ... Mestiços. Quais destes lhe são mais gratos? ... Mulatos. (...) E que justiça a resguarda? ... Bastarda. É grátis distribuída? ... Vendida. Que tem que a todos assusta? ... Injusta. (...) Que vai pela clerezia? ... Simonia. E pelos membros da Igreja? ... Inveja. Cuidei que mais se lhe punha? ... Unha. (...) E nos frades há manqueiras? ... Freiras. Em que ocupam os serões? ... Sermões. Não se ocupam em disputas? ... Putas. (...) c) Poesia lírica LITERATURA Página 13 de 18 Módulo I O lirismo do autor se define ora por um erotismo grosseiro, ora por um tom mais delicado, em que o sentimento vincula-se à idéia de passagem do tempo, de efemeridade de todas as coisas humanas. Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo a qualquer hora, Em tuas faces a rosada Aurora, Em teus olhos a boca, o sol e o dia: Enquanto com gentil descortesia, O ar, que fresco Adônis te namora, Te espalha a rica trança brilhadora, Quando vem passear-te pela fria: Goza, goza da flor da mocidade Que o tempo trata a toda ligeireza E imprime em todas a flor sua pisada. Ó não aguardes que a madura idade, Te converta essa beleza, Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. Padre Antonio Vieira (1608-1697) Os sermões (1679-1692) Vinculado, por sua formação jesuítica, à ideologia da Contra-Reforma, Vieira representa tipicamente o espírito barroco. Seus famosos Sermões apresentam aquele aspecto de ensinamento, aquela função moralizadora e aquele tom apocalíptico dos criadores mais radicais do período. Defendeu os índios, defendeu os cristãos-novos, combateu os holandeses e sonhou com um grande império,português e católico, cuja sede seria o Brasil. Usou a Bíblia para fazer observações contínuas sobre o cotidiano do Brasil colonial. E fez isso numa linguagem vibrátil, "conceptista", em que a eloqüência decorre do uso de ricas imagens, da freqüência de comparações e antíteses, do contínuo jogo de idéias. Sua obra pertence conjuntamente ao Brasil e a Portugal. Veja-se um exemplo: "Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado, porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda sua Paixão. (...) A Paixão de Cristo foi de noite sem dormir, parte de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que se for acompanhada de paciência também terá merecimento de martírio. Eles (os senhores) mandam, e vós servis; eles dormem, e vós velais; eles descansam, e vós trabalhais; eles gozam os frutos de vossos trabalhos, e o que vós colheis deles é um trabalho sobre o outro. Não há trabalho mais doce que o das vossas oficinas (refere-se à produção do açúcar nos engenhos); mas toda essa doçura, para quem é? Sois como as abelhas (...). As abelhas fabricam o mel, sim; mas não para si." LITERATURA Página 14 de 18 Módulo I ARCADISMO Características a) Vinculação com o Iluminismo As manifestações artísticas do século XVIII (Arcadismo ou Neoclassicismo e o Rococó) refletem a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia, insatisfeitas com o absolutismo real e com a pesada solenidade do Barroco. A filosofia do Iluminismo, em seu primeiro momento conciliando os interesses da burguesia com certas parcelas da nobreza, através de um fenômeno típico do século XVIII: o despotismo esclarecido, e afirmando que todas as coisas podem ser compreendidas, e decididas pelo poder da razão, assenta um golpe definitivo na visão barroca, baseada mais no sensitivo do que no racional. b) Imitação da natureza Para os árcades, a natureza adquire um sentimento de simplicidade, harmonia e verdade. "Fugere urbem" (fugir da cidade) torna-se o princípio da época. Cultua-se o "Homem natural", isto é, o homem que "imita" a natureza em sua ordenação, em sua serenidade, em seu equilíbrio. O bucolismo (integração harmônica do homem com a natureza) se torna um imperativo social. Esta aproximação com o natural se dá por intermédio de uma literatura de caráter pastoril, conforme se vê nesta lira de Gonzaga: Enquanto pasta alegre o manso gado, Minha bela Marília, nos sentemos A sombra deste cedro levantado. Um pouco meditemos Na regular beleza, Que em tudo quanto vive nos descobre sábia natureza. O Arcadismo é, portanto, uma festa campestre, representando a descuidada existência de pastores na paz do campo, entre as ovelhinhas. c) Imitação dos clássicos No Arcadismo, processa-se um retorno às fontes clássicas. O escritor árcade está preocupado em ser simples, racional, inteligível. Para atingir esses requisitos exigia-se a imitação dos autores da Antigüidade, preferencialmente os pastoris. Horácio, Virgílio e Teócrito são os mais imitados. Estabelece-se assim uma convenção poética (uma verdadeira arte poética) que todos deveriam obrigatoriamente seguir. d) Amor galante O amor perde o conteúdo passional, a impulsividade, dissolvidos em pura galanteria, isto é, o amor se transforma num jogo de galanteios. Quando o poeta declara seu amor à pastora, o faz de uma maneira elegante e discreta, exatamente porque as regras desse jogo exigem o comedimento, as maneiras recatadas, e porque o seu "amor" pode ser apenas o fingimento do amor. OB: não esqueça de algumas frases que marcaram o Arcadismo Fugere urbem (fugir da cidade) Inutilia truncat (truncar o inútil) Aurea mdiocritas (vida mediana) Locus amenus (Lugar ameno) LITERATURA Página 15 de 18 Módulo I Carpe Diem (Viver o dia) ARCADISMO NO BRASIL Surgindo em Minas Gerais, no apogeu do ouro, durante o séc. XVII (inclusive tendo vinculações com a Inconfidência Mineira), o Arcadismo brasileiro tornou-se responsável pelo surgimento de um sistema literário, isto é, uma relação regular e permanente envolvendo autores, obras e público leitor. Durante o período barroco, a ausência de um público regular e contínuo impedia o funcionamento deste sistema, sem o qual não existe a literatura como definidora de uma nação. Autores do Arcadismo A poesia lírica de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) Obras: Obras poéticas (1768) e Vila Rica (1839) Cláudio Manuel da Costa foi um caso curioso de poeta de transição. Em termos de escolha, ele se filia aos princípios estéticos do Arcadismo, mas, em termos instintivos, não consegue superar as fortes influências barrocas e camonianas que marcaram a sua juventude intelectual. Racionalmente é um árcade; emotivamente, um barroco. Se os poemas de Cláudio Manuel da Costa estão cheios de pastores - o que indica o projeto de literatura árcade - os seus temas são quase sempre barrocos. Observe-se este famoso soneto: Neste álamo sombrio, aonde a escura Noite produz a imagem do segredo; Em que apenas distingue o próprio medo Do feio assombro a hórrida figura Aqui, onde não geme, nem murmura Zéfiro brando em fúnebre arvoredo, Sentado sobre o fosco de um penedo Chorava Fido a sua desventura. Às lágrimas, a penha enternecida Um frio fecundou, donde manava D’ânsia mortal a cópia derretida; A natureza em ambos se mudava; Abalava-se a penha comovida; Fido, estátua de dor, se congelava. Além de poemas líricos tentou a epopéia, num poemeto chamado Vila Rica, despido de maior prestígio. A poesia lírica de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) Obras: Marília de Dirceu (1792) e Cartas Chilenas (1845) Em sua única obra lírica, Marília de Dirceu, mostra-se o árcade por excelência. O pastoralismo. A galanteria, clareza, a recusa em intensificar a subjetividade, o racionalismo neoclássico, eis os elementos estruturadores do poema de Tomás Antônio Gonzaga. Marília de Dirceu é autobiográfico dentro dos limites que as regras árcades impunham à confissão pessoal. Na primeira das três partes que compõem o livro, um pastor celebra a sua amada: LITERATURA Página 16 de 18 Módulo I Tu, Marília, agora vendo Do Amor o lindo retrato Contigo estarás dizendo Que é este o retrato teu Sim, Marília, a cópia é tua, Que Cupido é Deus suposto: Se há Cupido, é só teu rosto Que ele foi quem me venceu. Tomás Antônio Gonzaga estava ligado às concepções rígidas do Arcadismo e isto explica em parte o seu comedimento amoroso. Apesar de seus defeitos, sobra em Gonzaga um encanto que é a maneira graciosa e singela com que ele se expressa. Mesmo a frivolidade reveste-se de uma forma simples e envolvente. Alguns enxergam em sua obra traços pré- românticos. Um dos momentos mais famosos de sua lírica é quando afirma a Marília o seu ideal doméstico (aurea mediocritas). Observe o enxerto abaixo, uma das passagens mais encantadoras de suas liras, quando Dirceu fala à Marília sobre o que ela não verá, provavelmente, o Brasil. Tu não verás, Marília, cem cativos Tirarem o cascalho e a rica terra, Ou dos cercos dos rios caudalosos Ou da minha serra. Não verás separar ao hábil negro Do pesado esmeril a grossa areia, E já brilharem os granetes de ouro No fundo da bateia. Não verás derrubar os virgens matos, Queimar as capoeiras ainda novas, Servir de adubo à terra fértil cinza, Lançar os grãos nas covas. Não verás enrolar negrospacotes Das secas folhas o cheiroso fumo; Nem espremer entre as dentadas rodas Da doce cana o sumo. Verás em cima da espaçosa mesa Altos volumes de enredados feitos; Ver-me-ás folhear os grandes livros, E decidir os pleitos. Enquanto revolver os meus consultos Tu me farás gostosa companhia (...) Granetes: grãos Bateia: espécie de gamela que se usa para lavar a areia Pleitos: questão de juízo, demanda Sob o pseudônimo de Critilo, Tomás Antônio ironizou os desmandos do governador de Minas Gerais nas famosas Cartas Chilenas, pretensamente nativistas, pois em momento algum insinuam a sublevação contra a metrópole. Trata-se de um ataque meramente pessoal. A poesia épica de Basílio da Gama (1741-1795) Obra: O Uraguai (1769) O Uraguai faz apologia à expedição imperial enviada às Missões, depois do Tratado de Madrid de 1750, para desalojar os índios e os jesuítas. Basílio da Gama dispunha-se a valorizar, acima de tudo, o Marquês de Pombal, responsável pela medida. Paralelamente, desejava mostrar o conflito entre o racionalismo europeu e o primitivismo indígena. O projeto de Basílio acaba se tornando paradoxal: em termos racionais, ele se coloca ao lado dos europeus, mas, em termos sentimentais, simpatiza com os índios. As razões dos índios são muito mais convincentes que as dos soldados imperiais, de tal forma que sentimos a grandeza épica não nos europeus e sim nos indígenas. LITERATURA Página 17 de 18 Módulo I A perigosa contradição em que se envolve Basílio da Gama, glorificando tanto o conquistador europeu como o selvagem, é equacionada pela crítica feroz a um terceiro elemento: o jesuíta. Já no poema, o único jesuíta que aparece, padre Balda, é ambicioso e pérfido. Não satisfeito, o autor se vale de notas explicativas em profusão, nas quais acusa os padres como responsáveis pelo conflito. A crítica se divide a respeito do indianismo de Basílio da Gama. Alguns assinalam a presença de um sentido anti-europeu neste indianismo, porém, a maioria inclina-se a ver no Uraguai apenas pastores árcades travestidos de indígenas. E a repulsa dos mesmos aos desígnios dos governos europeus não se dá motivada por qualquer nacionalismo. Seria apenas a repulsa do "homem natural", do Arcadismo contra a civilização. Um dos momentos mais significativos do poema dá-se quando os índios defendem o seu direito de permanecer nas terras missioneiras: (...) Se o rei da Espanha Ao teu rei quer dar terras com mão larga, Que lhe dê Buenos Aires e Corrientes, E outras, que tem por estes vastos climas; Porém, não pode dar-lhe os nossos povos (...) Gentes de Europa, nunca vos trouxera O mar e o vento a nós. Ah! não debalde Estendeu entre nós a natureza Todo esse plano espaço imenso der águas. LITERATURA Página 18 de 18 Módulo I
Compartilhar