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file:///C:/Users/Francisco/Downloads/99852043-BOHOSLAVSKY-Orientacao-Profissional-A- Estrategia-Clinica-parte-2.pdf 3 - A entrevista de orientação vocacional “O lugar da alma é onde se tocam o mundo interior e o exterior. Porque ninguém se conhece, a si mesmo, se é só ele mesmo e não também o outro, ao mesmo tempo.” Novalis Brammer e Shostrom, em seu livro Psicologia terapêutica, estabelecem que: “…a escolha vocacional tem sido considerada, historicamente, como guia vocacional — um processo para ajudar o cliente a escolher, e preparar-se para triunfar numa determinada ocupação. Este processo centralizou-se na entrevista, que consistia, em grande parte, em examinar os dados do cliente e procurar as possibilidades de ocupação, para encontrar um objetivo específico, após o qual formulava-se um plano de estudo para alcançá-lo. Embora este raciocínio seja básico, produziram-se mudanças recentes na percepção do significado da entrevista vocacional”. Este capítulo tem como objetivo examinar essas mudanças e, especialmente, a entrevista como principal instrumento ou técnica, de que se vale o psicólogo para diagnosticar e colaborar com o adolescente na solução dos seus problemas vocacionais. A entrevista de orientação vocacional é uma situação de interação humana, na qual um dos participantes está capacitado, científica e tecnicamente, para exercer o papel de entrevistador. Examinar a entrevista de orientação vocacional implica rever, embora sumariamente, as caracteristicas gerais de qualquer entrevista psicológica, analisando os conceitos que fundamentam uma teoria da técnica de entrevista, antes do que a contribuição de receitas técnicas — mais ou menos adequadas — para ajudar uma pessoa que enfrenta um conflito diante da escolha de seu futuro. Este trabalho baseia-se, fundamentalmente, em contribuições dadas, em nosso meio, por Ulloa, Bleger e Liberman, que retomaram as teorias tradicionais sobre a entrevista psiquiátrica, enriquecendo-as com as descobertas da psicanálise e da teoria da comunicação. Examinaremos, brevemente, os fundamentos teóricos da entrevista psicológica e depois trataremos de exemplificar o manejo destes conceitos, no caso específico da orientação vocacional. A entrevista psicológica Toda entrevista é uma situação inter-humana. Sullivan(48), definiu a entrevista como uma situação de duas ou mais pessoas, na qual um ou mais indivíduos esperam receber auxílio técnico de um ou mais especialistas. Como ressalta Bleger, a entrevista é um campo no qual os fenômenos que acontecem adquirem seu significado em virtude das relações que guardam entre si. Como todo campo psicológico, a relação de entrevista está configurada por uma série de forças — entre elas, o entrevistador — que não é um observador passivo do que ocorre no entrevistado, mas que interage com ele e desenvolve, nesse campo, comportamentos que, tal como os do entrevistado, devem ser considerados como emergentes do referido campo. Tem-se tentado estabelecer classificações das entrevistas, segundo o tipo de comportamentos que tenha o entrevistador e o que espera do entrevistado. Assim, considera-se que uma entrevista é aberta, quando o entrevistador limita-se a recolher todas as manifestações do entrevistado; é fechada, se o entrevistador conduz a entrevista de modo tal que predetermina as opções possíveis, entre as quais o entrevistado escolherá o comportamento a expressar. No caso específico da orientação vocacional, as entrevistas abertas são as indicadas, pois nelas a técnica converte-se não só numa forma de recolher dados exaustivamente, a fim de elaborar um eventual diagnóstico vocacional, mas ao mesmo tempo em uma situação de interação, na qual surgem desse diagnóstico (que se realiza continuamente durante cada entrevista) ações do entrevistador tendentes a modificar o comportamento do entrevistado, através do esclarecimento. Portanto, a entrevista deve ser considerada sempre como uma situação grupal, porque nela participam pelo menos duas pessoas, cada uma com papéis atribuídos e adquiridos em função de: a) os propósitos do entrevistador; b) seu quadro de referência específico; c) a situação especial em que se desenvolve a entrevista; d) a estratégia na qual se insere a entrevista; e e) a tática ou perspectiva dentro da qual as condutas adquirem seu significado. Como observamos, os objetivos da entrevista influem no acontecer da mesma, pois expõem aos participantes níveis de aspiração conscientes ou inconscientes (interagentes) que determinam seu comportamento. Assim, por exemplo, um entrevistador pode perceber claramente que sua entrevista é de orientação vocacional, desde que o entrevistado possa desenvolver, face a essa situação, fantasias que o levem a manejá-la, por exemplo, como uma situação terapêutica, ou como uma situação na qual se relaciona com um professor, ou com um amigo, etc. Estas distorções, introduzidas na entrevista pelo entrevistado, convertem-se num dado valioso para o psicólogo, pois lhe permitem “ler”, através do comportamento manifestado pelo entrevistado, seu sistema de motivações, o significado que adquire para ele a situação grupal e, em função da abordagem teórica e do quadro de referência do entrevistador, quais são os sistemas conflitivos, os mecanismos de defesa e o que Ulloa definiu como fantasias de “saúde” e “doença”. Nessa situação de interação, existem dois papéis atribuídos que podem ser manejados de diversas formas, de acordo com o significado que a situação tem para os participantes. Estes dois papéis básicos são o de técnico e o de entrevistado. As distorções quanto à atribuição ideal destes papéis são, possivelmente, a fonte principal de informação, da qual pode valer-se o entrevistador para chegar a um diagnóstico do comportamento do entrevistado. O comportamento depende do papel, mas o modo pelo qual se assume o referido papel dependerá, como vimos, em primeiro lugar, do significado consciente e inconsciente que se atribua à situação e, em segundo lugar, da personalidade de cada um. Todo campo psicológico implica uma configuração, sem a qual o comportamento não tem bases concretas que lhe permitam expressar-se, mas quem configura o campo de uma entrevista? Ou seja, quem configura essa situação interpessoal? Em parte, a situação é configurada pelo entrevistador ou técnico — neste caso específico, o psicólogo — e, em parte, pelo entrevistado. Trata-se, novamente, de um processo de interação. O modo como tal campo é configurado pelo entrevistador designa-se com o termo “enquadre”. O enquadre consiste em converter em constantes um conjunto de variáveis da situação presente, isto é, todo enquadre implica certo artifício técnico, que atua como um quadro de referência, permitindo ler os significados do comportamento do entrevistado e, a partir daí, chegar a um diagnóstico do mesmo. Basicamente, enquadrar uma entrevista consiste em estabelecer dois parâmetros, o tempo e o lugar, é atribuir os papéis e os objetivos. Se os papéis, o tempo, o lugar e os objetivos não foram preestabelecidos, o comportamento do entrevistado assume um caráter caótico e incompreensível ao entrevistador. Os objetivos de uma entrevista de orientação vocacional variam de acordo com o momento em que a entrevista se realiza e segundo o tipo de processo geral de orientação vocacional elaborado a partir do primeiro diagnóstico do cliente (o que determina a linha mais conveniente para traçar uma estratégia geral de ação). Uma entrevista de orientação vocacional pode ter dois objetivos fundamentais: a informação e o esclarecimento. Por informação, entendemos a colaboração com o entrevistado, para discriminar os aspectos do mundo ocupacional adulto, as carreiras universitárias, as condições necessárias para aceitar um determinado papel adulto, as possibilidades que lhe ofereceo campo profissional, etc. Neste trabalho, referir-nos-emos especialmente às entrevistas de orientação vocacional cujo objetivo fundamental é o esclarecimento, ou seja, contribuir para que o entrevistado tenha acesso a uma identidade vocacional (Bohoslavsky), através da compreensão dos conflitos e situações que o hajam impedido de aceitá-la de modo integrado e não conflitivo. Quanto ao lugar e ao tempo de cada entrevista, variam de situação e já foram exaustivamente estudados por Aisenson e colaboradores, num de seus trabalhos. Quanto aos papéis, é imprescindível que o entrevistador atribua-se um papel, que é o de colaborar no esclarecimento e na assunção a uma identidade vocacional adulta, e não o de aconselhar ou orientar de maneira ativa o adolescente ou, num sentido vago, “curá-lo” e resolver todos os seus problemas de personalidade. A assunção do papel de entrevistador numa situação de orientação vocacional depende, fundamentalmente, de sua identidade vocacional e podemos antecipar que todas as distorções desse papel, que podem ser entendidas através da análise dos fenômenos contratransferenciais, dependem dos conflitos que sua própria identidade vocacional desperte no psicólogo. Entretanto, além de ser o entrevistador quem define e configura o campo, seu comportamento — ao fixar o enquadre — toma somente um conjunto de variáveis e converte-as em constantes, deixando em liberdade o entrevistado, para que este configure tudo o que ocorra na entrevista. Isto quer dizer que podemos reconhecer, na entrevista, algo fixo, constante ou rígido, que é o enquadre, e algo que é um processo dinâmico e que expressará o modo como o entrevistado exerce a liberdade de configurar a situação. E por isto que o modo como o entrevistado emprega sua liberdade para escolher a maneira de configurar a entrevista converte- se num dado importante para se entender as maneiras habituais, pelas quais o entrevistado exerce sua possibilidade de escolha. Assim, embora o entrevistador fixe certas linhas estáveis e, se quisermos, rigidas — que atuariam na forma de trilhos do processo ou do acontecer da entrevista —„ o acontecer em si corre por conta do entrevistado. Os comportamentos surgidos na situação assim definida podem ser considerados como emergentes de um campo grupal. O conceito “emergente” é polêmico. Empregá-lo-emos para nos referir a todo acontecimento que, no processo de entrevista, embora novo e “surpreendente” na aparência, integra e sintetiza fatores já presentes no campo psicológico. Um fenômeno emergente é produto da interação dos elementos que conformam a situação e sua estrutura é isomórfica com esta, mas não idêntica, de modo que, por sua simples aparição, modfica a situação da qual é produto. Um fenômeno emergente ocorre em “resposta a” e, ao mesmo tempo, é “estímulo” ou “situação desencadeante de” comportamentos do co-participante. Portanto, emergente, num sentido amplo, é qualquer comportamento, seja concreto ou simbólico, manifesto ou latente, do entrevistador ou do entrevistado. Em função disto, a análise de uma entrevista pode ser feita a partir tanto do entrevistado como do entrevistador, mas, fundamentalmente, a partir da relação entre ambos. Visto que esta relação é basicamente uma relação de interação, podemos recorrer à teoria da comunicação para obter os parâmetros que permitam examiná-la. Elementos da comunicação Em toda comunicação existem sempre, no mínimo, seis elementos. Esses elementos são: o transmissor, ou seja, o que realiza um comportamento que chamamos de “comportamento desencadeante” ou “comportamento estímulo”; o receptor, que é o destinatário desse comportamento; o próprio comportamento, que, a partir de um esquema de comunicação, pode ser considerado como uma mensagem; o código, que é o conjunto de regras mediante as quais chega-se a formular essa mensagem, isto é, que permitiu converter situações pessoais em dados comunicáveis (tenha, este processo, se realizado de modo consciente ou não); o contexto, no qual se realiza a referida comunicação; e o canal, que é a via pela qual circulam as mensagens. Estes elementos permitem fazer uma análise mais exaustiva da entrevista. Por exemplo, podemos entender, a partir do que ocorre, qual o código que o entrevistado prefere empregar, predominantemente. Por um lado, este código orienta o diagnóstico, mas ao mesmo tempo dá ao entrevistador as linhas do modo pelo qual terá que formular sua mensagem, para que seja facilmente acessível à compreensão do entrevistado. É importante destacar que o contexto é constituído pela própria situação de interação, de maneira que tudo o que ocorre na situação de entrevista deve ser considerado como mensagem, cujo referente é, além do aludido na mensagem, o próprio contexto em que aquele se expressa. Por exemplo, um adolescente que conta como um professor trata seus alunos no colégio comunica algo sobre o professor, mas metacomunica, além disso, sobre: a) a situação de entrevista; b) o entrevistador; c) os processos que o levaram a emitir essa mensagem, e não outra; e d) como “quer” ser decodificado, etc. Em outras palavras, isto é o que a psicanálise tem examinado sob o nome de transferência e que voltaremos a considerar posteriormente. As mensagens que circulam pelo canal configuram-se na realidade por um conjunto de comportamentos que integram as palavras, os gestos, a mímica, a pantomima e até os silêncios, as entonações de voz e o estilo pessoal da mensagem emitida. Este conjunto foi analisado por Pittenger, Hockett e Danehy, os quais afirmam que toda mensagem está integrada na realidade por três séries: uma série auditiva lingüística, ou seja, as palavras, que têm um código conhecido e formalizado no léxico de uma língua; uma série auditiva paralingüística, composta por todos os componentes sonoros da mensagem, seja por presença ou por ausência (os silêncios), que não têm, até o momento, uma codificação formalizada em léxico algum, mas que, todavia, são indicadores fundamentais para a compreensão do clima afetivo da mensagem; a terceira série é denominada série não-auditiva paralingüística (compreende os gestos, a mímica e a pantomima). Nesta série, o entrevistado e o entrevistador comprometem seu esquema corporal e é por isso que não atentar para ela implica deixar de lado uma importante fonte de informação. Em geral, considera-se que numa situação de entrevista os comportamentos corporais não estão presentes, ou esta série só é percebida quando supera certo limite desejável. Isto é, quando aparecem, no entrevistado, movimentos bruscos, posturas corporais, tiques ou outras modalidades de expressão dos estados emocionais. Entretanto, uma atitude passiva ou ativa a respeito do movimento, inclusive por sua própria denominação (“Passivo ou Ativo”), pode ser indicadora de uma atitude mais generalizada, pela qual o entrevistado expressa seu sistema de motivações, seus conflitos e as ansiedades despertadas na situação de entrevista e na situação de escolha de carreira. Papéis na entrevista Estes papéis, quando surgem do modelo de comunicação que assinalamos, são: o de emissor, o de receptor e o de avaliador das mensagens. O papel de emissor é assumido, alternadamente, por ambos os participantes da situação. O emissor é aquele que “fabrica” a mensagem. Para fazê-lo, deve dispor de um código, isto é, do sistema de regras que permitirão converter uma situação em palavras, sons ou gestos; de um repertório, um conjunto de signos que permitam dar expressão social aos significados que a situação adquire para ele. O papel de avaliador é assumido, também, por ambos os participantes. Entretanto, este papel é privilegiado no entrevistador, porque não só avalia a mensagem do entrevistado, mas também sua própria mensagem, e não só as mensagens que circulam no sistema interpessoal de comunicação, comotambém as mensagens que funcionam em seu sistema intrapessoal. Seus sentimentos, seus afetos devem ser considerados como mensagens intrapessoais emergentes, também, da situação (Ruesch e Bateson). A avaliação da mensagem depende não somente da capacidade intelectual do transmissor e do receptor das mensagens, mas de toda a sua personalidade (traços, estruturas predominante e acessória, sistemas motivacionais, atitudes, etc.), que intervém na avaliação que faz das mensagens. Pode-se considerar, pois, que toda distorção é determinada pelas características pessoais dos participantes na entrevista e, mais especificamente, por suas funções do ego (Bellak). Funções da mensagem Pelo menos toda mensagem desempenha uma das seis funções enunciadas por Jakobson. Habitualmente, as mensagens incluem mais de uma delas. Estas funções são: emotiva, diretiva ou conativa, pática ou de contato, referencial ou denotativa, emocional, metalingüística e poética. A função emotiva relaciona-se com a possibilidade de a mensagem referir-se aos estados afetivos, emocionais, motivacionais e de atitudes do entrevistado. Em termos gerais, espera-se que o entrevistador assuma uma atitude de prescindibilidade quanto à expressão de seus estados emocionais, mas não cabe nenhuma dúvida de que estes se patenteiam e, de uma forma geralmente inconsciente, mostram-se e informam, aoentrevistado, sobre as reações que sua mensagem despertou no entrevistador. Os sujeitos variam entre si quanto à função emocional ou emotiva ligada à sua mensagem. Assim, por exemplo, alguns adolescentes são muito sensíveis às reações de aprovação ou desaprovação que, embora não sejam formuladas em palavras pelo entrevistador, são emitidas de qualquer maneira. Por função referencial entendemos a faculdade de uma mensagem em aludir a objetos que não são ela mesma. Assim, quando dizemos que toda palavra tem um significado mais ou menos preciso, estamos dizendo que a palavra é uma mensagem que designa um aspecto da realidade. De acordo com o que dissemos até aqui, o referente da mensagem, numa situação de entrevista, é essa mesma situação de entrevista, isto é, tudo o que se diz na entrevista relaciona-se à própria entrevista, o que cria as condições para agir aqui e agora, de acordo com o significado que tem a situação de entrevista para o entrevistado e que podemos esclarecer a partir da análise da função referencial da mensagem. Por função diretiva entendemos a função que tem a mensagem de desencadear comportamentos no receptor. Também aqui existem diferenças interindividuais importantes. Para alguns entrevistados, a mensagem que transmitem tende a determinar, observar e controlar o comportamento do entrevistador. Por função metalingüística entendemos a possibilidade, que a mensagem tem, de se referir a outras mensagens ou ao sistema de comunicação. Neste sentido, podemos adiantar que todas as mensagens produzidas pelo entrevistador desempenham, predominantemente, esta função, isto é, esclarecer, aqui e agora, qual o tipo de comunicação que o entrevistado decidiu estabelecer e qual o significado, em geral inconsciente, que a situação tem para ele. Estas mensagens, nas quais predomina a função metalingüística, são designadas por maneiras diferentes e a elas nos referiremos mais adiante com os termos de “assinalações” ou “interpretações”. Podemos, já, adiantar que o caráter modificante que uma experiência de entrevista tem para o entrevistado (neste caso, o adolescente que deve se decidir por uma carreira) depende da qualidade metacomunicativa que tenha a mensagem do entrevistador. Isto significa que, se para o adolescente que procura escolher uma carreira a entrevista serve de alguma coisa, é porque o entrevistador assume plenamente este papel de informar, ao entrevistado, como este compreendeu a situação, por que a compreendeu assim, por que assumiu tais comportamentos, etc. A função pática é a qualidade que as mensagens têm para estabelecer uma relação entre o transmissor e o receptor. Essa função básica de contato, que as mensagens têm, não pode ser descuidada, pois se converte no índice mais claro do tipo de proximidade ou afastamento — para falar de duas atitudes polares básicas — que o adolescente deseja estabelecer com o entrevistador, que pode ser considerado, por ele, como um representante do mundo adulto, profissional, da carreira, da universidade, etc. A função poética diz respeito à capacidade da mensagem em criar novas realidades. A linguagem verbal e, além disso, as séries paralingüísticas da mensagem permitem ler ou analisar, a partir da própria mensagem, qual o estilo pessoal do entrevistado (Miller e Sebeok,43). Podemos dizer que, assim como as características ou as funções metacomunicantes da mensagem são o instrumento básico que determina se toda entrevista pode ser útil para o esclarecimento do entrevistado, as funções emotivas, páticas, conativas, poéticas e referenciais das mensagens são as fontes mais úteis de acesso ao diagnóstico do adolescente que deseja escolher uma carreira. Processos São dois os processos básicos de qualquer comunicação: a codificação e a decodificação. Tal como a definimos, a codificação é a transformação de um sistema de fatos em outro sistema de fatos. Em parte, esta transformação realiza-se seguindo normas compartilhadas pelos sujeitos. Assim, por exemplo, dado o código da língua para designar determinada situação, temos um repertório específico de termos com um significado preestabelecido. Mas, além disso, a codificação depende de normas individuais. Isto significa que detectar o processo de codificação do adolescente permite discriminar, a partir da própria situação de entrevista, algumas linhas de comportamento predominantes. O mesmo ocorre com o processo de decodificação, no qual a série auditiva lingüística, a série auditiva paralingüística ou a série não-auditiva para-lingüística são convertidas em significados, que guardam maior ou menor proximidade com os dados reais. Tanto a exatidão da decodificação como a sua alteração permitem inferir, novamente, dados valiosos sobre as características pessoais do entrevistado. Queremos dizer, em termos superficiais, que tudo o que ocorre na entrevista “vale”. Tudo o que ocorre na entrevista permite entender a estrutura da personalidade do entrevistado, tanto nas coincidências com a realidade como nas suas discrepâncias, pois elas não são arbitrárias, mas estão determinadas pela estrutura pessoal do participante, em tal situação. Resumindo, podemos dizer que as fontes básicas de dados, que fazem da entrevista um instrumento privilegiado para o diagnóstico e a modificação de quem recorre a uma entrevista de orientação vocacional, surgem, por um lado, do predomínio, da coerência, da contradição ou da dissociação das diferentes séries da mensagem, da correspondência dos processos de codificação e decodificação com os dados a serem codificados ou decodificados e, finalmente, do modo particular pelo qual o entrevistado assume os papéis de transmissor, receptor e avaliador das mensagens. Até aqui, assinalamos as fontes de interpretação do comportamento do entrevistado, mas o modo pelo qual as citadas fontes podem ser interpretadas ou entendidas depende do esquema referencial ou do sistema teórico sustentado pelo psicólogo. De modo que, entender um comportamento como bem ou mal adaptado à situação, maduro ou imaturo com relação à escolha de carreira, eficaz ou ineficaz quanto ao equilíbrio promovido, etc., dependerá, é de se supor, da teoria à qual se liga o entrevistador. Daí repetirmos que, ao realizar uma entrevista, o entrevistador não só coloca em jogo sua habilidade técnica, mas toda a sua bagagem conceitual, que deixa de ser exclusivamente conceitual e se converte, além disso, num esquemaoperacional. Ou — para dizê-lo com as palavras de Pichon-Rivière — num esquema conceitual (na medida em que implica uma teoria da personalidade, uma teoria da adolescência e uma teoria da orientação vocacional); referencial (visto que a ele se encaminha a compreensão de cada comportamento do adolescente que escolhe uma carreira); e operacional (posto que destacompreensão surgirá a determinação de se desenvolver estas ou aquelas condutas, para que o adolescente alcance um esclarecimento pessoal). O processo na entrevista O processo de uma entrevista pode ser caracterizado como um processo de investigação. Pode se supor que o termo investigação, aplicado a uma entrevista, tem conotações diferentes daquelas quando aplicado a uma estratégia experimental. Quando falamos de investigação numa entrevista, referimo-nos a uma atitude básica do entrevistador, pela qual este submete continuamente à prova as hipóteses sobre o comportamento do entrevistado, nessa situação (Bohoslavsky). Por investigação entendemos mais uma atitude do que um comportamento específico do entrevistador. Esta atitude está contida na idéia de que a entrevista não só compreende uma idéia conceitual, mas também um esquema referencial e operacional do entrevistador, enquanto o que é posto à prova é a inteligibilidade dos comportamentos do entrevistado, à qual o entrevistador teve acesso através da compreensão dos emergentes do campo. Esta prova permitirá, ao psicólogo, efetuar correções em sua anterior compreensão e correções das “correções” que pretenda estabelecer nos comportamentos do entrevistado. No sistema de interação estabelecido entre o entrevistador e o entrevistado, o primeiro compromete-se a observar continuamente a situação e a reencaminhar comportamentos tendentes a modificar, no entrevistado, a compreensão ou a interpretação da situação de escolha de carreira pela qual está passando, e que se dramatizam, sempre, no aqui, agora e conosco da entrevista. Portanto, a situação de entrevista é uma situação de investigação conjunta em que, por um lado, o entrevistador procura compreender e pôr à prova sua compreensão sobre o adolescente (a forma de escolher seu futuro, de decidir sua identidade vocacional e de aceitar papéis ocupacionais adultos). Por outro lado, o entrevistado põe à prova e confronta com um especialista suas fantasias, ansiedades, temores, etc., comprometidos na escolha, de modo que a situação de entrevista converte-se numa situação em que o próprio entrevistado exerce a investigação e a prova. Poderíamos dizer que a situação de entrevista converte- se numa situação de interação, na qual o caráter de jogo não deve ser menosprezado. Trata-se de um prolongamento instrumental da moratória psicossocial (Erikson), que permitirá, ao adolescente corrigir, confirmar, modificar sua autopercepção, em termos de papéis ocupacionais adultos, ou seja, confrontar com a realidade — neste caso, da entrevista — suas fantasias ou projetos sobre o próprio futuro. Isto lhe permitirá, se for necessário, fazer correções nestes e escolher com mais realismo. A entrevista de orientação vocacional deve ser entendida mais como um “pensar com” o adolescente do que como um “pensar por” ou um “pensar sobre” ele, o que subentende a idéia de que o entrevistador é, na realidade, um co-pensador. Transferência na entrevista de orientação vocacional O processo da entrevista não está delimitado somente pelo que vimos até aqui, mas implica determinantes inconscientes, que a bibliografia designa sob a rúbrica genérica de fenômenos ou processos transferenciais, distorção paratáxica ou função relacional. Muito se tem dito, na teoria da técnica psicoterapêutica, sobre o valor da transferência nos processos corretivos implicados numa relação interpessoal. A nosso ver, é pertinente discutir o valor terapêutico do emprego da transferência, mas está fora de qualquer dúvida a existência dos fenômenos transferenciais. Por fenômenos transferenciais entendemos a atualização de relações interpessoais ausentes no campo geográfico presente. Do mesmo modo, o termo “transferência” refere-se à exteriorização de objetos internos e de vínculos com os mesmos, ou seja, em outras palavras, o comportamento mediante o qual os objetos, acontecimentos e fenômenos de uma situação presente convertem- se em depositários de objetos internos. Em si, os fenômenos transferenciais estão fora de qualquer dúvida, pois todo comportamento mantido por um indivíduo implica não só a atualização de todo o seu passado e do seu futuro (em termos de projeto de ação), como também a manifestação ou compromisso de toda a sua personalidade, isto é, das relações com seus objetos interiores, que, no caso específico da orientação vocacional, referem-se à relação com o “outro generalizado” (G. Mead), em termos de papéis ocupacionais adultos. Os fenômenos transferenciais são os que possibilitam agir na entrevista e, a partir dela, esperar que o adolescente obtenha beneficios. Para examinarmos os fenômenos transferenciais na entrevista, em primeiro lugar, temos que distinguir entre fenômenos-existentes (em qualquer relação interpessoal) e algo que se está por criar ou interferir. A nosso ver, a transferência existe sempre em qualquer relação inter-humana e em qualquer comportamento. Do ponto de vista de uma teoria da técnica, o verdadeiro problema reside em se decidir se essa transferência deve ser instrumentalizada ou não e, no primeiro caso, de que modo o psicólogo deveria fazê-lo. Habitualmente, entende-se que toda transferência é uma transferência de aspectos infantis. Entretanto, agora. tende-se a enfatizar que o que se transfere, o que se deposita na situação de entrevista liga-se não tanto (não só) a aspectos infantis, mas a aspectos ou características internas do entrevistado. No caso de uma entrevista de orientação vocacional, estes aspectos internos são as identificações, conflitivas ou não, contraditórias, integradas ou dissociadas, ambíguas, que o adolescente tem configuradas até o momento em que é atendido numa entrevista vocacional e, especialmente, as identificações que faz de seu mundo interior e do mundo exterior, em termos de carreiras, mundo adulto, papéis ocupacionais. profissões, etc. O psicólogo orientador vocacional, na medida em que é visto como um profissional que cursou estudos universitários, que maneja determinada técnica e que, ao mesmo tempo, é adulto, converte-se no depositário ideal das fantasias, ansiedades e temores que o adolescente tem diante de seu futuro. Resumindo, podemos dizer que se atualiza não só o passado como também o futuro do entrevistado e não só as relações objetais antigas ou futuras mas, principalmente, suas relações objetais interiores. Em outras palavras, sua personalidade. Portanto, a compreensão dos fenômenos transferenciais permite que o psicólogo compreenda as características dos objetos interiores, passados e futuros, incluídos no comportamento do entrevistado. Estamos nos referindo às caracteristicas totais, parciais ou aglutinadas de seus objetos interiores, segundo a terminologia de Bleger. Além disso, a análise da transferência permite entender as características do vínculo, isto é, do tipo de ansiedade que é suscitado pela relação objetal e, finalmente, as caracteristicas das defesas, sua estereotipia ou dinâmica, postas em jogo pelo entrevistado — neste caso, o adolescente — para se proteger diante dos conflitos que a escolha do futuro lhe cria. Por fenômenos contratransferenciais entendemos a transferência que o entrevistador neste caso, orientador vocacional — realiza de seu próprio passado, futuro e mundo interior, na relação específica com seu cliente. No capítulo 5, referir-nos-emos a algumas características específicas da contratransferência na situação da orientaçãovocacional. Queremos somente destacar aqui que, assim como a transferência é suscitada em virtude do aqui e agora, ou seja, do campo da entrevista, o mesmo se dá com os fenômenos contratransferenciais. Isto é, também estes devem ser entendidos como um emergente do campo, do qual o outro — neste caso, o adolescente — é um ponto de apoio altamente significativo. Os dados contratransferenciais, aos quais já nos referimos sob o termo de comunicação intrapessoal, permitem orientar a compreensão, pois convertem-se em fonte das hipóteses, que logo deverão ser postas à prova. Existem dados suficientes, advindos da teoria psicológica, para que possamos admitir que todo comportamento cristaliza, em objetos reais do meio, relações interpessoais passadas. Juntaríamos a isto que o futuro, em termos de projeto, aspirações ou objetivo, é também atualizado no contexto da entrevista. E esta atualização que permite, ao psicólogo, ter acesso à compreensão do entrevistado e, a partir da análise dos comportamentos emergentes do aqui, agora e conosco, inferir os comportamentos que, no ali, então e com outros, o cliente desenvolverá ou desenvolveu. No caso específico da orientação vocacional, a ênfase na anáuse transferencial põe-se, fundamentalmente, num então futuro, num ali universidade, mundo adulto, e num com outros colegas, professores, outros adultos, outros profissionais, ainda que desconhecidos. Não porque o passado não seja, ele também, atualizado, mas porque a entrevista de orientação vocacional tem fundamentalmente um caráter prospectivo ou profilático, que centraliza suas observações nos projetos referentes a situações, relações interpessoais e objetos ainda não presentes no mundo do adolescente. Neste sentido, a entrevista de orientação vocacional adquire, plenamente, o caráter de uma postergação da moratória psicossocial, que caracteriza todo o período da adolescência. Postergação na qual o psicólogo converte-se num co-jogador das diferentes possibilidades de opção do adolescente, afim de definir sua futura identidade profissional. Então, a transferência pode ser entendida, no contexto de uma entrevista de orientação vocacional, como a atribuição — ao contexto da entrevista, a seu enquadre ou ao entrevistador — de papéis ocupacionais adultos e dos vínculos fantasiados na relação com eles. Daí a sua compreensão contribuir para que o psicólogo formule hipóteses sobre a melhor maneira de prevenir um acesso conflitivo à identidade profissional madura. Orientação vocacional e psicoterapia O psicólogo que se dedica à orientação vocacional considera tanto a transferência de aspectos passados, como a transferência de aspectos futuros da vida do entrevistado — do adolescente — em termos de sua identidade vocacional. Entretanto, atua fundamentalmente sobre estes, quando se trata de formular uma interpretação. Esta é a diferença fundamental entre o caráter operativo de uma entrevista de orientação vocacional e o caráter terapêutico de outros tipos de entrevistas psicológicas. Se podemos chamar de terapêutica uma entrevista de orientação vocacional, neste caso o termo terapêutico é entendido num sentido muito amplo — promover a saúde, o desenvolvimento, o bem-estar ou a felicidade de um ser humano. Entretanto, existem diferenças evidentes entre uma entrevista terapêutica e uma entrevista de orientação vocacional e, a menos que o termo “terapêutico” não seja definido especificamente como promoção de saúde (e não remoção de enfermidades ou das causas que as determinaram), a entrevista de orientação vocacional não pode ser confundida com uma entrevista terapêutica. Numa entrevista de orientação vocacional, pretende-se que o adolescente compreenda as identificações havidas até esse momento e a identificação do campo em que se move ou executa sua decisão com o campo futuro em que se concretizará seu projeto. No caso da orientação vocacional, a transferência não se ver- baliza nem interpreta, a menos que o entrevistado tenda a romper o enquadre. Em termos gerais, a alusão a situações existentes no “aqui”, “agora” e “conosco” de uma entrevista de orientação vocacional tem a característica de servir de apoio concreto à relação que o sujeito estabelece com seu mundo interior, especficamente em termos de sua identidade vocacional, e com o futuro, em termos de papéis ocupacionais adultos, vida universitária, estudos superiores, etc. Se o psicólogo não percebe claramente a diferença entre uma entrevista de orientação vocacional e uma entrevista psicoterapêutica, seu papel estará distorcido e, portanto, alterada a operatividade de sua tarefa. Se seu objetivo explícito é a orientação vocacional, enquanto seu objetivo implícito é a terapia, pode incorrer no risco de desempenhar o papel psicoterapêutico que o adolescente, eventualmente, projeta sobre ele, em lugar de compreendê-lo e instrumentalizá-lo, de modo tal que permita entender por que o adolescente necessita vê-lo como um terapeuta. O emprego da transferência ou a instrumentalização da transferência e da contratransferência, numa situação de orientação vocacional, está a serviço da psicoprofilaxia, não da cura. Se a toda solução de conflitos atribuímos, por uma tour de force, o termo “cura”, tratar-se-ia, no máximo, de uma terapêutica de setor, de acordo com a terminologia norte- americana, ou melhor, em termos mais comuns em nosso meio, de um processo corretivo de limites definidos ou (em termos mais na moda) de uma “terapia breve”. Para melhor entendimento, costumamos empregar uma metáfora: uma entrevista de orientação vocacional é uma espécie de espelho voltado para o futuro e que, somente se for necessário, emprega-se ao mesmo tempo para refletir o passado e, em qualquer caso, somente aqueles aspectos do mundo interior que tenham relação com a visão fantasiada do futuro, implicada na problemática vocacional do adolescente, não porque o psicólogo não possa ter acesso a outras fontes do conflito ou a raízes mais profundas do conflito diante da escolha de carreira, mas porque, se aceitou contribuir para a promoção da identidade vocacional do adolescente, supõe que as tais fontes mais profundas, mais infantis ou mais regressivas não representam obstáculo ou são mais ou menos demarcáveis, não comprometendo a tarefa prospectiva, para a qual o adolescente solicita seu concurso. A entrevista como situação nova Toda entrevista é uma situação nova, tanto para o entrevistado como para o entrevistador. Neste sentido, toda entrevista suscita ansiedades diante da mudança frente ao desconhecido, isto é, temores de inadequação aos padrões de comportamento tradicionais, face a esta situação específica. No caso do entrevistado, isto não é só um desencadeante de ansiedades — que será aceito, compreendido e instrumentalizado por parte do entrevistador — mas, além disso, o dado mais importante e que permitirá inferir, supor ou predizer como deverá conduzir-se diante de novas situações, tais como o ingresso no mundo adulto, o ingresso na universidade, etc. Frente a estas novas situações, o adolescente pode apelar para comportamentos defensivos, mais ou menos freqüentes nele. Estes comportamentos defensivos indicar-nos-ão de que maneira empregará suas características, para enfrentar o contato com a universidade. Além disso, toda nova situação é ambígua. No caso específico de uma entrevista psicológica, tudo é ambíguo, salvo o enquadre, que se converte no “barômetro” da tolerância do adolescente diante de sua ambigüidade. Fazer um projeto para o futuro requer, necessariamente, certa tolerância à ambigüidade, pois todo futuro é ambíguo. Agir sobre as ansiedades, que a situação ambígua da entrevista desperta no adolescente, é uma forma de criar as condições para que o adolescente meta- aprenda a enfrentar outras situações novas, igualmente ambíguas e igualmente conflitivas.Momentos da entrevista Segundo Ulloa, toda entrevista compreende cinco momentos, aos quais denomina pré- entrevista, abertura, desenvolvimento, encerramento e pós-entrevista. Cada um desses momentos tem características formais e dinâmicas particulares e é pouco o que podemos acrescentar à sua análise, no caso específico da orientação vocacional. Entretanto, toma-se útil destacar que geralmente, na pré-entrevista vocacional, o contato com o entrevistado foi estabelecido por um terceiro, seja porque o adolescente não conhece profissionais que possam contribuir para a sua orientação, seja porque depende economicamente de sua família e requeira sua participação para suprir as despesas do processo. Além des-tes componentes objetivos, a pré-entrevista compreende, tanto para o entrevistado como para o entrevistador, o conjunto de fantasias que a entrevista desencadeia, como situação nova. Diante de uma entrevista de orientação vocacional, o adolescente apela para modelos adultos conhecidos, que é, também por outro lado, o que faz quando se trata de escolher uma carreira. Assim, possivelmente fantasie encontrar, no orientador, um professor, um amigo mais velho, uma figura paternalista, permissiva ou restritiva de acordo com sua própria história e sua própria estrutura pessoal. Do lado do entrevistador, a maneira convencionada para se estabelecer a primeira entrevista poderá fixar dados muito valiosos quanto a certas hipóteses gerais sobre o conflito que determinou a vinda do adolescente à entrevista. No capítulo 2, “O diagnóstico em orientação vocacional”, examinamos as atitudes básicas detectáveis na relação entre o adolescente e o psicólogo. Seguramente, a abertura da entrevista dramatiza o modo como o adolescente fantasia seu ingresso na universidade. Mesmo quando não tenha ainda informação sobre como se desenvolverá o processo de orientação vocacional, comparecer a uma entrevistajá é, na fantasia, ingressar nesse mundo que aspira e, ao mesmo tempo, teme — que é a universidade e o mundo adulto. Ulloa destaca a importância de se ler as mensagens extraverbais no momento da abertura, pois, embora a relação transferencial tenha se estabelecido com antecedência, a abertura caracteriza-se por um compromisso do corpo e do esquema corporal num campo compartilhado. As atitudes mais ou menos adaptadas quanto ao manejo da ansiedade, ante a inclusão do corpo na universidade — no mundo adulto —, devem ser consideradas pelo psicólogo como uma maneira concreta de poder ajudar o adolescente a compreender como fantasia seu futuro ingresso na universidade. Quanto ao encerramento da entrevista, este difere quanto ao momento do processo em que se insere a entrevista em questão. No caso da última entrevista, surgem claramente delineados — tratando-se de orientação vocacional, bem como outros tipos de situações de entrevista — os comportamentos e ansiedades de cunho depressivo, que podem levar o entrevistador, devido a uma identificação com o entrevistado, a evitar o término do processo no momento preestabelecido. Nesse caso, o entrevistador se responsabiliza pelo obstáculo que provoca no acesso do adolescente ao futuro. Caberia perguntar, em tal situação, se sua identificação corresponde a algum aspecto do adolescente que ainda não tenha sido elaborado e resolvido ou à figura patema, que oadolescente fá-lo representar e que é, neste caso, restritiva e obstaculizante. Deveria, ele mesmo, realizar análise no caso contrário, quando o entrevistador considera satisfatório concluir o processo antes do que está estipulado. As intervenções do entrevistador Como afirmamos insistentemente, o entrevistador é um observador participante, isto é, um indivíduo comprometido no campo, tal como o entrevistado. Participa e intervém, sempre. Participa de um modo que se chamou “dissociação instrumental”. Referimo-nos, aqui, às suas intervenções mais manifestas, sob a forma de perguntas, afirmações e opiniões. O entrevistador, no caso da orientação vocacional, intervém em resposta a diferentes finalidades: a) Sua intervenção tende a estimular o fornecimento de mais dados. Neste caso, tem o caráter de uma pergunta formulada de forma expressa ou, também, de modo indireto. A técnica do aconsclhamento sugere vários recursos para estimular a formulação de dados pelo entrevistado (como repetir a(s) última(s) palavra(s) do entrevistado num tom interrogativo, etc.). Isto pode ser necessário no caso de uma primeira entrevista ou de entrevistas destinadas, fundamentalmente, ao diagnóstico. Todavia, durante o processo de orientação vocacional, o fato de que o entrevistado não ofereça dados já constitui um dado e, neste sentido, impõe-se — se necessário — a pergunta direta ou uma sugestão adequada e não algum artificio “para fazê-lo falar” ou arrancar-lhe informação. b) A participação, ou intervenção, mais clara do psicólogo se relaciona com a correção das distorções que o adolescente evidencie a respeito de sua identidade vocacional e do modo como identifica o campo em que se realiza sua escolha, ou no qual plasmará seu projeto. Isto quer dizer que as intervenções do entrevistador tendem, fundamentalmente, a contribuir para a discriminação e, simultaneamente, para a síntese do adolescente. Tal finalidade é complementada mediante o que se denomina, habitualmente, “assinalações” ou “interpretações”. Por “assinalações” entendem-se diversos comportamentos. Em termos gerais, uma assinalação consiste, simplesmente, em verbalizar algo que, sem ser inconsciente, não está explícito na mensagem do entrevistado. Este tipo de intervenção é dos mais freqüentes no caso da orientação vocacional, emborahaja oportunidades nas quais o que se impõe não é uma assinalação, mas uma interpretação. Entendemos por “interpretação” a verbalização ou explicitação da compreensão do quando e como, do porque, do sobre que, do para que, do com que e do onde, latentes (inconscientes) dos emergentes ou comportamentos do entrevistado. c) A intervenção do entrevistador pode relacionar-se, também, com a função de síntese dos dados referentes aos comportamentos manifestados pelo adolescente. O entrevistador pode considerar adequado concluir cada entrevista de orientação vocacional sugerindo, ao entrevistado, que realizem juntos uma síntese do que se observou nessa entrevista. Esta síntese não precisa ser necessariamente completa, nem tampouco excessivamente formalizada, que possa ser vivida pelo adolescente como a receita conseguida nessa “aula” (termo com o qual os adolescentes costumam denominar a entrevista de orientação vocacional). A síntese, no caso de o adolescente concluir a entrevista com uma alta dose de confusão, devido ao que se esteve vendo ou às compressões que assumiu nessa oportunidade, pode oferecer-lhe a oportunidade de discriminar o que foi conseguido na entrevista. d) d) Outro tipo de intervenção do entrevistador é constituído pela transmissão de informação. A informação realiza-se sob diferentes aspectos: em primeiro lugar, sobre o enquadre; na primeira entrevista, na qual é estabelecido o contrato de trabalho, é conveniente que se forneçam claramente, ao adolescente, todas as informações e explicações necessárias quanto ao enquadre. A informação pode se referir a carreiras, planos de estudo, oportunidades profissionais. Neste caso, convém que a entrevista seja enunciada, com antecedência, como uma entrevista que estará dedicada à prestação de informação. De acordo com nossa experiência pessoal, não se dá a informação sobre o mundo exterior na mesma entrevista em que predomina o esclarecimento, como finalidade ou objeto. E provável que isto se deva não tanto a certas hipóteses de trabalho, mas à nossa dificuldade pessoal para instrumentalizar, simultaneamente e de forma adequada, duas séries de dados: a que se relaciona com o mundo exteriorreal e a que diz respeito ao mundo de fantasia, no qual se move a definição interna, que dá, ao adolescente, sua identidade vocacional. Outro tipo de dados, sobre os quais o psicólogo pode dar informação, são os dados sobre o diagnóstico, quer se tenha ou não aplicado testes para realizá-lo. Consideramos que a informação sobre o diagnóstico deve ser uma informação metabolizada, modulada e incluída de forma gradual, através das assinalações e interpretações que o psicólogo administrará ao adolescente, durante o decorrer do processo. Fazê-lo de outro modo implica, por um lado, fornecer ao adolescente informação que, ou não pode manejar (pela especialização da terminologia técnica implicada em qualquer diagnóstico preciso) ou, ainda que possa compreendê-la intelectualmente, não contribui para modificar as dúvidas, ansiedades, fantasias e conflitos que o conduziram à entrevista. O “continuum” interpretativo Sob esta expressão, Brammer e Shostrom definem as diferentes técnicas mediante as quais o psicólogo ou consultor devolve, ao entrevistado, a informação sobre seu comportamento, filtrado pela compreensão psicológica que teve deste. O continuum interpretativo alude a níveis de operosidade sobre o comportamento e, através dele, à personalidade do entrevistado. Compreende o que resumimos anteriormente com os termos “assinalação” e “interpretação”. Segundo aqueles autores, o continuum interpretativo inclui: 1) o reflexo, 2) a clarificação, 3) a reflexão, 4) a confrontação e 5) a interpretação. Segundo eles, o termo “continuum” refere-se ao fato de que essas técnicas de esclarecimento são empregadas em diferentes momentos da relação psicológica entre o cliente e o consultor. Em nossa opinião, cada uma destas técnicas de operação sobre o comportamento do cliente pode ser empregada em qualquer momento do processo por que passa a entrevista. Somente uma experiência prática e um manejo eficiente da informação teórica e da teoria da técnica da entrevista permitirão que o entrevistador decida sobre a conveniência de apelar a uma ou outra destas técnicas de esclarecimento. 1) O reflexo A técnica do reflexo tem sido minuciosamente analisada pela corrente denominada “psicoterapia não diretiva” ou “centrada no cliente”, elaborada por Rogers. Na técnica do reflexo, o terapeuta tenta expressar com palavras novas, não tanto o conteúdo expresso pelo cliente, mas as atitudes essenciais. O terapeuta faz as vezes de espelho das atitudes do cliente, para que este compreenda melhor e para demonstrar- lhe que é compreendido pelo terapeuta. O reflexo, como técnica, não deve ser confundido com o juízo prévio, que costuma existir a respeito da técnica do aconselhamento, no sentido de que consiste, meramente, em repetir as palavras do entrevistado. Segundo Porter (citado por Brammer e Shostrom), este é um dos erros mais comuns. Refletir o conteúdo de uma mensagem consistiria numa mera repetição e não aludiria a uma compreensão mais ou menos profunda dela. Isto quer dizer que a técnica do reflexo não é a mera tradução do significado consciente e convencional das palavras do entrevistado. De acordo com o mesmo autor, outro erro comum é o manejo inadequado da profundidade do reflexo. Constantemente, o reflexo pode pecar por excessiva superficialidade ou banalidade — e, nesse caso, a mensagem emitida pelo entrevistado não acrescenta novos dados para um esclarecimento sobre o cliente — ou, por outro lado, ser excessivamente profundo e implicar, então, outro nível do continuum interpretativo. Outro erro consiste em agregar ou subtrair significados ao que é expresso pelo entrevistado. No reflexo, cuidar-se-ia mais de devolver ao entrevistado o significado que caracteriza o seu comportamento, a situação que está atravessando, do que o significado que seu comportamento tem para nós. O reflexo pode ser imediato, sumário ou terminal. No caso do reflexo imediato, a intervenção do psicólogo consiste em mostrar o que o entrevistado expressa com seu comportamento, sem ir além da verbalização das atitudes manifestadas por ele. Um reflexo sumário integra diferentes comportamentos e, neste sentido, seria similar à síntese de sentimentos e atitudes manifestadosem diferentes comportamentos do entrevistado durante a mesma entrevista. O reflexo terminal seria um termo homologável, ao qual denominamos a “síntese final” de uma entrevista de orientação vocacional. Vejamos um exemplo simples. Entrevistado. “Estive pensando que, toda vez que devo decidir alguma coisa, preocupo-me com o modo como meus colegas julgam o que decidi.” Entrevistador: “Penso que se torna dificil, para você, desligar-se da atitude dos demais, quando deve decidir o que fazer.” Entrevistado: “Se consulto os outros, sinto-me seguro de que, se as coisas derem errado, a culpa será deles.” Erros no reflexo (segundo Porter). Para refletir só o conteúdo: “Preocupa-o como os seus colegas julgam seu comportamento.” Entrevistado: “Claro, foi o que disse.” Para erro na profundidade: “Quando deve se decidir sobre algum assunto pessoal, preocupa-o a atitude dos seus colegas, como se você os visse iguais a seus pais, a quem você devia obedecer quando era criança.” Entrevistado: “Não, com eles era diferente. Que tem isso a ver com o assunto?” Por agregar ou subtrair significados: “Você se sente culpado por ignorar a opinião dos seus colegas.” Entrevistado. “Culpado?” “Preocupa-o a atitude dos seus colegas.” Entrevistado: “às vezes sim, às vezes não, depende.” O reflexo como técnica implica vantagens e desvantagens. O reflexo é útil, antes de mais nada, porque o entrevistado experimenta o sentimento de ser compreendido e aceito pelo entrevistador. Ao mesmo tempo, na medida em que o reflexo coloca o entrevistado como o verdadeiro sujeito do comportamento refletido, fá-lo experimentar, in situ, que é o centro da escolha e da valoração da situação, diante da qual seu comportamento é a resposta. Por outro lado, o reflexo ajuda a romper certos vínculos mais ou menos estereotipados de comportamento, pois, embora não ultrapassem a explicitação do comportamento manifesto ou das atitudes e sentimentos manifestos, ajuda a classificá-los, pois todo reflexo implica que o entrevistador tenha efetuado certa discriminação e chegado a uma nova síntese. Portanto, o reflexo pode ser útil para se estimular o entrevistado na busca dos motivos que deram lugar a esses defeitos ou sentimentos (como no caso do exemplo). Na medida em que o reflexo não é meramente uma cópia da mensagem ou do comportamento do entrevistado, pois implica que o entrevistado tenha realizado certa discriminação, análise, avaliação e síntese, ajuda a esclarecer o pensamento. De outro lado, o indivíduo não se sente diferente, raro, nem um ser excepcional, ao verificar que o psicólogo não o estranha e que é uma caixa acústica fiel a seus sentimentos, conflitos, ansiedades e afetos. Entretanto, esta técnica envolve algumas dificuldades — além dos erros já mencionados — ,como a estereotipia. Com efeito, ao utilizar esta técnica, o entrevistador pode chegar a se converter num espelho permanente dos comportamentos do entrevistado, estereotipar-se neste papel e deixar de lado o exercício contínuo da discriminação, avaliação e síntese das mensagens do entrevistado, que, na técnica ou no nível interpretativo do reflexo, não vai além da explicitação do que está implícito no que o sujeito disse. Outra dificuldade é a que se liga à regulação do reflexo, pois o reflexo somente é eficaz em contribuir para uma melhor compreensão ou modificação do entrevistado quando realizado no momento adequado. O momento adequado não pode ser postulado abstratamente, pois depende, em primeiro lugar, de cada entrevista em especial e, em segundo lugar, das caraterísticas pessoais do entrevistado.É importante destacar, então, que o reflexo não é uma simples reprodução textual dos comportamentos do entrevistado, mas que implica uma direção exercitada pelo entrevistador. Ainda neste nível interpretativo, estão implicados seu esquema corporal, sua formação teórica e seu treinamento prático. A diferença que se pode estabelecer entre o reflexo e outras formas de intervenção é que o entrevistador elabora sua mensagem com os materiais que, até esse momento, o entrevistado contribuiu conscientemente e, embora aprofunde a sua elaboração, não ultrapassa o ponto alcançado pelo cliente. 2) A clarificação Clarificação seria um termo mais apropriado do que assinalação. Na clarificação, o psicólogo congrega tudo o que está implícito na mensagem do entrevistado. Entretanto, embora explicite os diferentes dados do campo, as relações entre os diferentes comportamentos do entrevistadoou entre seus comportamentos e outros emergentes da situação, não alude a conteúdos inconscientes, defesas ou ansiedades que, supostamente, não sejam conscientes para o sujeito, embora não tenham sido explicitadas por ele. Exemplo de clarificação: Entrevistado: “Não lhe parece que devo, eu mesmo, escolher e não levar em conta a opinião dos demais?” Entrevistador: “Observe que, agora, está me perguntando se o que você pensa é certo, apesar de que opina que deve decidir por si mesmo.” Entrevistado: “Bem, mas isso é porque o senhor sabe mais do que eu. Só ao senhor é que vou dar atenção.” 3) A reflexão Neste caso, o psicólogo acrescenta mais dados que os oferecidos pelo entrevistado e sua função limita-se, somente, à discriminação e à integração dos comportamentos do entrevistado e dos dados do campo. “Acrescentar um pouco mais”, dizem Brammer e Shostrom, implicaria, fundamentalmente, a expressão verbal do que é vagamente consciente. Embora o conceito de “vagamente consciente” seja impreciso, podemos entender que a reflexão diz respeito ao fato de se expressar, com palavras, o que é implícito e inconsciente para o sujeito, mas que não possui uma carga conflitiva tal que o tenha induzido a estabelecer barreiras férreas contra esse conteúdo. A reflexão, na medida em que implica conexões latentes entre atitudes, motivos, comportamentos e afetos por parte do entrevistado, segue se manifestando num nível em que os mecanismos de defesa não configuram, ou não reforçam, necessariamente, uma distorção grave, mas, provavelmente, o que Sullivan denomina de “desatenção seletiva”. Exemplo de reflexão: Entrevistado: “Estou num beco sem saída, porque, se eu sigo a carreira que gosto e escolhi, meu pai vai ter um desgosto. Ele quer que eu estude Arquitetura. Já não sei mais do que gosto.” Entrevistador: “Você sente, por um lado, que já decidiu o que deve estudar, mas, por outro lado, acha que tem muitas dúvidas, porque teme que o que você gosta desgoste a seu pai. Sente que fazer o que gosta é opor-se aos desejos de seu pai e não sabe o que prefere quanto a isto.” Entrevistado: “Bem, talvez ele não desgostasse se eu estivesse bem seguro da carreira a seguir. Pensando bem isso lhe agradaria.” 4) A confrontação Na confrontação, o nível da penetração do psicólogo e sua mensagem chega até o implícito e o inconsciente. Neste caso, inclui-se a relação do comportamento atual com dados do passado, assinalando similitudes, diferenças e contradições entre os dados do presente, igualmente contidos no relato. Isto quer dizer que os dados do passado, os dados do presente e, ainda, as referências ao futuro estão baseados também sobre o relato, não sobre a atualização, que caracterizamos ao falar de transferência. Exemplo de confrontação: Entrevistado: “Quando se pensa na universidade, a gente fica arrepiado. Claro que depois a gente se acostuma. Realmente, sentir medo é uma bobagem.” Entrevistador: “Talvez você sinta que ter medo não tem sentido. Entretanto, tem medo, como quando entrou na escola de segundo grau e, possivelmente, o que o arrepia é o temor de que, até que se acostume com a universidade, seus colegas vão julgá-lo um bobo, como me contou que lhe aconteceu no primeiro ano”. Entrevistado: “Todos davam em cima de mim…não quero que na universidade me tirem o pêlo.” 5) Interpretação Não se pode falar de uma verdadeira interpretação até que se tenha atingido o quinto nível. A interpretação implica a verbalização dos conteúdos inconscientes, mas, além disso, inclui a menção das defesas, das resistências a reconhecer como próprios, conscientemente, tais conteúdos e daquilo que se supõe seja a origem do conflito. Portanto, a interpretação move-se sobre os parâmetros traçados pelos mecanismos de projeção discriminada ou maciça, por parte do entrevistado, sobre a situação de entrevista, e é operante, quando lhe permite reintrojetar aqueles conteúdos ou aspectos de sua identidade vocacional que foram projetados no mundo exterior, no contexto da entrevista, e de cuja reintrojeção dependerá a restituição ou a promoção de uma identidade vocacional madura. Do exposto, infere-se que o nível da interpretação requer a inclusão dos dados que possam ser transferidos, os quais, repetimos, estão presentes em qualquer situação inter-humana (em qualquer entrevistatambém), mas nem sempre estão contidos na intervenção do entrevistador. Então, podemos acrescentar que toda interpretação inclui a verbalização do conteúdo latente do comportamento, da resistência a tornar consciente este conteúdo, a transferência de aspectos alheios ao campo geográfico ou interior do sujeito, que se evidenciam em seu comportamento. Para manejar este nível do continuum, requer- se um manejo adequado da informação psicanalítica. Exemplo de interpretação: Entrevistado: (Depois de expressar seu desejo de seguir uma carreira que considera “masculina”) “As garotas não têm problemas para escolher uma carreira, porque depois se casam e não têm que trabalhar. Mas, para um homem, é diferente. Tudo se torna mais dificil. Em geral, as carreiras para homens são mais dificeis do que as carreiras para mulheres. Será porque somos mais inteligentes? O senhor me entende, porque é homem.” Entrevistador: “Você quer que eu compreenda como é dificil para você crescer e tornar-se homem. Talvez a divisão tão taxativa que você estabelece entre carreiras para homens e carreiras para mulheres, você precisa estabelecê-la para assegurar-se de que, se segue essa carreira que pensou, então é, seguramente, um homem e não corre o risco de se confundir.” Entrevistado: (silêncio): “Sim, realmente eu gosto de Letras, mas o que vão pensar de mim? Ali só há garotas…” As intervenções do psicólogo nos colocam várias interrogações. Em primeiro lugar, o que refletir, reflexionar, confrontar, clarificar ou interpretar para o adolescente que vem a uma entrevista vocacional? Assim, como o repetimos insistentemente, a entrevista de orientação vocacional tem objetivos específicos. Toda intervenção do psicólogo adquire sentido quando tende a permitir que o adolescente elabore, compreendendo, a situação que atravessa. Isto quer dizer que, freqüentemente, os comportamentos do adolescente — na medida em que o implicam como um ser total — referem-se a áreas que só estão ligadas de um modo mediato à sua problemática vocacional. Entretanto, o enquadre deve ser respeitado estritamente quanto ao objetivo perseguido na entrevista. De modo que a mesma mensagem pode levar o psicólogo a “intervenções” diferentes, conforme se trate de uma entrevista de orientação vocacional ou de uma entrevista de orientação educacional, diagnóstica ou psicoterapêutica. Toda intervenção do psicólogo tem, necessariamente, um referencial. Esse referencial é, de forma imediata, o aqui e o agora e o conosco do comportamento do entrevistado e, de forma mediata, sua identidade pessoal e seu projetoa respeito do futuro, tanto quanto estejam comprometidos, estritamente, com o acesso a uma identidade vocacional madura. Mais uma vez, devemos lembrar que a entrevista não é retrospectiva, mas prospectiva, e que a finalidade do esclarecimento não é terapêutica, mas psicoprofilática. A discriminação e a síntese que esperamos que o adolescente aprenda a realizar, como um produto de sua relação com o psicólogo, devem ser plenamente assumidas por este, quanto ao que mencionamos. Outra interrogação: quando interpretar? Pode-se dizer, num sentido amplo, que se interpreta sempre, na medida em que o entrevistador realiza continuamente avaliações das mensagens do entrevistado. Entretanto há disparidades de critérios quanto ao momento em que estas compreensões devem se transformar em palavras. Do ponto de vista psicanalítico, uma interpretação só pode ser formulada quando o entrevistado quase atingiu o ponto em que pode formulá-la por si próprio. Segundo Brammer e Shostrom, o cliente deve ser capaz de manejar a angústia adicional que, espera- se, seja gerada pela interpretação, sem retroceder nem desenvolver outro sintoma. Toda nova compreensão coloca o entrevistado frente a uma situação conflitiva. Vê “algo” que deve ver para resolver seu conflito, mas enfrenta-o com novos conflitos. Isto é, toda intervenção do psicólogo desperta, ao mesmo tempo, atitudes de aceitação e recusa no entrevistado, de modo que a simples negativa em aceitar a verbalização do entrevistador não é um indicador de que a sua compreensão da situação tenha sido errada. Talvez sua verbalização não tenha incluído as dificuldades que levaram o entrevistado a manejar desta forma a sua situação, desatendendo, dissociando, reprimindo, etc., o conteúdo que o entrevistador procura reintroduzir no campo de consciência do adolescente. Uma outra pergunta refere-se a: quanto interpretar? Neste sentido, não existem normas precisas. A diferença no “quantum” depende, fundamentalmente, das caracteristicas de personalidade do entrevistado, mas, também, do estilo pessoal do psicólogo. Há quem costume verbalizar tudo aquilo que vai observando ou compreendendo. Em contrapartida, outros preferem graduar e restringir a sua participação e formular suas assinalações ou interpretações de modo rigorosamente estabelecido no começo, meio ou fim da entrevista, segundo sua própria experiência. Uma questão que nos assalta freqüentemente é: até onde se deve interpretar, isto é, a que grau de profundidade podem chegar os dados que o psicólogo inclui em sua verbalização. Neste sentido, opinamos que a interpretação deve ser a mais profunda possível, sempre e quando esta profundidade tenha, como referencial claro e especificamente delineado, aqueles componentes descritos sob o nome de identidade vocacional. Para dar um exemplo, podem-se incluir dados da inffincia do sujeito, conscientes ou não, sempre e quando este grau de profundidade não distorça os objetivos psicoprofiláticos (prospectivos) da entrevista. Podemos formular outra pergunta: como interpretar? Não existem fórmulas válidas a respeito. Existe certo paradigma de interpretação, cujos termos podem ser eliminados ou podem ser tácitos. O que não deve ser esquecido, nem no reflexo, nem na confrontação, nem na reflexão, nem na clarificação e nem na interpretação, é a menção dos dados do aqui e agora, que são os referentes diretos, a partir dos quais o psicólogo pode entender o vínculo que o sujeito estabelece com seu futuro, em termos de carreira e de profissão. A intervenção fracassa, numa entrevista de orientação vocacional, quando se omite o ponto de urgência do adolescente, que é a definição de seu próprio futuro e a vinculação de seu projeto com esse futuro. Além disso, é conveniente que toda intervenção inclua o quem, o para que e opor quê do comportamento, que é a matéria- prima da intervenção ou verbalização do entrevistador. Quanto ao quem, é importante explicitar, sempre, que o sujeito do comportamento é o entrevistado. Isto converter-se-á na base sobre a qual poderá aprender a discriminar seu mundo interior do mundo exterior, discriminação que, em não aparecendo nas entrevistas, indicaria um fracasso do processo de orientação vocacional. Poderiamos acrescentar, como um comentário, que uma autêntica discriminação entre o mundo interior, mundo exterior e os diferentes componentes de sua identidade vocacional vai acompanhada, dialeticamente, por uma integração ou interação entre os aspectos discriminados. Em resumo, poderíamos dizer que as intervenções, em termos de assinalações ou interpretações do entrevistador, tendem a oferecer, ao entrevistado, a oportunidade de confrontar suas idéias e fantasias, conscientes ou inconscientes, com a realidade. Esta confrontação pode ser o indicador mais útil para entender qual o nível do continuum interpretativo que é necessário empregar em cada momento de uma entrevista. A discriminação e integração dos diferentes aspectos do comportamento — afetivos, cognitivos e conativos — conflitivo para o sujeito é oque contribui para que possa passar de uma situação dilemática a uma situação problemática, e desta a uma tomada de decisão autônoma, derradeiro momento no processo de escolha de uma carreira, trabalho ou profissão. Os fracassos nas intervenções do psicólogo A intervenção do psicólogo pode fracassar. Seu fracasso deriva de um ou vários dos seguintes erros: em primeiro lugar, de que o conteúdo de sua mensagem não reflita exatamente o comportamento do entrevistado, seja qual for o nível interpretativo em que se está atuando. O fracasso pode derivar, também, da codificação de sua mensagem. E possível que o conteúdo da interpretação — seu significado — seja adequado e correto, mas que os significantes, que tenham participado na elaboração de sua mensagem, não sejam os mais convenientes, por não pertencerem ao repertório do adolescente, a seu léxico habitual ou por carecerem de um significado preciso para ele. Neste caso, a mensagem do psicólogo converte-se em algo ambíguo e não contribui para o esclarecimento do entrevistado. Por outro lado, sabemos que, diante de uma mensagem ambígua, os sujeitos tendem a assimilá-la a algum esquema perceptivo verbal pessoal, tornando-a, assim, distorcida. As intervenções do psicólogo não devem ser ambíguas, mas claras e precisas. Também a organização sintática da mensagem deve facilitar a aceitação, internação e ulterior elaboração da mensagem emitida pelo psicólogo. A mensagem deverá ser elaborada de acordo com a estrutura predominante da personalidade do adolescente. Liberman, em A comunicação na terapêutica psicanalítica, analisa as vantagens e desvantagens do emprego de códigos analógicos e digitais, segundo a estrutura de personalidade dos clientes. A interpretação também pode falhar por uma deficiência na oportunidade. Toda intervenção do psicólogo tem um “quando”, que somente seu treinamento e perícia podem detectar. Há boas interpretações que podem ser “desperdiçadas” se aparecem antes ou depois do momento adequado. Finalmente, como dissemos, uma interpretação é falha ou é pouco operante quando não contribui para esclarecer o vínculo que o entrevistado estabelece com seu projeto vocacional. As respostas às intervenções do psicólogo Dissemos que toda intervenção ou mensagem do psicólogo constitui a explicitação de sua compreensão da situação, mas que tem um caráter hipotético e, portanto, deverá ser confrontada com a situação, antes de poder afirmar que a sua intervenção foi adequada. Compreender a dinâmica de uma entrevista requer analisar como o comportamento ulterior do adolescente é um emergente da situação, que se configura sobre a base do dado, mais a intervenção que o psicólogo formulou em função do dado e de seu próprio esquema referencial e operacional. As reações do adolescente à intervenção do psicólogopodem ser classificadas, em termos muito amplos, em reações de aceitação, rejeição ou indiferença A aceitação pode se expressar, ou não, em comportamentos manifestos. O importante é discriminar se se trata de uma aceitação autêntica, com base numa compreensão, real da situação explicitada através da interpretação, ou se a aceitação se baseia sobre um pseudo- insight, uma falsa compreensão que pode ser inconscientemente estimulada pelo entrevistador que formula interpretações, cujo conteúdo ou forma fomenta a racionalização do entrevistado. Deve-se considerar, também, que a aceitação pode surgir de uma intervenção do psicólogo, que se caracteriza por sua banalidade e pela aceitação. Portanto, será meramente o reconhecimento de que o psicólogo foi um espelho fiel, mas não um espelho compreensivo, que ajuda a compreender. Quanto à rejeição e à indiferença, mais do que a atitude manifesta, deve-se levar em conta quais possam ser as causas de ambas as manifestações. A indiferença pode ser devida a um desacordo na interpretação imputável ao conteúdo desta, sua oportunidade, sua formulação, etc. Mas é também lícito, em certos casos, supor que uma reação de indiferença expressa uma forma de resistência do adolescente em reconhecer o aspecto de seu comportamento ou de sua identidade vocacional, contido na intervenção do psicólogo. O mesmo se dá no caso de rejeição. Uma queixa ou um protesto veemente do entrevistado não é, necessariamente, um indicador de que a intervenção tenha sido desacertada. Pode expressar, ao contrário, que a recusa demonstra a dificuldade do adolescente para integrar esse aspecto fendido de seu comportamento, uma vez que o psicólogo, mediante a interpretação, tenta integrá-lo ao resto de sua vida. A atitude do entrevistador Muito se tem dito sobre a atitude mais conveniente que o entrevistador deve assumir, a fim de estimular a participação do entrevistado. Tem-se dado ênfase à necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre objetividade e subjetividade, ou, como já se tem afirmado, converter-se num bom observador participante que, a par de estar comprometido com a situação, possa tomar distância desta e observar não só o entrevistado, mas, fundamentalmente, a relação que existe entre o entrevistado e o entrevistador. Tem-se dado ênfase, também, à necessidade de o entrevistador criar um bom rapport com o entrevistado, a fim de obter dados para o diagnóstico e permitir que o entrevistado obtenha beneficios da relação. Gostaríamos de estabelecer dois aspectos que influenciam a atitude do entrevistador. Em primeiro lugar, não existe nenhuma fórmula que, ao ser assumida pelo entrevistador, crie um vínculo adequado com o entrevistador. Em primeiro lugar, não existe qualquer fórmula que, ao ser assumida pelo entrevistador, crie um vínculo adequado com o entrevistado. A possibilidade de criar uma situação favorável para este último depende, fundamentalmente, da identidade profissional do psicólogo. Neste caso, a identidade profissional do psicólogo constitui um requisito fundamental para poder dedicar-se, eficazmente, à tarefa de promover a saúde, na área da orientação vocacional. Uma “boa atitude” surge, necessariamente, de uma identidade profissional madura e nenhuma definição objetiva da distância ou proximidade ideais pode substituir esta premissa. De uma assunção madura de sua identidade como psicólogo, surge uma atitude básica de aceitação ou disponibilidade diante da situação de entrevista. Entendemos, por atitude de aceitação ou disponibilidade, uma atitude ou postura de abertura que facilite, ao adolescente, sentir- se seguro quanto ao entrevistador. É necessário estabelecer uma distinção entre a atitude de aceitação e a atitude de apoio, no sentido convencional do termo. O apoio é uma técnica terapêutica passível de criticas. No caso específico da orientação vocacional, o psicólogo pode sentir-se tentado a apoiar, estimulando no adolescente uma segurança da qual ele, basicamente, careça. Embora admitamos que o apoio é efetivo, porque reduz a angústia e aumenta a segurança manifesta, ele implica o risco de abrir uma oportunidade de escape ou estereotipia. O “apoio” permite que o adolescente renuncie à sua independência, que configura, entre outras coisas, uma das dificuldades para o acesso a uma identidace vocacional madura. Ao contrário, a atitude de aceitação e disponibilida-de contribui para possibilitar a expressão das angústias e sentimentos do adolescente, mas não necessariamente mediante uma aprovação ou simpatia falsas, às quais costuma estar ligado o conceito de apoio. Entre os perigos fundamentais das técnicas “de apoio”, podemos assinalar, em primeiro lugar, os sentimentos de extrema dependência que se fomentam no adolescente e, como conseqüência desta última, a culpa resultante do sentimento de invalidez para resolver o conflito criado pela escolha do futuro. Por outro lado, uma atitude de pseudo-simpatia é uma arma de dois gumes. O adolescente constata, facilmente, que a simpatia afetada aproxima-se mais de uma atitude de insinceridade e hipocrisia do que de uma atitude de autêntica aceitação sua como pessoa que tem conflitos, mas também, basicamente, a possibilidade de assumi-los e resolvê-los. Uma atitude de apoio, no sentido em que a estamos examinando, pode ser vivida pelo adolescente como uma atitude de negação dos seus problemas, no sentido de que o psicólogo assume a atitude de que tudo se arranjará facilmente. Isto acrescenta, à sensação de hipocrisia, a de superficialidade, estereotipia ou desatenção. Ao contrário, uma atitude básica de aceitação ou disponibilidade tem mais relação com uma atitude permissiva, que facilita ao adolescente a expressão de seus conflitos e ansiedades, na medida em que possa perceber a atitude do psicólogo como uma atitude interessada, mas não de expectativa, em termos de urgência. A atitude de aceitação não tem relação com a superficialidade (no sentido de negação dos problemas), mas, ao contrário, com a aceitação dos problemas que envolvem o adolescente como um ser humano com capacidade de escolha, mesmo quando esta, necessariamente, implique a aparição de conflitos. Do que ficou dito, depreende-se que a atitude está estreita- mente vinculada ao quadro referencial do orientador, que lhe permite olhar o adolescente como um indivíduo com direito a tomar decisões e a dirigir sua própria vida. Isto é, com o reconhecimento — como diriam os “não- diretivos” — de que o adolescente “tem um potencial para escolher com sabedoria e viver uma vida plena, autodirigida e socialmente útil e, ao mesmo tempo, fazer-se responsável por sua própria vida”. Assim como a atitude de aceitação ou disponibilidade, considerada parte do enquadre da orientação vocacional, não é sinônimo de apoio, tampouco o é de aprovação ou de conformação com um dos aspectos do cliente; ou de neutralidade (no sentido de uma passividade derivadade uma distância absoluta); ou de simpatia (derivada de uma identificação com o adolescente). “Aceitação” também não é sinônimo de tolerância, no sentido de conformação ou conformismo aos problemas do adolescente que vem à entrevista, O psicólogo, quando pretende ajudar um adolescente, não pode ser conformista, pois reconhece, no outro, aspectos que o fazem tomar iniciativas progressivas, no sentido de desenvolvimento, mudança, integração e fortalecimento de sua identidade individual social, e, ao mesmo tempo, outros que o levam a evitar a mudança e a promoção de dissociações e rupturas em sua identidade vocacional. O valor psicológico que uma atitude de aceitação ou disponibilidade pode comportar está ligado à possibilidade de que o adolescente encontre, na oportunidade constituída pelo processo de orientação vocacional, alguém que lhe permita expressar seus sentimentos, preocupações e ansiedades
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