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Água e meio ambiente

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Aporta do banheiro fica ao lado da porta de ferropreta do apartamento no quinto e último andarde um prédio no centro de Maputo, capital de
Moçambique, um dos países mais pobres do sul da
África. É de madeira envelhecida, pintada de branco.
No fundo, um degrau de cimento foi construído com
um buraco no meio. E só. A água para ser empregada
na higiene pessoal – e também para beber, cozinhar e
qualquer outro uso – fica em um grande galão azul, a
uns 20 metros. O líquido, depois de utilizado, deve
cair no buraco e poderá ser visto na calçada, junto ao
que carregou com ele.
Essa é a realidade da moçambicana Eva. Assim como
ela, que não tem banheiro de verdade nem torneiras
em sua casa, sobrevive mais da metade da população
do país. Cerca de 60% dos moçambicanos não têm
água em sua residência, e no campo os índices chegam
a ser nulos. Quando se trata de saneamento, o acesso é
também precário: passou de 6% em 1980 para 30%
em 1993 e 40% na última década.
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Até 2015, o número de pessoas
sem água e saneamento
deveria ser reduzido à metade
do que era em 2000.
Essa é uma das Metas do
Milênio da ONU, que ainda
está longe de se tornar
realidade. Evitar o desperdício
é maneira de contribuir
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MEIO AMBIENTE
Líquido que
vale vidas
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A história é assustadora e há quem pense que
isso só acontece lá longe. Mas não é preciso ca-
minhar tanto para nos depararmos com proble-
mas como esses. De acordo com o Atlas de Sanea-
mento, do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE), três estados do Norte do Brasil –
Rondônia, Amazonas e Tocantins –, por exemplo,
não chegam a atender 2% da população com
saneamento. Isso mesmo: nem 2%! Na questão da
água, os três piores colocados são Rondônia, Acre
e Maranhão, onde apenas 36,8%, 40,1% e 45,6%
das pessoas, respectivamente, têm acesso ao bem.
Mesmo nos locais com maior infraestrutura,
como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Fe-
deral, os índices não são satisfatórios. Cinco por
cento dos paulistas ainda não têm acesso a água
tratada e 24,7% deles vivem sem esgotamento
sanitário. No Distrito Federal, 8% não têm água
e 12,3% não têm tratamento de esgoto. Para os
cariocas, os números são um pouco piores: res-
pectivamente 30,4% e 46% das pessoas vivem
sem esses serviços básicos. 
DESIGUALDADES
Se em um mesmo país é possível notar dife-
renças como essas, imagine quando falamos de
continentes diferentes. Enquanto uma pessoa em
Moçambique usa, em média, menos de 10 litros
de água por dia, os habitantes de países ricos
consomem entre 200 e 300 litros. Nos Estados
Unidos, a média é ainda maior, chegando a 575
litros de esbanjamento. Segundo a Organização
das Nações Unidas (ONU), cada pessoa precisa
de cerca de 100 litros por dia para viver bem. 
De acordo com o Relatório de Desenvolvi-
mento Humano da ONU (RDH) 2006, intitulado
Além da escassez: poder, pobreza e a crise mundial
da água, “no Reino Unido, um cidadão médio usa
mais de 50 litros de água por dia dando a descar-
ga – mais de dez vezes o volume disponível para
as pessoas que não têm acesso a uma fonte de
água potável na maior parte da zona rural da
África subsaariana”. 
Esse é apenas um dos exemplos. Não é só a
descarga lá dos ingleses que é um problema. A
nossa também é. E não para por aí: tem ainda a
rega de mangueira, o carro e a calçada, que são
lavados sem nenhuma parcimônia no consumo
de água, a torneira ligada durante a escovação, os
banhos de mais de 5 minutos... Outra boa com-
paração do relatório é a de que “um norte-ameri-
cano usa mais água em um banho de 5 minutos
do que um morador de favela de país em desen-
volvimento usa num dia inteiro”. Pode-se substi-
tuir, à vontade, os norte-americanos por brasi-
leiros com ducha no banheiro, e por aí vai.
NÚMEROS DO DESPERDÍCIO
Sobretudo devido a falta de água e saneamen-
to, são registrados, por ano, 5 bilhões de casos
de diarreia nos países em desenvolvimento. De
acordo com o RDH 2006, uma criança com até 5
anos morre a cada 19 segundos dessa doença –
que é totalmente evitável, e mesmo assim a se-
gunda causa de óbitos nessa etapa da vida.
“Água limpa e saneamento estão entre os mais
eficientes remédios preventivos para reduzir a
mortalidade infantil”, afirma o RDH. Tanto que
nos países desenvolvidos a morte de crianças de
até 5 anos representa menos de 1% do total de
óbitos. No mundo, o índice é de 20%. Na África
subsaariana e no sul da Ásia, é de 33%. 
É claro que se você economizar, não necessa-
riamente sua “cota” restante será levada a essas
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Fontes: ANA, Caesb, Sabesp e Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS)
● Os gastos com água são a segunda maior despesa dos con-
domínios, perdendo apenas para o pagamento de salários.
● Apesar de no Brasil predominarem os chuveiros de vazão ele-
vada, os fabricantes já têm disponíveis equipamentos de baixo con-
sumo.
● É possível economizar água até na higienização de frutas e ver-
duras. Basta usar uma colher das de sopa de água sanitária ou cloro
para cada litro de água e deixar os produtos mergulhados por 15 mi-
nutos. Depois, é só colocar duas colheres das de sopa de vinagre por
litro de água e deixar por mais 10 minutos. 
● O banho de ducha por 15 minutos, com o registro meio aberto,
consome 135 litros de água numa casa e 243 num apartamento. E
que, se o registro for fechado ao se ensaboar, e o tempo, reduzido
para 5 minutos, o consumo cai para 45 litros em casa e 81 litros em
apartamento.
● O brasileiro gasta 138,5 litros de água por dia, em média. E que,
no sudeste, esse número pula para 166,2 litros diários.
63%do consumo de água residencialacontece no banheiro.
Saiba que:
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Ojeito é economizar e evitar problemas edesigualdades. Para isso, algumas medidaspodem ser tomadas na sua residência.
Entre elas, a construção de cisternas – para ar-
mazenar a água da chuva, que pode ser apro-
veitada, por exemplo, para lavar o quintal –, a
adoção de hidrômetros individuais – para evitar
que os gastões saiam impunes do desperdício – e
de válvulas inteligentes nas descargas ou daque-
las bacias que ficam acima da privada e limitam
a quantidade de água gasta a cada uso. 
“Uma cisterna é a otimização de água que antes
era totalmente desperdiçada”, afirma Dalvino
Franca, diretor da ANA. Quem nunca ouviu fa-
lar, pode pensar na cisterna como um grande re-
servatório de água da chuva.
No semiárido nordestino foram instaladas 400
mil cisternas nos últimos cinco anos. Nesses lo-
cais, a importância do método é fundamental
para garantir a sobrevivência da população. Já
nas cidades, as vantagens de ter uma cisterna em
casa são outras. “Em São Paulo, por exemplo,
elas são um grande elemento contra enchentes e
funcionam como um piscinão. As cidades são
totalmente impermeabilizadas, e a água da chuva
cai nas ruas e cria graves problemas de inun-
dação”, explica Dalvino. 
Além desse benefício coletivo, a cisterna repre-
senta uma boa economia nos gastos de água da
família, apesar de ter um custo inicial de cerca de
R$ 2 mil. Isso porque ela pode armazenar água
suficiente para todos os serviços externos da
casa, como lavar o carro, regar as plantas, limpar
o quintal e até mesmo para as descargas no ba-
nheiro. “Só não recomendo que seja usada para
beber, pois para isso a cisterna teria de ser muito
bem vedada e clorada, como é feito no sertão”,
alerta Dalvino. Mesmo assim, essa prática já seria
uma redução e tanto. 
“A água armazenada em cisternas pode ser uti-
lizada para usos menos nobres de abastecimento.
Só para dar uma ideia de quanta água pode-
ríamos economizar: em um telhado de casa de
classe média, de 100 m3, em São Paulo, chove
pessoas que estão sem o bem, mas é um começo.
A falta não é em decorrênciada escassez, afirma
o relatório. “A maioria dos países dispõe de água
suficiente para satisfazer as necessidades domés-
ticas, industriais, agrícolas e ambientais. O pro-
blema está na gestão.” Essa gestão, bem entendi-
do, não é apenas governamental e política, mas é
a gestão de cada consumidor. Água suficiente
existe, é só saber usar e distribuir.
Os números do desperdício são alarmantes.
“Uma torneira mal fechada ou com vazamento
pode ser enorme fonte de desperdício. Depen-
dendo da pressão, as perdas podem chegar a mi-
lhares de litros em um único dia”, segundo a
Companhia de Saneamento Ambiental do Dis-
trito Federal (Caesb). Já uma descarga com mau
funcionamento pode desperdiçar até 144 litros
de água por dia. A informação consta do Manual
de conservação e reúso de água em edificações, uma
publicação conjunta da Agência Nacional de
Águas (ANA) com a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp) e o Sindicato da
Construção (SindusCon-SP).
E o que vai ralo abaixo não é apenas a água que
escorre das torneiras, das descargas e do chu-
veiro: esbanjar também é um problema. Aquele
saquinho de 5 quilos de arroz, por exemplo, à
venda no supermercado, carrega no mínimo 7,5
mil litros de água – usada durante seu cultivo.
Ou, ao entrar no seu carro, lembre-se de que os
quatro pneus precisaram de 10 mil litros de água
para serem fabricados. Ao não cuidar do balan-
ceamento do carro e trocar os pneus antes do fim
de seu tempo útil de vida, boa parte dessa quan-
tidade de água será desperdiçada. Confira no in-
fográfico ao lado outros desperdícios que acabam
passando despercebidos – e que podem ser evi-
tados daqui para a frente.
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MEIO AMBIENTE
Quer água de graça? Armazene a da chuva 
Consumo médio de água com atividades cotidianas
● Máquina de lavar roupa: 150 litros/lavagem 
● Descarga: de 7 a 10 litros 
● Chuveiro: de 3 a 6 litros por minuto 
● Escovar os dentes: 18 litros (se ficar 3 minutos com a torneira
aberta) ou 2 litros (abrindo e fechando a torneira) 
● Lavagem do automóvel: 100 litros 
● Lavagem de louça: 240 litros (torneira aberta continuamente) ou
70 litros (abrindo e fechando a torneira) 
● Lavagem da calçada com mangueira: 120 litros 
● Torneira mal fechada: 46 litros por dia (apenas gotejando) ou
entre 180 e 750 litros (fluindo em filete)
Fonte: Caesb
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Saiba mais:
● Mundo sustentável – Abrindo espaço na mídia para um
planeta em transformação, de André Trigueiro, Editora Globo 
● Passo a passo para a construção de cisternas: www.
cliquesemiarido.org.br
● Animação para calcular seu gasto de água mensal: www.
sabesp.com.br/CalandraWeb/animacoes/index.html
por ano cerca de 150 mil litros de água. E isso,
grosseiramente, é metade do que uma família de
cinco pessoas utiliza ao longo do ano. Então, na
própria casa, o céu nos joga metade da água que
consumimos. E, sim, nós poderíamos, eventual-
mente, estar utilizando isso.” A afirmação, que
consta do livro Mundo sustentável – Abrindo
espaço na mídia para um planeta em transformação,
é de Jerson Kelman, que foi diretor-presidente da
ANA até 2004.
Se você se sentiu tentado a ter uma cisterna em
casa, há algumas de plástico vendidas em lojas de
material de construção. Se quiser se aventurar na
construção de uma, o site da Cáritas Brasileira
indica, passo a passo, como construí-la, da mes-
ma maneira como se faz no semiárido. Confira
em (www.cliquesemiarido.org.br).
PAGANDO PELOS OUTROS
Outra maneira de economizar é dar uma boa
olhada nos vazamentos da sua residência. Se mo-
rar em condomínio, então, o problema se multi-
plica – já que a leitura dos gastos ainda é con-
junta para a maioria da população, e quem eco-
nomiza acaba pagando a conta de quem não está
nem aí.
Porém, algumas soluções têm surgido. Uma
delas começou a valer em dezembro do ano pas-
sado, quando a Sabesp (Companhia de Sanea-
mento Básico do Estado de São Paulo) lançou
projeto para a cobrança individualizada da água
em prédios dos 364 municípios que atende. En-
tão, se o condômino é do tipo que costuma es-
banjar, pagará mais por isso. A própria Sabesp
disponibiliza em seu site uma animação para o
consumidor residencial calcular o gasto men-
sal de água. Confira em (www.sabesp.com.br/
CalandraWeb/animacoes/index.html).
“A expectativa, com as instalações individuais,
é de que haja redução de 20% a 30% no con-
sumo”, estima Wagner Morelli, gerente do de-
partamento de gestão do processo comercial da
Sabesp. Os prédios novos já adotam esse padrão,
e os antigos podem se adaptar a ele, se quiserem.
É o condomínio que deve procurar a Sabesp para
iniciar a adequação de sua estrutura interna para
a medição individual. Feito isso, deve se dirigir a
um posto da companhia e pedir também a leitu-
ra individualizada.
“Fizemos esse processo em um prédio modelo,
a CDHU de Francisco Morato na Grande São
Paulo, e a média de custo por apartamento ficou
em R$ 700”, afirma. Para a instalação em outros
prédios, entretanto, o valor deve ser um pouco
mais caro, em torno de R$ 1 mil. Mesmo assim,
a economia futura compensa – em cerca de três
anos o investimento terá sido pago, e o ambiente
agradece desde o primeiro dia. Se no seu prédio
ainda não adotaram o sistema, converse com o
síndico e outros condôminos. “A ideia é que essa
leitura individual acabe com eventuais desperdí-
cios e faça com que os consumidores usem a
água mais racionalmente”, diz Wagner.
Fontes: Agência Nacional de
Águas/Mundo sustentável –
Abrindo espaço para um
planeta em transformação/
Água no século XXI –
Enfrentando a escassez
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