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A PESQUISA QUANTITATIVA NAS CIÊNCIAS SOCIAIS Marcello Baquero EDITORA UFRGS Porto Alegre, 2009. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 6 A pesquisa nas Ciências Sociais ......................................................................... 7 Os conflitos do uso de diferentes métodos ........................................................ 11 CAPÍTULO 1 ................................................................................................... 21 Os elementos da pesquisa social ..................................................................... 21 Ontologia ..................................................................................................... 23 Epistemologia ............................................................................................... 27 Metodologia .................................................................................................. 31 CAPÍTULO 2 ................................................................................................... 38 O que significa pesquisa e pesquisar nas Ciências Sociais ................................... 38 Pesquisa social .............................................................................................. 40 A pesquisa survey ......................................................................................... 48 I - Pesquisas de opinião pública ................................................................... 53 II- Enquetes acadêmicas de atitudes ............................................................ 54 A enquete acadêmica nas Ciências Sociais .................................................... 56 CAPÍTULO 3 ................................................................................................... 57 A formulação do problema .............................................................................. 57 Mapeando conceitos ...................................................................................... 59 Os critérios para escolha do tema .................................................................... 62 Algumas sugestões para delimitar o problema a ser estudado. ............................ 65 Elementos da pesquisa. ................................................................................. 68 Formulação do problema: ............................................................................... 69 Objetivos ..................................................................................................... 73 Objetivo geral ............................................................................................... 74 CAPÍTULO 4 ................................................................................................... 74 Formulação de hipóteses ................................................................................ 74 O que é uma hipótese? .................................................................................. 76 Algumas confusões ........................................................................................ 78 Hipótese geral .............................................................................................. 78 Níveis de hipóteses ........................................................................................ 83 Testando hipóteses ........................................................................................ 85 Erro Tipo I .................................................................................................... 86 3 Analogia jurídica ........................................................................................... 88 Testabilidade ................................................................................................ 90 CAPÍTULO 5 ................................................................................................... 92 Tipos de variáveis ......................................................................................... 92 Conceitos .................................................................................................. 92 Identificação de variáveis ............................................................................ 93 A variável moderadora ................................................................................... 98 Conceito ...................................................................................................... 101 Variáveis ..................................................................................................... 101 CAPÍTULO 6 ................................................................................................. 102 Revisão crítica da bibliografia ........................................................................ 102 Orientações para elaborar revisões críticas ..................................................... 106 1. Escolha do tema .................................................................................. 106 2.Tipo de audiência .................................................................................. 106 3. Pesquisa ............................................................................................. 106 4. Análise crítica ...................................................................................... 106 5. Observações gerais .............................................................................. 106 Outras considerações ................................................................................... 112 CAPÍTULO 7 ................................................................................................. 113 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa quantitativa ............................... 113 Entrevistas ................................................................................................. 118 Subsídios para a construção de questionários ................................................. 123 O que o questionário e a entrevista medem? ........... Erro! Indicador não definido. Cuidados com o processo de entrevistas ........................................................ 131 CAPÍTULO 8 ................................................................................................. 132 Noções básicas de técnicas amostrais ............................................................ 132 Tamanho da amostra ................................................................................... 136 Pesquisa amostral (survey) .......................................................................... 138 Variabilidade da amostra. ............................................................................. 148 CONCLUSÕES REFERÊNCIAS .............................................................................................. 152 4 APRESENTAÇÃO Os métodos quantitativos de pesquisa científica têm sido historicamente vistos com desconfiança pelos cientistas sociais na América Latina. No entanto, e a despeito dessa percepção, em algum momento da vida acadêmica, o estudante de Ciências Sociais enfrentará, por opção ou obrigação, a necessidade de compreender essa terminologia. Presentemente se observa que o debate metodológico nas Ciências Sociais ocorre num plano secundário, o que contrasta com a carência na formação de recursos humanos nesta área. Igualmente se constata que os recursos humanos formados no campo das Ciências Sociais, na sua maioria, apresentam lacunas no que diz respeito a como fazer pesquisa e, sobretudo, em relação à compreensão do processo de desenvolvimentode uma pesquisa, na dimensão quantitativa. No âmago da divergência a respeito da utilidade, ou não, de métodos quantitativos nas Ciências Sociais, subjaz a idéia de que fenômenos nesta área são mais bem explicados por teorias normativas do que por descrições consideradas pseudo-precisas. Nesse cenário, infelizmente, parece que os alunos são obrigados a se posicionar a favor ou contra determinado método. É realmente necessário tomar partido nessa discussão? Creio que, do ponto de vista da avaliação de determinadas técnicas de pesquisa (quantitativas ou qualitativas), o estudante de Ciências Sociais não pode definir sua escolha com base na “intuição”, no “achismo” ou por “ouvir falar”. O estudante precisa conhecer tanto as técnicas quantitativas quanto as qualitativas para discutir a sua opção por uma ou outra, não confundindo epistemologia com método. Presentemente, o profissional da área de Ciências Sociais precisa dominar as diferentes técnicas da metodologia de pesquisa, pois ele não é só um “consumidor” da pesquisa, mas dele se espera também contribuições no processo de construção de conhecimento. Toda e qualquer técnica de análise tem limites e deficiências. O 5 pesquisador necessita conhecer essas deficiências para construir um conhecimento sobre a realidade. Essa tarefa implica na necessidade do pesquisador conhecer o processo de desenvolvimento da pesquisa. Quando um profissional das Ciências Sociais se compromete com alguns princípios de pesquisa é crucial que ele conheça esses princípios, sua natureza e o impacto dos compromissos ao assumi-los (TUCKMAN, 1972). Neste livro, parte-se do princípio de que existem mais pontos de convergência entre técnica(s) de pesquisa do que desacordos. Sendo necessário tratá-los integradamente e não como áreas separadas. A desarticulação entre esses dois pólos pode prejudicar a construção do conhecimento. Isto não significa adotar atitudes ecléticas banais onde tudo serve. Pelo contrário, acredita-se que é possível estabelecer linhas consistentes de análise de fenômenos sociais com diferentes técnicas de análise sem abdicar de determinadas orientações epistemológicas. A construção do conhecimento científico no campo das Ciências Sociais ocorre quando se estabelece uma ruptura do senso comum, o qual passa a ser trabalhado por meio da pesquisa científica de maneira crítica. Nesse contexto, é necessário um questionamento permanente das técnicas de pesquisa, para que o investigador tenha consciência dos seus limites e alcances. É fundamental que o pesquisador entenda que uma pesquisa nunca é neutra. Por trás de qualquer estatuto ou pesquisa existem interesses com base nos pressupostos teórico- metodológicos do pesquisador. Tais pressupostos raramente são explicitados, embora sejam facilmente identificáveis. Por essas, entre outras razoes, penso que os cursos de metodologia estão em crise. Por um lado, os alunos se sentem prejudicados por não terem oportunidades para "praticar" a pesquisa, enquanto que, por outro, se verifica uma demanda de 6 profissionais com conhecimento das diferentes formas de coleta de dados. Não e surpresa, portanto, a carência de profissionais competentes na área. Embora neste livro se enfatize o uso do raciocínio quantitativo nas Ciências Sociais, não se pretende argumentar a superioridade desta forma de construção de conhecimento. Busca-se simplesmente tratar esta temática, levando em conta a necessidade de trabalhar compreensivamente os temas complexos do campo social. Pretende-se, portanto, contribuir para uma melhor e mais aprofundada compreensão dos limites e possibilidades do uso da metodologia quantitativa nas Ciências Sociais, mas assumindo a perspectiva da necessidade de pensar quali- quantitativamente o fenômeno social. Agradeço às várias pessoas que contribuíram para a materialização deste livro, principalmente, os membros do Núcleo de Pesquisa sobre a América Latina –NUPESAL- pelas suas observações pertinentes na elaboração de vários capítulos. Finalmente, agradeço aos bolsistas do NUPESAL pela colaboração nos vários estágios da elaboração deste livro, sendo eles: Bianca Linhares, Ana Paula Diedrich, Simone Piletti Viscarra, Bruno Mello Souza, Rafael Sabini Scherer, Luiza de Almeida Bezerra e Úrsula Sander Stüker. INTRODUÇÃO Cada conjunto de fenômenos pode ser interpretado consistentemente de várias maneiras. É nosso privilégio escolher, entre as possíveis interpretações, aquelas que nos parecem mais satisfatórias, quaisquer que sejam as razões dessa escolha. Se os cientistas se lembrassem que várias interpretações igualmente consistentes de cada conjunto de dados observáveis podem ser feitas, eles seriam menos dogmáticos do que geralmente são, e suas crenças numa finalidade última possível de teorias científicas iriam se esvaecendo. (MOULTON, 1937). 7 A Pesquisa nas Ciências Sociais O objetivo deste livro é proporcionar uma formação complementar no estudo da pesquisa quantitativa. O estudo de como fazer pesquisa numa dimensão quantitativa enfrentou, sistematicamente, críticas severas da parte de quem considerava a utilização de métodos fundamentados em princípios de probabilidade pouco valiosa para o processo de construção de teorias. Uma das conseqüências desse comportamento, na academia, foi a institucionalização de estereótipos e preconceitos em relação ao emprego de regras formais na formatação de um projeto de pesquisa. Outro resultado foi a dicotomização da área entre qualitativistas e quantitativistas. Pessoalmente, acho a distinção entre qualitativo e quantitativo de pouca utilidade. Muitas vezes as pessoas estabelecem diferenças absurdas que levam à confusão. Os quantitativistas argumentam que seus dados são rigorosos, críveis e científicos. Os qualitativistas propõem que seus dados são sensitivos, detalhados e contextuais. O que a realidade da pesquisa mostra, entretanto, é que dados quantitativos e qualitativos estão relacionados uns aos outros. Neste livro, não estabelecemos a superioridade de um método sobre outro. Uma boa pesquisa, ou seja, uma pesquisa científica pode ser qualitativa ou quantitativa. Todo e qualquer dado quantitativo está baseado em julgamentos qualitativos; e todos os dados qualitativos podem ser descritos e manipulados numericamente. Entretanto, atualmente se continua a observar resistência e antagonismo de alunos e professores, no campo das Ciências Sociais, ao uso das técnicas formais de pesquisa. A despeito dessa situação, nos últimos anos tem se constatado certa diminuição desses estereótipos e preconceitos, em virtude de modificações do cenário internacional influenciadas pelo processo de globalização. Tal fenômeno produziu mudanças que contribuíram para alterar as expectativas quanto à formação de 8 recursos humanos na área das Ciências Sociais. Tornou-se uma necessidade dos tempos atuais e das exigências dos sistemas políticos contemporâneos que os pesquisadores no campo das Ciências Sociais consigam casar a pesquisa com a aplicação. No caso do Brasil, de acordo com Schwartzman (2007), “academicamente, se avançou muito nas publicações sito, mas não tanto do ponto de vista das aplicações, de uso da ciência” (p.1). Para o autor, instituições de fomento a pesquisa, tais como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Ensino Superior (CAPES), “está chegando ao limite de seu modelo: montada para a valorização do trabalho acadêmico, tem muita dificuldade para apoiar áreas interdisciplinares e desestimula qualquer tipo de atividade em que exista um benefício quetenha a ver com resultados” (p1). Contemporaneamente, parece haver um consenso de que a formação no campo das Ciências Sociais envolve o domínio de uma gama de diferentes métodos de pesquisa. Segundo Hentschel (2002), a ligação em um método de pesquisa (qualitativo ou quantitativo) está superada pela necessidade de conhecer e utilizar o que se tem denominado de pesquisa quali-quantitativa. No entanto, alguns autores têm apontado (LEWIS, 2003) a existência de um déficit de cientistas sociais com competência suficiente para desenvolver estudos quantitativos (LEWIS, 2003). Quando um pesquisador domina um amplo leque de opções metodológicas, tal capacidade abre perspectivas mais produtivas na análise de problemas sociais, pois possibilita que se integre teoria e método de forma mais orgânica e propositiva, com base em evidência empírica. Esforços nessa direção rompem com a premissa de que alguns métodos são melhores do que outros. No contexto atual do conhecimento das Ciências Sociais, no qual cada vez mais se torna imprescindível gerar novas bases de conhecimento, em virtude da defasagem teórico-explicativa de fenômenos sociais contemporâneos, é necessário romper com princípios que têm se mantido ao longo do tempo. A adesão a uma única forma de construir conhecimento sem qustionar suas 9 implicações teóricas, econômicas e sociais, pode redundar no estabelecimento do conhecimento reativo. E isso, em detrimento da construção de um conhecimento mais concreto da realidade na qual estamos inseridos. Em países em desenvolvimento como o Brasil, o pesquisador da área de Ciências Sociais não deve se subordinar ou ser subjugado pelo conhecimento estabelecido e que não dá respostas adequadas aos fenômenos sociais atuais. Pelo contrário, deve propor outras explicações com base na compreensão da realidade que nos rodeia. Tais explicações se tornam, cada vez mais, necessárias pelas crescentes preocupações em avaliar especificamente o que as Ciências Sociais têm a oferecer no processo de desenvolvimento de um país. Desde que os cientistas sociais passaram a ter espaço próprio, desenvolveram teorias e métodos para ajudá-los a compreender o comportamento social e político das pessoas. Nessa perspectiva, Sandres (1976) compara detetives a cientistas sociais no sentido de que os dois formulam teorias e desenvolvem métodos na tentativa de responder a duas questões: “por que aconteceu” e “em que circunstâncias provavelmente irão acontecer novamente”. Desse modo, a pesquisa quantitativa tem como objetivo principal explicar e predizer. Nesse tipo de pesquisa, os cientistas sociais, para testar suas teorias, dependem de evidência empírica e de modalidades lógicas de análise. Utilizam técnicas de observação, entrevistas, experimentos e outros métodos empíricos para testar a validade dos seus resultados. Igualmente, cientistas sociais desenvolvem teses que os levam a formular determinadas questões e não outras, e essas indagações os levam a perceber determinados fatos e não outros. Por exemplo, a teoria de Max Weber (1989) a respeito da relação entre sistemas religiosos de crença e sistemas econômicos o levou a formular determinadas perguntas a respeito das estruturas econômicas da sociedade com crenças predominantemente protestantes. 10 Esse exemplo sugere que a maior parte dos esforços de construção de novas teorias no campo das Ciências Sociais se materializa com base na tentativa dos pesquisadores em examinar “cientificamente” associações entre conceitos no mundo real. Tais iniciativas requerem do pesquisador, além do treinamento técnico, uma capacidade criativa para gerar outras fontes de construção de conhecimento. Entretanto, nos nossos países tem se materializado o conhecimento normativo e reativo, desestimulando o processo de construção de conhecimento novo e autóctone com base em determinadas condições culturais e sociais. Tal conhecimento se torna necessário para preencher os déficits explicativos da maior parte dos temas contemporâneos. No entanto, quem opta por este caminho metodológico geralmente enfrenta a descrença da comunidade acadêmica, identificada com o estabelecido. Esse tipo de conhecimento geralmente valida uma teoria pelo uso repetido de um princípio ou a leitura continuada de um texto. De acordo com Fine (2007), este seria o grande problema dos cientistas sociais contemporâneos que caem naquilo que se denomina de intelectualismo, ou seja, muitas vezes se investiga fenômenos que nada têm a ver ou que têm pouca contribuição a dar na compreensão e solução dos reais problemas de um país. O resultado não pode ser outro senão a reprodução do conhecimento estabelecido, restando poucas condições e margem de manobra para propor diferentes explicações. Em tal cenário, a criatividade está comprometida. Não é incomum as Ciências Sociais se defrontarem com pressupostos ou resultados que são difíceis de compreender e estudos que, sobre a mesma temática, quantitativa e qualitativa, freqüentemente se contradizem. De um lado, tal processo é normal, pois a polêmica é parte essencial da pesquisa nas Ciências Sociais. Porém, por outro lado, freqüentemente tais contradições ocorrem pelo uso inapropriado de técnicas de análise e de estruturação de projetos. Tal situação decorre, às vezes, de 11 posturas distorcidas de pesquisadores que sugerem e defendem o uso de um único método, mesmo quando a natureza dos fenômenos sociais sugere outros caminhos de análise. O bom e competente pesquisador domina plenamente as várias técnicas de pesquisa sem confundir epistemologia com técnica. Os conflitos do uso de diferentes métodos Neste livro não se busca desconstruir irresponsavelmente as teorias já produzidas ou negá-las. Tal postura seria ingênua. Pelo contrário, trata-se de estabelecer um diálogo crítico com elas para poder avaliar a sua aplicabilidade em contextos diferentes daqueles que lhes deram origem. O desinteresse em tentar descobrir ou redescobrir outras formas de avaliação de problemas sociais pode redundar na manutenção de atitudes de desprezo, por parte de integrantes das ciências duras, de gestores públicos e da própria sociedade, e reforçar a visão de que as Ciências Sociais têm um custo, mas nada tangível produzem. Assim, segundo Dietrich (2002), esse campo de análise passa a ser tolerado basicamente porque ninguém sabe o que fazer com ele. Ao lado disso, como observa o mesmo autor, a crise das Ciências Sociais se agrava, entre outros motivos, pela posição cada vez mais freqüente dos pesquisadores latino-americanos de assumir uma postura de submissão ao conhecimento estabelecido que domina a área. Dietrich (2002, p.13) é contundente ao afirmar que: Enquanto o regime garante os privilégios dos intelectuais acadêmicos, estes se abstêm de gerar teorias críticas e formar alunos críticos, que poderiam perturbar o status quo. Aceitam uma existência de banalidade enquanto o regime aceita a ficção de que se realiza Ciência Social nas academias. Tal trato é unidirecional. A única saída para deixar a banalidade para trás é ir adiante: em direção à criação de novos mitos de dominação a serviço das elites. Dessa forma, o professor se converte em um padre secular, cujo desempenho se esgota nos cânones e liturgias da teologia política do sistema. 12 O autor complementa esse argumento enfatizando que “a conseqüência desta práxis é a institucionalização do conhecimento reativo e que está na moda, em detrimento da possibilidade de construir novos paradigmas explicativos” (Idem). A tarefa de questionar oestabelecido, entretanto, implica, para o pesquisador que busca elaborar um conhecimento diferente do hegemônico, criar condições não só de transitar multidisciplinarmente pelas diferentes áreas de conhecimento (Sociologia, Antropologia, Filosofia, História e Ciência Política), mas, sobretudo, dominar e conseguir aplicar métodos diferentes na explicação de um fenômeno social, mesmo que isto signifique remar “contra a maré”. Hentschel (2002, p. 9) traz outro elemento a este debate ao referir que tal empenho pessoal não deve se restringir a fazer parte de alguma coisa, mas orientar-se para a participação, que é outro conceito da maior importância. A participação significa se integrar por meio de uma contribuição e não ser meramente uma imitação dos outros. Aqueles que “participam” cumprindo ordens são, na melhor das hipóteses, úteis, funcionam, porém não participam. Um dos princípios que tem se enraizado no pensamento moderno diz respeito à capacidade da pessoa de se adaptar. No caso das Ciências Sociais devemos perguntar: adaptar-se a quê? À globalização? À privatização? À castração cultural? De maneira geral, adaptar-se, no contexto latino-americano, tem significado aceitar passivamente a destruição de valores culturais próprios e a internalização de hábitos e comportamentos que nada têm a ver com o sistema do qual fazemos parte. O resultado desse processo tem-se plasmado em teorias vigentes que não explicam adequadamente os fenômenos sociais, adotando como base um pensamento diferente. Em tais circunstâncias, qual é a alternativa? Hentschel novamente nos diz que o comportamento mais conveniente dos intelectuais contemporâneos é o de se adaptar normativamente. Assim é mais fácil dizer “eu também” do que “eu não”. Essa atitude 13 resulta do temor de sermos excluídos por manifestarmos um pensamento distinto mostrando, coerentemente, atitudes diferentes. Por exemplo, pesquisas realizadas no Brasil nos últimos vinte anos mostram, de forma contundente, que a sociedade, como um todo, não tem internalizado aspectos de valorização da democracia (DAMATA, 1993; MOISÉS, 1995; BAQUERO, 2006). Embora de maneira geral e difusa as pessoas acreditem na superioridade da democracia sobre o autoritarismo, quando examinadas suas atitudes e comportamentos em relação às instituições políticas e aos gestores públicos, constata- se uma avaliação negativa. A prevalência de tais atitudes não pode ser considerada algo passageiro e temporário. Parece ser uma dimensão mais estrutural que deve ser analisada em profundidade, pois se uma das dimensões da inteligência é a adaptação, imaginar que as pessoas estão destinadas a se adaptar a um sistema político com essas características deixa pouco espaço para pensar em dispositivos que auxiliem a sair dessa situação, promovendo sistemas mais abertos e democráticos. Essas circunstâncias, de reprodução mecânica de procedimentos vindos de fora, portanto, descontextualizados, possibilitam que os gestores públicos argumentem que políticas públicas e sociais são difíceis de serem aplicadas a curto prazo, pois o contexto global cria inevitabilidades, por exemplo, na aplicação de reformas econômicas que agem em detrimento do benefício da maioria dos cidadãos. É de supor que todas as pessoas percebem esta situação mostrando-se céticas em relação ao futuro e defendendo uma maior participação dos cidadãos. Porém, constata-se que ninguém está disposto a se envolver, inclusive quem critica as posturas passivas da população. Uma conseqüência deste processo nas Ciências Sociais, segundo Gomes (1998, p.2) é de que “os ‘estudiosos’ têm se debruçado sobre questões de relevância duvidosa, perdendo-se nos meandros das obrigações burocráticas da academia, sem 14 efetivamente conseguir produzir algo de novo” e continua: “E se não bastasse essa limitação, temos por outro lado um enorme desperdício de tempo e dinheiro na produção de estudos irrelevantes, geralmente condenados ao ostracismo do fundo de nossas bibliotecas”. Na mesma linha de análise, Schwartzman (2007:1) argumenta que “o contratante que quiser alguém para avaliar e legitimar seus projetos vai escolher quem ele sabe que não vai dizer nada desagradável”. Isto pode levar, segundo o autor, ao desenvolvimento de centros e grupos de pesquisa fazendo trabalhos muito financiados e de má qualidade e credibilidade. Presentemente, não é incomum constatar a proliferação de pesquisas que com novos nomes e nomenclaturas realizam investigações que nada acrescentam ao já documentado, constituindo-se em depositórios de informação inócua. Neste sentido, é importante desenvolver sistemas de incentivos que favoreçam mais a aplicação e a busca de resultados, e não somente os critérios acadêmicos de qualidade. No entanto, continuam a prevalecer atitudes aparentemente institucionalizadas que se posicionam a favor da idéia de que é melhor adaptar-se do que empreender caminhos alternativos de análise e solução de problemas. Nos últimos anos tem se observado a popularização a respeito da idéia de que uma sociedade madura e estável é a que melhor sabe seguir instruções e obedecer a leis e procedimentos. Evidentemente que nenhum sistema político pode sobreviver sem leis, normas, regras e instituições eficientes. No entanto, reduzir o processo de consolidação democrática única e exclusivamente a esses procedimentos, negligenciando o papel dos cidadãos, pode contribuir para gerar comportamentos passivos e alienados. As razões são bem conhecidas e documentadas (imposição dos valores do pesquisador à população estudada; a inexistência da opinião pública; a impraticabilidade do uso de métodos estatísticos nas Ciências Sociais e a falta de aprofundamento de um tema). Esses 15 posicionamentos parecem ter contribuído para que o aluno descarte o uso de métodos formais por considerá-los pouco valiosos para a sua formação acadêmica. Nos anos que tenho ministrado seminários de pesquisa quantitativa, não é incomum ou infreqüente ouvir de um número significativo de alunos que a única pesquisa útil é a que possibilita a participação direta do pesquisador na realidade ou que o papel do aluno na universidade não é o de pensar propositivamente ou o de refletir a respeito de soluções para os problemas sociais, mas que estão meramente num estágio de aprendizagem por etapas. Ou seja, passa-se a idéia de que preocupações relacionadas com a possibilidade de resolver problemas não estão dentro do universo da formação de recursos humanos nas Ciências Sociais. Na verdade, tal postura revela uma situação grave na infraestrutura de nossos cursos de ensino superior no que se refere à formação metodológica dos cientistas sociais. A este respeito, Dietrich (2002, p.31) argumenta que “a quantidade de professores em Ciências Sociais que têm domínio satisfatório da Metodologia e da Epistemologia científica, quer dizer, suficiente para ensiná-las adequadamente aos seus alunos, é muito escassa”. O resultado se traduz na valorização de ensaios que se caracterizam muito mais pelo número de vezes que citam as “autoridades” reconhecidas do que a tentativa de propor algo diferente. Tal atitude conduz à reprodução do conhecimento e não à valorização do conhecimento crítico e de incidência. Essa postura tem incidido, em minha opinião, negativamente na formação metodológica dos alunos de Ciências Sociais, pois produz uma negligência das regras sistemáticas que norteiam a pesquisa, impedindo que se contribua para uma melhor compreensão dos fenômenos sociais. Apesar dos limites da pesquisa quantitativa, até hoje não se conheceoutro método ou técnica de pesquisa que permita descrever com precisão as relações entre fenômenos e problemas sociais e, ao mesmo tempo, 16 proporcione fundamentos e informações necessárias para a formulação de políticas públicas mais eficientes, torna-se necessário que o futuro pesquisador no campo da Ciências Sociais domine a sistemática de pensar e aplicar a pesquisa de acordo com procedimentos rigorosos. Refletindo a respeito da formação metodológica de recursos humanos nas Ciências Sociais, Luna (1999), em relação ao ensino de métodos da pesquisa, diz que: “Quanto mais me envolvo com eles, mais me convenço de sua insuficiência para a formação de pesquisadores, sobretudo quando eles são usados como substitutos da atividade de pesquisa”. Para o referido autor, a metodologia é um instrumento poderoso, justamente porque representa e apresenta os paradigmas de pesquisa vigentes e aceitos pelos diferentes grupos de pesquisadores, em um dado período de tempo. Não é o argumento desse livro postular que uma técnica de pesquisa seja superior à outra. O uso de uma ou de outra técnica depende do contexto, dos objetivos e do que será feito com os resultados gerados por uma investigação. O que se defende é uma formação mais atualizada dos recursos humanos que pretendem fazer das Ciências Sociais seu campo de trabalho. Presentemente, o pesquisador nas Ciências Sociais está obrigado, por dever profissional, a conhecer e, sobretudo, saber aplicar a ampla gama de diferentes técnicas de pesquisa sem que isso signifique abdicar da teoria com a qual se identifica. Atualmente tem se institucionalizado o princípio de que a pesquisa na pós- graduação é diferente do estudo na graduação. Supõe-se que na graduação se opera com um conjunto de estruturas, na qual se identificam e se unem unidades de aprendizagem, por meio de cursos seqüenciados, seminários e classes. O aluno ocupa um mundo compartilhado com outras pessoas, todas seguindo o mesmo caminho. Cada ano é visto como parte de uma totalidade que obedece a uma progressão natural 17 que vai de generalidades amplas até os interesses mais específicos de uma pesquisa. Contrariamente à pesquisa na pós-graduação, a da graduação é vista como uma experiência de incerteza, ambigüidade e falta de estrutura. Pressupõe-se que o aluno depende de seus próprios recursos, da vontade de ir em frente seguir seus próprios interesses. Um aspecto da noção de pesquisa crítica é o de que em nível de pós-graduação se criam redes que tornam a pesquisa mais agradável e produtiva. Na verdade, não existem estudos que tenham aprofundado as diferenças do estudo na pós-graduação em comparação com a graduação. Por exemplo, parte-se do pressuposto de que alunos de graduação estão num processo de treinamento no qual se exige unicamente a sua capacidade de assimilar teorias e reproduzi-las. Não se enfatiza o uso da criatividade e, tampouco, se incentiva o pensamento crítico. Isto, segundo grande parcela da academia, será alcançado na pós-graduação. Sendo assim, recursos humanos graduados em Ciências Sociais praticamente pouco sabem sobre o processo de pensar e executar pesquisas, sejam elas qualitativas ou quantitativas. O mais grave é que, de acordo com minha experiência na pós- graduação nos últimos vinte anos, e conforme relatos feitos por professores de metodologia de pesquisa de outras universidades, tal fato se reproduz na pós- graduação. Não é incomum, por exemplo, que pessoas formadas em nível de doutorado não saibam fazer pesquisa quantitativa ou interpretar dados dessa natureza, sendo o seu comportamento o de desvalorizar aquilo que não dominam. Acrescente-se a essa situação a introdução de um conjunto de exigências aos programas de pós-graduação, voltadas a produzir mais doutores em curtos períodos de tempo. A meta a ser alcançada geralmente se sobrepõe à qualidade da formação. Nessa circunstância se torna imperativo começar a pensar numa formação que integre não só o domínio de teorias, mas, também, de um amplo leque de opções 18 metodológicas, iniciando já nos estudos de graduação. Dessa forma, o ensino da pesquisa científica passa pela possibilidade de praticar o que é ensinado. Isso quer dizer que o pesquisador na área de Ciências Sociais deve ter um conhecimento adequado da metodologia da pesquisa. A esse respeito, Luna (1999, p. 11) argumenta que uma coisa é promover, entre os alunos, a discussão teórico- metodológica sobre a realidade que eles precisam aprender a representar para poder analisar; outra coisa é substituir o fazer pesquisa pelo falar sobre pesquisa. Na mesma linha de análise, Demo (1985,p.7) sinaliza que “só tem algo a ensinar aquele que, por meio da pesquisa, construiu uma personalidade própria científica, aquele que tem uma contribuição original; caso contrário, não vai além de narrar aos estudantes o que aconteceu por aí”. Consciente ou inconscientemente, um pesquisador é um consumidor de pesquisa na medida em que sua leitura sobre os fenômenos sociais e suas conclusões sobre eles estão, preponderantemente, baseados em investigações realizadas em diferentes campos de conhecimento. Desse modo, para avaliar e interpretar os resultados gerados por pesquisas, o cientista social tem como responsabilidade compreender as limitações impostas pelas técnicas utilizadas na coleta e na análise de dados. Enquanto cientistas sociais têm uma abundância de questões significativas que podem ser investigadas, as ferramentas para compreender esses fenômenos são escassas e relativamente cruas. Desse modo, é essencial que o pesquisador tenha clareza de todos os elementos que conformam a realização de pesquisa, tanto teóricos quanto metodológicos e de métodos (estratégias ou procedimentos que indicam uma seqüência ordenada de movimentos que o pesquisador deve seguir para alcançar o objetivo da pesquisa). 19 Partindo desses pressupostos, este livro objetiva discutir a importância teórica e metodológica das etapas de construção de um processo de investigação. Não tem a pretensão de “inventar a roda”, pois, como se sabe, existem centenas de textos sobre metodologia de pesquisa nas Ciências Sociais. O esforço aqui empreendido, se é que ele pode ser considerado diferente, está na tentativa de tornar mais palpável e tangível a utilidade da pesquisa quantitativa por meio de experiências adquiridas em mais de duas décadas de trabalho nesta área. Da mesma forma, não se pretende argumentar que o chamado “método científico” seja o único caminho de construção de conhecimento. Existem várias e diferentes formas de desenvolvimento de paradigmas explicativos dos fenômenos sociais. Além do mais, do ponto de vista técnico, o conhecimento pode ser produzido pelo método da tenacidade. Este tipo de conhecimento se estabelece pelas crenças das pessoas em algo como sendo verdade em relação a alguma outra coisa. As pessoas acreditam naquilo a despeito de evidência em contrário. Outra forma de construção de conhecimento se dá via o método da autoridade. Tal conhecimento se plasma em virtude de um processo de intersubjetividade catalisada por uma “autoridade” no assunto pesquisado. Uma terceira forma de conhecimento se constitui pelo método apriorístico ou de intuição. Nesta perspectiva de conhecimento, se aceita alguma coisa por parecer razoável ou estar com a razão. Na medida em que cada pessoa pode se auto considerar um sociólogo, um cientista político, um filósofo ou um economista, e, na medida em que muitos fenômenos sociais parecem ter explicações com base no senso comum,existe a tentação das pessoas de considerar que as Ciências Sociais são dispensáveis. Tal situação se complica quando dois pesquisadores, estudando o mesmo tema com os mesmos dispositivos teórico-metodológicos, chegam a diferentes conclusões. 20 Nesse caso, quem está com a razão? Finalmente, e sem excluir outras formas de construção de conhecimento, temos o chamado método científico, o qual é determinado por uma permanência externa ou validade intersubjetiva externa. Pressupõe que as conclusões de estudos sobre o mesmo assunto devem ser sempre as mesmas. No entanto, a História tem se encarregado de mostrar que tal expectativa não tem se materializado na prática, principalmente nas Ciências Sociais. Basicamente se refere à impossibilidade de gerar princípios ou leis universais. No entanto, acredito que do ponto de vista estritamente técnico, o chamado método científico proporciona um conjunto de ferramentas que, se utilizadas com criatividade e sem dogmatismo, podem auxiliar a produzir novas formas de compreensão dos fenômenos sociais, por meio de um sistema interno de auto-correção. É nesta última perspectiva que este livro pode ser enquadrado. Pretende-se discutir as regras que fazem parte de qualquer projeto de pesquisa. Porém, não se apresenta tal abordagem como a única alternativa para construir conhecimento socialmente relevante. Como foi dito, há outras perspectivas, mas neste livro se enfatiza a constituição de conhecimento por meio da estruturação de projetos de pesquisa de caráter empírico. Para tal fim, o livro está estruturado em oito capítulos. O primeiro é dedicado à discussão de conceitos básicos da pesquisa social, destacando-se as noções de ontologia, epistemologia, metodologia, métodos e fontes. O segundo capítulo discute o significado da pesquisa e pesquisador nas Ciências Sociais, dando ênfase aos aspectos que influenciam os temas a serem tratados pelas Ciências Sociais. No terceiro capítulo se examinam a formulação do problema de pesquisa e os objetivos, apontando a necessidade da investigação acadêmica satisfazer, concomitantemente, os critérios de importância, originalidade, e viabilidade, requisitos básicos na elaboração do trabalho científico. São apresentados exemplos de formulações de problema e a sua delimitação 21 com o uso de duas e três variáveis. O quarto capítulo trata sobre a formulação de hipóteses, examinando aspectos relacionados à sua natureza, aos seus níveis de operacionalização e de testagem. O quinto capítulo aborda a questão das variáveis, identificando definições operacionais, níveis de mensuração, e exemplificando a relação de causalidade que se estabelece entre variável dependente e independente. O capítulo seis está voltado aos fundamentos da revisão crítica da literatura. A elaboração de instrumentos de coleta de dados na pesquisa quantitativa é o tema do sétimo capítulo. No oitavo capítulo são discutidas questões relativas aos processos e as técnicas de amostragem. A partir desta estruturação, se busca oferecer aos leitores desta obra um conjunto de conceitos e orientações que sirvam de subsídio para o planejamento, a organização e a redação do seu trabalho acadêmico. O propósito é apontar caminhos, do conceitual ao operacional, da elaboração do projeto à apresentação dos resultados da pesquisa, fundamentando e desmistificando as técnicas de investigação e de redação científica, valorizando a qualidade da produção do conhecimento e realçando a importância da criatividade na realização do processo de pesquisa. CAPÍTULO 1 Os elementos da pesquisa social Toda e qualquer pesquisa, independente do método utilizado, precisa levar em conta os aspectos filosóficos subjacentes a esse empreendimento. É necessário, portanto, que o pesquisador domine os elementos constitutivos da pesquisa social, quer dizer, da linguagem básica da pesquisa, o que deve anteceder à fase de formação técnica em pesquisa na tradição disciplinar. São conceitos-chave na pesquisa social, são ontologia, epistemologia, metodologia e método. Esses conceitos quando discutidos dentro da dimensão da pesquisa quantitativa, muitas vezes, são cercados 22 por uma áurea de mistério, parcialmente criada pela linguagem abstrata utilizada para explicá-los, gerando confusão nos leitores, antes de começar a ouvir ou ler sobre a temática a ser investigada. Um exemplo pode sinalizar a importância da ontologia. Considere um pedreiro que não sabe a diferença entre uma pá, uma picareta e um martelo; sem o conhecimento dessas diferenças, dificilmente ele poderá construir uma parede ou uma casa. Analogamente, um cientista social que não conheça a história de seu país, pode incorrer no equívoco de construir conhecimento descontextualizado, que pouco ou nada têm a ver com as condições do país, produzindo uma postura normativa. Desse modo, a forma como o cientista social enfrenta um problema a ser pesquisado, precisa ser compreendida claramente pelos leitores. No entanto, há que se distinguir entre o conhecimento do senso comum e o científico. A diferença entre o senso comum e o conhecimento científico é que este último requer o domínio de um conjunto de regras para sistematizar o tema que se pretende pesquisar e, dessa forma, construir conhecimento. De acordo com Kerlinger (1979), existem cinco diferenças significativas entre ciência e senso comum, sendo elas: (1) As divergências a respeito das palavras “sistemático” e “de controle”. O homem comum utiliza quotidianamente teorias e conceitos de forma simplista, ou seja, geralmente aceita explicações metafísicas ou sem respaldo factual dos fenômenos sociais. Por exemplo, uma pessoa pode considerar sua situação de pobreza um castigo de Deus. O pesquisador, por sua vez, constrói estruturas teóricas sistemáticas e as testa por consistência interna e empiricamente. (2) Diferenças entre as formas como se testam as teorias e as hipóteses. O homem comum testa suas teorias e hipóteses de forma seletiva, isto é, escolhendo a evidência que dá consistência às suas hipóteses. O cientista social, por sua vez, busca evidências de fontes variadas, e muitas vezes contraditórias, para testar suas teorias e hipóteses. 23 (3) Diferenças na conceituação de controle. O cidadão comum não se preocupa em examinar fontes potenciais que poderiam distorcer suas percepções e crenças a respeito de um fenômeno social. O pesquisador procura identificar todos os elementos que podem incidir na materialização do fenômeno estudado. (4) Diferenças na interpretação de associação entre dois conceitos. Por exemplo, uma pessoa pode acreditar que quando seu joelho dói há uma grande possibilidade de chover. O pesquisador, ao contrário, para explicar o mesmo fenômeno, recorre a um conjunto de indicadores e examina sua importância relativa. (5) O pesquisador busca, na sua pesquisa, eliminar explicações metafísicas. Uma explicação metafísica se refere a uma proposição que não pode ser testada. Isto não significa que atitudes e comportamentos dessa natureza não estejam no horizonte do pesquisador. O pesquisador procura não se deixar influenciar por essas explicações ou as coloca na dimensão da ontologia. Nas Ciências Sociais, portanto, a base de construção de conhecimento passa pela compreensão e pelas implicações dos termos que dizem respeito a: ontologia, epistemologia, metodologia, métodos e fontes. Ontologia A visão de mundo do pesquisador, independente de ser ingênua, crítica, racional ou teórica, tem dois componentes: o ontológico e o epistemológico. O termo“ontologia” originou-se no século XVII com o intuito de designar a ciência do ser; no sentido etimológico da palavra, significa a lógica do ser: derivada do grego “onthos” denota ser e “logos”, lógica. Segundo Steenberghen (1965): “ciência do ser, ontologia, metafísica geral, ou especificamente, metafísica”. Para Rezende (1986), a Filosofia compreende a ontologia como sendo o ramo da Filosofia que estuda “o ser enquanto ser”, ou seja, independentemente de suas determinações particulares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria; ou ainda 24 como sendo “a teoria da intuição racional do absoluto como fonte única, ou pelo menos principal do conhecimento humano (p.12)”. Encontram-se controvérsias no que diz respeito à ontologia. De um lado estão aqueles que, embasados em Santo Tomás de Aquino, defendem a teoria dos três estágios de abstração e consideram a ontologia o cume da Filosofia, estando depois da analogia, cosmologia, psicologia e a filosofia matemática. De outro lado, encontramos aqueles que atribuem à ontologia o papel de uma disciplina da filosofia, com base na epistemologia e constituída por uma dupla metafísica: a do homem e a do mundo material. Segundo Steenberghen (1965, p. 38), o objeto da ontologia pode ser construído por meio de toda experiência humana, pois se ela é humana é necessariamente do ser. Para o autor, a ontologia tem como objeto precisamente o estudo do valor comum, da investigação do que implica a realidade desta representação sintética, o determinar em que consiste, exatamente, a unidade que revela e expressa o conceito de ser. Em outros termos, o objeto formal da ontologia é o valor do ser, incluindo em todo objeto de experiência: estuda o dado da experiência enquanto ser, enquanto real. Nessa perspectiva, para o referido autor, para um estudo posterior do objeto são abertos dois caminhos para ontologia: novas experiências, reveladoras de novas modalidades do ser, e o discurso da razão, a fim de descobrir as afirmações implicitamente contidas na afirmação explícita do ser ou dos modos empiricamente conhecidos”(p. 39). Por esse prisma, todas as pessoas possuem determinada ontologia; uma visão e uma maneira de justificarem a realidade na qual vivem, quer dizer, uma visão acerca da totalidade do real que as circunda. Nesse sentido, a ontologia corresponde a uma determinada leitura da realidade (SIGRISTI, 1997). Se cada pessoa pudesse registrar no papel, em fita de vídeo ou na tela de um computador como vê a realidade, teríamos a ontologia de cada ser humano. Não 25 podemos viver sem explicar o mundo que nos circunda, mesmo que façamos isso de forma mística, mítica ou mistificada. É justamente porque conseguimos, de algum modo, dar algum tipo de explicação sobre este mundo, que a vida tem sentido, qualquer que ele seja. Sem fazer certa leitura da realidade, não se saberia como agir e interagir dentro da sociedade, se ficaria sem normas de comportamento, não sabendo o que fazer ou no que acreditar. Enfim, essa leitura corresponde à nossa ontologia. Se fizermos isso com um grau acentuado de racionalidade, um fundamento teórico sólido, seria muito melhor. Mas em todos os níveis em que o ser humano pode operar - empírico, racional e teórico - há uma ontologia presente, e ela se constitui na diretriz básica do nosso comportamento. A lógica hegeliana postula três tipos de atitudes perante o real, que revelam três formas de consciência. A primeira é chamada de consciência empírica; a segunda, de consciência racional e a terceira, de consciência teórica. A consciência empírica é a atitude de quem apenas responde aos estímulos imediatos da experiência. A racional é a de quem responde a esses estímulos, mas também é capaz de dar razões explicativas aos elementos constitutivos desta experiência. A consciência teórica é a de quem responde a estímulos da experiência do cotidiano, dá certas razões explicativas aos seus elementos e, ao mesmo tempo, é capaz de perceber e integrar esta experiência na totalidade das coisas que compõem o que Hegel chama de mundo, realidade ou totalidade do ser. Em se tratando da formação universitária, na qualidade de professores comunicamos nossa ontologia aos nossos alunos em qualquer disciplina por nós ministrada. A visão de mundo do professor se manifesta, implícita ou explicitamente, em qualquer área do conhecimento. Assim, todos trabalham, vivem e se expressam a partir de uma ontologia, de uma leitura que se faz da realidade. Nossos comportamentos veiculam uma leitura, uma compreensão de mundo, de sociedade. 26 Quando falamos de leitura de realidade, não estamos pensando em uma situação abstrata, indefinida, mas nos aspectos mais concretos da nossa vida, na vida pessoal, na interpessoal, na profissional, na vida em sociedade. Em todos os momentos, queiramos ou não, comunicamos a nossa ontologia, ainda que disso não se tenha consciência. Suponha, por exemplo, que você não tenha religião, por nela não acreditar, pois este fato influenciará a sua leitura do mundo e dos fatos e acontecimentos sociais. As explicações dos fenômenos sociais, portanto, estarão relacionados com seus sentimentos sobre uma determinada temática. Da mesma forma, quando se lida, por exemplo, com o conceito de cultura política e a forma como as pessoas constroem seus valores a respeito de como vêem o mundo, os posicionamentos em relação aos valores hierárquicos são diferentes dos valores igualitários. Segundo Almeida (2007, p.75), “os que compartilham de uma visão hierárquica de mundo consideram que há posições predefinidas e, portanto, deve-se esperar que cada um desempenhe o papel determinado por sua condição social. Já os que se orientam por valores igualitários, consideram que não há papéis socialmente predefinidos”. A princípio, todos os indivíduos são iguais e eventuais desigualdades ou diferenças em papéis sociais são estabelecidas apenas nos limites de um contrato. Essa forma dicotômica de construção de valores numa cultura política influencia a forma como o pesquisador examina e conclui a respeito de como lidar com valores hierárquicos, são os pressupostos que estão subjacentes à visão do mundo do pesquisador. Sabendo os pressupostos, podemos entender o tipo de literatura com a qual o pesquisador passa a se identificar e a forma como vai propor soluções ao problema examinado nessa perspectiva Recapitulando, ontologia é o ponto de partida de toda pesquisa. Neste plano, a ontologia pode ser vista como a natureza da realidade social, sobre a qual a teoria está construída, de outro modo, a ontologia se refere aos pressupostos sobre a natureza da 27 realidade social, sobre o que existe, como são e como essas unidades do contexto examinado interagem umas com as outras. Em suma, os pressupostos ontológicos referem-se a como o pesquisador acredita que se constitui a realidade social. Dessa forma, não é difícil entender porque diferentes tradições teóricas, com base em contextos culturais diversos, apresentam perspectivas divergentes do mundo e diferentes pressupostos sobre a realidade pesquisada. É, portanto, necessário que o aluno tome conhecimento e compreenda a forma como a ontologia impacta seu conhecimento sobre a realidade na qual está inserido. Esse posicionamento é a resposta do pesquisador à pergunta: Qual a natureza política e social da realidade a ser investigada? Somente depois que esta pergunta estiver respondida se pode discutir o que é possível saber sobre a realidade político- social que se pensa existente. Exemplos de posicionamentosontológicos são aqueles expressos nas perspectivas do “objetivismo” e do “construtivismo”. De maneira ampla, o objetivismo é um posicionamento ontológico segundo o qual os fenômenos sociais e seus significados existem independentemente dos atores sociais, enquanto que o construtivismo é uma abordagem holistica de construção social. Isso implica que fenômenos e categorias sociais não só são construídos pela interação social, mas que estão num processo constante de revisão. Assim, se ontologia diz respeito ao que sabemos, então a epistemologia refere-se a como vamos saber o que sabemos. Epistemologia A epistemologia é um conceito polissêmico que se refere a diferentes aspectos da filosofia do conhecimento, estudando a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento e dos produtos intelectuais (JAPIASSU, 1992); à crítica geral do 28 conhecimento (LALANDE, 1999) e ao processo do pensamento (STEEENBERGHEN,1965). Deste modo, como uma das áreas da filosofia, está preocupada com teoria e conhecimento, especialmente em relação a métodos, validação e as maneiras possíveis de obter conhecimento acerca da realidade social, de qualquer forma que essa realidade seja entendida. Em suma, se refere a como saber aquilo que se presume que existe. Derivada da palavra grega episteme (ciência/conhecimento) e logos (lógica/razão), a epistemologia enfoca o processo de construção de conhecimento e se preocupa com o desenvolvimento de novos modelos teóricos, quer dizer, de modelos e teorias que são considerados com potencial explicativo mais persuasivo do que outros paradigmas. Isso significa que a nossa visão de mundo tem um outro componente além do ontológico, sendo este o componente epistemológico. A epistemologia nada mais é do que a lógica de uma ciência. A lógica de uma ciência está na teoria científica que vai dar sustentação lógica às proposições que a compõem. Quer dizer, a um conjunto ordenado de proposições a respeito de um mesmo objeto, proposições estas que se articulam entre si e encontram-se vinculadas a partir de um princípio geral. A epistemologia relaciona-se, assim, com problemas que compreendem a questão da possibilidade do conhecimento e dos limites deste, fazendo-nos oscilar entre a resposta dogmática ou a empirista e colocando a dúvida se o ser humano conseguirá, algum dia, atingir realmente o conhecimento total ou se haverá a distinção entre um mundo cognoscível e um incognoscível. Outra dúvida diz respeito à tradicional questão sobre a origem do conhecimento: Por meio de que faculdades ele é atingido? Haverá realmente um a priori no conhecimento humano? Acrescente-se a essas questões relativas à diferenciação entre os vários tipos de conhecimento diante da possibilidade de várias formas de aprendizagem: pela memória, pelos livros, pela 29 experiência cotidiana, de forma indireta ou direta e pelo contato do sujeito com o objeto. Finalmente, surge o problema da verdade: Deverá adaptar-se ao sistema de proposições referido a um conjunto consistente de frases? Dependerá a verdade da relação de correspondência entre uma proposição e o seu objeto? A dimensão epistemológica da nossa consciência pode ser examinada em níveis diferentes. A tarefa do cientista social é buscar os seus níveis mais profundos (teóricos). Por exemplo, conforme o lugar a partir do qual olhamos uma cidade, um bairro, uma instituição, uma organização ou uma comunidade, tal será a cidade, o bairro e a comunidade. A título de exercício, qual seria a sua opinião sobre Cuba e por quê? A busca desse lugar chamado lugar epistemológico é outra tarefa que cabe a cada um de nós conhecermos. Precisamos saber em que lugar estamos e a partir de que lugar olhamos o mundo. A epistemologia discute esse ponto a partir do qual vemos o mundo. Cada ciência tem a sua epistemologia. Temos a epistemologia da Biologia, da História, da Sociologia, da Antropologia, da Ciência Política, e assim por diante, ou seja, ela identifica o ponto a partir do qual se discute o objeto de uma ciência. A epistemologia existiu praticamente desde os inícios da Filosofia e como conhecimento mais ou menos sistemático, data do século VII A.C. Mas, somente nos séculos XVI e XVII, passou a ser vista como problema crítico da ciência. E em que consiste este problema crítico? Kant, refletindo sobre este tema no século XVIII, sugere que o problema crítico consiste em responder a duas questões: O que podemos conhecer? Em que condições o conhecimento é verdadeiro? Este é o problema crítico, discutido não apenas por Kant, mas também pelos racionalistas, como Descartes, e pelos empiristas, como Hume. Mas foi Kant quem sistematizou, em seu livro “Crítica da razão pura”, as questões que os racionalistas e empiristas já haviam discutido. Ele chama de problema crítico da ciência o fato de que, antes de começarmos a fazer 30 ciência, precisamos ter bem claras para nós mesmos, as respostas a duas questões. O que nós podemos conhecer: a totalidade do real ou parte do real? Em que condições esse conhecimento é verdadeiro, inquestionável, irrefutável? Para Kant, antes de fazer uso da razão devemos criticar, ou seja, apreciar o seu limite. Não podemos começar a usar a razão sem saber com clareza qual o seu alcance e quais são as leis que ela deve respeitar para chegar à verdade científica. Essas duas questões guardam uma ligação muito grande, pois, ao definir as condições do conhecimento verdadeiro, se definem também seus limites. Ao identificar o objeto, se definem, igualmente, as condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro. Esta é a base em que se assenta a Filosofia moderna e contemporânea. O conhecimento, e as formas de descobri-lo, não é um processo estático, mas está sempre mudando. Quando são consideradas teorias e conceitos em geral, os alunos devem refletir acerca dos pressupostos sobre os quais se basseiam e onde se originam em primeiro lugar. Por exemplo, as teorias geradas nas democracias ocidentais são suficientes para explicar processos de transição na América Latina, cuja história se caracteriza pela presença de traços autoritários, personalistas e patrimonialistas? Dois posicionamentos epistemológicos contrastantes estão contidos nos termos “positivismo” e “interpretativismo”. Estes conceitos podem ser encontrados na História em relação a tradições específicas da filosofia da Ciência Social. O positivismo é um posicionamento epistemológico que defende a aplicação dos métodos das ciências exatas ao estudo da realidade social. O interpretativismo, por seu turno, pode ser visto como um posicionamento epistemológico fundamentado na perspectiva de que uma estratégia necessária é a que respeita as diferenças entre as pessoas e os objetos das ciências naturais; portanto, exige que o cientista social domine o significado subjetivo da ação social. 31 A escolha de um destes posicionamentos epistemológicos leva o pesquisador a escolher uma metodologia diferente em relação a outro pesquisador com posicionamento epistemológico distinto. Nessas circunstancias, o pesquisador precisa desenvolver a capacidade de identificar como os posicionamentos ontológico e epistemológico podem resultar em diferentes perspectivas sobre o mesmo fenômeno. Metodologia Antes de entrar na discussão sobre o significado da metodologia, cabe ressaltar que não se postula uma relação unidirecional causal entre os diferentes aspectos da pesquisa social. O objetivo é discutir os elementos de forma cronológica, como um treinamento inicial para os estudantes de CiênciasSociais que pretendem aprofundar sua compreensão sobre o processo de desenvolvimento da pesquisa quantitativa. Busca-se, assim, desmistificar a aparente complexidade deste tipo de pesquisa, por meio de uma discussão a respeito de como se estrutura a investigação nas suas etapas iniciais e de que forma esses elementos irão nos acompanhar na nossa vida de pesquisadores. É de fundamental importância que o aluno entenda como uma perspectiva particular do mundo pode afetar todo o processo de pesquisa. Explicitando claramente as inter-relações entre o que o pesquisador pensa ser possível ser investigado (posição ontológica), o que se pode saber sobre isso (posição epistemológica), e como coletar as informações (posição metodológica), o pesquisador pode começar a compreender o impacto de sua pesquisa naquilo que decide estudar. Freqüentemente se costuma fundir ontologia e epistemologia, uma sendo vista como parte da outra. Embora estejam relacionadas é importante mantê-las separadas, posto que toda pesquisa começa necessariamente com o ponto de vista do pesquisador sobre o mundo (ontologia), o qual por si só molda a experiência que traz para o processo de pesquisa. 32 A abordagem metodológica reflete pressupostos ontológicos e epistemológicos específicos, e representa a escolha da abordagem e dos métodos de pesquisa num determinado estudo. A metodologia se refere à lógica da pesquisa científica, tratando, especificamente com as potencialidades e limitações de determinadas técnicas ou procedimentos. O termo se refere à ciência e ao estudo de métodos e aos pressupostos sobre as formas em que o conhecimento é produzido. Em sentido etimológico, metodologia significa o estudo dos caminhos, dos meios de uma teoria (no caso da teoria científica). O que se discute, então, são os caminhos, a “armação” da teoria e não o seu conteúdo propriamente dito. Assim, ao falar de metodologia, busca-se analisar a forma de estruturar um conhecimento que se pretende ser reconhecido como científico (DEMO, 1985). Gomes (1996), por sua vez, define a metodologia como o estudo analítico e crítico dos métodos de investigação e de prova ou como descrição, análise e avaliação crítica dos métodos de investigação. Em sentido restrito, a metodologia tem como principal tarefa demarcar o que é e o que não é uma produção científica, oferecendo critérios e parâmetros para a elaboração de projetos e pesquisas. Em sentido amplo, possibilita o questionamento crítico e auto-crítico do fazer ciência, destacando suas limitações, estabelecendo seus pressupostos e avaliando suas conseqüências. A partir da análise metodológica pode- se inferir o que é possível dizer sobre o que foi estudado (em qual nível de generalização, de profundidade e de extensão) e o que não é cabível, dado o percurso feito na pesquisa. Pelo seu exame podemos reconstituir as escolhas feitas pelo pesquisador e a partir daí também criticar suas hipóteses explicativas. A análise metodológica desconstrói a idéia de uma ciência automatizada porque nos apresenta as decisões e as ferramentas do cientista social na realização de sua pesquisa, possibilitando compreender sua relação com a ciência, bem como viabilizando a 33 superação do conhecimento com base no senso comum por um conhecimento sistematizado. A metodologia, por último, está conformada por procedimentos ou métodos para a construção da evidência empírica. Esta se apóia nos paradigmas, e sua função na investigação é discutir os fundamentos epistemológicos do conhecimento. Especificamente, se reflete acerca do papel dos valores, a idéia de causalidade, o papel da teoria e sua vinculação com a evidência empírica, o recorte da realidade, os fatores relacionados com a validez do estudo, o uso e o papel da dedução e a indução, questões referentes à verificação e falsificação, e os conteúdos e alcances da explicação e interpretação. Nas Ciências Sociais existem dois tipos de metodologias: qualitativas e quantitativas, cada uma com diferentes pressupostos teóricos e procedimentos para obter a evidência empírica. No uso cotidiano, a noção de metodologia aparece vinculada a de métodos. Entretanto, como dissemos, a metodologia trata da lógica interna da investigação, os métodos constituem “uma série de passos que o investigador segue no processo de produzir uma contribuição ao conhecimento” (DIESING, 1971:1). O mesmo autor utiliza também o conceito de “pautas de descobrimento”, na medida em que os métodos são diferentes e se entrecruzam sempre. Por exemplo, o método experimental, a enquete, bem como os usos de técnicas estatísticas de análise, são utilizados no marco de uma metodologia quantitativa, enquanto que as entrevistas (interpretativas ou etnográficas), a observação, a narrativa e a análise de discurso são utilizadas em estratégias qualitativas (SAUTU et al., 2005). Dados de pesquisas qualitativas são considerados pelos fenomenologistas como uma melhor fonte de avaliação ou relação entre conceitos do que observação empírica. Os fenomenologistas acreditam que é por meio da observação da essência do fenômeno social ao invés das aparências que se consegue decodificar o fenômeno e 34 aprofundar nosso conhecimento a respeito dele. Para avaliar a diferença entre a observação fenomenológica e a observação empírica, Bruyn (1966) propõe o seguinte quadro : Quadro 1- Diferenças entre a observação fenomenológica e a observação empírica Observação fenomenológica Observação empírica 1) Investigação e fenômenos específicos sentem concepções prévias a respeito de sua natureza. Investiga fenômenos específicos a partir de concepções prévias definidas (hipóteses) sobre sua natureza. 2) Observa o fenômeno que aparece na consciência Observa fenômenos que aparecem aos sentidos. 3)Procura semelhanças entre fenômenos com base no critério da consciência; distingue a essência bem como o essencial das relações de maneira intuitiva. Procura semelhanças e diferenças entre o que é observado e o que está definido operacionalmente, distingue correlações estatisticamente. 4)Explora como se constituem os fenômenos na consciência enquanto continuam a não ter concepções prévias em relação à sua natureza. Explora como os fenômenos se constituem na razão relativa às tipologias sociais. 5)Examina significados ocultos que podem ser descobertos por meio de aplicação de concepções ontológicas da realidade. Examina que significados ocultos podem ser descobertos por meio da aplicação de concepções teóricas da ação social. Fonte: Bruyig, 1966 Mesmo assim, a metodologia é muitas vezes confundida com os métodos de pesquisa utilizados num projeto. Métodos são simplesmente técnicas ou procedimentos usados para coletar e analisar dados. Tal confusão pode ser atribuída ao fato de que a metodologia se preocupa com a lógica, as potencialidades e as limitações de métodos de pesquisa. O método, por sua vez, refere-se ao procedimento ou conjunto de procedimentos essenciais para se alcançar os objetivos propostos na pesquisa. O aspecto principal do método diz respeito a tentar solucionar problemas por meio da formulação de hipóteses passiveis de serem testadas. Em outras palavras, constitui-se numa resposta provisória de um problema ou fato investigado. 35 Os métodos estão assentados em princípios epistemológicos e metodológicos. Razão pela qual, muitas vezes, argumenta-se que não se pode utilizar determinados métodos dentro de uma metodologia determinada. Na prática, na escolhade um método, respeitam-se os pressupostos da metodologia na qual se enquadra, embora, na atualidade, existam alguns graus de liberdade, o que permite o uso de técnicas quali-quantitativas sem abdicar da metodologia utilizada. No desenvolvimento cotidiano da pesquisa, sabe-se que toda pesquisa é uma construção teórica, na medida em que esta permeia todas as etapas da mesma. O quadro teórico, os objetivos, a metodologia, os métodos e as fontes utilizadas se conectam de forma lógica, por meio de uma estrutura argumentativa que também é teórica (SAUTU et al., 2005, p. 39). Nessa perspectiva, o ato de pesquisar nas Ciências Sociais envolve um conjunto de etapas que se entrecruzam permanentemente de maneira lógica e estruturada. Com o objetivo de tornar mais claras essas articulações, elaborou-se um esquema que permite visualizar a conexão entre os elementos constitutivos da pesquisa e o seu desdobramento no processo de pesquisa social.Quadro 2 – A inter-relação entre os blocos constitutivos da pesquisa Ontologia Epistemologia Metodologia Métodos Fontes O que há para saber? O que e como podemos saber sobre isso? Como podemos adquirir esse conhecimento? Quais procedimentos podem ser usados? Fontes 36 Fonte: Grix (2002, p.180). Um exemplo concreto das Ciências Sociais onde o Quadro 2 pode ser aplicado é o estudo de Capital Social desdobrado em duas dimensões: (a) a perspectiva apresentada por Putnam (2000) e (b) uma abordagem alternativa. No que se refere ao aspecto da ontologia, Putnam (2000) acredita na predisposição inata da pessoa para se envolver em atividades de natureza coletiva. Desse modo, parte da premissa que o Capital Social é fruto de características históricas de uma região, freqüentemente da capacidade associativa em redes e da confiança recíproca. É fundacionalista na medida em que atribui um valor antecedente aos aspectos históricos e culturais no fracasso do desenvolvimento democrático de uma nação. Na abordagem alternativa, pressupõe-se uma abordagem mais compreensiva, ou seja a pesquisa e realizada com base numa totalidade e num processo multifatorial. Quadro 3- Duas abordagens para estudar Capital Social Abordagem Ontologia Epistemologia Metodologia Métodos Fontes Escola de Putnam Fundacionalist a Positivista Escolha de Estratégia Quantitativa Survey Dados de Survey Abordagem Alternativa Anti- fundaciona lista Interpretativis ta Quantitativo Qualitativo Entrevistas Survey Idem 37 Fonte: Elaboração própria Da perspectiva epistemológica, Putnam é considerado positivista, pois acredita na existência de uma relação causal entre capital social e democracia. Na perspectiva alternativa, a epistemologia é considerada holística, pois leva em conta a totalidade do fenômeno, portanto, é caracterizada como interpretativa ou compreensiva. Decorrente desses posicionamentos epistemológicos, a metodologia de Putnam é de natureza quantitativa, enquanto que no lado oposto, a metodologia é de caráter qualitativo. Os métodos utilizados, nesses contextos, são diferentes. Para Putnam, a pesquisa ou opinião pública survey é o preferido, enquanto na perspectiva alternativa o método adequado é o que utiliza entrevistas em profundidade, não estruturadas, e somente em lugar secundário a pesquisa de opinião. Finalmente, os dados para respaldar as hipóteses ou questões de pesquisa das duas abordagens também são diferentes. Putnam utiliza os dados quantificados e que se constituem em “bancos de dados”, enquanto na abordagem alternativa, os dados resultam, em primeiro lugar, de entrevistas em profundidade, e em segundo lugar, de pesquisas de opinião. São essas considerações que entram em jogo no processo inicial de pensar um projeto de pesquisa, sendo que a próxima etapa é a de refletir a respeito do que significa pesquisar e pesquisa nas Ciências Sociais. É este o tema do próximo capítulo. 38 CAPÍTULO 2 O que significa pesquisa e pesquisar nas Ciências Sociais Uma avaliação geral da estrutura curricular da maioria das universidades mostra que, de maneira geral, o campo das Ciências Sociais está assentado em duas linhas: (1) teoria e, (2) métodos de pesquisa. Este tipo de organização, ao longo do tempo, tem gerado a idéia equivocada de que teoria e método são independentes entre si e que a sua integração somente é viável num nível elevado de abstração. Tal posicionamento tem produzido um pensamento entre os futuros pesquisadores das Ciências Sociais a respeito de estudo da teoria e método, em que são vistos como aspectos desconexos, levando-os a optar por disciplinas ou de teoria ou de método. A conseqüência prática tem sido de que freqüentemente disciplinas de métodos são vistas com desconfiança, na medida em que os alunos estão convencidos que esta disciplina é menos relevante e mais difícil do que matérias teóricas. Em muitos casos, não fosse pelo fato de que estes cursos são obrigatórios, muitos estudantes os evitariam a qualquer custo. Na atualidade, constata-se que teoria e método são inseparáveis. Todo recurso humano na área das Ciências Sociais deve ser, ao mesmo tempo, teórico e metodólogo. Todo e qualquer conhecimento é resultado da integração dessas duas dimensões. Embora em muitos casos teoria e método sejam disciplinas ministradas separadamente, um bom pesquisador desenvolve a habilidade de integrá-los na análise dos fenômenos sociais. Quanto mais o futuro pesquisador domine esses aspectos, maiores e melhores as possibilidades de avaliar ou tomar decisões com base em pesquisas realizadas por outros. Neste sentido, do ponto de vista da montagem de uma pesquisa, o gráfico a seguir diagrama a relação recíproca dessas dimensões. Quadro 4 - O contexto dinâmico da pesquisa Dados Informacões sobre o mundo empírico Teoria Explicações lógicas sobre o mundo empírico Método Formas de obter informações úteis para explicações de fenômenos sociais. 39 Fonte: Elaboração própria Ao contrário do que o senso comum sugere, fatos nas Ciências Sociais não falam por si mesmos. A explicação dos fenômenos sociais se torna significativa quando se faz uma análise dentro de molduras teóricas. Desse modo, é necessário organizar os fatos, analisá-los sistematicamente, submetê-los a testes de validade e avaliar, posteriormente, as implicações desses fatos na construção de conhecimento e a relevância para, por exemplo, o desenvolvimento social do país. Tal tarefa sinaliza para a necessidade de o pesquisador dominar e saber integrar teoria e método. Desse modo, precisamos definir o significado de pesquisa nas Ciências Sociais. Não é incomum que o aluno iniciante considere a pesquisa uma tarefa abstrata e complicada. Tal pensamento, em minha opinião, é normal, pois o que é desconhecido pressupõe o domínio de algumas habilidades, e pode gerar um pouco de temor. Entretanto, na medida em que o futuro pesquisador compreende e começa a sistematizar as diferentes etapas de um projeto de pesquisa e, na prática, aplica esses ensinamentos, desmistifica a sua aparente complexidade. De maneira sintética, um projeto de pesquisa tem uma estrutura bem conhecida: início, meio e fim. Os filósofos costumavam utilizar o termo “raciocínio lógico”
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