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5 INTRODUÇÃO Se aceitamos que arte significa o exercício de atividades tais como a edificação de templos e casas, a realização de pinturas e esculturas, ou a tessitura de padrões, nenhum povo existe no mundo sem arte. E. H. Gombrich A História da Arte História da Arte e da Arquitetura Clássica Este material foi desenvolvido para colaborar com a disciplina, que pretende alcançar como principais objetivos: 1) Apresentar a evolução das diversas linguagens artísticas, em diversas regiões do mundo, com principal enfoque no ocidente, abordando os momentos, movimentos e estilos, com características, principais artistas e influências; 2) Auxiliar na compreensão para as artes e a sua capacidade de despertar a sensibilidade estética, tão importante na vida de um profissional da arquitetura e do urbanismo. Como ementa, o espaço de tempo abordado é desde a Pré-história, mais especificamente o Paleolítico Superior, quando o homem começou a pensar e produzir imagens, até o final do período conhecido como Idade Média, aproximadamente fim do século XIII. Nosso estudo abrange as artes em geral dos diversos períodos e movimentos: Arquitetura, Pintura, Escultura e Gravuras e suas relações com a edificação e com a cidade. Quando falamos em arte clássica, nos referimos a toda a forma de fazer arte dos gregos e romanos antigos, uma junção de beleza e técnica, que produzia harmonia, equilíbrio e resistência, que até os dias de hoje fascina e inspira artistas de todo o mundo. Estudaremos as produções artísticas da pré-história, do oriente antigo e como estas influenciaram as que hoje são consideradas as mais belas obras de arte da História, as da Antiguidade Clássica. Dessa forma, estudaremos também as artes da Grécia Clássica, da Roma e da Etrúria. Além disso, entraremos no fantástico mundo das catedrais medievais, que ao contrário do que se parece tem muita ligação com a arte clássica. 6 UNIDADE I – Arte Primitiva e do Oriente Próximo Nesta primeira unidade estudaremos a arte produzida pelos primeiros assentamentos humanos e as primeiras civilizações mais desenvolvidas no mundo. O homem começou a produzir arte no período da Pré-História que conhecemos como Paleolítico Superior, a cerca de 40000 a.C.. É claro que ele não produzia imagens com intuito de vendê-las numa exposição, nem se quer as produzia para decorar as paredes das cavernas. A arte para este homem tinha uma função prática e utilitária, o que veremos na primeira aula. E até pouco tempo não se conhecia, consequentemente não se estudava este tipo de arte no contexto da História da Arte. Com as escavações e descobertas, estas incríveis imagens nos interiores profundos de cavernas de todo o mundo, possibilitou aos estudiosos conhecer muito sobre o modo de vida dos nossos parentes da Idade da Pedra. Num período posterior, conhecido como Neolítico, os vestígios encontrados até agora foram menos que o do Paleolítico, mas o suficiente para se saber que uma verdadeira revolução aconteceu no mundo no período de transição entre os dois períodos e que, como toda revolução, mudou radicalmente o modo de vida dos seres humanos. Talvez, a própria ausência de objetos, imagens, e demais indícios, já seja uma prova destas transformações. As poucas pinturas e esculturas encontradas deste período sugerem uma profunda modificação na forma que o homem via o mundo, revelam suas crenças e medos. O mais incrível deste período é a arquitetura, com seus templos de pedra na Europa e as cidades na Ásia. Estudaremos ainda a Arte Primitiva dos grupos humanos que chegaram aos nossos dias nas fases paleolíticas e neolíticas, como também, na Aula 02, a fase neolítica dos povos Pré-Colombianos. Como diz o Janson (2001), “Primitivo” é um termo infeliz: sugere, erradamente, que esses homens representam a condição original da humanidade e adquiriu assim conotações emocionais contraditórias. Pela falta de termo melhor, porém, continuaremos a usá-lo para designar um modo de vida que atravessa a Revolução Neolítica mas não dá sinais de evoluir no sentido das civilizações “históricas”. As sociedades primitivas são de natureza predominantemente rural, bastam-se a si próprias. Estudando a arte do Oriente Antigo, veremos o Egito, Mesopotâmia, a Pérsia e as ilhas mais relevantes do mar Egeu. Na Aula 03, conheceremos a fascinante civilização egípcia, cuja arte era produzida para seus mortos e por sua crença no poder do Faraó nos legou as fantásticas pirâmides, até hoje para nós um misterioso empreendimento. Nossa quarta aula é sobre a Mesopotâmia, atual região do Iraque. Para estudarmos esta região, faremos um apanhado das principais civilizações, ou “reinados”, que lá se estabeleceram, entre elas a Suméria, Assíria e Babilônia. Mas, a mais surpreendente obra de arte que veremos esteve presente em todas estas civilizações, é o Zigurate, uma montanha de terra em cujo topo se assentava o templo religioso. Finalmente, na Aula 05, veremos a arte persa, sua monumental cidade de Persépolis e seu estilo de arte refinado e muito bem decorado. Na Arte do Egeu, veremos as civilizações das ilhas Cíclades, onde os maiores representantes artísticos são os fantásticos ídolos de mármore; a arte da ilha de Creta, também conhecida como arte minoica, pois deriva do nome do rei Minos, que construiu seu famoso palácio de Cnossos, que, acredita-se, inspirou os gregos na construção de seus primeiros templos dóricos. Por fim, veremos a arte micênica, também antecedeu e inspirou os clássicos gregos, principalmente com seus túmulos em formato de colmeia, como o famoso Tesouro de Atreu. 7 AULA 01: ARTE NA PRÉ-HISTÓRIA Normalmente se entende por pré-história, o período que antecede a formação e uso da escrita (marco zero da Idade Histórica). A pré-história compreende também as fases de transformação biológicas da espécie humana, das descobertas, práticas e modos de organização que se tornaram muito importantes para o desenvolvimento da vida humana em momentos posteriores. Descobre-se o fogo e o abrigo, desenvolve-se a arte, a organização sedentária, a religião etc. Na escala temporal da humanidade, as datas a partir do neolítico (alguns historiadores dizem que é a partir de 35000 a.C.) correspondem aos primeiros anos da evolução humana “moderna”, desde as sociedades cooperativas de caçadores e coletores até as civilizações agrícolas com uma área de assentamento fixa e classe dirigente. Idade da pedra – recebe este nome devido ao fato de que a pedra foi o material que os seres humanos mais usaram para elaborar suas ferramentas e satisfazer suas necessidades básicas, permitindo-lhes seu desenvolvimento. Compreende o Paleolítico, Mesolítico e Neolítico. Paleolítico ou Idade da Pedra Lascada: Inferior: hominídeos descobrem o fogo e se abrigam em cavernas; Médio: O homem de Neandertal começa a usar a pedras como objetos e utensílios domésticos; Superior: O Homo sapiens desenvolveu o pensamento e a arte. Neolítico ou Idade da Pedra Polida: Desenvolveu a agricultura e a criação de animais e passou a viver em comunidades permanentes. 8 1. Paleolítico superior Existe uma grandeza no modo de se ver a vida, com seus múltiplos poderes, como sendo inicialmente soprada pelo Criador em algumas formas ou em uma só e que, enquanto este planeta foi girando de acordo com as leis da gravidade, de um começo tão simples tenham evoluído e continuem a evoluir em infinitas e maravilhosas formas. Charles Darwin A Origem das Espécies Quando falamos em pré-história, falamos em hipóteses, há muitas hipóteses e poucas respostas realmente certas, comparado a história, narrada a partir de registros escritos encontrados. Na falta de registros escritos, os arqueólogos e historiadores interpretam asevidências fragmentadas dos povos antigos – cerâmicas, utensílios domésticos, pinturas nas paredes, etc. – encontradas em locais espalhados pela Europa, África e Ásia. O paleolítico é a idade dos caçadores nômades, que vivem do extrativismo, ou seja, extraem os meios de subsistência ao invés de produzi-los. Este período representa mais de 90% da história da humanidade, foi o período mais longo e foi dividido em três etapas: Paleolítico inferior, Paleolítico médio e Paleolítico superior. Esta divisão está baseada na evolução do ser humano e em sua necessidade de controlar o meio que o circulava. O meio ambiente era hostil, já que o clima sofria grandes variações, destacando-se as eras glaciais e interglaciais e a megafauna que as rodeava. Frente a isto, a espécie humana sofrerá uma série de transformações fisiológicas para melhorar sua adaptação e sua busca pela sobrevivência. A caça, a pesca e a colheita definiram sua economia, que era depredadora. A sociedade se organizava em bandos: grupos humanos conformados por algumas dezenas de indivíduos, cuja liderança recaía sobre o mais hábil, não necessariamente o mais forte, mas sim o portador de maior inteligência emocional. Esta gente tinha uma expectativa de vida aproximada aos trinta anos, vivia um estilo de vida nômade, se refugiando em cavernas e cabanas rudimentares, deslocando-se seguindo os recursos disponíveis na natureza. 9 Figura 1 - Cabana feita de peles de animais. Fonte: Rodrigues, 2005. No paleolítico inferior (1 milhão de anos a.C.), os hominídeos, Australophithecus, Homo habilis, Homo erectus, descobriram o fogo e começaram a se abrigar em cavernas e, no paleolítico médio, o homem de Neandertal ou Homo sapiens neanderthalensis (350.000 a.C.) desenvolveu as pedras objetos e os objetos domésticos. No superior, o ser humano adquire a capacidade de pensar, ou seja, chega ao estágio do homo sapiens sapiens. O Homo sapiens sapiens é o resultado final da humanização. Ainda que tem uma menor capacidade craneana que os neandertais, deixou as primeiras evidencias de um pensamento simbólico (arte). Em termos anatômicos, esta espécie tem mais de 190.000 anos, sendo um enigma o fato de que os vestígios de uso de símbolos sejam muito mais tardios, não mais de 50.000 a.C. O Homo sapiens sapiens obteve sucesso em melhorar e inovar as ferramentas, entre elas destacam-se o arco e a flecha, que lhe permitiu melhorar a caça à rena, que passou a ser seu principal alimento. O entalhe em osso teve grande importância, como o uso de agulhas de osso que lhe permitiu fabricar vestidos para cobrir seu corpo e lhe proteger do intenso frio da época. Foi a primeira espécie de humanos a chegar na América e Austrália. Figura 2 - Ilustração da evolução humana 10 A ARTE MAGIA É impossível entender esses estranhos começos se não procurarmos penetrar na mente dos povos primitivos e descobrir qual é o gênero de experiência que os faz pensar em imagens como algo poderoso para ser usado e não como algo bonito para contemplar. E. H. Gombrich A História da Arte A arte na pré-história, que começou a ser desenvolvida no Paleolítico Superior, a aproximadamente 40.000 a.C., também é considerada como um reflexo de uma busca do homem, busca de satisfação de necessidades, de entendimento, de praticar a imaginação. A história da arte, então, é muito mais que história da pintura, da escultura e da arquitetura, é, principalmente a história do homem, seu pensamento, suas buscas. A vida desses indivíduos era extremamente prática, visto que tudo girava em torno da preocupação com a obtenção de alimentos. A arte surge nesse contexto, como satisfação do objetivo da caça, ou seja, de satisfazer as suas necessidades básicas. Era um instrumento de magia, culto e crenças, dotado de funções práticas, visando diretamente a obtenção dos meios de subsistência. A arte produzida no paleolítico foi marcada pelo modo de vida dos indivíduos, era peça fundamental na primeira forma de pensamento. Os caçadores viviam num estado de individualismo primitivo, não se organizavam em comunidades sedentárias e tinham como atividade religiosa o culto mágico da fertilidade e da caça. Este culto mágico era caracterizado por assuntos que estavam ligados à vida cotidiana, ou seja, à subsistência. Sua cultura espiritual não possuía a organização religiosa que conhecemos hoje, com cultos e rituais bem estabelecidos, nem assumia a crença na vida após a morte. As imagens dos homens das cavernas as vezes eram pintadas ou entalhadas umas sobre as outras, sem qualquer ordem aparente. A explicação mais provável, principalmente para as pinturas rupestres, ainda é a de que se trata das mais antigas relíquias da crença universal no poder produzido pelas imagens. Parece que estes caçadores primitivos imaginavam que, se fizessem uma imagem de sua presa – e até s espicaçassem com suas lanças e machados de pedra –, os animais verdadeiros também sucumbiriam ao seu poder. Inicialmente, a arte paleolítica era desenvolvida em imagens acidentais, percebidas nas rochas, nos ossos, nas árvores, etc.. Os descobridores destas imagens limitavam-se a acentuar- lhes os contornos para que os companheiros vissem melhor sua descoberta. Figura 3 - Leões. Entre os animais pintados nas cavernas de Chauvet, na França, há ursos, leões, panteras, rinocerontes e corujas. Esses leões são uma espécie extinta, cujos machos não tinham juba. C. 30000 a.C.. Fonte: Kindersley, 2012. 11 ENTALHES E ESCULTURAS A primeira forma de arte foi a escultura. No início eram pedras encontradas que tinham relevos semelhantes a formas já conhecidas de animais. Os homens da Idade da Pedra contentavam-se em colecionar seixos e outros objetos em cuja configuração natural descobrissem qualquer poder “mágico”. Logo após, passou-se para pedras esculpidas com formatos de animais. As mais antigas até hoje, encontradas numa caverna da Alemanha, são as estatuetas de marfim de mamute, feitas a cerca de 30000 a.C.. O cavalo da figura 4 possui curva graciosa e harmônica e, acredita-se que, as duas linhas convergentes que aparecem no dorso, perto do pescoço, tenham sido feitas posteriormente, indicando uma seta ou ferida, ou seja, o cavalo foi atingido, morto ou sacrificado. O formidável bisão (figura 5) deve, em parte, o seu perfil compacto e expressivo aos contornos do pedaço de chifre onde foi talhado. Figura 4 - Cavalo de Vogolherd, Alemanha. C. 28000 a.C.. Fonte: <http://umolharsobreaart.blogspot.com.br/2012/11/i-arte-da-pre-historia.html> Figura 5 - Bisão de La Madeleine - Essa encantadora figura feita de chifre de rena e usada para atirar lanças foi encontrada em La Madeleine, na França, c. 12.000 a.C.. Feita em Marfim (ou chifre de rena), com 10cm de comprimento. Fonte: Kindersley, 2012. Os homens do Paleolítico produziram grande variedades de objetos portáteis. As armas eram em geral decoradas com figuras de animais, presumivelmente uma forma de magia de caça. Também foi encontrada na Europa uma enorme quantidade de esculturas conhecidas como “estátuas de Vênus” ou vênus esteatopígicas1. Essas estátuas representavam, em sua maioria, mulheres nuas. Não se sabe o seu propósito, mas sua voluptuosidade levou alguns arqueólogos a considerá-las figuras de fertilidade. 1 Relativo a esteatopigia, que quer dizer hipertrofia das nádegas devido a acumulação excessiva de gordura. "esteatopigia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/esteatopigia [consultado em 21-02-2015]. 12 Figura 6 - Vênus de Willendorf. Mal se percebe os braços dobrados sobre o peito. C. 24000. A.C.. Fonte: Kindersley, 2012. Figura 7 - Vênusde Kostionki, c. 23000 a.C.. Fonte: Kindersley, 2012. Mais de uma centena de estatuetas foram encontradas em diferentes locais, da França à Rússia. Elas têm, em geral, pernas e braços curtos e a maioria não se sustenta de pé, o que sugere que as estátuas eram levadas na mão. Pequenas estatuetas de mulheres com seios e nádegas enormes, que certamente não representavam as mulheres da época, mas sim a grande mãe natureza, que a todos gera e alimenta. Talvez essas estatuetas, de apenas dez centímetros de altura, fossem amuletos para se ter boa gravidez, parto sem problemas, caça abundante, fartura de frutos e raízes. Tanto quanto nós, eles temiam a fome, a doença e a morte. Rosicler Martins Rodrigues O Homem na Pré-História A mais famosa das estatuetas de Vênus é a de Willendorf, leva o nome da cidade austríaca onde foi encontrada, durante a construção de uma ferrovia. Foi esculpida em uma pequena pedra calcário e pintada com ocre vermelho. Possui 11cm de altura. Uma característica de quase todas as estatuetas de Vênus é a falta de traços faciais. No caso da Vênus de Willendorf, toda a cabeça está coberta pelos cabelos. Isso talvez servisse para enfatizar a universalidade da figura. Esta Vênus tem as formas bulbosas e arredondadas de um “seixo sagrado”. O seu umbigo, que marca o centro do desenho, é uma cavidade natural da pedra. Os primeiros objetos não funcionais conhecidos são do Paleolítico. A figura feminina da Figura 7, conhecida como Vênus Kostionki é da região de Veronej, no sudeste da Rússia. Em 2008 foi encontrada em outra caverna da Alemanha, a caverna de Hohle Fels, uma destas vênus, que, acredita-se, é ainda mais antiga que as já encontradas até então, possui cerca de 40000 anos. Trata-se de uma pequena mulher com grandes seios e enorme genitália cuidadosamente esculpida (figura 8). Tudo mais, cabeça, pernas e braços são apenas sugeridos. “Não é possível conseguir-se algo mais essencialmente feminino do que isso”, afirma o norte-americano Nicholas Conard, arqueólogo da Universidade de Tübingen, Alemanha, cuja equipe descobriu a escultura no fundo de uma caverna no sudoeste da Alemanha no outono de 2008. “Cabeça e pernas não importam. Isto aqui é puro sexo e reprodução”, conclui Conard (http://www.smithsonianmag.com/history/the-cave-art-debate- 100617099/?no-ist). Figura 8 - Vênus de Hohle Fels - Esculpida há mais de 40 mil anos, é a mais antiga representação feminina jamais encontrada. Fonte: <http://www.smithsonianmag.com/history/the-cave-art-debate-100617099/?no-ist>. 13 PINTURA RUPESTRE As pinturas rupestres pré-históricas são tão belas quanto misteriosas. Não se tem certeza de seu propósito, mas elas oferecem um registro fascinante dos primeiros tempos da existência do homem, assim como de suas primeiras manifestações artísticas. Os primeiros artistas adornavam as cavernas com gravuras e pinturas. As pinturas eram produzidas com uma variedade restrita de cores terra – pigmentos azuis e verdes raramente estavam disponíveis. Os pigmentos eram extraídos principalmente de minerais e misturados a gordura ou sangue de animais. Os animais eram o tema mais popular. Figuras humanas eram menos comuns, e geralmente retratadas de maneira rudimentar. Há muitos sinais abstratos, mas de difícil interpretação. Muito se tem discutido sobre o propósito da pintura de animais. É provável que algumas fossem decorativas, mas há boas razões para crer que atendiam a algum fim ritual. Quase sempre eram feitas em partes pouco acessíveis das cavernas, onde não podem ser vistas com clareza. Algumas foram feitas em áreas onde não se acharam sinais de ocupação humana, o que sugere que eram locais sagrados, deliberadamente inabitados. Muitas vezes, imagens foram desenhadas sobre pinturas anteriores, o que afasta a ideia de intenção decorativa. Segundo a teoria mais comum, o desenho de animais era parte de algum ritual mágico, destinado a favorecer a caça. A arte magia, como já citada anteriormente. Arte rupestre europeia – c. 30000 – 10000 a.C. Alguns dos mais belos exemplos de arte rupestre europeia foram produzidos no sudoeste da França e norte da Espanha, durante a fase final da Idade do Gelo, de 15000 a 10000 a.C.. As pinturas de Altamira, na Espanha, descobertas em 1879, estão tão bem preservadas que durante muitos anos os arqueólogos duvidaram de sua autenticidade. As imagens são, em sua maioria, de bisões, embora existam alguns cavalos e cervos. Figura 9 - Cavalos e cervos - A caverna de Altamira, na Espanha, é famosa pelo realismo da representação. Datadas de c. 13000 a.C., as pinturas rupestres captam o movimento e a textura do pelo dos animais. Fonte: Kindersley, 2012. A figura 10 mostra um bisão ferido, também das superfícies internas de Altamira. O animal tombou no chão, moribundo, as patas já não sustentam o corpo, mas ele baixa a cabeça para tentar defender-se das azagaias que lhe arremessam. É uma imagem viva e realista, assombrosa pela agudeza da observação, pelo traçado firme e vigoroso, pelos matizes sutis que dão volume e relevo às formas ou, talvez ainda mais, pela força e dignidade da fera agonizante. Igualmente impressionantes, embora menos perfeitos nos detalhes, são os bisões, veados, cavalos e touros de Lascaux, na região de Dordogne na França. 14 Figura 10 - Bisão Ferido - A maioria das pinturas rupestres mostram animais vivos, mas esse bisão parece ter sido pintado depois de morto, com as pernas amarradas. A extraordinária imagem foi pintada com apenas três cores: ocre, vermelho e preto. C. 13000 a.C., Caverna de Altamira, perto de Santillana del Mar, Espanha. Fonte: Kindersley, 2012. A caverna de Lascaux contém mais de 600 pinturas, descobertas em 1940, algumas delas as mais espetaculares obras de arte existentes, principalmente no famoso “Salão dos Touros” (Figura 11), onde se veem quatro touros negros de até 4,90m de comprimento. Figura 11 - O compartimento mais magnífico da gruta, conhecido como Grande Salão dos Touros, contém uma narrativa pintada. Fonte: Henderson Luiz Uxitisky Fondelo, 2010 <http://saibadearte.blogspot.com.br/2010/04/pinturas-rupestres-de-lascaux.html> Figura 12 - "Homem de Lascaux" – As pinturas rupestres de Lascaux são consideradas os mais belos exemplos de arte pré-históricaa do mundo. Esta cena enigmática mostra um homem com cabeça de pássaro ao lado de um bisão que parece ter sido estripado. C. 17000 a.C.. Fonte: Kindersley, 2012. A figura 12 mostra uma das raras vezes em que o homem foi representado nas pinturas rupestres paleolíticas. Assim também aconteceu numa pintura da gruta de La de Addaura, Palermo, Itália. Trata-se de figuras humanas em posições de dança, acompanhadas por alguns animais (figura 13). Isto parece confirmar a existência de ritos troglodíticos relacionados com a fertilidade humana e com a dos animais. Descobertas na década de 1950, estas imagens estão gravadas umas sobres as outras, em várias camadas, como em Lascaux. 15 Figura 13 - Dança Ritual, c. 10000 a.C.. Gruta de Addaura, Monte Pellegrino (Palermo). Fonte: Janson, 2001. Figura 14 - Cavalos das cavernas de Chauvet. A quantidade de representações destes cavalos selvagens pode representar a importância deles para o povo da época. Fonte: Revista superinteressante, 1995. Em 1994, foram encontradas outras pinturas rupestres, também na França, na caverna de Chauvet. Magníficas pinturas de cerca de 20000 de idade, compreendem a maior descoberta de pintura rupestre dos últimos 50 anos. As imagens têm a elegância das melhores obras, de qualquer época. O complexo de Chauvet também contém uma notável quantidade de pinturas de animais e é muito mais antigo que as anteriores. São mais de 300 imagens que apresentavam muitasnovidades. Cai, entre outras coisas, o predomínio que os animais de caça, como bisões, tinham em todas as cavernas conhecidas. Em Chauvet, há feras para todo lado: ursos, panteras, hienas e dezenas de rinocerontes peludos. Hienas nunca haviam aparecido e rinocerontes, só em três desenhos já descobertos. Se fosse necessário categorizar a pintura deste período a partir de algum conceito de estilo já presente na história da arte poderia se idzer que ela é “naturalista”. Os animais pintados nas cavernas nutriam uma semelhança impressionante com as formas naturais e, nesse caso, o naturalismo como um ato de duplicação do modelo explica o seu sentido mágico para o indivíduo do paleolítico, pois a pintura deveria ser fiel para a evocação se consagrar. Arte mágica - As pinturas fazem parte da técnica deste processo de magia: ao matar um animal na imagem, o homem acreditava ter matado o sopro vital dos animais em si. As pinturas do paleolítico dão uma impressão visual de forma direta e pura, sem a grande presença intelectual, ou seja, sem “estilização” que caracterizará o período neolítico. O artista do paleolítico pinta o que vê, sem preocupações de alterar a composição a partir da capacidade criativa. Pinta o que pode apreender num determinado momento e sob certa perspectiva do objeto. O pensamento existia, pois ele era o homo-sapiens, mas não a preocupação de fazer da arte um projeto de explicação do seu mundo. É a tradução da realidade de modo direto. Dessa forma, pode-se dizer que algumas características estilísticas existem na pintura rupestre do paleolítico: • Tema: animais ou cenas de caça, raramente se representava a figura humana; • Técnica: representação naturalista (detalhamento formal dos traços formadores do corpo e seu movimento); linhas grossas em preto com coloração (em alguns casos) avermelhada. • Função: incorporado ao ritual mágico de caça, mas também com função decorativa e reorganização do espaço habitacional. 16 Figura 15 - "Irmãos Relâmpago" - Essas imagens são de um abrigo no território ancestral do povo wardaman. Os irmãos Relâmpago são dois heróis da criação – Jabaringi e Yagjagbula – que trouxeram os raios e as chuvas das monções. Pintura rupestre, estação Willeroo, rio Victoria, Austrália. Fonte: Kindersley, 2012. Arte rupestre australiana Na verdade, alguns estudiosos dizem que a arte rupestre australiana tem uma história muito antiga. Acredita-se que gravações rupestres encontradas em algumas regiões da Austrália datem de 40 mil anos, enquanto traços de pigmentos encontrados em outras regiões, como em Cape York, parecem remontar de 25000 a.C.. É difícil datar muitas das pinturas aborígenes, já que elas foram retocadas em várias ocasiões. Os aborígenes australianos acreditavam que os desenhos originais foram criados pelos espíritos no Tempo dos Sonhos – o passado ancestral – quando suas sombras pairavam sobre a paisagem. A mais importante concentração de pinturas rupestres encontra-se em Arnhem Land e Kimberley, perto da costa norte, e Victoria, no sudeste. As imagens são geralmente figuras antropomórficas esguias ou “raio X” de animais. A arte do Paleolítico europeu, tal como se conhece hoje, marca o apogeu de um gênero de vida que entrou em declínio logo depois. Adaptado quase perfeitamente às condições especiais da Era Glacial, prestes a findar, não podia sobreviver. Em outras partes do mundo, a Idade da Pedra sofreu uma evolução diferente entre 10000 e 5000 a.C. aproximadamente, salvo em algumas regiões particularmente inóspitas, onde o modo de vida paleolítico se manteve porque nada o abalou ou o pertubou. Exemplo disso são os bosquímanos da África do Sul e os aborígenes da Austrália, que são (ou forma até há pouco) os últimos sobreviventes desta fase primitiva da evolução humana. A sua arte tem características nitidamente paleolíticas. A pintura sobre casca de árvore da Austrália Setentrional, embora muito menos perfeita que a das cavernas da Europa, revela o mesmo interesse pelo movimento e a mesma observação aguda dos pormenores (incluindo uma “radiografia” das vísceras). Aqui, porém, a feitiçaria venatória foi exercida sobre cangurus, em vez de bisões. Figura 16 - Homem-Espírito caçando cangurus, pintura aborígene de Western Arnhem Land, Austrália Setentrional, c. 1900. Casca de árvore. Fonte: Janson, 2001. 17 2. Neolítico O Paleolítico acabou graças à chamada Revolução Neolítica, revolução autêntica, apesar da duração de milhares de anos. Teve início no Oriente Médio, por volta de 8000 a.C., quando o homem levou a cabo as primeiras tentativas bem sucedidas para domesticar animais e cultivar algumas gramíneas cerealíferas – realizações que constituem verdadeiramente um marco na história da humanidade. O homem paleolítico levara a vida errante, do caçador e do apanhador de plantas e frutos silvestres, colhendo os alimentos onde a natureza os fizera surgir, à mercê de forças que não podia compreender nem dominar. A partir de agora, porém, aprenderia a assegurar a sua alimentação pelo próprio trabalho e iria formar comunidades permanentes, fixadas em aldeias. Surgiram uma nova disciplina e uma nova ordem. Por isso, há uma diferença essencial entre o Paleolítico e o Neolítico, embora se continuasse a utilizar a pedra como matéria-prima das armas e utensílio principais. O novo estilo de vida suscitou um número importante de inventos e de atividades artesanais, muito antes do aparecimento dos metais. Surgem a cerâmica, a fiação e a tecelagem, assim como os métodos básicos da construção arquitetural em madeira, tijolo e pedra. Tudo isto foi revelado pelos vestígios dos povoados neolíticos que têm sido encontrados. Infelizmente, estes achados pouco dizem da evolução espiritual do homem neolítico. Há, entre eles, instrumentos de pedra de técnica cada vez mais apurada, de grande beleza, e uma variedade infinita de vasos de barro, cobertos de desenhos abstratos e geométricos, mas nada que se compare à pintura e à escultura paleolíticas. No entanto, a revolução trazida pela agricultura foi, decerto, acompanhada por mudanças profundas nas concepções do homem acerca de si próprio e do mundo, parecendo impossível que não encontrassem expressão artística. Talvez se tenha perdido aqui um vasto capítulo da história da arte, simplesmente porque os artistas neolíticos utilizavam a madeira ou outros materiais frágeis. Ou talvez a lacuna venha a ser preenchida por escavações futuras. Apesar da precariedade de manifestações artísticas encontradas, comparado ao Paleolítico, algumas leituras podem ser feitas a respeito do homem do neolítico, por meio das poucas encontradas e de todo vestígio deixado por ele. A grande transformação ambiental ocorrida incutiu um senso de insegurança do homem frente à natureza, exigindo dele novos meios para se relacionar com ela, como, por exemplo, o sedentarismo em oposição ao nomadismo, o cultivo ao invés do extrativismo, etc. Então, o homem neolítico deixa de ser extrativista para ser cultivador e criador, domesticando animais, controlando certos meios naturais de subsistência. Com isso, ocorre uma melhor organização da matéria-prima para o trabalho e necessidades futuras: cultivo da terra; animais domesticados; ferramentas mais desenvolvidas; divisão do trabalho. As tentativas bem-sucedidas para domesticar animais e cultivar algumas gramíneas cerealíferas foram realizações que constituem verdadeiramente um marco na história da humanidade. Essa transição do extrativismo para o cultivo mudou o ritmo da vida humana, pois os nômades se transformaram em comunidades sedentárias e os grupos desarticulados se articularam. No aspecto espiritual também houve mudanças. O cultivo levou a uma crença na direção do sobrenatural,dotado de razão e poderes para determinar o destino humano. 18 A consciência da dependência natural leva o homem em busca de um controle sobre ela (culto aos espíritos por segurança), ligando-se a forças sobrenaturais. É o que se chama de “animismo”, a divisão do mundo em duas instâncias: corpo e espírito; mundo terreno e mundo dos espíritos. ESTILIZAÇÃO GEOMÉTRICA Se por um lado nomeamos a arte do período paleolítico como naturalista, por outro, o período neolítico pode ser caracterizado pela estilização geométrica. A pintura do neolítico foi a primeira manifestação estilizada da história da arte. A mudança do estilo frente o paleolítico corresponde a uma transformação da cultura e civilização. Começa o processo de transformação da arte, substituindo a representação das formas concretas por sinais e símbolos, abstrações e abreviaturas, interpretações, distorções. É o que se pode nomear de des-naturalização: a tradução de uma ideia por meio de meios estilizados, ou seja, com maior traço de modificação do objeto do que o naturalismo. Figura 17 - Pintura rupestre na gruta de Valltorta (Espanha). Fonte: <http://historia7elustosa.blogs.sapo.pt/2012/10/> Figura 18 - Pintura rupestre na gruta de Cogul, Espanha. Ritual com dança. Data indefinida. Fonte: <http://www.modernaplus.com.br/data/files/3BBD918A2D9BA6A9012DA3BF82640D4F/mplus_his01_M01_pre_his toria_NEOLITICO.swf> Causas da mudança estilística: 1. Transição da vida econômica da fase parasitária para a fase produtiva e construtiva. 2. Substituição do monismo, da magia natural, pelo dualismo do animismo – concepção de um mundo que não depende apenas de si mesmo, mas também de outro. Esse estilo geométrico tem sua hegemonia aproximadamente entre 10.000 e 5.000 a.C. e as razões para a sua grande duração reside na concepção artística uniforme somada a 19 características sociais igualmente uniformes, criando desse modo uma base estável para a manifestação cultural. As principais características estilísticas da arte deste período foram: Temas: cenas de caça e rituais mágicos (como no paleolítico, mas com maior número de representações da figura humana). Os seres humanos passaram a ser os protagonistas das pinturas. Eles eram representados caçando, dançando, colhendo, dentre outras atividades cotidianas. Figura 19 - Cena de caça em uma caverna africana. Fonte: <https://www.flickr.com/photos/libyan_soup/455473522/> Técnicas: apresentam-se sinais esquemáticos e convencionados que sugerem mais do que reproduzem (hieróglifos). Figura 20 - Desenhos esquemáticos representando homens. Wadi Sura, no montanhoso planalto Gilf Kebir do Saara, Egito. Fonte: <http://sudanforum.net/showthread.php?t=179843> Figura 21 – Pintura rupestre de Las Geel, Somália, África. Fonte: https://johninsomaliland.files.wordpress.com/2012/06/265.jpg 20 Na figura 22 pode-se observar que, além de uma versão neolítica da mão em negativo, aparecem dois ou três esboços geométricos sintéticos: uma reta vertical para o corpo e duas semicircunferências, um para cima e outra para baixo, para braços e pernas. Figura 22 - Pinturas em cavernas africanas, Wadi Sura, Egito. Fonte: <https://victoriastaffordapsychicinvestigation.wordpress.com/2012/06/08/sea-peoples-airl-grey-alien-area- 51-1947-history-ancient-cave-art-sahara-paintings-the-cave-of-swimmers-gilf-kebir-plateau-new-valley- governorate-sw-egypt-libya/> Função: está ligada a religião, mas busca também a criação de formas decorativas simples e agradáveis. Figura 23 - A imagem de um caçador encontrado em um santuário escavado recentemente em Catal Hüyük, Anatolia, apresenta uma resposta visual para o papel do ser humano no mundo dramaticamente diferente do imaginário Lascaux. Fonte: http://inhouseproduction.co/history/?p=45 Percebe-se então que os melhores remanescentes da arte pré-histórica neolítica estão na África, em regiões montanhosas remotas. Em muitos casos, os locais foram ocupados por séculos e contêm milhares de pinturas e gravuras. Em Tassili N’Ajjer, na Argélia, as pinturas são tantas que permitem identificar os vários períodos em que foram feitas. As mais antigas mostram homens caçando animais hoje extintos. Depois vieram as cenas de pastores com o gado e, finalmente, de animais mais recentes, como cavalos e camelos. Talvez, as imagens mais intrigantes sejam as dos bosquímanos da região de Drakensberg, na África do Sul. Alguns historiadores acreditam que representam xamãs e teriantropos (formas meio humanas, meio animais) em transe cerimonial, junto de antílopes. 21 Figura 24 - Figura xamimanista com antílope - essa obra- prima pré-histórica das montanhas Drakensberg foi interpretada como uma imagem de transe. O animal é acompanhado de humanos dotados de cascos. Fonte: Kindersley, 2012. Figura 25 - Caçadores com arqueiro - milhares de pinturas e gravuras foram produzidas em Tassili N’Ajjer, um platô rochoso no Saara, quando o clima era mais favorável do que hoje. Às primeiras cenas de caçadores seguiram-se pinturas de pastores. C. 4000 a.C.. Fonte: Kindersley, 2012. Acredita-se que os antílopes eram dotados de força espiritual, que os xamãs tentavam captar com danças e transes rituais. A ESCULTURA Da mesma forma que a pintura, a escultura neolítica ficou mais estilizada que a do Paleolítico. A Deusa de Cerdanova (figura 26), encontrada nos Balcãs juntamente com outras pequenas ffiguras de terracota representando deusas de fertilidade, exempifica bem isto: o que torna esta estátua tão notável é a capacidade demonstrada pelo artista, embora simplificando os contornos de um corpo de mulher, de manter todos os seus traços essenciais (que para ele não incluíam o rosto). Figura 26 - Deusa da Fertilidade, c. 5000 a.C., Cernavoda, Romênia. Barro cozido. Fonte: Janson, 2001. O dorso suavemente côncavo salienta a convexidade da frente do corpo – coxas, ventre, braços e busto – de uma forma que não envergonharia qualquer escultor contemporâneo. No Oriente Próximo, escavações efetuadas em Çatal Hüyük, Anatólia, a partir de 1961, levaram à descoberta de uma cidade neolítica e em algumas das construções se encontraram pinturas, como visto na figura 23, relevos e esculturas. Comparados com os animais das pinturas das cavernas, os relevos de animais de Çatal Hüyük estão simplificados e imóveis. Os animais ligados ao culto de divindades femininas apresentam uma rigidez ainda maior, como 22 Figura 29 - Crânio gessado, de Jericó. Fonte: Janson, 2001. os dois leopardos simetricamente opostos da figura 27 e os outros que formam os braços do trono de uma deusa da fertilidade (figura 28), uma das muitas estatuetas de terracota que denunciam a sua descendência da Vênus de Willendorf paleolítica. Figura 27 - Leopardos. Relevo de gesso pintado. Capela VI. A. Çatal Hüyük. Fonte: Janson, 2001. Figura 28 - Deusa da fertilidade, da Capela A. II. 1. Çatal Hüyük. Fonte: Janson, 2001. As cabeças de Jericó Uma antevisão sedutora do muito que há por se descobrir foi proporcionada pelos recentes achados em Jericó, nos quais se inclui um impressionante grupo de cabeças modeladas (figura 29). Trata-se de caveiras humanas autênticas, cujos rostos foram “reconstituídos” com gesso colorido e pedaços de conchas servindo de olhos. Ao invés da arte paleolítica, que nasceu da percepção de imagens acidentais, as cabeças de Jericó não pretendem “criar” a vida, mas sim perpetuá-la, substituindo a carne por uma substância mais duradoura. Pelas circunstâncias em que foram encontradas, supõe-se que eram expostas acima do chão, enquanto o resto do corpo ficava enterrado sob o pavimento da casa. As cabeças de Jericó sugerem que o Homem neolíticoacreditava num espírito ou alma, localizado no crânio, que podia sobreviver ao corpo e tinha poder sobre o destino das gerações seguintes, devendo, por isso, ser apaziguado ou refreado. As cabeças conservadas eram, ao que parece, "armadilhas" destinadas a reter o espírito na sua residência original. Exprimem assim, sob forma visível, a tradição da 23 Figura 30 - Crânio gessado, do rio Sepik, Nova Guiné. Séc. XIX. Fonte: Janson, 2001. continuidade familiar ou do clã, que separa a vida agrícola e sedentária da existência errante do caçador paleolítico. Remanescentes dos povos pré-históricos – Arte Primitiva Os modernos sobreviventes do neolítico são muito mais fáceis de encontrar: as chamadas sociedades primitivas da África Tropical, das Américas e do Pacífico Sul. A preocupação maior está com o mundo invisível e inquietante dos espíritos. O traçado dominante da arte primitiva é a reestruturação imaginativa das formas da natureza. Embora sejam modernas as fontes para o conhecimento dos primitivos atuais (poucas são anteriores ao século XVII), apresentam analogias impressionantes com o Neolítico antigo. Assim, o culto dos crânios em Jericó ficou esclarecido pelas semelhanças com certas práticas de alguns povos da atualidade. Culto aos mortos No distrito de Sepik, na Nova Guiné, as cabeças dos antepassados ou dos inimigos importantes eram, ainda há muito pouco tempo, preparadas quase na mesma maneira, incluindo até o emprego de búzios para substituir os olhos (figura 30). E neste caso sabe-se que se destinavam a servir de armadilhas para “apanhar” dos mortos e dominá-los. Sob outros aspectos, esses cultos diferiam, pois os crânios do rio Sepik não apresentavam o fino modelado realista de Jericó. A figura 31 mostra outra figura de culto aos mostos. Uma imagem de madeira, cujo design tomou por centro a cabeça, de olhos intensamente fixos, enquanto o corpo, como é de regra na arte primitiva, ficou reduzido ao papel de mero suporte. Os membros sugerem a posição fetal, mesma que tantos primitivos dão aos cadáveres na sepultura. O pássaro de amplas asas abertas representa o espírito vital, a força animadora do antepassado parece uma fragata ou outra ave marinha semelhante, de uma grande envergadura. O seu movimento de levantar voo, em contraste com a rigidez da figura humana, forma uma imagem que nos toca, estranhamente evocadora, porque também existem nas nossas tradições “aves da alma”, como a pomba branca. Os Guardiões O Culto dos antepassados é o traço mais persistente das religiões primitivas e a mais sólida força de coesão destas sociedades. Na ilha de Páscoa, por exemplo, encontram-se gigantescas figuras (Figura 32) talhadas na rocha vulcânica, alinhadas em plataformas artificiais, como sentinelas dotadas de poderosa força mágica protetora. Também aqui o esforço do escultor do escultor se concentrou nas linhas alongadas e angulosas das faces, sem qualquer tentativa de reproduzir a parte posterior da cabeça. Aqui reflete-se talvez uma intenção análoga à que levou a erigir os monumentos megalíticos europeus. 24 Figura 31 - Figura masculina com um pássaro, em madeira, Nova Guiné. Séc. XIX – XX. Fonte: Janson, 2001. Figura 33 - Figuras de guardiões, da região de Bacoota, Gabão. Séc. XIX-XX. Fonte: Janson, 2001. Figura 32 - Imagens de pedra da Ilha de Páscoa. C. séc. XVII. Fonte: Janson, 2001. Nas tribos do Gabão (África Equatorial) havia o costume de acumular as caveiras dos antepassados em grandes depósitos, como cemitérios dos espíritos, protegidos por um guardião em forma de estatueta, como os da figura 33. Os escultores destas estatuetas já utilizavam metais não ferrosos. Portanto, sabiam revestir de cobre polido as imagens funerárias, dotando-as, assim de importância especial. É notável a abstração geométrica das figuras, sempre presente, em maior ou menor escala, nos domínios da arte primitiva. Os exemplares apresentam tronco e membros contraídos, de modo que lembram o engaste de um diamante, e o penteado reduz-se a dois segmentos de círculo. A face é uma espécie de prato côncavo, para a figura da esquerda, convexo, para a da direita. No centro do prato da figura da esquerda se alinham os olhos e o nariz em forma de pirâmide. O efeito deste conjunto é calmo, disciplinado e harmonioso. Esta imagem não foi concebida para meter medo. Como os segredos tribais são difíceis de se desvendar, pouco se sabe da significação atribuída aos vigilantes dos mortos. Parece, no entanto, razoável explicar o seu extremo afastamento das formas naturais – e a tendência abstrata da arte primitiva em geral – pela intenção de transmitir a “diferença” do mundo anímico do mundo terreno, separando-o assim do mundo das aparências cotidianas, até onde a imaginação doa artista conseguia ir. Apesar de pertencerem claramente a um só tipo e de deverem ter sido usadas com a mesma intenção, as duas estatuetas da figura 33 apresentam acentuadas diferenças. A da direita é quase idêntica à da esquerda, exceto na cabeça, macabramente realista. A face, de boca escancarada e dentes afiados, foi concebida para inspirar temor, e adequa-se à função de guarda. 25 Figura 34 - Retrato de homem, de Ife, Nigéria. Séc. XII. Fonte: Janson, 2001. Figura 35 - Mulher Ajoelhada, da região de Baluba, Zaire. Séc. XIX – XX. Fonte: Janson, 2001. Figura 36 - Máscara funerária, de concha marinha. Tenesse-EUA. 1000-1600. Fonte: Janson, 2001. Os Chefes Cabeças e estatuetas foram encontradas na Nigéria, que sugerem a existência de reinos, da vitória da cidade sobre o meio rural, já que a instituição da monarquia requer uma sociedade dividida em classes, em vez da frouxa associação de famílias ou clãs de que resulta a tribo. Os mais impressionantes vestígios de reinos desaparecidos são as cabeças de Ife, Nigéria, umas de terracota, outras, como o esplêndido exemplo da figura 34, de bronze. O realismo sutil e firme deste rosto cujos traços, perfeitamente individuais, possuem uma expressão de tal harmonia e nobreza que muito fazem lembrar a arte clássica da Grécia e de Roma. O animismo O homem primitivo preferia evocar todos os espíritos dos antepassados ao mesmo tempo e não um de cada vez, dado o caráter curiosamente flutuante das suas crenças religiosas, às quais se deu o nome de animismo, por assentarem na suposta existência de espíritos em todas as coisas vivas. Espíritos residem em árvores, na terra, nos rios, na chuva, no Sol, na Lua. Outros exigem culto para dar fertilidade ou curar doenças. Podem alojar-se num corpo humano e assim alcançar identidade o bastante para serem encarados como divindades rudimentares. Tal parece o caso da Mulher Ajoelhada (Figura 35), da tribo de Baluba, do Congo. É uma das mais suaves e menos abstratas das esculturas tribais e a expressão extática (elevada em êxtase), assim como o vaso, sugerem uma cerimônia de bruxaria ou de adivinhação. As máscaras Nas relações com o mundo dos espíritos, o homem primitivo não se contentava em cumprir ritos ou fazer oferendas, precisava exteriorizar a relação com esse mundo através de danças e cerimônias dramáticas, em que ele próprio desempenhava temporariamente o papel de “chamariz” de espíritos, disfarçando-se com máscaras e trajes adequados. O capítulo das máscaras é o mais rico desta arte primitiva, pela proliferação das formas e variedade quase ilimitada das funções e dos materiais. 26 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA As estruturas da pré-história são ricas e variadas e, com frequência, sofisticadas. Além disso, por serem antigas e quase sempre locais, estão de certa forma mais expostas à revelação do que as estruturasposteriores; Elas expõem certos princípios fundamentais da arquitetura: alguns aspectos fundamentais da condição humana. Em 1964, Bernard Rudofsky, polímato, arquiteto, engenheiro e historiador organizou uma exposição, Arquitetura sem Arquitetos, no Museu de Arte Moderna de Nova York, que causou impacto, ao surgir em um período de questionamento cultural generalizado nos EAU, pois, mostrava, como o subtítulo do livro que acompanhou a exposição, que era uma arquitetura sem “pedigree”. E por isso, uma arquitetura fantástica, iconoclástica. Ilustrando, com uma admiração pessoal e evidente, aquilo que o expositor chamava de arquitetura “vernacular, anônima, espontânea, autóctone, rural”. Para entender a beleza da arquitetura pré-histórica, deve-se deixar de lado as questões de moda e até mesmo de estilo, favorecendo formas anônimas ou mesmo “arquétipas”, embora distintas. Assim, compreende-se melhor as respostas humanas a ambientes particulares; materiais de construção locais específicos; sistemas estruturais elementares, porém expressivos em termos de lógica; e condições sociais primitivas, porém sutis. Os assentamentos pré-históricos e as construções megalíticas O leste europeu Os assentamentos humanos parecem ter se originado com o pequeno clã ou núcleo familiar, com um número suficiente de pessoas vivendo juntas para oferecer assistência mútua na caça e coleta de alimentos e proteção conjunta contra inimigos; Dentre as mais antigas cabanas que foram descobertas estão aquelas em sítios arqueológicos no planalto central da Rússia (atual Ucrânia), construída por volta de 14.000 a.C. Figura 37 – Reconstituição de uma habitação em Mezhirich (Ucrânia) feita de ossos de mamute parcialmente suportados por uma estrutura de madeira. Oculta forro da cabana que servia como isolamento. Fonte: <http://donsmaps.com/mammothcamp.html> A maior casa foi construída com ossadas de mamutes (cerca de 100) e toras de pinheiro, com revestimento de peles de animais e uma fogueira central, tinha forma de cúpula. Arqueólogos também descobriram agrupamentos de cabanas revestidas de pele de cerca de 12000 a.C. entre as cidades de Moscou e Novgorod (Rússia). A maior delas medindo 27 cerca de 12x24 metros em planta baixa, tinha um formato irregular e era aberta no topo, para escapar a fumaça de três fogueiras. As escavações de sítios urbanos sugerem que as comunidades maiores surgiram muito depois; A existência de assentamentos urbanos dependia de excedentes agrícolas que permitissem a algumas pessoas terem funções especializadas (sacerdote, comerciante, mercador, artesão) não diretamente vinculadas à produção de alimentos; Duas das mais antigas comunidades urbanas que se tem conhecimento foram Jericó, em Israel (cerca de 8000 a.C.) e a cidade mercantil de Çatal Hüyük (6500 – 5700 a.C.), na Anatólia, parte da Atual Turquia. Jericó era um assentamento fortificado, com uma muralha de pedra de até 8,0 metros de espessura, compreendendo uma área de quatro hectares. Suas primeiras habitações eram cabanas circulares de barro que, acredita-se, tinham coberturas cônicas. Os habitantes eram agricultores e caçadores que enterravam os mortos no chão de suas casas. Figura 38 - Muralha e torre do Neolítico, c. 7500 a.C. Jericó, Jordânia. O povo que venerava as caveiras dos seus antepassados vivia em casas de pedra, com pavimentos de gesso, dentro de uma cidade fortificada, protegida por muralhas e torres de tosca, mas sólida, alvenaria. Fonte: Janson, 2001. Diferente de Jericó, Çatal Hüyück parecia ser desprotegida, apesar de sua importância. A cidade era um denso aglomerado de moradias sem ruas. Os habitantes viviam em casas de madeira e adobe, agrupadas em volta de pátios abertos. As edificações eram grudadas umas nas outras, formando grupos contínuos ocasionalmente separados por pátios fechados. As construções eram uma mistura de moradias, oficinas e santuários. Os habitantes acessavam as edificações pelas coberturas, enquanto as aberturas altas nas paredes serviam para ventilação. 28 Figura 39 - Perspectiva artística das edificações de Çatal Hüyük. c. 6500-5700 a.C.. Fonte: Fazio et Al, 2011. As paredes de tijolo de barro e a estrutura arquitravada de madeira definiam espaços retangulares que tocavam as casas contíguas, de modo que juntas, configuravam a muralha da cidade. Entre as casas havia santuários sem janelas contendo motivos decorativos de búfalos e estatuetas de deidades (divindades). Essas representações pareciam indicar que os temas da arte rupestre pré-histórica – caçadas e fecundidade – não haviam sido descartadas por esta sociedade urbana primitiva. O assentamento de Çatal Hüyück é o precursor das comunidades mais sofisticadas que se desenvolveram nos vales férteis dos rios Tigre e Eufrates no início do quarto milênio antes de Cristo. O oeste europeu A transição para as comunidades urbanas se deu de maneira mais lenta no oeste da Europa, embora a passagem de sociedades caçadoras para grupos agrícolas maiores, sob o comando de um rei-sacerdote, tenha sido semelhante à experiência das sociedades da orla leste do mar Mediterrâneo. As primeiras construções tiveram função ritual: tumbas mortuárias (dolmens) e templos cerimoniais (cromlech). Os dolmens são construções bem elementares, formadas por praticamente três ou quatro blocos de pedra: duas paredes, um teto e um fundo (figura 40). Figura 40 - Dólmen ou Anta, túmulo megalítico em Corgas de Matança, Fornos de Algodres, Portugal. Fonte: <http://artetempo.blogspot.com.br/2009_12_01_archive.html> 29 Figura 42 - galeria funerária de Newgrange, no Condado de Meat. Fonte: Fazio et Al, 2011. Figura 41 - Cromlech de los Almendros en Évora, Rota dos Megálitos, Portugal. Fonte: <http://www.tiffotos.com/prehistoria/cromlech-almendros.html> No oeste europeu, as mais significativas conquistas da arquitetura pré-histórica foram as construções megalíticas, compostas por grandes pedras ou matacões (megálito, que significa, literalmente, pedra grande). Muitas dessas edificações eram usadas como observatórios astronômicos ou túmulos comunitários para as classes privilegiadas. Antes de 4000 a.C., já eram construídas na Espanha e na França câmaras mortuárias de alvenaria seca (pedras assentadas sem argamassa). A Irlanda é particularmente rica em túmulo megalíticos, contando com mais de 500 sítios arqueológicos documentados. Construir esses túmulos comunitários – para restos mortais cremados ou não – parece ter sido não só uma manifestação de reverência para os ancestrais, mas também um meio de demarcar territórios. Tais monumentos são frequentemente encontrados em terrenos proeminentes. Entre os mais impressionantes está o túmulo com galeria funerária de Newgrange, no Condado de Meath (Figura 42), construído por volta de 3100 a.C., no topo de uma colina, junto ao rio Boyne. Uma colina de terra de aproximadamente 90 metros de diâmetro e 11 metros de altura cobre a câmara mortuária, enquanto o peso do solo fornece estabilidade para os megálitos sobre ela. Grandes rochas decoradas cercam parte do perímetro da colina. O revestimento de quartzo branco é uma reconstrução moderna baseada em escavações, proporcionando visibilidade à distância. A câmara cruciforme deste túmulo comunitário é acessada por uma longa passagem criada por pedras verticais (Figura 43). 30 Figura 43 - Plantas baixas e corte do túmulo com galeria funerária de Newgrange, Condado de Meath na Irlanda. Fonte: Fazio et Al, 2011. A entrada, ao sul, leva a uma passagem ascendente de 10 metros de comprimento coberta por lintéis de pedra que terminam em uma câmara cruciforme, encimada, por sua vez,por uma abóbada em colmeia com seis metros de altura. A área hachurada quase horizontal representa o percurso da luz solar do início da manhã durante o solstício de inverno, que ilumina o chão da passagem e da câmara, estabelecendo uma conexão entre os mundos. Partes da alvenaria de pedra da passagem e da câmara forma decoradas com padrões talhados, incluindo formas em diamante e espiral, cujos significados são desconhecidos. A construção, como um todo apresenta uma orientação bastante cuidadosa para que, nos cinco dias junto ao solstício de inverno a luz do sol nascente entre pela porta e por uma abertura retangular, se arraste pela passagem e ilumine a câmara por cerca de 15 minutos. A construção de túmulos tão grandes provavelmente exigiu esforços contínuos ao longo de muitos anos. A tecnologia disponível não oferecia nada mais resistente que ferramentas de cobre ou bronze para trabalhar as pedras, e não havia veículos com rodas ou animais de carga para auxiliar no transporte. Ainda assim, seus construtores antigos fizeram as observações astronômicas necessárias e organizaram uma força de trabalho suficiente para manobrar pedras que chegam a pesar cinco toneladas. Figura 44 - Entrada do túmulo com galeria funerária de Newgrange, Condado de Meath, Irlanda, c. 3100 a.C.. Fonte: Fazio et Al, 2011. A capacidade de trabalhar com pedras grandes e observar fenômenos astronômicos fundamentais foram usadas na mais famosa construção megalítica: o Stonehenge, localizado na Planície de Salisbury, no sudoeste da Inglaterra. 31 Figura 45 - Stonehenge, Planície de Salisbury, Inglaterra, c. 2900-1400 a.C.. Fonte: Fazio et Al, 2011. Para muitos visitantes modernos, o projeto sofisticado e a escala gigantesca do conjunto parecem ir além das capacidades dos povos pré-históricos. Assim, o sítio já foi interpretado como obra de gigantes, mágicos, pessoas vindas do Mar Egeu e até extraterrestres. A verdade é mais comum e, em última análise, mais significativa: o arqueoastronômo Gerald Hawkins demonstrou que Stonehenge era um grande observatório para se determinar os solstícios (estabelecendo, assim, o calendário anual) e prever eclipses lunares e solares – um conhecimento provavelmente muito útil para uma sociedade que não dispunha de almanaques. Sua configuração circular pode muito bem refletir uma relação simbólica com o firmamento, um vínculo entre os reinos humanos e celestial. Figura 46 - Planta baixa, Stonehenge. Fonte: Fazio et Al, 2011. 32 A planta baixa da figura 46 inclui a terraplanagem original. Os trilitos em forma de U estabelecem o eixo da avenida, que passa entre as pedras periféricas para se alinhar com a hell stone colocada fora do círculo. No solstício de verão, o sol nasce exatamente acima da heel stone se visto a partir do centro dos círculos concêntricos. A experiência acumulada com a construção e a orientação dos túmulos megalíticos permitiu que os primeiros habitantes das Ilhas Britânicas erguessem uma das obras de arquitetura mais assombrosas de todos os tempos. Stonehenge representa o auge da capacidade de construção e observação científica do período pré-histórico. Seus construtores venceram o desafio de transportar e trabalhar pedras colossais. Doleritas do País de Gales foram transportadas por mais de 300 Km até o terreno, principalmente pela água, e arrastadas por terra na última etapa da jornada. As pedras maiores vieram de locais distantes mais de 24 km do local, provavelmente arrastadas. Experimentos modernos com o transporte e a montagem de um trilito na escala dos de Stonehenge indicam que seria possível usar máquinas simples (alavancas e planos inclinados), um trenó com base engordurada, plataforma de madeira, cordas resistentes e cerca de 130 pessoas trabalhando juntas. O que torna Stonehenge tão especial? Algumas pessoas ficam desapontadas com as ruínas. No entanto, a maioria dos visitantes considera as pedras espantosas. Para algumas pessoas é a associação, em mais de 10 mil anos, de um ponto do nosso planeta com os anseios espirituais da humanidade. Para outras é a maravilha dos lintéis, únicos para seu tempo e ainda de tirar o fôlego em sua ousadia arquitetônica. O fato de o monumento ter sobrevivido é um milagre; com o passar dos anos as pedras foram partidas e levadas para projetos de construção, ao passo que outras pedras, insuficientemente enterradas caíram durante tempestades. No entanto, o templo permanece até hoje. Os nomes de seus deuses foram esquecidos e a natureza de seus rituais é um mistério, mas ainda é um santuário para aspirações a que não podemos responder por meio de tecnologia ou esforço humano. Que permaneça por muito tempo (CORNWELL, 2008, p. 503). ...o sol agonizante relampejou no arco mais alto do templo. Reluziu ali por algum tempo, dando às pedras uma borda de luz ofuscante, depois afundou, e no crepúsculo o templo ficou negro como a noite. O dia se dobrou na escuridão e as pedras foram deixadas para os espíritos... Que ainda as dominam. Bernard Cornwell Stonehenge 32 BIBLIOGRAFIA: CORNWELL, Bernard. Stonehenge. Rio de Janeiro: Record, 2008. FAZIO, Michael; MOFFETT, Marian; WODEHOUSE, Lawrence. 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