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VON MARTIUS, Karl. Como se deve escrever a história do Brasil

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COMO SE DEVE ESCREVER A HISTÓRIA DO BRASIL 
Carlos Frederico Von Martius Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. N. 24, janeiro de 1845 �
  
         				 DISSERTAÇÃO 
OFERECIDA AO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO BRASIL, 
PELO Dr. CARLOS FREDERICO PH. DE MARTIUS. 
Acompanhada de uma Biblioteca Brasileira, ou lista das obras pertencentes à História do Brasil. 
  
Tive sumo prazer quando li na muito apreciável Revista Trimensal (suplemento ao tomo 2.o, p. 72) que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lançava suas vistas sobre a composição de uma História do Brasil, e pedia se lhe comunicassem idéias, que o pudessem coadjuvar com maior acerto neste tão útil quão glorioso intento. 
Muito longe estou eu de me julgar do número dos ilustres literatos brasileiros, habilitados para preencherem as vistas do Instituto; mais ainda assim não quero deixar passar esta ocasião sem testemunhar a tão respeitável associação o meu interesse para com seu meritório assunto, comunicando-lhe algumas idéias sobre aquele objeto, idéias que recomendo ao benigno acolhimento do Instituto. 
  
Idéias gerais sobre a História do Brasil 
Qualquer que se encarregar de escrever a História do Brasil, país que tanto promete, jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí concorreram para o desenvolvimento do homem. 
São porém estes elementos de natureza muito diversa, tendo para a formação do homem convergido de um modo particular três raças, a saber: a de cor cobre ou americana, a branca ou a caucasiana, e enfim a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla, das relações mútuas e mudanças dessas três raças, formou-se a atual população, cuja história por isso mesmo tem um cunho muito particular. 
Pode-se dizer que a cada uma das raças humanas compete, segundo a sua índole inata, segundo as circunstâncias debaixo das quais ela vive e se desenvolve, um movimento histórico característico e particular. Portanto, vendo nós um povo nascer e desenvolver-se da reunião e contato de tão diferentes raças humanas, podemos avançar que a sua história se deverá desenvolver segundo uma lei particular das forças diagonais. 
Cada uma das particularidades físicas e morais, que distinguem as diversas raças, oferece a este respeito um motor especial: e tanto maior será a sua influência para o desenvolvimento comum, quanto maior for a energia, número e dignidade da sociedade de cada uma dessas raças. Disso necessariamente se segue o português, que, como descobridor, conquistador e senhor, poderosamente influiu naquele desenvolvimento; o português, que deu as condições e garantias morais e físicas para um reino independente; que o português se apresenta como o mais poderoso e essencial motor. Mas também de certo seria um grande erro para todos os principais da historiografia-pragmática, se se desprezassem as forças dos indígenas e dos negros importados, forças estas que igualmente concorreram para o desenvolvimento físico, moral e civil da totalidade da população. 
Tanto os indígenas, como os negros, reagiram sobre a raça predominante. 
Sei muito bem que brancos haverá, que a uma tal ou qual concorrência dessas raças inferiores tachem de menoscabo a sua prosápia; mas também estou certo que eles não serão encontrados onde se elevam vozes para uma Historiografia filosófica do Brasil. Os espíritos mais esclarecidos e mais profundos, pelo contrário, acharão na investigação da parte que tiveram, e ainda têm as raças índia etiópica no desenvolvimento histórico do povo brasileiro, um novo estímulo para o historiador humano e profundo. 
Tanto a história dos povos quanto a dos indivíduos nos mostram que o gênio da história (do mundo), que conduz o gênero humano por caminhos, cuja sabedoria sempre devemos reconhecer, não poucas vezes lança mão de cruzar as raças para alcançar os mais sublimes fins na ordem do mundo. Quem poderá negar que a nação inglesa deve sua energia, sua firmeza e perseverança a essa mescla dos povos céltico, dinamarquês, romano, anglo-saxão e normando! 
Coisa semelhante, e talvez ainda mais importante se propõe o gênio da história, confundindo não somente povos da mesma raça, mas até raças inteiramente diversas por suas individualidades, e índole moral e física particular, para delas formar uma nação nova e maravilhosamente organizada. 
Jamais nos será permitido duvidar que a vontade da providência predestinou ao Brasil esta mescla. O sangue português, em um poderoso rio deverá absorver os pequenos confluentes das raças índia e etiópica. Na classe baixa tem lugar esta mescla, e como em todos os países se formam as classes superiores dos elementos das inferiores, e por meio delas se vivificam e fortalecem, assim se prepara atualmente na última classe da população brasileira essa mescla de raças, que daí a séculos influirá poderosamente sobre as classes elevadas, e lhes comunicará aquela atividade histórica para a qual o Império do Brasil é chamado. 
Eu creio que um autor filosófico, penetrado das doutrinas da verdadeira humanidade, e de um cristianismo esclarecido, nada achará nessa opinião que possa ofender a suscetibilidade dos brasileiros. Apreciar o homem segundo o seu verdadeiro valor, como a mais sublime obra do Criador, e abstraindo da sua cor ou seu desenvolvimento anterior, é hoje em dia uma conditio sine qua non para o verdadeiro historiador. Essa filantropia transcendente, que aprecia o homem em qualquer situação em que o acha destinado para obrar e servir de instrumento, à infinitamente sábia ordem do mundo, é o espírito vivificador do verdadeiro historiador. E até me inclino a supor que as relações particulares, pelas quais o brasileiro permite ao negro influir no desenvolvimento da nacionalidade brasileira, designa por si o destino do país em preferência de outros estados do novo mundo, onde aquelas duas raças inferiores são excluídas do movimento geral, ou como indignas por causa de seu nascimento ou porque o seu número, em comparação com o dos brancos, é pouco considerável e sem importância. 
Portanto devia ser um ponto capital para o historiador reflexivo mostrar como no desenvolvimento sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as condições para o aperfeiçoamento de três raças humanas, que nesse país são colocadas uma ao lado da outra, de uma maneira desconhecida na história antiga, e que devem servir-se mutuamente de meio e de fim. 
Esta reciprocidade oferece na história da formação da população brasileira em geral o quadro de uma vida orgânica. Apreciá-la devidamente será também a tarefa de uma legislação verdadeiramente humana. Do que até agora se fez para a educação moral e civil dos índios e negros, e do resultado das instituições respectivas, o historiador poderá julgar do futuro, e tornando-se para ele a história uma Sibila profetizando o futuro, poderá oferecer projetos úteis, etc. etc. Com quanto mais calor e viveza ele defender em seus escritos os interesses dessas por tantos modos desamparadas raças, tanto maior será o mérito que imprimirá a sua obra, a qual terá igualmente o cunho naquela filantropia nobre, que em nosso século com justiça se exige do historiador. Um historiador que mostra desconfiar da perfectibilidade de uma parte do gênero humano autoriza o leitor a desconfiar que ele não sabe colocar-se acima de vistas parciais ou odiosas. 
  
Os índios (a raça cor de cobre) e sua história como parte da História do Brasil. 
Se os pontos de vista gerais aqui indicados merecem a aprovação do historiador brasileiro, ele igualmente deverá encarregar-se da tarefa de investigar minuciosamente a vida e a história do desenvolvimento dos aborígenes americanos; e excedendo as suas investigações além do tempo da conquista, perscrutinará a história dos habitantes primitivos do Brasil, história que por ora não dividida em épocas distintas, nem oferecendo monumentos visíveis, ainda está envolta em obscuridade, mas que por esta mesma razão excita sumamente a nossa curiosidade. 
Que povos eram aqueles que os portugueses acharam na terra de Santa Cruz, quando estesaproveitaram e estenderam a descoberta do Cabral? Donde vieram eles? Quais as causas que os reduziram a esta dissolução moral e civil, que neles não reconhecemos senão ruínas de povos? A resposta a esta e outras muitas perguntas semelhantes deve indubitavelmente preceder ao desenvolvimento de relações posteriores. Só depois de haver estabelecido um juízo certo sobre a natureza primitiva dos autóctones brasileiros, poder-se-á continuar a mostrar, como se formou o seu estado moral e físico por suas relações com os emigrantes; em que estes influíram por leis e comércio, e comunicação, sobre os índios; e qual a parte que toca aos boçais filhos da terra no desenvolvimento das relações sociais dos portugueses emigrados. 
Ainda não há muito tempo que era opinião geralmente adotada que os indígenas da América foram homens diretamente emanados da mão do Criador. Consideravam-se os aborígenes do Brasil como uma amostra do desenvolvimento possível do homem privado de qualquer revelação divina, e dirigido na vereda de suas necessidades e inclinações físicas unicamente por sua razão instintiva. Enfeitado com as cores de uma filantropia e filosofia enganadora, consideravam este estado como primitivo do homem; procuravam explicá-lo, e dele derivavam os mais singulares princípios para o direito público, a religião e a história. Investigações mais aprofundadas porém provaram ao homem desprevenido que aqui não se trata do estado primitivo do homem, e que pelo contrário o triste e penível quadro, que nos oferece o atual indígena brasileiro, não é senão o residuum de uma muito antiga, posto que perdida história. 
Logo que nós nos tivermos penetrado desta convicção, estende-se o passado da raça americana para uma época encoberta de escuridão; e esclarecê-la será tarefa tão espinhosa quão cheia de interesse. A vereda que o historiador deve trilhar neste campo não pode ser outra senão esta: - Em primeiro lugar devemos considerar o indígena brasileiro, em suas manifestações exteriores, como ente físico, e compará-lo cm os povos vizinhos da mesma raça. O passo imediato nos levará à esfera da alma e da inteligência destes homens; a isto se ligam investigações sobre a extensão de sua atividade espiritual, e como ela se manifesta por documentos históricos. 
Como documento mais geral e mais significativo deve ser considerada a língua dos índios. Pesquisas nesta atualmente tão pouco cultivada esfera não podem jamais ser suficientemente recomendadas, e tanto mais que as línguas americanas não cessam de achar-se continuamente em uma certa fusão, de sorte que algumas delas em breve estarão inteiramente extintas. Muito há que dizer sobre este objeto: mas como devo supor que poucos historiógrafos brasileiros se ocuparão com estudos lingüísticos, deixo à parte este assunto; aproveito porém esta ocasião de exprimir o meu desejo que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro designasse alguns lingüistas para a redação de dicionários e observações gramaticais sobre estas línguas, determinando que estes Srs. fossem ter com os mesmos índios. Neste respeito seria muito para desejar que se investigassem especialmente as radicais da língua tupi e dos seus dialéticos, desde o guarani, nas margens do rio da Prata, até o arino e guez sobre o Amazonas: que para tal dicionário brasileiro servisse de modelo o vocabulário que a Imperatriz Catarina mandou esboçar para as línguas asiáticas, e que afinal e principalmente se coligissem em primeiro lugar todos os vocábulos que referem a objetos naturais, determinações legais, (de direito) ou vestígios de relações sociais. 
A língua principal falada outrora pelos índios do Brasil em vastíssima extensão, e entendida ainda em muitas partes é a língua geral ou tupi. É sem dúvida muito significativo que um grande complexo de raças brasileiras entendam este idioma. Assim como no Peru com as línguas quíchua e aimará que se estendiam sobre vastíssimos territórios, aconteceu no Brasil com a língua tupi; e não podemos duvidar que todas as tribos, que nela sabem fazer-se inteligíveis, pertençam a um único e grande povo, que sem dúvida possui a sua história própria, e que de um estado florescente de civilização, decaiu para o atual estado de degradação e dissolução, do mesmo modo como o observamos entre os povos ocidentais, que falavam a língua dos incas, ou o aimará. Não deve passar inapercebidamente que os caraíbas nas Guianas e nas Antilhas falavam uma língua, por uma sintaxe e vocabulário parente da língua tupi; fato este tanto mais singular, quanto há muitos vestígios de serem os caraíbas um povo de piratas, que se estendia da Flórida e das Bermudas para o sul. Assim tornaram-se as investigações sobre as línguas dos aborígines brasileiros um objeto de interesse geral, conduzindo as investigações etnográficas, e compreendendo uma grande parte do Novo Mundo. 
À língua devem em primeiro lugar ligar-se os estudos sobre a mitologia, as teogonias e geogonias das raças brasileiras. Um observador filosófico não deixará de descobrir nos restos de mitos, e no balbuciamento poético, que ainda hoje se encontram vestígios muito significativos de uma perdida filosofia natural, e de um culto ainda enigmático. Uma indagação superficial do culto atual dos índios do Brasil contenta-se em considerá-lo como uma espécie de xamanismo ou fetichismo mas com isto não se dará por satisfeito o historiador, filosófico, que dos restos atuais de idéias e cerimônias religiosas conclui por noções anteriores mais puras, e por formas de um culto antigo, do qual os sacrifícios humanos dos prisioneiros, o canibalismo, e numerosos costumes e usos domésticos devem ser considerados com a mais bruta degeneração, e que somente deste modo tornam-se explicáveis. Pesquisas tais necessariamente nos levarão para estes fenômenos, pertencentes à esfera de superstições, de virtudes curativas de taumaturgos índios, feiticeiros e curandeiros; e destas passamos a investigações sobre o saber dos índios relativo a fenômenos da natureza, e de outro lado sobre o sacerdócio entre eles e todas as relações do Pajé (sacerdote), curandeiro e chefe para com a comunidade social. 
Mais de um passo nos conduzirá para os vestígios de símbolos e tradições de direito: lançaremos uma vista d'olhos geral sobre as relações sociais e jurídicas destes homens, como membros de uma só tribo, e as que existem entre as tribos diversas; e com isso encerra-se o círculo das investigações etnográficas que o historiador deverá fazer. 
É inegável que o quadro de todas estas relações será tanto mais perfeito, será tanto mais rico em resultados históricos e filosóficos, quanto mais afoito e desprevenido o historiador lançar suas vistas sobre os aborígenes da América em seu mais extenso esparcimento, quanto com maior diligência comparar os seus materiais brasileiros com os dos outros povos do Novo Mundo. 
A coordenação e paralelismo de todas as geogonias, teogonias e tradições de dilúvios gerais, e outras grandes catástrofes da natureza de todos os mitos, usanças legais, usos e costumes dos aborígenes americanos em geral, seria uma das mais belas e gratas tarefas do historiador filosófico e etnógrafo, e se uma história do Brasil não oferecesse senão esta introdução, ela devia ser saudada com entusiasmo por todos os literatos. Desde a obra de Lafilau o material aumentou de um modo tão espantoso, que o autor havia de ser recompensado tanto pelos encantos, como pela abundância de matéria. Mas essa mesma abundância de materiais exige a mais severa crítica, e uma multidão de alegações extravagantes, de fatos inteiramente falsos, (como por exemplo foram espalhados pela obra escandalosa de Mr. de Panu) deviam ser excluídos de uma vez, e estabelecida a verdadeira base e valor histórico e etnográfico dos povos americanos. 
Como um assunto de suma importância para o etnógrafo notam-se as indagações sobre as construções americanas, que ultimamente excitaram tão vivo interesse. Não poderá o historiador brasileiro deixar de perscrutinar igualmente as ruínas de Paupatla, México, Uxmal, Copán,Quito, Tiaguanaro, etc, se quiser formar um juízo geral sobre o passado dos povos americanos. Até agora não se descobriram no Brasil (ao menos que eu saiba) vestígios de semelhantes construções, pois quais as notícias manuscritas, das quais dá uma cópia a "Revista Trimensal" do ano de 1839, p. 181, e que induziram ao Sr. Benigno José de Carvalho e Cunha (ibid. 1841, p. 197) a suspeitar que há uma grande antiga cidade ao lado do sul da serra de Sincorá sobre o braço esquerdo do Sincorá, são até agora os únicos que se conhecem sobre monumentos brasileiros, que se assemelham em grandeza e solidez com os do México, Cundinamarca e Bolívia. A circunstância porém de não se terem achado ainda semelhantes construções no Brasil certamente não basta para duvidar que também neste país reinava em tempos muito remotos uma civilização superior, semelhante à dos países que acabo de mencionar. Na verdade, mostra a experiência que mormente em países elevados se encontram vestígios de uma tal civilização dos autóctones americanos, mas apesar disso não somos autorizados por argumento algum a duvidar da sua possibilidade no Brasil. Daí resulta um desejo, que certamente muitos dos membros do Instituto partilharão comigo, que se lhes facultassem meios para fazer sacrifícios em favor de investigações arqueológicas; especialmente prestando auxílio a viajantes que procurassem estes monumentos. Se considerarmos que alguns lugares, v. g. em Paupatla, se elevam matas altíssimas e milenárias sobre as construções de antigos monumentos, não se há de achar inverossímil que o mesmo se encontrar nas florestas do Brasil, tanto mais que até agora elas não são conhecidas nem acessíveis senão em muito pequena proporção. 
  
Os portugueses e a sua parte na História do Brasil. 
Quando os portugueses descobriram o Brasil, e nele se estabeleceram, acharam os indígenas proporcionalmente em tão diminuído número e profundo aviltamento, que nas suas recém-fundadas colônias podiam desenvolver e estender-se quase sem importar-se dos autóctones. Estes exerceram sobre os colonos uma influência negativa tão somente por quanto só os forçaram a acautelar-se contra as suas invasões hostis, e por isso criaram uma instituição singular de defensa, o Sistema das milícias. 
A influência dessas milícias é grande e importante por dois motivos: por uma parte elas fortaleciam e conservaram o espírito de empresas aventureiras, viagens de descobrimento, e extensão do domínio português; por outra favoreciam o desenvolvimento de instituições municipais livres, e de uma certa turbulência e até desenfreamento dos cidadãos, capazes de pegar em armas em oposição às autoridades governativas, e poderosas ordens religiosas. De outro lado achamos também nisso a causa dos sucessos das armas portuguesas contra diversos invasores, os franceses no Maranhão e Rio de Janeiro, os holandeses em uma grande parte da costa oriental. 
O português, estabelecendo-se no Brasil, abandonou de certo modo os direitos que em Portugal possuía para com o monarca, porquanto, em lugar de rei, recebia um senhor (Dominus Brasilae). Nisso mesmo existia o motivo para os colonos de jamais deporem as armas, estarem em cada momento prontos a combater, e dirigirem-se sempre armados dos diferentes pontos de litoral, onde ao princípio se estabeleceu a civilização européia mais e mais para o interior aonde ninguém reconheciam acima de si, venciam aos índios à força d'armas, ou induziam-nos com astúcias para servi-los. 
Assim vemos que a posição guerreira, em que se colocou o colono português para com o índio, contribuiu muito a rápida descoberta do interior do país, como igualmente para a extensão do domínio português. A natureza particular do país, principalmente a abundância de ouro, não era de pequeno momento; porquanto as primeiras viagens de descoberta eram antes incursões de rapinas contra os indígenas, a quem escravizaram, ou só tinha por feito a descoberta de riquezas minerais. 
Enfim não devemos julgar a emigração de colonos portugueses para o Brasil, como ela se operava no século XVI, e que lançou os primeiros fundamentos do atual Império, segundo os princípios que entre nós regulam as empresas de colonização. Hoje em dia as colonizações são, com pouca exceções, empresas de particulares, e nascem quase exclusivamente da necessidade de trocar uma posição pobre e apertada, por outra mais livre e agradável. Estas emigrações quase só têm lugar nas classes dos agricultores e artistas, e quase nunca nas dos nobres ou abastados. Mas assim não aconteceu nos primeiros tempos da colonização do Brasil. Elas eram uma continuação dessas empresas afoitadas e grandiosas, dirigidas para a Índia, e executadas ao mesmo tempo por príncipes, nobres, e povo dessas empresas que tornaram a nação portuguesa tão famosa como rica. Também não nasceu, esse desejo de emigrar, de crises religiosas, como por exemplo aconteceu em Inglaterra; ele era antes uma conseqüência das grandes descobertas e empresas comerciais dos portugueses sobre a costa ocidental da África, do Cabo, Moçambique e Índia. As mesmas razões gerais e poderosas, que imprimiram a uma das nações mais pequenas da Europa um movimento tão poderoso, que a impeliram para uma atividade que faz época na história universal, induziram-na igualmente à emigração para o Brasil. 
Com esta observação quero indicar que o período da descoberta e colonização primitiva do Brasil não pode ser compreendido, senão em seu nexo com as façanhas marítimas, comerciais e guerreiras dos portugueses, que de modo algum pode ser considerado como fato isolado na história desse povo ativo, e que sua importância e relações com o resto da Europa está na mesma linha com as empresas dos portugueses. 
Assim como estas tiveram a maior influência sobre a política e comércio da Europa, aconteceu o mesmo da parte do Brasil. 
O historiógrafo do Brasil ver-se-á arrastado por tais observações a jamais perder de vista na história da colonização do Brasil, e do seu desenvolvimento civil e legislativo (que acompanhava aquela ao mesmo passo), os movimentos do comércio universal, de então, e incorporá-lo mais ou menos intensamente a sua história. Ele deverá tratar das diferentes vias comerciais, conduzindo ou pelo mar Roxo, ou ao redor do Cabo da Boa Esperança, e da influências que tais vias exerceram sobre o valor de cada um dos produtos e seus preços, conforme a sua condução por mar ou por terra. Embora não tenham as Índias Orientais produtos iguais aos do Brasil que eram objetos de comércio, contudo será difícil não traçar aqui uma História do comércio comparativo entre a Índia e América, se quisermos conhecer bem as molas que promoviam a emigração das populações européias para a Índia e o Novo Mundo. Assim por exemplo está a história do descobrimento do Brasil intimamente ligada com a história comercial da madeira índia chamada Jappan, que vulgarmente conhecida debaixo do nome de pau-brasil, legno brasilo, bresil, etc. foi a causa principal de dar-se à Terra de Santa Cruz o nome de Terra do Brasil. Também a história e movimento mercantil dos metais e pedras preciosas têm as mais estreitas relações com a história do Brasil, e finamente a das plantas tropicais úteis, conhecidas na Europa depois da descoberta do Novo Mundo, jamais poderá ser separada da história da colonização do Brasil. 
Mais abaixo falaremos da grande influência que deviam exercer sobre o desenvolvimento do Brasil as viagens dos portugueses na África, as suas relações comerciais nesta parte do mundo, e a sua conivência no tráfico da escravatura. 
O português, que no princípio do século XVI emigrava para o Brasil, levava consigo aquela direção de espírito e coração, que tanto caracteriza aqueles tempos. Exemplo do efeito imediato do cisma de Lutero, em numerosos conflitos porém com a Espanha e mais partes da Europa, talvez então mais acessível do que depois ao movimento intelectual geral daquele século, o colono português desse tempo distintamente representa a índole particular desse período, e o historiador brasileiro não poderáeximir-se de traçar um quadro dos costumes do século XV, se tentar descrever os homens tais e quais vieram para além do oceano fundar um novo Portugal. 
Daqui o historiador deverá passar para a história de legislação e do estado social da nação portuguesa, para poder mostrar como nela se desenvolveram pouco a pouco tão liberais instituições municipais, como foram transplantadas para o Brasil, e quais as causas que concorreram para o seu aperfeiçoamento nesse país. Mostrar em quanto aqui a legislação antiga portuguesa (de D. Diniz) ficou mais isenta da influência do direito romano, que os reis espanhóis propagaram em Portugal, seria um tarefa de sumo interesse, para o historiador, que na legislação reconhece o espelho de uma época. 
Aqui merecerão distinto desenvolvimento as relações eclesiásticas e monarcais. E isso tanto mais porquanto algumas dessas ordens acharam-se muitas vezes (assim como na América espanhola) em oposição com as municipalidades ou povoações, não poucas vezes em favor dos índios. Mas, segundo os meus conhecimentos relativos à constituição eclesiástica do Brasil, tais movimentos não procederam de concílios brasileiros, mas sim de determinações legislativas, vindas ou da Metrópole ou de Roma. 
Das ordens religiosas todas, a dos jesuítas representou o mais notável papel, e suas construções são os únicos monumentos grandiosos, ainda existentes daqueles remotos tempos; como também instituições suas há que até o presente não desapareceram inteiramente, nem perderam certa influência. A atividade com que os jesuítas se ocupavam em missões, facultou-lhes meios para que possuíssem as mais variadas, e em grande parte muito importantes notícias sobre a vida doméstica e civil, assim como sobre as línguas e outros conhecimentos dos índios. Muitas destas notícias ficariam até hoje sem serem aproveitadas, e jazem dispersas nos arquivos da ordem, ou nas bibliotecas a que estas tocaram depois da supressão desta ordem religiosa. A Alemanha e Itália são os países que mais aproveitaram desses materiais colhidos pelos jesuítas. Basta-me citar a obra volumosa e in-folio do P. Stoeckeler O. Welbote (o Mensageiro Universal), ou outras publicadas na Itália por Hervas e Muratori. Os jesuítas alemães, que se empregaram em missões no Brasil, possuíam menos erudição do que os franceses, entre os quais em geral aquela ordem formou os mais distintos sábios. Aqueles porém nem por isso faltava habilidade, e talvez mais aptos do que os jesuítas, franceses para viver entre tão bárbaros neófitos, e suas relações sobre os costumes morais e civis dos índios tornam-se recomendáveis por sua singeleza e exatidão. 
O ramo desta literatura é representado em França pelas Lettres edificantes. Sem dúvida alguma não estão ainda suficientemente exploradas tais fontes jesuíticas, e deve ser muito fácil ao historiador do Brasil obter, por intervenção diplomática dos arquivos de Roma, Munique, Viena, e da Bélgica, os respectivos extratos das comunicações destes religiosos. Outras ordens monarcais, como franciscanos, capuchinhos, agostinhos, carmelitas, paulinos, também se ocupavam em missões no Brasil. Por isso seria possível que também nas suas relações se achassem materiais importantes, tanto para a etnografia dos indígenas, quanto para a história dos costumes do habitante europeu. Em geral, devemos reconhecer que a atividade de todas estas ordens não era desfavorável ao Brasil. Nós vemos muitas vezes que elas eram os únicos motores da civilização e instrução para um povo inquieto e turbulento. Outras vezes nós vemos elas proteger os oprimidos contra os mais fortes. Por isso não podem ser compreendidas as numerosas querelas e rixas nas municipalidades das cidades (como v. g. se acham em grande número referidas na Crônica do Maranhão por Berredo), sem referência para com o clero, e especialmente com as ordens, com a fundação de seus conventos (casas conventuais), hospícios, missões no interior do país, e especulações mercantis por ela compreendidas. A oposição dos colonos para com estas em geral filantrópicas ordens muitas vezes nascia do conflito de interesses sociais, nos quais aqueles se consideravam ligados por estas. 
O governo português mostrou-se em geral muito vigilante da influência das ordens religiosas sobre a população, e cuidava dos direitos da coroa com alguma desconfiança. Daí emanou a proibição de se fundarem conventos na província de Minas, e a história da supressão da Ordem dos jesuítas explica-se no que diz respeito a Portugal, pela posição adquirida pelos jesuítas no Pará; e o que diz respeito à Espanha, por certas ocorrências em Paraguai; de sorte que este acontecimento, que faz época na história universal, se acha profundamente enraizada na história do Brasil. 
Uma tarefa de sumo interesse para o historiador pragmático do Brasil será mostrar como aí se estabeleceram e desenvolveram as ciências e artes com o reflexo da vida européia. O historiador deve transportar-nos à casa do colono e cidadão brasileiro; ele deve mostrar-nos como viviam nos diversos séculos, tanto nas cidades como nos estabelecimentos rurais, como se formavam as relações do cidadão para com seus vizinhos, seus criados e escravos; e finalmente com os fregueses nas transações comerciais. Ele deve juntar-nos o estado da igreja, e escola, levar-nos para o campo, às fazendas, roças, plantações e engenhos. Aqui deve apresentar, quais os meios, segundo que sistema, com que conhecimentos manejavam a economia rústica, lavoura e comércio colonial. Não é destituído de interesse saber-se como e aonde se introduziram pelos colonos, pouco a pouco, árvores e plantas européias; como, pouco a pouco, se desenvolveu o sistema presente; qual a parte que em todos estes movimentos tiveram a construção naval, a navegação e o conhecimento dos mares, principalmente daqueles que foram sulcados pelos portugueses. 
As observações sobre as escolas do Brasil, sobre o método do ensino então aí reinante, o grau de instrução obtido por ele, há de conduzir outra vez a indagações sobre o estado das letras na mãe pátria. Por isso, pertence à tarefa do historiador brasileiro ocupar-se especialmente com o progresso da poesia, retórica, e todas as mais ciências em Portugal, mostrar a sua posição relativa às mesmas no resto da Europa, e apontar qual a influência que exerceram sobra a vida científica, moral e social dos habitantes do Brasil. 
Enfim, pertence também à vida militar em Portugal aos assuntos de um perfeito quadro histórico. Qual a maneira e modos empregados no recrutamento, instrução, comando e serviço do exército, os princípios estratégicos, segundo os quais se devia proceder no Brasil, um país tão diferente da Europa: tudo isto deve ser tomado em consideração em uma história pragmática do país. Relativamente às guerras com os holandeses, não nos faltam semelhantes notícias. Mas pelo contrário o que diz respeito a essas viagens belicosas no interior do Brasil, principalmente dos mamelucos de S. Paulo e suas guerras com os espanhóis e os missionários em Paraguai, carece ainda ser esclarecido, por acharem-se os poucos documentos escritos relativos ainda sepultados pela maior parte nos arquivos das diferentes cidades e vilas. 
Enquanto as crônicas da maior parte dos lugares mais consideráveis ocupam-se muitas vezes com grande monotonia de acontecimentos de nenhuma importância relativos à comunidade, achará o historiador um atrativo variadíssimo na narração das numerosas viagens de descobertas e incursões dos diferentes pontos do litoral para os desertos longínquos do interior (os sertões), empreendidas em procura de ouro e pedras preciosas, ou com o fim de cativar e levar como escravos os indígenas. Essas entradas foram pela maior parte executadas espontaneamente por pessoas, as quais animadas por certo espírito romanesco e aventureiro, nelas desenvolveram toda a energia, talento inventivo, perseverança e coragem de Cortez, Balboa ou Pizarro, e executaram façanhas dignas de admiração da posteridade. É muito para desejar que pesquisas rigorosas nos arquivosdas cidades nos subministrassem maior cópia de documentos semelhantes àqueles que referem as aventuras românticas de Bartolomeu Bueno da Silva, descobridor de Goiás, 19 de setembro de 1740, aventuras dignas de inspirar tanto a fantasia do poeta épico, como a musa mais tranqüila do historiador. Para a descrição destas viagens de descoberta, apresenta-se uma grande dificuldade na falta de datas exatas geográficas, que designassem com precisão os caminhos tomados por tais expedições. Custa-nos acreditar que estas incursões percorressem muitos lugares, que atualmente são mais visitados e inteiramente perdidos para nós, como por exemplo esse fabuloso vale pedregoso e riquíssimo em ouro dos Martírios; contudo uma designação em tudo exata da direção dos caminhos então percorridos, não havia de ser sem interesse para a geografia, etnografia, e em alguns casos também para a exploração das riquezas da natureza, de muitas regiões ainda hoje quase desconhecidas. 
Uma exposição aprofundada destas viagens para o interior conduzirá necessariamente o historiador a certa particularidade, que excitou muito a minha atenção. Eu falo das numerosas histórias e legendas sobre as riquezas subterrâneas do país, que nele são o único elemento do romantismo, e substituem para com os brasileiros os inúmeros contos fabulosos de cavaleiros e espectros, o quais fornecem nos povos europeus uma fonte inesgotável e sempre nova para a poesia popular. Pareceu-me que a superstição do povo se tinha por assim dizer, concentrado nesses contos, e para assinar-lhes seu verdadeiro valor, o historiador não deixará de ponderar enquanto os negros contribuíram para essas, às vezes sumamente poéticas narrações. O negro gosta de falar; o seu modo africano de pensar, seu fetichismo lhe subministraram também diversos pensamentos poéticos sobre acontecimentos sobrenaturais ou milagrosos. Assim desenvolveu-se nas províncias de Minas, S. Paulo e Goiás um completo círculo de fábulas de Plutão que deve ser representado com uma tintura particular nessa população. Nos países limítrofes do Amazonas, onde há maior porção de índios, não há vestígios disso; mas de outro lado deleita-se aí o povo com monstros fantásticos de fantasia índia, que, entristecida pela solidão lúgubre dos bosques, e os terrores de uma natureza medonha em suas produções, encontra por todos os lados monstros horrorosos, sátiros e animais fabulosos, míticos, que a nós europeus pela primeira vez fez conhecer Walter Raleigh e seus companheiros em suas relações extravagantes. 
Um historiador filósofo, familiarizado com todas as direções desses mitos populares, de certo não os desprezará; mas há de dar-lhe a importância particular que merecem, dele concluirá para várias conjunturas na vida do povo, e há de pô-los em relação com a essência do grau de civilização intelectual em geral. A diversidade das fontes donde emanam esses contos, oferecerá ao historiador a ocasião para variadas observações gerais, tanto históricas como etnográficas. 
  
A raça africana em suas relações para com a História do Brasil 
Não há dúvida de que o Brasil teria tido um desenvolvimento muito diferente sem a introdução dos escravos negros. Se para o melhor ou para o pior, este problema se resolverá para o historiador, depois de ter tido ocasião de ponderar todas as influências, que tiveram os escravos africanos no desenvolvimento civil, moral e político da presente população. 
Mas, no atual estado das coisas, mister é indagar a condição dos negros importados, seus costumes, suas opiniões civis, seus conhecimentos naturais, preconceitos e superstições, os defeitos e virtudes próprias a sua raça em geral, etc., etc., se demonstrar quisermos como tudo reagiu sobre o Brasil. Sendo a África visitada pelos portugueses antes da descoberta do Brasil, e tirando eles deste país grandes vantagens comerciais, é fora de dúvida que já naquele período influía nos costumes o desenvolvimento político de Portugal. Por este motivo devemos analisar as circunstâncias das colônias portuguesas na África, de todas as quais se trafica em escravatura para o Brasil, dever-se-á mostrar que movimento imprimiam na indústria, agricultura e comércio das colônias africanas para com as do Brasil, e vice-versa. De sumo interesse são as questões sobre o estado primitivo das feitorias portuguesas, tanto no litoral como no interior da África, e da organização do tráfico de negros. Estas circunstâncias são quase inteiramente desconhecidas na Europa. Só ultimamente foram publicadas notícias sobre este assunto pelos ingleses; contudo parecem representadas em grande parte de um só lado, nem fornecem esclarecimentos suficientes, sobre o manejo e procedimento do tráfico dos escravos no interior do país. E se observamos pela outra parte que a literatura portuguesa oferece muito pouco, o que se refere à história universal do tráfico da escravatura,�[1] o autor prestaria um serviço muito relevante se na história do Brasil tratasse cabal e extensamente este assunto. De si mesmo oferecem-se então muitas comparações sobre a índole, os costumes e usos entre os negros e os índios, que sem dúvida contribuirão para o aumento de interesse que nos oferecerá a obra. Enfim será conveniente indicar qual a influência exercida pelo tráfico de negros e suas diferentes fases sobre o caráter português no próprio Portugal. 
Nunca portanto o historiador da Terra de Santa Cruz há de perder de vista que sua tarefa abrange os mais grandiosos elementos; que não lhe compete tão somente descrever o desenvolvimento de um só povo, circunscrito em estreitos limites, mas sim de uma nação cuja crise e mescla atuais pertencem à história universal, que ainda se acha no meio do seu desenvolvimento superior. Possa ele não reconhecer em tão singular conjunção de diferentes elementos algum acontecimento desfavorável, mas sim a conjuntura mais feliz e mais importante no sentido da mais pura filantropia. Nos pontos principais a história do Brasil será sempre a história de um ramo de portugueses; mas se ela aspirar a ser completa e merecer o nome de uma história pragmática, jamais poderão ser excluídas as suas relações para com as raças etiópica e índia. 
Sobre a forma que deve ter uma história do Brasil, seja-me permitido comunicar algumas observações. As obras até o presente publicadas sobre as províncias, em separado, são de preço inestimável. Elas abundam em fatos importantes, esclarecem até com minuciosidade muitos acontecimentos; contudo não satisfazem ainda as exigências da verdadeira historiografia, porque se ressentem de mais de certo espírito de crônicas. Um grande número de fatos e circunstâncias insignificantes, que com monotonia se repetem, e a relação minuciosa até o excesso de acontecimentos que se desvaneceram sem deixarem vestígios históricos, tudo isso recebido em uma obra histórica, há de prejudicar o interesse da narração e confundir o juízo claro do leitor sobre o essencial da relação. O que avultará repetir-se o que cada governador fez ou deixou de fazer na sua província, ou relacionar fatos de nenhuma importância histórica, que se referem à administração de cidades, municípios ou bispados, etc.; ou uma escrupulosa acumulação de citações e autos que nada provam, e cuja autenticidade histórica é por vezes duvidosa? Tudo isso deverá, segundo a minha opinião, ficar excluído. 
Aqui se apresenta uma grande dificuldade em conseqüência da grande extensão do território brasileiro, da imensa variedade no que diz respeito à natureza que nos rodeia, aos costumes e usos e à composição da população de tão disparatados elementos. Assim como a província do Pará tem clima inteiramente diferente, outro solo, outros produtos naturais, outra agricultura, indústria, outros costumes, usos e precisões, do que a província do Rio Grande do Sul; assim acontece igualmente com as províncias da Bahia, Pernambuco e Minas. Em uma predomina quase exclusivamente a raça branca, descendente dos portugueses; na outra tem maior mistura com os índios; em uma terceira manifesta-se a importância da raçaafricana; em quanto influía de um modo especial sobre os costumes e o estado da civilização em geral. O autor, que dirigisse com preferência as suas vistas sobre uma destas circunstâncias, corria perigo de não escrever uma história do Brasil, mas sim uma série de histórias especiais de cada uma das províncias. Um outro porém, que não desse a necessária atenção a estas particularidades, corria o risco de não acertar com este tom local que é indispensável onde se trata de despertar no leitor um vivo interesse, e dar às suas descrições aquela energia plástica, imprimir-lhe aquele fogo, que tanto admiramos nos grandes historiadores. 
Para evitar este conflito, parece necessário que em primeiro lugar seja em épocas, judiciosamente determinadas, representando o estado do país em geral, conforme o que tenha de particular em suas relações com a mãe pátria e as mais partes do mundo; e que, passando logo para aquelas partes do país que essencialmente diferem, seja realçado em cada uma delas o que houver de verdadeiramente importante e significativo para a história. Procedendo assim, não se devia certamente principiar de novo em cada província; mas omitir, pelo contrário, tudo aquilo que em todas, mais ou menos, se repetiu. Portanto, deviam ser tratadas conjuntamente aquelas porções do país que, por analogia da sua natureza física, pertencem uma às outras. Assim, por exemplo, converge a história das províncias de S. Paulo, Minas, Goiás e Mato Grosso; a do Maranhão se liga à do Pará, e à roda dos acontecimentos de Pernambuco formam um grupo natural os do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Enfim, a história de Sergipe, Alagoas e Porto Seguro, não será senão a da Bahia. 
Para um tal trabalho, segundo certas divisões gerais do Brasil, parece-me indispensável que o historiador tivesse visto esses países, que tivesse penetrado com os seus próprios olhos as particularidades da sua natureza e população. Só assim poderá ser apto para avaliar devidamente todos os acontecimentos históricos que tiveram lugar em qualquer das partes do Império, explicá-los pela particularidade do solo que o homem habita; e colocá-los em um verdadeiro nexo pragmático para com os acontecimentos da vizinhança. Quão diferente é o Pará de Minas! Uma outra natureza, outros homens, outras precisões e paixões, e por conseguinte outras conjecturas históricas. 
Esta diversidade não é suficientemente reconhecida no Brasil, porque há poucos brasileiros que tenham visitado todo o país; por isso formam idéias muito errôneas sobre circunstâncias locais, fato este que sem dúvida alguma muito concorre para que as perturbações políticas em algumas províncias só se podiam apagar depois de longo tempo. Nem se reconhecerão sempre as verdadeiras causas de um estado achacoso, e por isso às vezes não foram ministrados os remédios apropriados. Se o historiador se familiarizar bem com estas particularidades, e exatamente as apresentar, não poucas ocasiões achará para dar úteis conselhos à administração. No que diz respeito aos leitores em geral, deverá lembrar-se em primeiro lugar que não excitará nenhum interesse vivo, nem lhes poderá desenvolver as relações mais íntimas do país, sem serem precedidos os fatos históricos por descrição das particularidades locais da natureza. Tratando o seu assunto, segundo este sistema, o que já admiramos no pai da história, Heródoto, encontrará muitas ocasiões para pinturas encantadoras da natureza. Elas imprimirão a sua obra um atrativo particular para os habitantes das diferentes partes do país, porque nestas diversas descrições locais reconhecerão a sua própria habitação, e se encontrarão, por assim dizer, a si mesmos. Desta sorte ganhará o livro em variedades e riqueza de fatos e muito especialmente em interesse para o leitor europeu. 
Por fim devo ainda ajuntar uma observação sobre a posição do historiador do Brasil para com a sua pátria. A história é uma mestra, não somente do futuro, como também do presente. Ela pode difundir entre os contemporâneos sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo. Uma obra histórica sobre o Brasil deve, segundo a minha opinião, ter igualmente a tendência de despertar e reanimar em seus leitores brasileiros amor da pátria, coragem, constância, indústria, fidelidade, prudência, em uma palavra, todas as virtudes cívicas. O Brasil está afecto em muitos membros de sua população de idéias políticas imaturas. Ali vemos republicanos de todas as cores, ideólogos de todas as qualidades. É justamente entre estes que se acharão muitas pessoas que estudarão com interesse uma história de seu país natal; para eles, pois, deverá ser calculado o livro, para convencê-los por uma maneira destra da inexeqüibilidade de seus projetos utópicos, da inconveniência de discussões licenciosas dos negócios públicos, por uma imprensa desenfreada, e da necessidade de uma monarquia em um país onde há um tão grande número de escravos. Só agora principia o Brasil a sentir-se como um todo unido. Ainda reinam muitos preconceitos entre as diversas províncias; estes devem ser aniquilados por meio de uma instrução judiciosa; cada uma das partes do Império deve tornar-se cara às outras; deve procurar-se provar que o Brasil, país tão vasto e rico em fontes variadíssimas de ventura e prosperidade civil, alcançará o seu mais favorável desenvolvimento, se chegar, firmes os seus habitantes na sustentação da Monarquia, a estabelecer, por uma sábia organização entre todas as províncias, relações recíprocas. Enquanto não poucas vezes acontecerá que os estrangeiros tentem semear a cizânia entre os interesses das diversas partes do país, para assim, conforme ao divide et impera, obter maior influência nos negócios do estado; deve o historiador patriótico aproveitar toda e qualquer ocasião a fim de mostrar que todas as províncias do Império por lei orgânica se pertencem mutuamente, que seu próprio adiantamento se pode ser mais garantido pela mais íntima união entre elas. Justamente na vasta extensão do país, na variedade de seus produtos, ao mesmo tempo que os seus habitantes tem a mesma origem, o mesmo fundo histórico, e as mesmas esperanças para um futuro lisonjeiro, acha-se fundado o poder e grandeza do país. Nunca esqueça, pois, o historiador do Brasil, que para prestar um verdadeiro serviço a sua pátria deverá escrever como autor monárquico-constitucional, como unitário no mais puro sentido da palavra. Daqui resulta que a obra, a qual não devia exceder a um só forte volume, deverá ser escrita em um estilo popular, posto que nobre. Deverá satisfazer não menos ao coração do que à inteligência; por isso, não devia ser escrita em uma linguagem do... e empolada, nem sobrecarregada de erudição ou de uma multidão de citações estéreis. Evitará não menos ter o caráter de uma crônica, do que de investigações históricas, secas e puramente eruditas. Como qualquer história que este nome merece, deve parecer-se com um Epos! Só de um lado é verdadeiro que a Epos popular só é composto onde o povo ainda se acha em desenvolvimento progressivo, então do outro lado não pudemos duvidar que atualmente o Brasil é um objeto digno de uma história verdadeiramente popular, tendo o país entrado em uma fase que exige um progresso poderoso; por isso, uma história popular do país vem muito a propósito, e possa seu autor, nas muitas conjecturas favoráveis, que o Brasil oferece, achar um feliz estímulo, para que imprima a sua obra todo o seu amor, todo o zelo patriótico, e aquele fogo poético próprio da juventude, ao mesmo passo que desenvolva a aplicação e profundidade de juízo e firmeza de caráter, pertencentes à idade madura e varonil. 
Munique, 10 de janeiro de 1843 
  
MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a História do Brasil. Revista do IHGB. Rio de Janeiro 6 (24): 389 - 411. Janeiro de 1845. (Revista Trimensal de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. N. 24, janeiro de 1845). 
Divulgado em: (http://www.pucrs.br/letras/pos/historiadaliteratura/textosraros/martius.htm)

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